PROCESSO EXTRAORDINÁRIO DE VIABILIZAÇÃO DE EMPRESAS (PEVE)
NATUREZA
TRAMITAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário

1 – O Processo natureza é um processo urgentíssimo, inspirado na modalidade de homologação do Processo Especial de Revitalização (PER) prevista no art. 17º-I do CIRE no qual o legislador tomou certas opções em matérias ainda discutidas e discutíveis em PER e PEAP, todas orientadas para a aceleração do procedimento, tramitação e conclusão.
2 – Assim, o processo não comporta fase de reclamação de créditos, não é aplicável o disposto no nº5 do art. 139º do CPC às impugnações e pedidos de não homologação, a decisão das impugnações à relação de credores é tomada apenas com base em prova documental, foi expressamente consagrada a irrecorribilidade autónoma da decisão sobre as impugnações, optou-se pela fixação ex lege de percentagem de voto aos créditos sob condição e consagrou-se a inaplicabilidade do disposto nos arts. 17º-G e 222º-G do CIRE – art. 9º nºs 1, 2, 4, al. a), 5, 8 e 11 da L 75/2020.
3 – Sendo inegável que a lei visa a máxima economia de meios processuais com vista a uma rápida decisão, vista como a única possibilidade de empresas ainda viáveis, a restrição do contraditório às impugnações, discutível em PER, torna-se uma certeza em PEVE, processo no qual não é admissível a apresentação de resposta às impugnações.
4 – Em PEVE, cumprindo a relação de credores junta pelo devedor a função de delimitação do universo de credores com vista à verificação de se subscreveram o acordo credores que perfaçam uma das maiorias legalmente previstas como necessárias, tal relação, tal como as decisões da respetiva impugnação têm apenas a mesma função de definição de direitos políticos que a decisão da impugnação da lista provisória em PER: não produzem efeitos fora do procedimento, servindo apenas para a determinação do universo de créditos e para a aferição da base de cálculo das maiorias necessárias à aprovação do acordo de viabilização.
5 – Em consequência, inexiste litispendência entre a decisão de impugnação da relação de credores e a ação interposta pelo credor com vista ao reconhecimento da dívida ou entre aquela e a ação interposta pelo devedor com vista à declaração de nulidade do negócio jurídico no qual se funda a impugnação, dado que os efeitos jurídicos a obter são diversos.
6 – O art. 272º nº1 do CPC não é aplicável em PEVE, dada a proibição de suspensão da instância prevista no art. 8º nº1 do CIRE, aplicável nos termos do nº7 do art. 6º da Lei nº 75/2020.
7 - A cláusula de um acordo de viabilização que, sem prever qualquer período de carência para o pagamento dos créditos subordinados, antes prevendo o pagamento com a ocorrência de um acontecimento futuro, refere que aqueles passam a credores privilegiados após um período de seis meses, não atribui caráter privilegiado a tais créditos porque só a lei o pode fazer.
8 - Os únicos financiamentos que merecem a proteção do art. 17º-H do CIRE (na anterior e atual redação) e do art. 11º da Lei nº 75/2020, de 27/11, são os financiamentos intercalares (no decurso do processo) e os financiamentos da execução do plano ou acordo, nunca os créditos vencidos antes da entrada do próprio processo já que tais créditos não foram concedidos “no âmbito do processo extraordinário de viabilização” . É essa a razão porque são denominados novos créditos.
9 – Viola o princípio da igualdade um acordo de viabilização que prevê o pagamento integral dos créditos subordinados e o perdão de 50% dos créditos comuns, considerando que se trata de um devedor com ativo superior ao passivo e em que a dificuldade a ultrapassar é a da falta de liquidez, a ser sanada com a venda do património, logo que esta se mostre possível.

Texto Integral

Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
CL, SA intentou o presente processo extraordinário para viabilização de empresas.
Juntou os elementos previstos no nº1 do art. 7º da Lei nº 75/2020 de 27 de novembro.
Foi proferido o despacho previsto no art. 7º nº3 da Lei nº 75/2020, de 27/11, nomeando administrador judicial provisório.
Foram apresentadas impugnações da lista de credores, nos termos e prazo previstos no art. 9º nº1 da Lei 75/2020 por:
- NC, SA, pedindo o reconhecimento do crédito de € 405,85;
- ISS, IP, alegando a incorreção do montante do crédito relacionado e pedindo o reconhecimento do valor de € 79.829,18;
- GB e LB, alegando a incorreção do montante do crédito relacionado, de € 30.000,00 e pedindo o reconhecimento do valor de € 60.979,97; alegando a existência de relações especiais entre a devedora e QV, Lda, dado a sua gerente ser casada com JCR, administrador da devedora e pedindo a classificação do crédito daquela como subordinado;
- LBV, alegando a incorreção do montante do crédito relacionado e pedindo o reconhecimento do valor de € 77.529,79; alegando a incorreção do montante pedindo o reconhecimento à credora EGI, SA de um crédito de € 331.899,18 e alegando não poder o mesmo ser reconhecido como comum (sem propor qualificação diversa);
- EGI, SA, alegando a incorreção do montante do crédito relacionado e pedindo o reconhecimento do crédito de € 331.899,18 como crédito garantido; impugnou também o crédito relacionado à credora LBV pedindo o reconhecimento a esta de um crédito no valor de € 77.529,79; impugnou igualmente o crédito relacionado à credora QV, Lda, pedindo o seu reconhecimento como subordinado dado a sua gerente e sócia única ter sido casada com o administrador da devedora, JCR existindo especial relação, nos termos do art. 49º, nº1, a) e nº2, als. b) e d) do CIRE.
Pediram a não homologação do acordo nos termos e prazo previstos no nº1 do art. 9º da Lei nº 75/2020 de 27/11:
- GB e LB, dado o acordo não reunir a maioria necessária à sua aprovação dada a natureza subordinada do crédito relacionado da QV, Lda e por violação do princípio da igualdade, uma vez que prevê o perdão de 50% dos créditos comuns, e, quanto aos credores subordinados, o seu pagamento integral e a sua passagem a credores privilegiados, após um período de carência de 6 meses, sem qualquer fundamento legal e, finalmente, uma vez que o plano proposto é inviável e inexequível, dependendo de condição futura e incerta, colocando os credores comuns em situação menos favorável que a ausência de qualquer plano e proporcionando ao credor QV, Lda um valor económico superior ao valor do montante nominal dos seus créditos por lhe conferir um peso na votação como crédito comum, quando é subordinado;
- LBV, alegando que o mesmo coloca os credores subordinados em posição substancialmente mais vantajosa que a dos demais credores da devedora por se prever o respetivo pagamento integral e conversão em créditos privilegiados após um período de carência de 6 meses, sem fundamentar a prestação de serviço essencial à empresa, sendo o beneficiário efetivo de todos os credores subordinados, à exceção de um, o administrador e sócio maioritário da devedora, JCR, em violação do princípio par conditio creditorum; pede ainda a não homologação por ficar em posição menos favorável com a homologação do acordo do que aquela em que se encontraria na ausência de acordo dado que o acordo prevê uma redução de 50% e, alegando a devedora que os seus ativos são superiores ao seu passivo, sempre receberia a totalidade do seu crédito;
- EGI, SA alegando que, dada a natureza subordinada do crédito de QV, Lda e o facto de a Segurança Social e a AT disporem de direito de voto, o acordo não foi aprovado nos termos do nº5 do art. 17º-F do CIRE; mais alega que o acordo coloca os credores subordinados em posição substancialmente mais vantajosa que a dos demais credores por se prever o respetivo pagamento integral e conversão em créditos privilegiados após um período de carência de 6 meses, sem fundamentar a prestação de serviço essencial à empresa, sendo o beneficiário efetivo de todos os credores subordinados, à exceção de um, o administrador e sócio maioritário da devedora, JCR, em violação do princípio par conditio creditorum; pede, finalmente a não homologação uma vez que, a manter-se a qualificação do seu crédito como comum, verá o seu crédito reduzido a metade, quando, alegando a devedora que os seus ativos são superiores ao seu passivo, na ausência de acordo sempre receberia a totalidade do seu crédito;
Em 26/11/2021, o Sr. Administrador Judicial Provisório emitiu parecer nos termos e prazo previstos no nº 3 do art. 9º da Lei nº 75/2020 de 27/11, no sentido de a proposta de viabilização apresentada estar adequadamente fundamentada e existir possibilidade de lhe ser dado cumprimento.
ISS, IP, ABM e VVM e MRF declararam aderir ao plano proposto pela devedora.
A devedora veio, invocando o exercício do direito ao contraditório (especificamente o disposto nos arts. 131º nº1 do CIRE e 3º nº3 do CPC), veio responder à impugnação apresentada por GB e LB quanto ao seu próprio crédito, alegando, quanto à impugnação do crédito relacionado, que os factos estão a ser discutidos em ação cível pendente e pedindo a sua absolvição da instância impugnatória, por litispendência e o não reconhecimento do crédito reclamado; pedindo a improcedência da impugnação do crédito relacionado a QV, Lda, dado o administrador da devedora estar divorciado da gerente da credora há 10 anos; no tocante ao pedido de não homologação defende que o acordo foi aprovado pelas maiorias legalmente previstas e a inexistência de violação do princípio da igualdade, dado que os credores subordinados têm prestado, ao longo dos anos, serviços fundamentais para a prossecução e desenvolvimento da atividade da devedora, entende que os credores, estando o seu crédito a ser discutido em ação pendente, não têm legitimidade para pedir a não homologação ao abrigo do art. 216º do CIRE;
Nos mesmos termos, a devedora veio responder às impugnações apresentadas por EGI, SA e LBV, alegando, quanto à EGI, pender ação comum contra a mesma, por si movida, arguindo a litispendência entre a impugnação e a ação em causa pelo que deve improceder a impugnação e, caso assim não se entenda, deve a referida ação ser julgada causa prejudicial e suspensa a a impugnação até decisão da primeira. Quanto à impugnação deduzida por LBV reconheceu o valor e crédito da impugnante. No tocante à impugnação por aquela deduzida ao crédito relacionado a QV, Lda, alega inexistir qualquer relação especial, estando o administrador da devedora divorciado da gerente da credora há 10 anos. Relativamente ao pedido de não homologação, defende estarem reunidas as maiorias legalmente exigidas e inexistir violação do princípio da igualdade dado que os credores subordinados têm prestado serviços e suportado despesas da devedora fundamentais para a prossecução e desenvolvimento da atividade da requerente e decisiva para a implementação do plano de viabilização. No tocante ao alegado ao abrigo do art. 216º, al. a) do CIRE, alega que “na perspectiva de adequada ponderação de interesses e levando em linha de conta os fins que as leis falimentares visam, seria desproporcional que o processo extraordinário de viabilização de empresa fosse inviabilizado pelo facto de um dos credores, por não ter visto contemplado o seu crédito na plenitude das garantias que o dotam, pudesse conduzir à não homologação do plano de recuperação de uma empresa.”
GB e LB, invocando o art. 3º nº3 do CPC vieram, alegando responder às exceções, expor que a ação em causa se encontra suspensa desde a nomeação de administrador judicial provisório e que foi a própria devedora que os relacionou com um crédito de € 30.000,00, pelo que age agora em abuso de direito, pedindo a sua condenação como litigante de má-fé.
EGI, S.A. e LBV, invocando o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 6.º, n.º 7, da Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro vieram responder à resposta à impugnação apresentada pela devedora apontando, quanto à credora EGI que foi a devedora que a relacionou como credora, inexistindo litispendência ou prejudicialidade, mais se pronunciando, sem a extração de qualquer consequência jurídica, sobre o crédito da Segurança Social.
A devedora veio responder ao pedido de condenação como litigante de má-fé deduzido por GB e LB pedindo a respetiva improcedência.
GB e LB, invocando o disposto no nº. 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 6.º, n.º 7, da Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro vieram responder novamente pedindo a improcedência da exceção de litispendência e reiterando o pedido de condenação da devedora como litigante de má-fé.
Na sequência de despacho do tribunal ordenando a junção de elementos, a devedora veio expor já ter dado cumprimento ao mesmo com os elementos juntos com o requerimento inicial.
LBV e EGI, S.A. invocando novamente o princípio do contraditório, e referindo responder ao requerimento da devedora vieram requerer a correção do “erro na qualificação do meio processual utilizado pela requerente, determinando-se que sigam os termos do Processo Especial de Revitalização, nos termos do disposto no artigo 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 17.º do CIRE” e que seja ordenada a notificação da requerente para cumprir o ordenado pelo tribunal.
O tribunal ordenou nova notificação do AJP e devedora, nos termos já ordenados, sem conhecimento de qualquer outra questão.
A devedora respondeu, expondo já ter dado cumprimento ao ordenado com o requerimento inicial.
EGI, S.A. e LBV, invocando o princípio do contraditório vieram, alegando não ter sido dado cumprimento ao ordenado, pedir a não homologação do plano por violação procedimental não negligenciável.
GB e LB, invocando o disposto no nº. 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 6.º, n.º 7, da Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro vieram, alegando não ter sido dado cumprimento ao ordenado, pedir a não homologação do plano por violação procedimental não negligenciável e pedir nova condenação da devedora como litigante de má-fé.
A devedora respondeu a ambos os requerimentos, alegando a inexistência de qualquer violação de regras procedimentais e pedindo a homologação do acordo.
GB e LB vieram, invocando estar a devedora a promover a venda de um bem imóvel de sua propriedade, requerer seja ordenada a notificação “da empresa devedora para que a mesma se abstenha de praticar atos constituem atos de especial relevo e para os quais está impedida sob pena de violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei 75/2020.”
A devedora, invocado o exercício do contraditório respondeu, alegando que a venda do bem imóvel não constitui um ato de especial relevo.
EGI, S.A. e LBV vieram novamente pedir a não homologação do plano, recopilando todos os argumentos anteriormente alegados e acrescentando como nova causa de não homologação a “violação da proibição da prática de atos de especial relevo, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do PEVE”.
GB e LB, mais uma vez invocando o exercício do contraditório, pediram novamente a recusa de homologação do acordo por violação de normas procedimentais, a condenação da devedora como litigante de má-fé e a notificação da devedora para se abster de pratica atos de especial relevo para os quais está impedida.
O tribunal ordenou a notificação do AJP para se pronunciar sobre aqueles dois requerimentos.
O AJP pronunciou-se, concluindo pela aprovação do plano e indicando não consistir, a venda do imóvel, um ato de especial relevo, que, ainda assim, havia autorizado.
Por sentença de 28/06/2022, o tribunal decidiu as impugnações apresentadas por NC, SA, ISS, IP, GB e LB, LBV e EGI, S.A. quanto aos respetivos créditos, e, julgando-as procedentes, reconheceu os créditos, tendo, considerado aprovado o plano por credores perfazendo o total de € 1.240.418,58, entre os quais um crédito comum de QV, Lda, no valor de € 375.119,34 e, quanto à homologação, foi decidido:
«Pelo exposto, entendemos não homologar o plano apresentado pela requerente., CL, sociedade anónima com sede na Av. …, em Lisboa, com o capital social integralmente realizado de duzentos mil euros, pessoa coletiva matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º xxx xxx xxx.
Sem custas – artigo 15.º da Lei n.º 75/2020, de 27.11.»
Inconformada apelou a devedora pedindo a declaração de nulidade da sentença e a sua revogação e substituição por outra que homologue o plano de viabilização apresentado nos presentes autos, e formulando as seguintes conclusões:
“I. O Tribunal a quo decidiu reconhecer os créditos impugnados pela Recorrente com base nos documentos juntos com as impugnações, apesar “da posição assumida pela requerente nas suas respostas apresentadas”.
II. Sobre a arguição da excepção dilatória de litispendência e da questão levantada sobre a prejudiciabilidade de causa anterior nas respostas pela Recorrente nem uma palavra ou pronúncia.
III. O Tribunal a quo não fundamentou a decisão proferida, limitando-se apenas a dizer que, depois de analisados os documentos juntos com as impugnações e apesar da posição assumida pela Recorrente, cabia julgar procedentes as impugnações apresentadas e reconhecer os créditos aí reclamados.
IV. Na verdade, o Tribunal a quo limitou-se a aderir aos fundamentos e aos documentos apresentados pelos Impugnantes nos seus requerimentos de impugnação da lista de credores.
V. A sentença não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de julgar as impugnações procedentes e reconhecer, consequentemente, os créditos neles reclamados, limitando-se apenas a formular um juízo de mera adesão.
VI. A simples adesão aos fundamentos apresentados nos requerimentos não pode ser considerada justificação para fundamentar uma decisão, nos termos previstos no artigo 154.º n.º 2 do CPC, equiparando-se à falta de fundamentação previsto no número um do mesmo preceito normativo.
VII. Pelo exposto, não estamos, pois, perante uma especificação incompleta ou deficiente dos fundamentos de facto ou de direito, mas sim por uma total ausência de qualquer fundamento de facto ou de direito, constituindo a justificação dada, ao considerar os documentos juntos com as impugnações decisivos para a decisão de reconhecimento dos créditos reclamados pelos Impugnantes, uma simples e mera adesão.
VIII. Por outro lado, não tendo apreciado as questões suscitadas pela Recorrente, o Tribunal a quo violou o dever de pronúncia a que estava adstrito nos termos previstos no artigo 608.º n.º 2 do CPC.
IX. O Tribunal a quo ignorou por completo as respostas apresentadas pela Recorrente e as excepções e questões nelas suscitadas, não se pronunciando sobre a sua bondade ou merecimento jurídico.
X. Concluindo, a douta sentença recorrida é nula por falta de fundamentação e omissão de pronúncia nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alíneas b) e d) do CPC, respectivamente.
XI. O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas, prevê o artigo 194.º n.º 1 do CIRE.
XII. No caso dos autos, não existe violação do princípio da igualdade uma vez que não existe tratamento diferenciado entre credores e por classes idênticas.
XIII. Os credores subordinados têm sido o suporte da Recorrente, prestando serviços essenciais à sua actividade sem receber a respectiva contrapartida e manifestam a vontade de continuar a prestar esses serviços no âmbito do plano de viabilização e nos termos propostos para a manutenção dessa actividade.
XIV. Na verdade, os credores subordinados têm sido, ao longo dos anos, a fonte de crédito da Recorrente.
XV. No âmbito do plano proposto, o tratamento dentro das classes de credores é idêntico.
XVI. Actualmente, no âmbito do processo de insolvência, aos credores cabe decidir, com larga autonomia, a forma como recuperar os seus créditos, abrindo-se duas vias; a da liquidação da empresa ou a sua recuperação.
XVII. Na verdade, a parte final do art. 194º, nº 1, do CIRE prevê uma atenuação do princípio da igualdade dos credores da insolvência, permitindo a sua atenuação ou derrogação desde que objectivamente se justifique a diferenciação.
XVIII. Mesmo que se considere que tratamento dos credores subordinados é mais favorável do que ao dado aos credores comuns, esse mesmo tratamento está objectivamente justificado devido ao facto de serem, ao longo dos anos, fonte de crédito da Recorrente e prestadora de serviços fundamentais à prossecução da sua actividade sem receber, muitas vezes, a devida contrapartida pecuniária por essa prestação.
XIX. No âmbito do PER, como agora no PEVE, a satisfação dos direitos dos credores deixa de ocupar o lugar privilegiado que até então vinha tendo no CIRE, passando, após a Lei nº 16/2012, de 20 de Abril e a Lei n.º 75/2020, de 27 de Novembro, o objectivo principal a incidir sobre a possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da sua liquidação.
XX. O Legislador consagrou o princípio par conditio creditorum, significando isto a igualdade dos credores, perspectivada, de uma forma evidente e natural na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto.
XXI. Torna-se, portanto, compreensível a defesa de que o princípio da igualdade dos credores permite, em consideração com o princípio da prioridade na recuperação económica do devedor (art. 1.º, n.º 1, do CIRE), que se adopte um tratamento diferenciado de credores, desde que justificado, igualmente, por razões objectivas.
XXII. Com efeito, entre as circunstâncias que, em concreto, podem ser atendidas para estabelecer justificadas diferenciações contam-se, para além da distintiva classificação dos créditos, o seu grau hierárquico (dentro da mesma categoria), e a diversidade das suas fontes.
XXIII. Existem, pois, razões objectivas que justificam a diferenciação entre credores comuns e credores subordinados, uma vez que estes, com a prestação de serviços à Recorrente na recuperação de créditos, estão na prática a financiar a sua actividade.
XXIV. Com efeito, os credores subordinados da Recorrente financiam a sua actividade disponibilizando capital ao longo dos últimos anos e continuam na disposição e com vontade de continuar a financiar nos mesmos termos a actividade no âmbito do presente PEVE de acordo com a declaração prestada no ponto 6.2 do plano de viabilização.
XXV. Assim, ao contrário do que defende o Tribunal a quo, os credores subordinados da Recorrente podem beneficiar de privilégio creditório mobiliário geral nos termos do artigo 11.º n.º 2 da Lei n.º 75/2020, de 27/11.
XXVI. Com a sua decisão, o Tribunal a quo afasta a aplicabilidade do artigo 11.º n.º 2 da Lei n.º 75/2020, de 27/11 ao caso concreto por considerar que os credores subordinados, ao beneficiarem de privilégio creditório mobiliário geral, colocam os credores comuns numa posição desfavorável em comparação com a de um cenário de eventual insolvência.
XXVII. Ora, a possibilidade de credores subordinados de terem direito ao benefício referido decorre directamente do citado preceito normativo e não pode ser afastado por decisão judicial.
XXVIII. Os Impugnantes não demonstraram que, em termos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, o que impede o Tribunal a quo de se pronunciar sobre o assunto, uma vez que este tema não é do seu conhecimento oficioso.
XXIX. Na verdade, os Impugnantes e o Tribunal a quo apenas tiram conclusões genéricas, elaborando juízos de prognose sem qualquer sustentação em factos concretos, não fazendo, ainda, qualquer juízo de probabilidade comparativo entre a situação de aprovação do plano e a sua ausência, incluindo a eventual e futura insolvência.
XXX. Pelo exposto, a sentença recorrida deve ser declarada nula com todas as consequências legais advenientes,
XXXI. não se considerando, ainda, que o princípio de igualdade entre credores comuns e subordinados tenha sido posto em causa, devendo o plano de viabilização ser homologado, pois, só assim se fará justiça.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho de 19/08/2022 (ref.ª 418148011).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
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2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes as questões a decidir:
- nulidade da sentença por falta de fundamentação e/ou por omissão de pronuncia;
- verificação de violação do princípio da igualdade como causa de não homologação de acordo de viabilização apresentado pela devedora em processo especial de viabilização de empresas.
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Nos termos do disposto no nº1 do artigo 617º do CPC, aplicável ex vi art. 6º nº7 da Lei nº 75/2020, de 27/11[1], se a nulidade da sentença for suscitada no âmbito do recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la, no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso.
No caso presente tal apreciação foi omitida pelo tribunal recorrido, mas, por dispensável para a apreciação do objeto do recurso, clarifica-se que não foi ordenada a baixa do processo para apreciação da nulidade da sentença arguida pela recorrente, a qual se passará a apreciar (art. 617º, nº 5 do CPC).
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3. Fundamentos de facto
Com relevância para a decisão do recurso mostram-se assentes os factos constantes do relatório e os seguintes factos considerados na decisão sob recurso:
1. A requerente é sociedade anónima que se dedica à compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, aquisição, gestão e cessão de créditos, e todas as actividades conexas, e ainda se dedica a prestar serviços de consultoria e assessoria em todas aquelas áreas.
2. O capital social, integralmente realizado, é de € 200.000,00 (duzentos mil euros), distribuído da seguinte forma:
● SB, Unipessoal, Lda – participação social representativa de 69,4%; sede social: Praça … Costa da Caparica; NIPC: xxx; Capital social: 50.000,00
● W, Lda – participação social representativa de 24,5%; sede social: Av. … Lisboa, NIPC: xxx; Capital social: 50.000,00€.
● JLR – participação social representativa de 6,1%; morada: R. … Lisboa; Cartão de Cidadão nº …, válido até …; NIF: ….
3. O Conselho de Administração é constituído por dois administradores:
- JCR
- JSA.
4. No ano de 2019, a Requerente apresenta um capital próprio positivo de € 8.971.413,00 (oito milhões novecentos e setenta e um mil quatrocentos e treze euros).
5. O valor do activo estimado em € 12.040.898,00 e o valor do passivo em € 3.069.485,00.
6. Do Plano de recuperação apresentado consta:
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ACTIVIDADE DA DEVEDORA
3. A Devedora foi constituída em 17 de dezembro de 2007.
4. A actividade da Devedora sempre se concentrou no sector imobiliário.
5. Nos últimos anos, a Devedora tem-se dedicado à promoção e comercialização dos seus imóveis, aquisição de carteiras de crédito vencido e à optimização dos processos de colectas de créditos sem garantia.
3. CAUSAS DA SITUAÇÃO ECONÓMICA DIFÍCIL DA DEVEDORA
6. O sector imobiliário, onde a Devedora desenvolve a sua actividade, foi, como é sabido, um dos sectores com maior crescimento na economia portuguesa e europeia, sobretudo nos anos 2018 e 2019.
7. A Devedora é detentora de activos imobiliários com um valor de mercado significativo, nomeadamente 7 fracções sitas nos Jardins … com um valor global de cerca de 4 milhões de euros. No entanto, impende sobre estes imóveis uma hipoteca detida pela sociedade EGI, S.A., sociedade essa que tem vindo a bloquear a venda dos referidos imóveis ao não comparecer a escrituras para entrega do distrate.
8. O que veio a agravar a situação de liquidez da empresa, foi a pandemia Covid-19. Apesar de os resultados do ano 2020 terem sido positivos, já se notou um impacto negativo em relação ao ano 2019. E ano 2021 tem decorrido de forma substancialmente pior a nível de concretização de liquidez, sobretudo através da venda de património imobiliário. Apesar dos activos da empresa terem um valor considerável, a dificuldade dos devedores em pagar acordos e dívidas, e a estagnação do mercado imobiliário durante este ano 2021, provocou um decréscimo abrupto na situação líquida da CL, S.A.. Acresce que, a empresa tem em vigor diversos planos prestacionais com a Autoridade Tributária e Segurança Social, que ascendem a valores mensais superiores a €25.000, mais se acresce que a CL tem custos mensais de pessoal acima dos €16.000.
9. Pelas razões acima expostas, a sociedade está na iminência de ser confrontada com a exigência de cumprimento de obrigações de avultado montante, para as quais não possuirá liquidez suficiente.
10. A Devedora, devido à pandemia Covid-19, sofreu uma redução substancial no recebimento de colectas. Actualmente, o valor mensal de colectas é de aproximadamente €6.000,00. Este facto, só por si, evidencia que sem a venda de imóveis se torna impossível à Devedora pagar aos seus credores. Mais uma vez, a impossibilidade de vender património imobiliário tem origem na sociedade EGI, S.A., conforme referido no ponto 7. A validade da aquisição deste crédito pela EGI encontra-se a ser discutida em sede judicial, pois o crédito originário era do NB, que o cedeu a um administrador da EGI, que por sua vez cedeu o crédito à própria sociedade. No entanto, aquando da cessão do crédito à EGI, já o crédito original havia sido liquidado. A CL intentou acção declarativa contra o NB, EGI e seus administradores, acção essa que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, não sendo a esta data certa a titularidade do referido crédito - que é um crédito condicionado à futura decisão do tribunal. Sucede que a EGI não comparece a escrituras de venda de imóveis onerados pela hipoteca a seu favor, bloqueando a possibilidade de a Devedora liquidar património imobiliário para pagar as suas dívidas. Sem distrate, não tem sido possível concretizar as vendas e a CL, pelo facto de a EGI não comparecer às escrituras nem entregar o distrate, incumpriu os contratos-promessa, sendo actualmente devedora dos promitentes-compradores em causa (estes encontram-se elencados na lista de credores em anexo). O impacto da hipoteca genérica a favor da EGI sobre 7 imóveis da CL é de 3.000.000€, dado que é esse o montante expectável de venda dos 7 imóveis. Já o impacto a nível do valor patrimonial dos imóveis é de 1.800.000€
4.3.0 PASSIVO DA DEVEDORA
17. Como se disse, à data de reporte das contas em 2019, o passivo total (créditos comuns, garantidos e subordinados) da Devedora ascendia ao montante de €3.069.485.00.
18. No que diz respeito à composição do passivo, a parcela que assume maior expressão é a dívida ao Estado no montante de € 719.978,20.
19. O passivo restante é composto por credores comuns e credores subordinados, conforme se segue no Anexo A.
20. Atento o disposto no artigo 47.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ("CIRE"), o passivo da Devedora pode ser dividido nas seguintes classes de créditos:
• Créditos Garantidos: € 629.109,32;
• Créditos Comuns: € 1.365.943,39;
• Créditos Subordinados: €522.673,47.
7 – Como medidas de recuperação aponta a requerente:
6. FINALIDADE DO PLANO E MEDIDAS NECESSÁRIAS À RECUPERAÇÃO DA DEVEDORA
6.1. FINALIDADE DO PLANO DE RECUPERAÇÃO
25. A finalidade do Plano de Recuperação é assegurar a viabilidade económico-financeira da Devedora e que esta mantém a sua actividade num quadro em que os activos excedem o valor do passivo e do capital social e os recebimentos gerados são os suficientes para cobrir os pagamentos aos fornecedores, salários e Estado.
6.2. ELENCO DAS MEDIDAS NECESSÁRIAS À RECUPERAÇÃO
26. Para alcançar a finalidade indicada no ponto anterior as medidas de recuperação previstas no presente Plano de Recuperação envolvem, fundamentalmente, uma reestruturação do seu passivo.
27. Concretamente as medidas necessárias à recuperação da Devedora são as seguintes:
a) Os créditos subordinados são quem faz a gestão e recuperação dos créditos, e inclusive da gestão dos imóveis da CL, o montante em dívida de uma dessas empresas que detém créditos subordinados ascende a mais de €200.000,00, estas empresas estão na disposição e no acordo de continuarem os seus respetivos trabalhos para com a devedora, de acordo com os termos na lei;
b) Concessão de período de carência de 6 (seis) meses e com redução da dívida em 50% a contar do trânsito em julgado da decisão de homologação do presente Plano de Recuperação, prazo findo o qual será realizado o pagamento aos credores comuns, em decorrência da venda dos imóveis da Devedora;
c) Os credores com créditos garantidos receberão o valor quando forem vendidos os imóveis onerados pela respectiva hipoteca voluntária;
d) As dívidas ao Estado, nomeadamente à Autoridade Tributária e Segurança Social, serão pagas em 150 prestações mensais.
6.3. REESTRUTURAÇÃO DO PASSIVO
28. Nos pontos seguintes é apresentado o tratamento dos diversos créditos sobre a Devedora segundo a respectiva classe ou tipo.
29. Créditos Subordinados: são identificados créditos subordinados no valor de €522.673,47.
Medida: os créditos subordinados serão pagos apenas quando ocorrer mais valias resultantes da venda de imóveis.
De realçar que, nos termos da lei, os credores subordinados que prestem um serviço essencial à atividade da empresa passam a credores privilegiados, com comum acordo e após um período de carência 6 meses. A actividade da CL, S.A. depende dos serviços prestados por credores subordinados, nomeadamente a sociedade SCG, Lda.
30. Créditos Comuns: são identificados créditos comuns no valor de € 1.365.943,39.
Medida: os créditos comuns serão pagos numa única prestação, até dezembro de 2022 (inclusive) e com redução da dívida em 50% contados do trânsito em julgado da decisão de homologação.
Parte dos Créditos Comuns é constituída por um crédito condicionado, cuja titularidade se encontra actualmente em discussão em tribunal. A CL, S.A. intentou acção judicial contra o NB, S.A., contra a sociedade EGI, S.A. e outros, por invalidade da cessão do crédito em causa (que se encontra garantido por hipoteca a favor da EGI, S.A., mas na realidade a CL, S.A. não reconhece a validade da cessão desse crédito à EGI e a mesma encontra-se a ser discutida em sede judicial). Pelo que, este crédito no valor de €300.000 está condicionado à decisão que vier a ser proferida por sentença transitada em julgado, que não se consegue prever quando será. Será o tribunal a decidir quem é o credor dos 300.000 euros e, quando for judicialmente reconhecido o credor, a CL pagará ao mesmo.
31. Créditos Garantidos: são identificados créditos garantidos no valor de € 629.109,32.
Medida: Os credores com garantia real receberão o valor do seu crédito quando forem vendidos os imóveis onerados pelas respectivas hipoteca voluntária;
32. Eficácia das medidas de reestruturação do passivo: as medidas de reestruturação do passivo operam todos os seus efeitos com a aprovação do Plano de Recuperação, ficando abrangidos por tais medidas todos os créditos de qualquer classe sobre a Devedora, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou de outro modo verificados.
8. A sociedade comercial SCG, Lda., tem como capital social é de € 100.000,00 (cem mil euros), distribuído da seguinte forma:
JCR, com uma quota de € 99.999,00 (noventa e nove mil novecentos e noventa e nove euros);
SB, Unipessoal, Lda., com uma quota de € 1,00 (um euro); sede social: Praça …. Costa da Caparica; NIPC: …; Capital social: €50.000,00, sendo gerente JCR.
*
Com interesse para a decisão da causa resultam ainda dos autos os seguintes factos:
9 – A devedora juntou a seguinte relação de credores, com o requerimento inicial:
- AG 30 000,00 € Crédito Garantido Não Condicionado
- AM 17 500,00 € Crédito Garantido Não Condicionado
- Autoridade Tributária 659 916,11 € Crédito Comum Não Condicionado
- BA, SROC, Lda 17 835,00 € Crédito Comum Não Condicionado
- BI, SARL 32 240,15 € Crédito Subordinado Não Condicionado
- NAS 3 867,46 € Crédito Comum Não Condicionado
- CIT Lda 497,54 € Crédito Subordinado Não Condicionado
- Condomínio AA 3 994,00 € Crédito Comum Não Condicionado
- Condomínio RP 15 670,00 € Crédito Comum Não Condicionado
- Condomínio RR 3 886,33 € Crédito Comum Não Condicionado
- C, Lda 348 138,00 € Crédito Garantido Não Condicionado
- ES 25 000,00 € Crédito Comum Não Condicionado
- EF, Lda 288 677,27 € Crédito Subordinado Não Condicionado
- EGI, S.A 162 500,00 € Crédito Comum Condicionado
- FV 4 828,03 € Crédito Comum Não Condicionado
- GB 30 000,00 € Crédito Comum Não Condicionado
- GV 1 834,30 € Crédito Comum Não Condicionado
- HT 88 788,84 € Crédito Garantido Não Condicionado
- IL Lda 43 372,24 € Crédito Subordinado Não Condicionado
- LBV 66 333,33 € Crédito Garantido Não Condicionado
- M&M-sociedade De Advogados 15 849,15 € Crédito Garantido Não Condicionado
- MRF 22 500,00 € Crédito Garantido Não Condicionado
- PR 1 190,00 € Crédito Comum Não Condicionado
- QV, Lda 375 119,34 € Crédito Comum Não Condicionado
- RPF 22 500,00 € Crédito Garantido Não Condicionado
- SCG, Lda 160 111,73 € Crédito Subordinado Não Condicionado
- ISS 60 062,09 € Crédito Comum Não Condicionado
- VVM 17 500,00 € Crédito Garantido Não Condicionado
- VCT, S.A. 240,73 € Crédito Comum Não Condicionado.
10 – A devedora juntou, como requerimento inicial declarações expressas de aprovação do acordo emitidas pelos seguintes credores:
- C, Lda;
- EF, Lda;
- SCG, Lda;
- IL, Lda;
- ES;
- QV, Lda.
*
4. Fundamentos do recurso
4.1. Nulidade da sentença
A recorrente imputa à decisão recorrida nulidade derivada de ter julgado procedentes as impugnações deduzidas pelos credores GB, LB e EGI, SA sem se pronunciar sobre a exceção de litispendência que a devedora arguiu na resposta às impugnações ou sequer sobre a questão de prejudicialidade de causa anterior alegada quanto ao credor EGI, limitando-se a aderir aos fundamentos e documentos apresentados pelos impugnantes.
Argumenta que a sentença, por não especificar os fundamentos de fato e de direito que justificam a decisão de julgar as impugnações procedentes e reconhecer os créditos neles reclamados se limita a um juízo de mera adesão, equiparada à falta de fundamentação, nos termos previstos no nº2 do art. 154º do CPC.
Não se descortina, na decisão recorrida quais os fundamentos de facto e de direito que estiveram na base da decisão, ocorrendo assim a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do art. 615º do CPC.
Alega ainda que as exceções suscitadas no exercício do contraditório deveriam ter sido apreciadas, como previsto no art. 608º nº2 do CPC, e que, não se pronunciando, o tribunal a quo se substituiu, de facto, aos tribunais onde correm as ações invocadas, citando em abono o Ac. STJ de 18/09/2018, ocorrendo assim a nulidade prevista na alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC.
Apreciando:
Dispõe o n.º 1 do art. 615º do CPC:
«1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.»
O art. 615º do CPC prevê o elenco taxativo de nulidades que podem afetar a sentença.
Como é uniformemente prevenido pela doutrina e jurisprudência, importa sempre distinguir as nulidades de processo e as nulidades de julgamento, sendo que o regime deste preceito apenas se aplica às segundas.
Quanto à previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC relativa à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, importa ter em conta que a elaboração da sentença deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art. 607º do CPC.
O nº 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, acrescentando o nº 4 a exigência de análise crítica das provas.
Esta obrigação de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão reflete o dever de fundamentação das decisões imposto pelo nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa (nos termos do qual «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei»), também regulamentado no art. 154º do CPC.
O art.º 154.º do CPC sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, estabelece:
“1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, o que lhes permitirá avaliar a mesma e ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade de esclarecimento das partes e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
O grau de fundamentação exigível dependerá tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros[2], a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
Tem vindo a ser entendido, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da sentença, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva - neste sentido, entre muitos outros, os Acs.[3] STJ de 10/05/2021 (Henrique Araújo), 06/07/2017 (Nunes Ribeiro), de 10/07/2008 (Sebastião Póvoas) e os Acs. TRL de 11/03/2021 (Inês Moura) e de 05/11/2020 (Carlos Castelo Branco)[4]
A fundamentação da sentença deve ser de facto e de direito: com a indicação dos factos provados e não provados e com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Só assim poderá ser compreensível pelos destinatários.
Assim, além da total ausência ou inexistência de fundamentação, esta nulidade ocorrerá também se a referida fundamentação, pela sua formulação, não permite apreender qual o processo lógico seguido pelo julgador na formação da sua convicção, não sendo possível aferir as razões que levaram a decidir de um determinado modo, colocando em crise a construção do silogismo judiciário (e não o erro de julgamento, que leva à alteração ou revogação e não à nulidade).
O tribunal recorrido após a enumeração dos factos relevantes e que, no essencial respeitavam à identificação da devedora e ao conteúdo do plano, fez referência aos dispositivos legais pertinentes (arts. 6º e 9º da Lei nº 75/2020, de 27/11) e decidiu as impugnações nos seguintes termos:
«In casu, como vimos foram apresentadas impugnações pelos credores supra identificados. Impugnações que terão de ser analisadas e decididas com base na prova documental junta aos autos.
Os credores juntaram os contratos celebrados com a requerente, as faturas emitidas quanto aos serviços prestados e certidões de dívida.
Assim, analisados os documentos juntos com as impugnações e não obstante a posição assumida pela requerente nas sua respostas apresentadas temos que cabe julgar procedentes as impugnações apresentadas e reconhecer os créditos nos termos das impugnações.
Em consequência, julgo ser de reconhecer os créditos seguintes:
1. NC, S.A., 405,85.€.
2. O ISS, IP (ISS,IP), 79.829,18.€
3. GB e LB 60.979,97€
4. LBV 77.529,79€
5. EGI, S.A., 331.899,18€»
Importa frisar que o Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (doravante PEVE), é um processo especialíssimo, que, como veremos em maior detalhe, o legislador dotou de caraterísticas pensadas para a garantia de celeridade e eficiência, tendo aliás, tomado opções sobre matérias discutidas em PER (em cuja modalidade de homologação, prevista no art. 17º-I do CIRE, claramente foi inspirado) visando facilitar e tornar mais expedita a sua tramitação e finalização.
É esse fito, explicado pelo fenómeno a que acorreu (a crise económica causada pela pandemia de SARS-Covid) que funda opções como a tomada no art. 6º nº6 da Lei nº 75/2020 (o PEVE é urgente assumindo prioridade relativamente aos também urgentes processos de insolvência, PER e PEAP), a supressão da fase de reclamação de créditos (cfr. art. 9º nºs 1 e 2 da Lei nº 75/2020) ou a limitação dos meios de prova admissíveis para o conhecimento das impugnações à prova documental (cfr. art. 9º, nº4, al. a) da Lei nº 75/2020)[5], entre outras.
Embora de forma extremamente sucinta, o tribunal fundamentou a sua decisão – analisou os documentos juntos com as impugnações, único meio de prova que podia considerar, enumerou-os (contratos, faturas e certidões de dívida) e, com base nestes concluiu pela procedência das impugnações.
É certo que se trata de uma fundamentação sucinta mas que permite, nomeadamente a quem tomou conhecimento das impugnações e dos documentos com elas juntos, como é o caso da recorrente, que aliás optou por responder a algumas delas[6], aferir as razões do reconhecimento (e com elas discordar ou concordar).
Assim, as faturas referem-se aos documentos juntos pelo credor NC, as certidões de dívida ao credor ISS, IP e os contratos aos demais credores impugnantes: EGI, LBV e GB e LB.
A impugnante não juntou documentos que pusessem em causa os créditos objeto de impugnação, na visão do tribunal, razão pela qual não lhes fez referência. A não menção aos documentos que, na alegação da recorrente, fundaram a arguição de litispendência e caso julgado quanto muito integrará, não falta de fundamentação, mas omissão de pronúncia, também arguida pela recorrente e que se analisará de seguida.
Concluindo, porque não estamos perante uma falta de fundamentação na asserção exigida pela alínea b) do nº1 do art. 615º do CPC, improcede a arguida nulidade do segmento da sentença que decidiu as impugnações dirigidas à relação de créditos junta pela devedora nos termos do art. 7º, nº1, al. c) da Lei nº 75/2020.
*
Para os efeitos da alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC, quando se comina com nulidade a sentença, em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” referem-se as questões que constituem o objeto da sentença. Também a alínea d) do nº1 do art. 615º deve ser conjugado com o artº 608º, com vista à determinação das questões a resolver na sentença. Essas questões, aquelas que se impõe ao juiz resolva na sentença são, em primeira linha as questões de forma, alegadas pelas partes ou de conhecimento oficioso e finalmente as questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das exceções e ainda as que o juiz deva conhecer oficiosamente – cfr. nº2 do art. 608º.
Na lição de Ferreira de Almeida[7] “Integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento total ou parcial do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes.”
Trata-se, aliás, de questão pacífica na jurisprudência, como nos apontam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa[8] - o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”.
“Na verdade, o que a lei impõe é, antes de mais, que os fundamentos e a parte dispositiva de uma decisão sejam construídos em jeito de resposta aos problemas fundamentais com que as partes construíram a causa de pedir, os pedidos ou as exceções; não em jeito de resposta aos raciocínios em que as partes suportam as suas posições. Deste modo, uma decisão não tem de ser o espelho do teor argumentativo da extensão do requerimento ou dos articulados respetivos.
Dito isto, é natural que uma decisão bem fundamentada “dialogue” com a argumentação das partes quando esta seja decisiva na substanciação da causa de pedir, pedidos ou exceções. Ou seja: a não apreciação de certo argumento expendido pela parte pode, indiretamente, ter consequências na (já referida) suficiência do mérito demonstrativo dos fundamentos da decisão, sindicável por recurso, quando admissível.”[9]
Não integra omissão de pronúncia a situação em que a solução dada a determinada questão prejudique o conhecimento de outras.
Tendo em conta a alegação da recorrente – de omissão de pronúncia quanto às alegadas exceções de litispendência e questão de prejudicialidade – a nulidade arguida limita-se à decisão tomada quanto às impugnações apresentadas pelos credores GB e LB e EGI, atento que, quanto às demais, ou não foi apresentada qualquer resposta (casos da NC e ISS) ou foi mesmo aceite a impugnação (caso de LBV).
O tribunal a quo, efetivamente, não apreciou ou sequer mencionou os argumentos da devedora nas respostas, já assinaladas, apresentadas às impugnações, limitando-se, de forma genérica, a julgar procedentes as impugnações, “não obstante a posição assumida pela requerente nas respostas apresentadas”.
Surpreendemos uma omissão de pronúncia dado que, sem se pronunciar sobre a tramitação dos autos (nomeadamente sobre a admissibilidade de resposta às impugnações), o tribunal delas não conheceu. Haveria que, ou fundamentar o não conhecimento (nomeadamente com base na inadmissibilidade das respostas onde as questões foram suscitadas) ou apreciar, por alguma forma, as respostas apresentadas e as questões aí suscitadas.
Em ponto prévio diremos que temos por certo que a tramitação do PEVE não admite contraditório às impugnações.
O PEVE foi, claramente, recortado do PER do 17º-I, como se referiu, tendo desde logo o legislador tomado determinadas opções.
Em PER a admissibilidade de contraditório às impugnações é bastante discutida, precisamente devido às necessidades de celeridade do procedimento, que, para alcançar os seus objetivos. Assim, entre outros, Maria do Rosário Epifânio[10] refere “Contrariamente ao processo de insolvência (art. 131.º), no PER não há lugar a resposta às impugnações, nem tão pouco a audiência de discussão e julgamento.” Também Carvalho Fernandes e João Labareda[11] se pronunciam assertivamente “Outro ponto seguro é o de que não há lugar a resposta às impugnações diferentemente do que se passa em sede de processo de insolvência.” E justificam, apontando a ausência de previsão legal, por contraposição à previsão expressa de impugnação e de qualquer outra tramitação posterior, bem como que esta opção “mais ligeira” não é alheia aos efeitos limitados da verificação de créditos em PER. Também Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis[12] relevam a inexistência de um efetivo contraditório em matéria de impugnação da lista.
Elisabete Assunção[13] sem tomar posição, defende que, quando os articulados de resposta surgem nos autos, deverão ser considerados e apreciados.
Na jurisprudência, embora a resposta não seja unânime, verificamos uma tendência maioritária no sentido da não admissibilidade de resposta à impugnação, como resulta dos Acs. TRG de 03/02/2022 (Pedro Maurício), de 09/03/2017 (Maria dos Anjos Nogueira) e TRL de 20/10/2015 (Maria da Conceição Saavedra), no sentido da não admissibilidade e Acs. TRG de 01/06/2015 (Edgar Gouveia Valente) e de 09/07/2015 (Fernando Fernandes Freitas), o primeiro defendendo-a e o segundo admitindo tal peça processual.
Este é o cenário em PER de negociação.
Passemos agora às regras próprias do PEVE mantendo presente a regra do nº7 do art. 6º da Lei nº 75/2020: «Ao processo extraordinário de viabilização de empresas aplica-se o disposto no CIRE, nas disposições que não sejam incompatíveis com a sua natureza, e, subsidiariamente, as disposições gerais do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, em tudo o que não contrarie as disposições da presente lei.»
Apenas podemos transpor para o PEVE as soluções que não sejam incompatíveis com as regras da Lei nº 75/2020 e com a natureza deste procedimento especialíssimo.
Trata-se de um processo extraordinário de viabilização de empresas afetadas pelas consequências da pandemia da doença COVID-19 – art. 1º, al. d) da L 75/2020.
Destina-se a empresas em situação económica difícil ou insolvência iminente ou atual, mas viáveis – art. 6º, nº1 do referido diploma.
Tem caráter urgentíssimo – a sua tramitação, mesmo em fase de recurso, tem prioridade sobre os processos de insolvência, PER e PEAP, todos eles urgentes – art. 6º nº 6 da L 75/2020.
Inicia-se com a apresentação de um acordo aprovado pelas maiorias legalmente previstas dos seus credores, maiorias que o tribunal se limita a confirmar – arts. 7º nº1, al. d) e 9º nº4 da L 75/2020.
Não comporta fase de reclamação de créditos, sendo o universo de credores determinado pela relação apresentada pelo devedor e pela decisão das eventuais impugnações da mesma – arts. 7º, nº1, al. c) e 9º, nºs 1 a 4 da L 75/2020.
Como refere Catarina Serra[14] “A ausência da fase de reclamação justifica-se com base no carácter de urgência absoluta do processo.”
O legislador tomou certas opções em matérias ainda discutidas e discutíveis em PER e PEAP, todas orientadas para a aceleração do procedimento, tramitação e conclusão: inaplicabilidade do disposto no nº5 do art. 139º do CPC às impugnações e pedidos de não homologação, decisão das impugnações apenas com base em prova documental, consagração expressa da irrecorribilidade autónoma da decisão sobre as impugnações, fixação ex lege de percentagem de voto aos créditos sob condição e inaplicabilidade do disposto nos arts. 17º-G e 222º-G do CIRE – art. 9º nºs 2, 4, al. a), 5, 8 e 11 da L 75/2020 – e ainda regulou diretamente os créditos dos credores públicos (cfr. art. 13º do mesmo diploma), fonte habitual de recusas de homologação, declaração de ineficácia e recursos naqueles procedimentos.
É absolutamente inegável que a lei visa a máxima economia de meios processuais com vista a uma rápida decisão, vista como a única possibilidade de empresas ainda viáveis, mas financeiramente desequilibradas ou mesmo insolventes. Nas palavras de Catarina Serra, é consagrada uma urgência absoluta.
Assim sendo, o que é discutível em PER torna-se uma certeza em PEVE – não há lugar ao contraditório às impugnações.
O que, na verdade, faz sentido dado que a relação impugnada é apresentada pela devedora, que nela faz as opções que entende – por exemplo, qualificando determinado crédito como condicional porque pende ação relativa ao mesmo ou não incluindo entidades a quem entende nada dever. Assim, o contraditório necessário é-o para os credores, que só mediante o seu exercício têm a possibilidade de discutir a posição assumida previamente pela devedora. Está assim assegurado a essência do contraditório, devendo, de seguida, e na filosofia urgentíssima do procedimento, o juiz decidir as impugnações apenas com base em elementos documentais.
Voltando ao nosso caso concreto, se o Sr. Juiz a quo tivesse fundamentado como o fez acrescentando que a posição da devedora não era considerada por não ser admissível resposta às impugnações não estaríamos perante qualquer omissão e, na asserção deste tribunal, perante uma decisão absolutamente correta.
Não foi o que sucedeu, pelo contrário. Não só se deixou, sem qualquer censura ou tentativa de disciplina, serem juntas aos autos respostas a algumas impugnações, respostas às respostas, pedido de condenação como litigante de má-fé e resposta aos mesmo, como ainda se incentivou a apresentação de novos articulados que, notificados entre as partes, geraram novas respostas. E, na decisão sob recurso, embora ignorando os argumentos ali apresentados, reconheceu-se e não se censurou a apresentação de respostas à impugnação pela devedora.
Aqui chegados, e pese embora a nossa convicção quanto à tramitação que devia ter sido seguida, temos que, sem prejuízo para as expetativas geradas, adequar o processado à tramitação que efetivamente se deu.
E na tramitação real, embora pudesse ter sido justificada a clara omissão do conhecimento das exceções e questão prévia arguidas em articulado de resposta a impugnações, não o foi e por forma que impossibilita que este tribunal agora o faça sem incorrer na possibilidade de uma decisão surpresa.
Uma vez que o tribunal recorrido nunca censurou, nomeadamente à devedora, o excesso de articulados e reconheceu a sua existência na decisão recorrida, por forma a que a recorrente/devedora baseou na respetiva admissibilidade parte considerável das suas alegações de recurso (precisamente a nulidade que conhecemos agora) há agora que reconhecer que, na gestão processual que estava a ser seguida, foi cometida uma omissão que importa a nulidade da decisão relativa às impugnações (nesta parte).
Trata-se de uma nulidade suprível, nos termos do nº1 do art. 665º do CPC, aplicável ex vi art. 6º nº7 da Lei nº 75/2020, dado que se trata, na essência do conhecimento de questões jurídicas cujos elementos factuais se encontram disponíveis.
São os seguintes os elementos a considerar:
- a devedora relacionou como credora por um crédito sob condição de € 162.500,00, consignando, no plano tratar-se de: “um crédito condicionado, cuja titularidade se encontra actualmente em discussão em tribunal. A CL, S.A. intentou acção judicial contra o NB, S.A., contra a sociedade EGI, S.A. e outros, por invalidade da cessão do crédito em causa (que se encontra garantido por hipoteca a favor da EGI, S.A., mas na realidade a CL, S.A. não reconhece a validade da cessão desse crédito à EGI e a mesma encontra-se a ser discutida em sede judicial). Pelo que, este crédito no valor de €300.000 está condicionado à decisão que vier a ser proferida por sentença transitada em julgado, que não se consegue prever quando será. Será o tribunal a decidir quem é o credor dos 300.000 euros e, quando for judicialmente reconhecido o credor, a CL pagará ao mesmo.” – pontos 6 e 9 da matéria de facto provada;
- EGI, SA impugnou o crédito relacionado, pedindo o reconhecimento de um crédito garantido por hipoteca de € 331.899,18; alegou ter sido celebrado um contrato de financiamento entre a devedora e o NB, no âmbito do qual foi disponibilizado capital, cujos créditos foram cedidos à ora impugnante e estão a ser executados, gozando de hipoteca sobre bens imóveis da devedora; juntou os contratos e cópia dos registos prediais;
- a devedora respondeu à impugnação alegando estarem pendentes, por si intentadas contra a credora ações pedindo a declaração de nulidade da cessão de créditos e o cancelamento das hipotecas existindo, entre aquelas ações e a resposta à impugnação, identidade de sujeitos, a devedora e a EGI, de causa de pedir, ou seja a impugnação funda-se no contrato de financiamento e hipotecas cuja validade está a contestar, sendo pretendido o mesmo efeito útil, isto é, o não reconhecimento do direito de crédito reclamado pela impugnante. Conclui assim, pela litispendência entre a impugnação e as ações pendentes, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 580º nºs 1 e 2 e 581º, nºs 1, 2 e 3 do mesmo diploma, vendo-se o tribunal, verificando e reconhecendo o crédito ora reclamado, na iminência de contradizer ou reproduzir uma decisão sobre os mesmos factos. Defende que a reclamação de créditos é uma verdadeira ação de dívida, citando para o efeito o Ac. STJ de 18/09/2018 e que a presente impugnação, com o pretendido reconhecimento é também uma verdadeira ação de dívida.  Pede, em conclusão, a sua absolvição da impugnação, nos termos dos arts. 576.º n.º 2, 577.º alínea i), 580.º, 581.º e 582.º do CPC.
Caso assim não se entenda, pugna a devedora que a ação comum por si interposta contra a impugnante e outros, que corre termos no Tribunal Judicial de Lisboa, que identifica, é causa prejudicial nos termos do disposto no art. 272º nº1 do CPC, dado que na impugnação o credor invoca a qualidade de credor hipotecário adveniente de contrato de cessão de créditos cuja nulidade a requerente pede na ação comum identificada. O julgamento da ação destrói a razão de ser da impugnação e esta está dependente do julgamento daquela ação. Pede a suspensão da decisão a tomar na impugnação até à decisão que venha a ser tomada na ação comum.
Juntou cópia dos articulados das ações referidas.
- EGI, SA respondeu à resposta à impugnação, invocando o art. 3º do CPC invocando que a devedora a arrolou como credora e que vir agora invocar a inexistência do crédito é uma incongruência sem qualquer fundamento. Os efeitos jurídicos visados em PEVE, a satisfação dos credores, são diversos dos prosseguidos na ação interposta pelo que deverá improceder a exceção. Defendeu igualmente a improcedência da alegada prejudicialidade invocando jurisprudência relativa à relação entre o processo executivo e declarativo, acrescentando que a figura do crédito condicionado, conferida pela devedora a si se prende com a pendencia da ação referida.
- A devedora relacionou como credor GB, com um crédito comum e não condicionado de € 30 000,00;
- GB e LB impugnaram a relação de credores, com fundamento na incorreção do crédito relacionado e pedindo o reconhecimento de um crédito no valor de € 60.979,97, correspondente ao dobro do sinal entregue no âmbito de contrato promessa de compra e venda celebrado com a devedora, por esta incumprido, que os credores resolveram, exigindo o sinal em dobro, a que acrescem despesas notariais e juros de mora;
- a devedora respondeu à impugnação alegando litispendência, dado os credores terem interposto ação contra si que contestou, não estando os factos alegados consolidados no ordenamento jurídico, e não sendo esta a sede própria para o efeito. Os pedidos formulados pelos impugnantes na ação e na impugnação têm o mesmo âmbito ou efeito útil, as partes são as mesmas bem como os factos alegados pelo que se verifica litispendência devendo a devedora ser absolvida da instância de impugnação.
Juntou cópia da contestação.
- GB e LB vieram responder às exceções, referindo apresentar por escrito para facilitar os trabalhos da tentativa de conciliação ou audiência de julgamento, pedindo a respetiva improcedência e alegando que a ação por si interposta se encontra suspensa desde o despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório e poderá vir a ser extinta se o acordo vier a ser homologado. Pedem a condenação da devedora como litigante de má-fé, dado que foi ela que os relacionou como credores e agora deduz pretensão infundada em venire contra factum proprium.
Seguiram-se mais articulados sem relevância para a decisão das questões apontadas como omissas.
O processo extraordinário de viabilização de empresas é um procedimento híbrido[15] que visa a satisfação dos credores de uma empresa que, sendo viável, se encontra em dificuldades advenientes da pandemia de Covid-19, sendo essa satisfação obtida através da viabilização do devedor que, nos termos do acordo extrajudicialmente aprovado e judicialmente homologado, logrará cumprir, no prosseguimento da sua atividade, para com os seus credores.
Dado que o processo se inicia com a junção de um acordo já atingido com uma das maiorias legalmente prescritas, tal como no PER do 17º-I do CIRE, a fase de impugnação da relação de credores e sua decisão destinam-se apenas a confirmar se está reunido o necessário quórum de aprovação. Em PER é habitual distinguir-se, para o procedimento dos arts. 17º-A e ss. do CIRE a formação do quórum de aprovação, e para o PER do 17º-I do mesmo diploma a formação do quórum de confirmação.
Mas em ambas as modalidades a decisão das impugnações tem apenas como efeito a composição do quórum respetivo. Trata-se de uma decisão política no sentido em que, no PER do 17º-A decide quem pode exercer o direito político de votar o plano e, no PER do 17º-I, verifica se foram bem exercidos os direitos políticos expressos no acordo trazido a tribunal para homologação.
Qualquer comparação entre o processo executivo e a reclamação de créditos em PER demonstra imediatamente o abismo que as separa. O primeiro visa a realização coativa de um direito (de crédito) e a segunda a definição de um direito de voto em função de um direito de crédito.
Em PER, as regras do procedimento quanto à reclamação de créditos, impugnação da lista e sua decisão geraram, depois de alguma dissensão inicial, jurisprudência, hoje em dia uniforme, sobre o valor da decisão de impugnação de créditos.
Desde a entrada em vigor da Lei nº 16/2012 que se foi colocando a questão da função da reclamação de créditos em PER e a sua força de caso julgado fora do processo especial de revitalização, designadamente em processo de insolvência sequencial, atento o disposto ao tempo no art. 17º-G nº7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
Desde logo se alinharam duas posições, com consequências imediatas quanto à tramitação das reclamações e da impugnação da lista provisória.
- uma entendendo que a lista definitiva de credores[16] servia apenas para os fins do próprio PER, definindo os direitos políticos, tendo assim uma tramitação célere e extremamente simplificada;
- outra entendendo que a decisão teria efeitos fora do PER, designadamente na insolvência sequencial, pelo que seria necessária a garantia de um processado mais completo e garantístico para decisão – definitiva – da verificação de créditos e sua classificação.
A discussão à volta deste tema evoluiu no sentido da prevalência da primeira tese, sendo hoje em dia pacífico que a decisão das impugnações não forma caso julgado fora do procedimento, servindo apenas as finalidades próprias do mesmo[17]. É hoje, sem dissensão, considerado que a lista de credores (e a decisão das impugnações da mesma) não produz efeitos fora do PER, servindo apenas para a determinação do universo de créditos e para a aferição da base de cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano de recuperação.
Em PEVE, com os olhos postos na celeridade e simplificação a fase de reclamação de créditos foi eliminada, passando para a relação junta pelo devedor a função de delimitação do universo de credores com vista à verificação de se subscreveram o acordo credores que perfaçam uma das maiorias legalmente previstas como necessárias. Com essa diferença, a decisão da impugnação da relação de créditos em PEVE, tem a mesma função de definição de direitos políticos que a decisão da impugnação da lista provisória em PER.
Tendo em conta os argumentos da discussão inicial em PER, no regime resultante da Lei nº 75/2020 a questão é ainda mais clara, dado que o legislador afastou expressamente a aplicabilidade da regra do art. 17º-G nº7 do CIRE que, na redação vigente ao tempo, tinha sido um dos argumentos da tese da eficácia da lista fora do PER – cfr. art. 9º nº11 da Lei nº 75/2020.
Assim, em PEVE, a relação de credores junta pelo devedor compõe o universo de legitimados a acordar o plano e a decisão das impugnações apenas confirma ou altera esse universo – veja-se que a lei prevê mesmo que na procedência das impugnações, o juiz deve ordenar a alteração da relação de credores em conformidade, nos termos da parte final da al. a) do nº4 do art. 9º da Lei nº 75/2020 de 27/11[18].
Ou seja, nem a procedência nem a improcedência da impugnação definem direitos de crédito ou formam caso julgado, sendo o seu efeito jurídico apenas o de definir o universo de credores com vista à concretização das maiorias.
A figura do crédito sob condição – usada pela devedora quanto ao credor EGI e que, nesta parte, a impugnação não pôs em causa – reflete exatamente esta realidade. Como o crédito depende de um acontecimento futuro ou incerto, a lei deferiu-lhe apenas 50% dos direitos de voto – art. 9º nº8 da Lei nº 75/2020. Porque não se pode esperar pela decisão a tomar na sede própria e o universo de credores tem que ser definido com rapidez, a solução (salomónica) da própria lei foi, na possibilidade de aquele crédito não vir a subsistir (condição resolutiva) vota agora com menor percentagem.
Para os efeitos do art. 581º do CPC, tanto no caso da EGI como no caso dos credores GB e LB, os sujeitos são os mesmos, a causa de pedir é idêntica, mas o pedido é diverso.
Transpondo, quanto à credora EGI, o pedido por esta formulado é de reconhecimento de um crédito superior em € 169.299,18 ao crédito relacionado pela devedora, o que, procedendo, aumenta nesse montante o universo de credores, diluindo inversamente o peso dos credores que votaram a favor. Porque se trata de um crédito relacionado como condicional, status não questionado, só relevam 50% dos direitos de voto correspondentes.
Quanto aos credores GB e LB, o pedido formulado é de reconhecimento de um crédito superior ao crédito relacionado em € 30.979,97, e, procedendo, aumenta nessa medida o universo de credores com direito de voto, diluindo inversamente o peso dos credores que votaram a favor.
A decisão da impugnação não fixa os créditos com efeitos exógenos ao PEVE e excedentes aos assinalados – não faz caso julgado. No tocante às ações pendentes, a ação interposta pela devedora contra a EGI não é uma ação de cobrança de dívida, e a ação interposta pelos credores GB e LB, sendo uma ação de cobrança de dívida não deverá ser extinta nos termos do art. 8º, nº1, al. a) da Lei nº 75/2020 que, em casos como o presente, e como defende Catarina Serra[19] deve ser objeto de uma redução teleológica: “as acções que sejam necessárias à definição jurisdicional dos créditos (créditos ilíquidos ou litigiosos) (…) devem poder prosseguir, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.”
Por outro lado, a decisão de procedência não ordena o pagamento dos créditos e não é título executivo.
Assim, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, não há, em nenhum dos casos, litispendência, atento os requisitos previstos no art. 581º nºs 1 e 3 do CPC – não se pretende obter o mesmo efeito jurídico na ação e na impugnação da relação de credores em PEVE.
Pela mesma ordem de razões, a ação intentada pela devedora contra a EGI não é causa prejudicial em relação à impugnação da relação de créditos por esta deduzida.
Uma vez que a decisão da impugnação apenas tem efeitos no exercício de direitos políticos, neste caso na definição da percentagem dos direitos de voto exercidos por outros credores, a causa onde se pede a declaração de nulidade da cessão pela qual advieram à titularidade da credora o direito de crédito a que se arroga não prejudica esta decisão. O legislador, quer no regime do PEVE, quer no regime do PER, quer do PEAP, e ainda no próprio processo de insolvência assumiu que os direitos de voto podem não corresponder à situação jurídica definitiva dos créditos, elegendo como mais relevante a celeridade e eficácia com vista à satisfação de todos os credores: veja-se, por absolutamente paradigmático desta opção o nº6 do art. 73º do CIRE que regula os direitos de voto em assembleia de credores: «6 - Não é em caso algum motivo de invalidade das deliberações tomadas pela assembleia a comprovação ulterior de que aos credores competia efectivamente um número de votos diferente do que lhes foi conferido.»
Aliás, o art. 272º do CPC nunca poderia ser aplicado em PEVE, dada a proibição de suspensão da instância prevista no art. 8º nº1 do CIRE, aplicável nos termos do nº7 do art. 6º da Lei nº 75/2020, pelo que, ainda que o tribunal considerasse (por hipótese meramente académica) que aquela era uma causa prejudicial, teria que decidir a questão, nos termos do art. 91º do CPC, mas sempre sem efeito de caso julgado exógeno dada a inaplicabilidade da segunda parte do nº2 do referido art. 91º[20].
E já em redundância de argumentos note-se que suspender a instância da impugnação (admitindo, hipoteticamente, a existência de uma instância de impugnação) seria suspender o próprio PEVE, dado que o juiz não poderia passar para a fase da homologação, nos termos da subalínea i) da alínea b) do do nº4 do art. 9º da Lei nº 75/2020[21].
Concluindo, em suprimento da nulidade por omissão constatada na decisão recorrida, julgam-se improcedentes as exceções de litispendência arguidas pela devedora quanto às impugnações deduzidas por EGI e GB e LB, bem como se declara a inexistência de causa prejudicial à apreciação da impugnação apresentada pela EGI.
*
4.2. Homologação do acordo de viabilização – violação do princípio da igualdade
O processo extraordinário para a viabilização de empresas (PEVE) é um processo especialíssimo, introduzido pela Lei n.º 75/2020 de 27 de novembro.
Tratou-se da criação “ex novo de um mecanismo temporário, de natureza extraordinária, destinado, exclusivamente, a empresas que se encontrem em situação económica difícil ou de insolvência, iminente ou atual, em virtude da pandemia da doença COVID-19, e que sejam viáveis: um processo extraordinário de viabilização de empresas.”[22]
Para tanto estabeleceu-se como pressuposto básico que “a empresa, a 31 de dezembro de 2019, demonstrasse um ativo maior que o passivo, sendo a incapacidade de cumprir obrigações vencidas resultado da crise causada pela pandemia da doença COVID-19, exigência essa que se justifica, tendo em conta a experiência passada vivida em Portugal.”[23]
Assume-se como um instrumento excecional e temporário[24] cuja vigência, inicialmente prevista até 31/12/2021, foi prolongada até 30 de junho de 2023[25].
E, confessadamente, foi previsto como uma resposta rápida a situações de crise elegíveis: “A fim de garantir que seja tramitado de forma particularmente célere, além do encurtamento dos prazos e da supressão da fase da reclamação de créditos, atribui-se prioridade a este processo extraordinário sobre os demais processos também urgentes (processos de insolvência, PER e PEAP).”[26]
Trata-se de um instrumento legal claramente inspirado na disciplina do Processo Especial de Revitalização de Empresas na modalidade de homologação de acordo extrajudicial, previsto no art. 17º-I do CIRE, como nos refere Catarina Serra, quando constata que, “o PEVE não é muito mais do que uma selecção de providências já conhecidas, originárias da disciplina do PER, mais precisamente do processo de homologação de acordos extrajudiciais de recuperação da empresa, regulado no art. 17.º-I do CIRE (PER abreviado). Assim, salvo num ou noutro caso, para quase todas as normas é possível encontrar uma correspondência nas normas daquele instituto especial ou nas normas para que ele sistematicamente remete (normas integrantes da disciplina geral do PER).”[27]
Estabelece-se desde logo no nº7 do art. 6º da Lei nº 75/2020 que «Ao processo extraordinário de viabilização de empresas aplica-se o disposto no CIRE, nas disposições que não sejam incompatíveis com a sua natureza, e, subsidiariamente, as disposições gerais do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, em tudo o que não contrarie as disposições da presente lei.»
Tal tem a vantagem, para o intérprete-aplicador, de ter já presentes e, em muitos casos discutidos e trabalhados, alguns aspetos essenciais deste novo regime.
Nos termos do artigo 7º nº 1, al. d), um dos elementos que a empresa que se apresente a PEVE deve obrigatoriamente juntar com o requerimento inicial, é um «Acordo de viabilização, assinado pela empresa e por credores que representem pelo menos as maiorias de votos previstas no n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE.»
Trata-se de norma que replica a exigência do nº 1 do art. 17º-I do CIRE[28] e que deve ser lida à luz da fase (liminar) do procedimento.
Continuando a citar Catarina Serra, na fase liminar, “Por último, mas não menos importante, a empresa tem de apresentar o acordo de viabilização, assinado por ela e por credores que representem, pelo menos, as maiorias de votos (rectius: alguma das maiorias de votos) previstas no n.º 5 do art. 17.º-F do CIRE [cfr. art. 6.º, n.º 1, al. d)].
Diga-se que, nesta fase (apresentação do requerimento para abertura do PEVE), não é ainda possível saber se o acordo é conforme às exigências de maioria, pois não se conhece, em definitivo, o universo dos créditos relacionados com direito de voto.”
Segue-se uma fase de impugnação da relação de credores (cfr. art. 9º nº1 da Lei nº 75/2020) que permitirá ou não confirmar de forma definitiva, e para os efeitos do procedimento, se o acordo está subscrito por credores que formam maioria de aprovação (art. 9º nº4, als. a) e b) da Lei nº 75/2020). Trata-se aliás de uma das diferenças entre este regime e o previsto no art. 17º-I, já que o PEVE não suporta fase autónoma de reclamação de créditos, apenas a impugnação da relação apresentada pelo devedor, que assim assume uma extrema relevância[29].
Como se escreveu no Ac. TRG de 02/06/2021[30] (Jorge Santos) “O PEVE prevê a seguinte tramitação:
- Apresentação do requerimento inicial pelo Devedor, acompanhado do acordo de viabilização subscrito pelos Credores legalmente necessários para a viabilização da aprovação do mesmo, conforme Art. 7.º do referido diploma legal;
- Prazo para apresentação de articulados por parte dos Credores, seja para impugnação do valor, natureza ou falta de inserção de um dado crédito, seja para requerer a não homologação do acordo, conforme Art. 9.º, n.º 1 do referido diploma legal;
- Simultaneamente decorre prazo para apresentação de parecer pelo Administrador Judicial Provisório sobre a viabilidade do acordo apresentado para a manutenção do Devedor, conforme Art. 9.º, n.º 3 do referido diploma legal;
- Pronúncia de decisão de homologação ou não homologação do acordo, conforme Art. 9.º, n.º 4 e seguintes do referido diploma legal.
Decorre da sua tramitação que estamos perante um processo que se pretende célere, de natureza urgente, e que “onera” os Credores a assegurarem em tempo a defesa dos seus direitos e interesses, uma vez que o processo tem de se iniciar com a apresentação de um acordo que, por si só, já reunirá a percentagem de votos necessários à sua aprovação.”
No caso dos autos, atingida a conclusão de que, pese embora a procedência das impugnações, se confirmava estar reunida maioria de aprovação, foi proferida uma decisão de não homologação com fundamento na violação do princípio da igualdade, nos termos do art. 215º do CIRE, aplicável nos termos do art. 9º, nº4, al. b), subalínea iii) da Lei nº 75/2020.
Foram alegadas tempestivamente[31] nos autos pelos credores várias outras causas de não homologação, as quais não foram porém conhecidas, não sendo objeto do presente recurso. Apenas a devedora apelou e, de mérito, apenas colocando em causa a violação do princípio da igualdade conhecida pelo tribunal a quo, pelo que o conhecimento deste tribunal de recurso está delimitado nestes termos.
A decisão recorrida enumerou as medidas propostas pela devedora e realçou a não previsão de qualquer redução dos créditos subordinados referindo ainda que “Pretende a requerente, com a aprovação do plano, que os créditos subordinados de credores que prestem serviços essenciais à atividade da empresa passem a credores privilegiados, após um período de carência de 6 meses.
Os credores a que a requerente se refere não prestam os serviços previstos no artigo 8.º, n.º 8, da Lei, nem se enquadram na previsão do artigo 11.º, pelo que a “transformação” em credores privilegiados carece de total fundamento legal.”
Seguidamente referiu que o plano prevê o pagamento dos credores comuns com uma redução de 50%, sem concretização de data.
Caracterizou o principio da igualdade com enquadramento doutrinal e jurisprudencial e, subsumindo:
“Analisado o plano temos que o mesmo beneficia os credores subordinados em detrimento dos credores comuns, perdem, estes últimos, 50% do seu crédito e desconhecem quando e se irão receber o que quer que seja, na medida em que a requerente não fixa qualquer forma de pagamento.
É notório que a aprovação do plano representa para os credores comuns uma situação mais grave do que a possa resultar da insolvência da requerente.
Por outro lado, a aprovação do plano é claramente benéfica para os credores subordinados que serão pagos quando a empresa apresentar resultados positivos, ou seja, quando a requerente o quiser fazer, até porque estes credores passam a ser credores privilegiados no plano traçado pela requerente.
Ainda que os credores subordinados prestem serviços à requerente, não pode a continuação da atividade de requerente prosseguir com o sacrifício dos credores comuns que em situação de insolvência seriam pagos com prioridade sobre os subordinados.
O plano representa para os credores comuns uma situação claramente mais desfavorável e beneficia os credores subordinados, os quais com a aprovação do plano adquirem natureza privilegiada por decisão da requerente e dos subscritores do Acordo, logo seriam pagos, com preferência sobre os credores comuns, situação contrária a que se verificaria em caso de insolvência.”
A apelante alinha como argumentos que os titulares dos créditos subordinados são sociedades que, ao longo dos anos têm prestado serviços fundamentais à normal prossecução de atividade da devedora e que serão pagos apenas quando ocorrerem mais valias com a venda dos imóveis da devedora, um acontecimento futuro e incerto, que também será o momento de pagamento dos créditos garantidos. Os credores comuns serão pagos numa prestação única com redução de 50% até ao final do ano de 2022, sendo a redução a contrapartida do pagamento numa única prestação.
Não existe tratamento diferenciado entre credores e por classes idênticas e o tratamento dado aos credores subordinados está justificado objetivamente dado que os subordinados têm sido o suporte da atividade da recorrente, a sua fonte de crédito e continuarão a prestar tais serviços. Dentro das classes os credores são tratados de forma idêntica.
Mesmo que assim se não considere, com o PER e agora o PEVE, a satisfação dos direitos dos credores deixou de ocupar um lugar privilegiado, sendo o objetivo principal a possibilidade de recuperação em detrimento da sua liquidação. Numa perspetiva de adequada ponderação, face aos fins prosseguidos pelas leis falimentares seria desproporcional que o processo extraordinário de viabilização de empresa fosse inviabilizado pelo facto de um dos credores, por não ter visto contemplado o seu crédito na plenitude das garantias que o dotam, pudesse conduzir à não homologação do plano de recuperação de uma empresa.
Argumenta ainda que a sentença recorrida retirou conclusões sem fundamentação fáctica como se o princípio da igualdade fosse um princípio absoluto, quando no caso existem razões objetivas que justificam a diferenciação.
Os credores incluindo os subordinados que financiem a atividade da empresa gozam de privilégio creditório mobiliário geral nos termos do nº2 do art. 11º da Lei nº 75/2020, o que decorre do preceito legal e não pode ser afastado pelo tribunal, sendo a decisão tomada pelo tribunal recorrido contra legem.
Entende, finalmente que o tribunal aplicou o disposto no art. 216º nº1, al. a) do CIRE, não tendo, porém, os credores que pediram a não homologação demonstrado em termos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, o que pressupõe um juízo comparativo que não foi efetuado.
Apreciando começaremos por recordar as medidas propostas com incidência no passivo:
27. Concretamente as medidas necessárias à recuperação da Devedora são as seguintes:
a) Os créditos subordinados são quem faz a gestão e recuperação dos créditos, e inclusive da gestão dos imóveis da CL, o montante em dívida de uma dessas empresas que detém créditos subordinados ascende a mais de €200.000,00, estas empresas estão na disposição e no acordo de continuarem os seus respetivos trabalhos para com a devedora, de acordo com os termos na lei;
b) Concessão de período de carência de 6 (seis) meses e com redução da dívida em 50% a contar do trânsito em julgado da decisão de homologação do presente Plano de Recuperação, prazo findo o qual será realizado o pagamento aos credores comuns, em decorrência da venda dos imóveis da Devedora;
c) Os credores com créditos garantidos receberão o valor quando forem vendidos os imóveis onerados pela respectiva hipoteca voluntária;
d) As dívidas ao Estado, nomeadamente à Autoridade Tributária e Segurança Social, serão pagas em 150 prestações mensais.
6.3. REESTRUTURAÇÃO DO PASSIVO
28. Nos pontos seguintes é apresentado o tratamento dos diversos créditos sobre a Devedora segundo a respectiva classe ou tipo.
29. Créditos Subordinados: são identificados créditos subordinados no valor de €522.673,47.
Medida: os créditos subordinados serão pagos apenas quando ocorrer mais valias resultantes da venda de imóveis.
De realçar que, nos termos da lei, os credores subordinados que prestem um serviço essencial à atividade da empresa passam a credores privilegiados, com comum acordo e após um período de carência 6 meses. A actividade da CL, S.A. depende dos serviços prestados por credores subordinados, nomeadamente a sociedade SCG, Lda.
30. Créditos Comuns: são identificados créditos comuns no valor de € 1.365.943,39.
Medida: os créditos comuns serão pagos numa única prestação, até dezembro de 2022 (inclusive) e com redução da dívida em 50% contados do trânsito em julgado da decisão de homologação.
Parte dos Créditos Comuns é constituída por um crédito condicionado, cuja titularidade se encontra actualmente em discussão em tribunal. A CL, S.A. intentou acção judicial contra o NB, S.A., contra a sociedade EGI, S.A. e outros, por invalidade da cessão do crédito em causa (que se encontra garantido por hipoteca a favor da EGI, S.A., mas na realidade a CL, S.A. não reconhece a validade da cessão desse crédito à EGI e a mesma encontra-se a ser discutida em sede judicial). Pelo que, este crédito no valor de €300.000 está condicionado à decisão que vier a ser proferida por sentença transitada em julgado, que não se consegue prever quando será. Será o tribunal a decidir quem é o credor dos 300.000 euros e, quando for judicialmente reconhecido o credor, a CL pagará ao mesmo.
31. Créditos Garantidos: são identificados créditos garantidos no valor de € 629.109,32.
Medida: Os credores com garantia real receberão o valor do seu crédito quando forem vendidos os imóveis onerados pelas respectivas hipoteca voluntária;
32. Eficácia das medidas de reestruturação do passivo: as medidas de reestruturação do passivo operam todos os seus efeitos com a aprovação do Plano de Recuperação, ficando abrangidos por tais medidas todos os créditos de qualquer classe sobre a Devedora, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou de outro modo verificados.
Muito sinteticamente, num universo de credores descrito como composto por € 629.109,32 de créditos garantidos, € 1.365.943,39 de créditos comuns e € 522.673,47 de créditos subordinados, ou seja, cerca de dois milhões e meio de euros, a devedora propõe-se pagar a totalidade aos credores garantidos, metade aos credores comuns, e a totalidade aos credores subordinados, excluindo-se os credores públicos que, independentemente da natureza dos seus créditos, serão pagos nos termos previstos (150 prestações aparentemente sem qualquer redução[32]).
O ponto apontado como crítico pelo tribunal recorrido é precisamente o pagamento dos credores comuns pela metade, enquanto os credores subordinados receberão a totalidade dos seus créditos.
Começaremos a nossa análise pela questão dos privilégios.
O plano refere ser realçar que, nos termos da lei, os credores subordinados que prestem um serviço essencial à atividade da empresa passam a credores privilegiados, com comum acordo e após um período de carência 6 meses.
O tribunal concluiu pela ilegalidade desta atribuição de carater privilegiado, referindo que não estavam enquadrados nem nos serviços previstos no art. 8º nº8 da Lei nº 75/2020, nem no nº2 do art. 11º da L 75/2020.
A recorrente argumenta ser esta decisão contra legem porque o privilégio é atribuído pela lei e não pode ser negado por decisão judicial.
Privilégio creditório, nos termos do art. 733º do Código Civil, é «a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros.»
Como ensina Miguel Pestana de Vasconcelos “Nos termos do art. 733.º, o privilégio creditório consiste “na faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, a serem pagos com preferência a outros”.
O privilégio é assim atribuído por lei, não resultando de um negócio jurídico, em atenção à causa do crédito e tutela não só o crédito como os juros relativos aos últimos dois anos, se forem devidos (art. 734.º).”
O acordo de viabilização não podia e não pode atribuir carater privilegiado a determinados créditos, porque só a lei o pode fazer.
O acordo, sem prever qualquer período de carência para o pagamento dos créditos subordinados, antes prevendo o pagamento com a ocorrência de um acontecimento futuro, refere que os credores subordinados passam a credores privilegiados após um período de seis meses.
Como interpretar esta cláusula do acordo[33]? Como atribuindo caráter privilegiado a créditos? Claramente não, dado que o próprio acordo refere este caráter privilegiado nos termos da lei. Ou seja, os créditos ou têm ou não têm caráter privilegiado. E se têm, por subsunção ao nº2 do art. 11º da Lei nº 75/2020, são privilegiados desde que reúnem os requisitos para o efeito previsto por lei e não 6 meses depois da homologação[34] do acordo. Poderemos interpretar a cláusula como contendo uma renúncia dos credores privilegiados ao seu privilégio durante 6 meses? Temos grandes dúvidas sobre a efetividade de uma tal cláusula face ao texto da lei.
Mas na verdade esse não é assunto que deva ser ajuizado pelo tribunal que aprecia o PEVE.
Que o acordo não cria o privilégio é absolutamente linear[35].
Por outro lado, no regime da Lei nº 75/2020, os novos créditos, ou seja, os créditos concedidos no âmbito do PEVE com a finalidade de permitir a continuação da atividade da empresa não são apreciados ou, por qualquer forma validados pelo juiz que afere da homologação do acordo.
Distinguem-se, em matéria de novos créditos ou financiamento (new money), o financiamento intercalar (financiamento realizado no decurso do processo) ou um novo financiamento (financiamento realizado em execução do plano de recuperação).
O art. 11º da Lei nº 75/2020 foi inspirado pelo art. 17º-H do CIRE na versão então vigente mantendo a redação do nº1, com substituição de processo especial de revitalização por processo extraordinário de viabilização.
O nº2, mantendo a inspiração, estendeu expressamente o privilégio aos sócios, acionistas e outras pessoas especialmente relacionadas com o devedor[36] e substituiu a menção ao financiamento no decurso do processo por financiamento no âmbito do processo.
A diferença de linguagem releva na exata medida em que já então se encontrava por transpor a Diretiva 2019/1023 de 20 de junho de 2019 e que distingue o financiamento intercalar do novo financiamento. A expressão no decurso do processo é agora usada no art. 17º-H, na redação dada após a transposição da Diretiva, no sentido de financiamento intercalar, por contraposição ao financiamento da execução do plano. Estamos em crer que a expressão escolhida pelo legislador em 2020 quis frisar a aplicabilidade do regime a uns e a outros, aos financiamentos intercalares e aos financiamentos da execução do acordo.
Mas ainda que com essa precisão, e como se adiantou, o tribunal, em PEVE, não é chamado a pronunciar-se, por qualquer forma, sobre os financiamentos.
A questão de se os créditos são ou não privilegiados coloca-se aqui noutra perspetiva, que pensamos terá sido a adotada pelo tribunal recorrido: o privilégio é usado no acordo como argumento para o tratamento dado aos créditos subordinados, ou seja, como uma das circunstâncias objetivas para dar aos créditos subordinados um tratamento diferenciado do dos demais créditos, nomeadamente do tratamento dado aos créditos comuns.
Assim se compreende a apreciação feita pelo tribunal recorrido com a qual, adiante-se, se concorda.
Os créditos em causa não são créditos previstos no art. 8º nº8 da Lei nº 75/2020, em relação aos quais, como refere Catarina Serra[37] são também beneficiários do regime de novos créditos, em particular do privilégio mobiliário previsto no nº2.
A devedora não faz qualquer delimitação temporal dos créditos subordinados que classifica de essenciais, pelo que está a considerar que o privilégio se estende a todo e qualquer crédito concedido à empresa, no decurso do processo e antes dele. Basta pensar que todos os credores garantidos e comuns, ao terem créditos vencidos sobre a devedora, de forma involuntária lhe concederam crédito para compreender que o privilégio previsto no nº2 do art. 11º da Lei nº 75/2020 não tem a amplitude que a devedora lhe parece conferir. A consequência da tese do privilégio de todos os créditos vencidos seria que todos os créditos, garantidos, comuns e, no caso do PEVE, subordinados por especial relação, seriam privilegiados.
Não é, manifestamente assim. Os únicos financiamentos que merecem a proteção do art. 17º-H do CIRE (na anterior e atual redação) e do art. 11º da Lei nº 75/2020 são os financiamentos intercalares (no decurso do processo) e os financiamentos da execução do plano ou acordo, nunca os créditos vencidos antes da entrada do próprio processo já que tais créditos não foram concedidos “no âmbito do processo extraordinário de viabilização”[38]. É essa a razão porque são denominados por toda a doutrina como novos créditos.
Na vigência da redação similar no CIRE, em relação ao PER, várias questões foram sendo discutidas, nomeadamente se a expressão “disponibilizando-lhe capital” significaria a necessidade de aporte de meios monetários e não apenas crédito, tendo-se pronunciado no sentido de que não devia ser restringido a fluxos de dinheiro João Labareda e Carvalho Fernandes[39] e Catarina Serra[40].
Assim sendo, porque todos os créditos subordinados relacionados se referem a créditos vencidos antes da propositura do processo especial de viabilização (como resulta do facto de constarem na relação junta com o requerimento inicial) no caso concreto, com segurança, podemos concluir que nenhum dos créditos relacionados e abrangidos pelo acordo goza de privilégio mobiliário geral nos termos do nº2 do art. 11º da Lei nº 75/2020.
Não se trata de “retirar” por decisão judicial o privilégio a um crédito que dele goza, sendo antes o reconhecimento de que o crédito ou créditos em causa não gozam de privilégio, com a estrita finalidade de rebater um argumento de tratamento diferenciado à luz do art. 194º do CIRE.
Passemos à apreciação do acordo à luz do princípio da igualdade.
Nos termos do art. 194º do CIRE, aplicável nos termos dos arts. 9º nº4, al. b), subalínea iii) da Lei nº 75/2020 e 215º do CIRE:
«1 - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.
2 - O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.
3 - É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto.»
O princípio da igualdade arranca do tratamento, por princípio, de todos os credores por igual, permitindo, porém, diferenciações justificadas por razões objetivas.
Esta dimensão material do princípio – devem ser tratadas por igual situações iguais e de forma distinta, situações distintas -, corporiza uma das mais importantes e convocadas regras aplicáveis ao conteúdo do plano ou do acordo, e tem sido tratado pela jurisprudência como uma regra imperativa, que arranca diretamente do tecido constitucional, cuja violação é, por regra, não negligenciável[41].
Perpassa quer na jurisprudência do Supremo, quer das Relações, que, exceção feita aos créditos tributários, as razões objetivas diferenciadoras têm que constar do plano ou, como no caso, do acordo. Será essa a única forma de controlo do cumprimento do princípio.
São em geral aceites noções como credores estratégicos (não no sentido das necessidades de aprovação, mas das necessidades dos devedores), como por exemplo no Ac. TRC de 17/03/15; e, em geral, a diferenciação baseada na diferente classificação de créditos é permitida (Ac. TRE de 17/03/16 e de 10/09/15; Ac. TRP de 07/04/16; Ac. TRL de 28/01/16); ainda assim, quando baseadas na diferente classificação de créditos, a jurisprudência não tem deixado de censurar excessos: como no caso do Ac. TRE de 21/04/16, no qual todos os créditos eram perdoados à exceção do credor hipotecário, ou no caso do Ac. TRG de 25/02/16, em cujo plano o credor hipotecário recebia integralmente o seu crédito, enquanto os demais se viam reduzidos a 15%, apontando-se que a revitalização estava a ser integralmente suportada por estes últimos credores.
A regra geral é de que todos os credores estão em situação de igualdade perante o património do devedor – cfr. arts. 601º e 604º do Código Civil.
Existem, porém, causas de preferência no pagamento, legalmente consagradas e que podem incidir sobre alguns bens ou todos os bens do devedor, as quais constituem exceções ao princípio da igualdade dos credores perante o património do daquele.
Incluem-se nestes as garantias e os privilégios, sendo que o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas veio consagrar a repartição dos credores por classes – art. 47º do citado diploma e, em especial, o nº4 – sendo garantidos os créditos que beneficiem de garantias reais, incluindo os privilégios especiais, privilegiados os créditos que beneficiem de privilégios creditórios gerais, subordinados os créditos enumerados no art. 48º, exceto quando beneficiem de privilégios ou garantias que se não extingam por efeito da declaração de insolvência (cfr. art. 97º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e comuns os demais créditos.
Tratam-se de normas aplicáveis em PEVE, como o demonstra a remissão para a maioria de votos prevista no nº5 do art. 17º-F do CIRE, no qual se estabelecem duas maiorias de aprovação, que importam o cômputo de créditos subordinados e não subordinados.
A diferenciação por classes de credores enforma a apreciação do princípio da igualdade tal como o entendemos, sendo clara a necessidade de tratamento de todos os credores dentro da mesma classe, ou seja, nas mesmas condições, de forma igualitária, a menos que razões objetivas e ponderosas os diferenciem.
Porque objetivamente os credores que beneficiam de um regime de exceção ao princípio par conditio creditorum – sejam garantias, sejam privilégios, sejam um estatuto menorizado – não estão em pé de igualdade com os créditos que deles não gozam ou sofrem, a diferenciação entre classes e a diferença de tratamento entre elas surge justificada pela necessidade de tratar por igual o que é igual e por desigual o que é desigual.
Daí que, por regra, se aceite o pagamento em montante superior aos créditos garantidos – que sempre receberiam pelo produto da venda dos bens garantidos, em cenário de liquidação ou de execução e, por regra, se preveja um menor pagamento, ou mesmo um perdão aos créditos subordinados, aqueles que, na ordem legal da regra da prioridade seriam os últimos a receber, por regra, em cenário de insolvência, não chegando a ser satisfeitos[42].
Passando ao caso concreto temos um cenário traçado como sendo de ativo superior ao passivo e falta de liquidez, o que constitui um primeiro indício no sentido da desnecessidade de previsão de perdão dos créditos subordinados.
No entanto, é também indício da desnecessidade de perdão aos créditos de categoria imediatamente superior, ou seja, os créditos comuns.
Se o ativo chega para pagar todo o passivo, o perdão de parte dos créditos só se explica por ausência de liquidez, no caso a ser suportada pelos credores comuns. Porquê apenas pelos credores comuns e não também pelos demais ou, pelo menos pelos subordinados? Não é adiantada qualquer razão para o efeito.
A devedora considera que, desde 2012, o fito principal da legislação falimentar deixou de ser a satisfação dos credores e passou a ser a recuperação dos devedores, o que torna desproporcional recusar a validade de um acordo/plano apenas porque um dos credores não viu contemplado o seu crédito na plenitude das garantias que o dotam.
Como ensina Catarina Serra[43] pese embora o art. 1º nº1 do CIRE aparente estabelecer o primado da recuperação, relegando a liquidação para a posição residual, a norma tem que ser lida com cuidado.
Antes de mais, o processo de insolvência continua a ter por finalidade a satisfação dos credores. Privilegia que essa satisfação se dê por meio de recuperação do devedor relegando para plano residual a liquidação (e não a satisfação dos credores). Prevê-se agora a possibilidade de recuperação sem declaração de insolvência, o que demonstra que a liquidação do património do devedor deixa de ser a regra de satisfação. Mas a satisfação dos credores ainda é a finalidade do processo.
O que foi censurado no caso concreto não foi que um credor não recebesse a integralidade do seu crédito, mas sim que uma classe de credores que seria a última a ser paga o fosse integralmente enquanto que a classe imediatamente superior, representando cerca de 52% do seu universo de credores, apenas receberá 50% dos seus créditos, por via de um perdão.
Já sabemos que os créditos subordinados não são privilegiados. Já percebemos que, nos termos do acordo, o problema é exclusivamente de falta de liquidez.
Qual então a forte razão objetiva que suporte tal diferença de tratamento? Não se pode argumentar com o recebimento numa só prestação, a efetuar até 31/12/2022 (o acordo prevê até Dezembro inclusive)[44], dado que a falta de liquidez terminará, segundo o acordo, quando se lograr a venda do património. O perdão não sai justificado pela necessidade de redução do serviço da dívida quando bastaria prever para os demais 50% igual regime de pagamento aos demais: com a venda do património.
Ou seja, não temos qualquer razão objetiva – nem do plano consta – para a redução de 50% aplicada aos credores comuns.
Passemos à comparação com os demais credores. Face aos credores garantidos, protegidos pelo direito de sequela, justifica-se a previsão do pagamento de 100% do crédito.
Face aos credores subordinados, e tendo em conta que se trata de uma classe de créditos de grau hierarquicamente inferior, ou seja, que apenas seria paga após a satisfação da de créditos comuns, a previsão de manutenção integral do crédito surge gravemente desproporcionada e violadora do princípio da igualdade.
Os serviços prestados pelos credores subordinados serem essenciais ao prosseguimento de atividade da devedora é uma objetiva (embora fracamente objetivada, há credores subordinados que nunca são mencionados como prestando serviços) razão para não prever qualquer perdão destes créditos, em especial num cenário de ativo superior ao passivo. O que não explica nem justifica é o haircut de 50% nos credores comuns.
O princípio da igualdade é um princípio flexível que, precisamente, impõe um olhar global, não classe a classe, mas sobre todo o passivo e que, no caso, com uma clareza meridional, não é cumprido, sendo totalmente injustificado o perdão de 50% dos créditos comuns.
Não se trata da situação prevista no art. 216º nº1 al. a) do CIRE, que exige uma demonstração em concreto e um juízo de prognose, trata-se de constatar um tratamento profundamente desigual entre classes de credores, impondo em exclusivo a uma delas os custos da viabilização do devedor. Porque, no fim do dia, os credores subordinados prestaram os serviços que asseguraram a manutenção da devedora, mas vão ser integralmente pagos por eles, diferentemente do que sucede com os credores comuns, que apenas verão satisfeitos 50% dos seus créditos.
Há assim, uma flagrante violação do princípio da igualdade, tal como concluiu o tribunal recorrido, cuja decisão se deve manter, improcedendo, in totum, a apelação.
*
Nos termos do disposto no art. 15º da Lei nº 75/2020, o processo extraordinário de viabilização de empresa está isento de custas processuais, sem prejuízo de o devedor suportar a remuneração do administrador judicial provisório.
Pese embora os recursos tenham tributação própria, sendo processos autónomos, consubstanciando a interposição de recurso um impulso processual distinto do da ação em que é proferida a decisão recorrida, no caso, ponderados os objetivos do legislador ao estabelecer uma isenção objetiva de custas nos termos em que o fez, visando incentivar o recurso ao procedimento de viabilização, considera-se que as custas devidas pela instância recursiva estão abrangidas pela isenção estabelecida, razão pela qual não são devidas custas pela devedora/recorrente, que ficou vencida.
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5. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar integralmente improcedente a apelação, decidindo-se manter a sentença recorrida.
Sem custas na presente instância recursiva.
Notifique.
*
Lisboa, 4 de outubro de 2022
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
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[1] Dado que nem a Lei nº 75/2020, de 27/11, nem o CIRE regulam este aspeto da tramitação dos recursos.
[2] Em Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pgs. 72 e 73.
[3] Todos disponíveis em www.dgsi.pt tal como todos os demais citados sem referência.
[4] Este último com exaustiva citação de doutrina e jurisprudência.
[5] Sobre este ponto, Catarina Serra, O Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE) e outras medidas da Lei n. º75/2020, revista de Direito Comercial, disponível em https://www.revistadedireitocomercial.com/o-processo-extraordinario-de-viabilizacao-de-empresas-peve-e-outras-medidas-da-lei-n-75/2020, pág. 2055 refere: “Da norma do art. 9.º, n.º 4, al. a), decorre que o único meio de prova admissível é a prova documental. Tal como as outras opções, esta limitação encontra a sua razão de ser, mais uma vez, na celeridade especial do PEVE – no objectivo de não alongar excessivamente o processo.”
[6] E, consequentemente, optou por não responder a outras.
[7] Em Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, pg. 371.
[8] Em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2022, 3ª edição, pg. 793.
[9] Rui Pinto, Em Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), Julgar Online, maio de 2020, pg. 26.
[10] Em Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, Almedina 2022, pg. 482 e doutrina aí citada.
[11] Em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, 2015, pg. 153.
[12] Em O Processo Especial de Revitalização – Comentário aos arts. 17º-A a 17º-I do CIRE, Coimbra Editora, 2014, pg. 78.
[13] Em Impugnação e Decisão da Impugnação da Lista Provisória de Créditos, no Âmbito do Processo Especial de Revitalização, Julgar Online, nº 31 (2017), disponível em http://julgar.pt/author/elisabete-assuncao/, pgs. 31 e 32.
[14] Em O Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE) e outras medidas da Lei n.º75/2020, revista de Direito Comercial, pg. 2029, disponível em https://www.revistadedireitocomercial.com/o-processo-extraordinario-de-viabilizacao-de-empresas-peve-e-outras-medidas-da-lei-n-75/2020.
[15] Também Catarina Serra, local citado, pg. 2028.
[16] A lista torna-se definitiva se não for impugnada ou com a decisão das impugnações.
[17] Entre muitos outros, neste sentido, e os Acs. STJ de 01/07/14 (Salreta Pereira), Acs. TRP de 29/02/16 (Carlos Querido), e TRC de 14/04/15 (Luís Cravo), Acs. TRG de 19/03/15 (Maria da Purificação Carvalho) e TRG de 19/01/17 (Antero Veiga), e mais recentemente os Acs. TRP de 22/11/2021 (Joaquim Moura), TRC de 07/09/2021 (Maria João Areias), TRP de 12/07/2021 (Maria José Simões), TRL de 23/02/2021 (Diogo Ravara), TRG de 10/07/2019 (António Figueiredo de Almeida) e TRP de 29/02/2018 (Carlos Querido).
[18] Formalidade não cumprida no caso, mas sem qualquer consequência processual ou substantiva. Aliás, esta regra torna-se de difícil cumprimento, precisamente nos casos em que o juiz decida as impugnações e, subsequentemente analise o acordo com vista à decisão de homologação. Tem o mesmo prazo para as duas decisões e, obviamente, está ciente de ambas, pelo que ordenar a alteração da relação de credores entre uma e outra decisões iria apenas criar um hiato temporal desnecessário.
[19] Local citado, pg. 2066.
[20] E sempre teríamos o óbice da competência em razão da matéria.
[21] O que significa que, ainda que subsidiariamente, a devedora, que se apresentou a PEVE, deduziu um pedido que, deferido, impediria a homologação do plano que apresentou.
[22] Exposição de motivos da PL 53/XIV/1, que viria a dar origem à Lei nº 75/2020, de 27 de novembro.
[23] Idem.
[24] Cfr. Catarina Serra em O Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE) e outras medidas da Lei n.º75/2020, revista de Direito Comercial, pg. 2023, disponível em https://www.revistadedireitocomercial.com/o-processo-extraordinario-de-viabilizacao-de-empresas-peve-e-outras-medidas-da-lei-n-75/2020.
[25] Pelo Decreto-Lei n.º 92/2021, de 8 de novembro.
[26] Também na Exposição de motivos da PL 53/XIV/1.
[27] Em O Processo Extraordinário de Viabilização…, pg. 2026.
[28] Onde se estabelece «O processo previsto no presente capítulo pode igualmente iniciar-se pela aprsentação pela empresa de acordo extrajudicial de recuperação, assinado pela empresa e por credores que representem pelo menos a maioria de votos prevista no n.º5 do artigo 17.º-F (…).»
[29] Como nota Catarina Serra em The Extraordinary Proceedings for the Economic Sustainability of Businesses: The Viability or Feasibility Test, pg. 4, PoLaR Portuguese Law Review - vol. 5 - n.º 1. Disponível em: Grupo Almedina, Grupo Almedina (Portugal), 2021.
[30] Disponível em www.dgsi.pt.
[31] No prazo previsto no art. 9º nº1 da Lei nº 75/2020.
[32] Não se tratando de questão compreendida no objeto do recurso, o acordo não prima pela clareza, nomeadamente neste aspeto.
[33] Como já se referiu e repete, o acordo, aparentemente simples, não é claro.
[34] O acordo não refere 6 meses depois da homologação, apenas seis meses, pelo que estamos a extrapolar.
[35] Seria uma cláusula nula por impossibilidade legal, se o fizesse.
[36] Alteração saudada por Catarina Serra como especialmente útil, O Processo Extraordinário de Viabilização…, pág. 2073, e que veio a ser consagrada também no regime do PER na redação dada ao art. 17º-H do CIRE pela Lei nº 9/2022, de 11/01.
[37] O Processo Extraordinário de Viabilização…, pg. 2079.
[38] Neste sentido relativamente à regra similar do art. 17º-H, João Labareda e Carvalho Fernandes, Código…, pág. 180, nota 7, Catarina Serra, em Lições…, pg. 461, a aqui relatora em Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência, Porto Editora, 2014, pg. 76 e Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis em PER…, pg. 184.
[39] Código…, pg. 179.
[40] Em Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pg. 461 a 462.
[41] Neste sentido, entre outros, os Acs. TRC de 17/03/15 (Henrique Antunes); TRP de 08/07/15 (Manuel Domingos Fernandes); TRL de 09/06/16 (Ondina Carmo Alves); TRL de 28/04/2020 (Paula Cardoso).
[42] O cenário mais frequente é o do ativo inferior ao passivo.
[43] Em Lições…, pgs. 48 e 49.
[44] Certamente por lapso a decisão recorrida referiu não haver previsão de prazo para o pagamento dos credores comuns. O lapso terá sido causado pelo texto final da cláusula, que parece ter sido “colado” de outro acordo diferente, porque depois de se prever o pagamento até dezembro se diz “contados do trânsito em julgado da decisão de homologação”, como se antes se tivesse mencionado um prazo certo de dias ou meses.