RECUSA DE PETIÇÃO
RECLAMAÇÃO
DESPACHO
Sumário

Configurando o requerimento apresentado pelo Recorrente uma reclamação à recusa do recebimento da petição inicial pela secretaria, e não uma mera junção de documentos, impõe-se que o Tribunal a quo profira despacho que aprecie a sua pretensão.

(Elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


Relatório


Em 28.01.2022, AAA, residente na …, veio  intentar acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho contra BBB., com sede …, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 1.436,52 (mil quatrocentos e trinta e seis euros e cinquenta e dois cêntimos), calculados nos termos do vertido no Art. 82.º da petição inicial, indemnização a que o Autor tem direito nos termos do Art. 396.º do CT e uma indemnização por danos não patrimoniais a determinar com fundamento no exposto e a fixar nos termos do Arts. 85.º e 86.º da petição inicial.

No final da petição inicial refere o Autor que junta 17 documentos, procuração forense, deferimento do requerimento de protecção jurídica na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo..

Em 28.01.2022, a ilustre mandatária do Autor endereçou ao Tribunal dois e-mails (19:44 e 19:52) sob o assunto “Envio de documentos”, solicitando “o favor de mandar dar entrada dos documentos que se anexa por impossibilidade de deles fazer dar entrada no CITIUS com a PI relativa ao a acção declarativa de condenação em que é Autor AAA e que foi nesta data submetido.”
Mais refere como Anexos: Contrato de trabalho  … pdf; Docs 4 e 5 ….pdf, Doc.6 …pdf; Doc.7 … pdf; Doc.8 ….pdf; Doc10  … pdf; Doc.11  ….pdf; Doc.12  … pdf.

Em 31.01.2022 a ilustre mandatária do Autor, invocando as mesmas razões referidas nos e-mails de 28.01.2022, endereçou ao Tribunal e-mail sob o assunto “Envio de documentos” e “Anexos”: Contrato de trabalho  ….pdf; Procuração forense Sr. ….pdf; Deferimento de protecção jurídica  ….pdf, com o mesmo teor dos anteriores e-mails.

Em 31.01.2022 o Autor, em requerimento dirigido ao Exmo. Sr. Juiz, invocando ter atingido tamanho superior ao comportado pelo Citius e, por essa razão, não ter sido junta a prova documental via correio electrónico assinado digitalmente, veio juntar electronicamente a documentação enviada por aquela via.

Nos autos foi elaborado TERMO DE RECUSA com o seguinte teor:

“TERMO DE RECUSA
Em 15-02-2022, nos termos da alínea f) do art.º 558.º do Código de Processo Civil e n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 17.º da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto, por não se mostrar paga a taxa de justiça inicial nem comprovado a concessão de apoio judiciário, recusa-se a petição inicial.”

Segundo certificação elaborada pelo Citius em 15.02.2022, foi endereçado ao Autor, a notificação a dar conta de que a petição inicial tinha sido recusada pela secretaria e que a procuração ainda não estava junta aos autos.

Na sequência dessa notificação, em 16.02.2022, o Autor dirigiu aos autos o seguinte requerimento:
“Ex.mº(ª) Srº (ª)
Dr.º(ª) Juiz de Direito
Processo n.º 344/22.0T8VFX
…, Advogada, mandatária do Autor no processo supra identificado, tendo sido notificada do termo de recusa da petição inicial, vem reclamar da mesma porquanto, em 31 de Janeiro de 2022, e no seguimento de contacto telefónico com esse Tribunal, reenviou os documentos em falta, já enviados via e-mail por não ter sido possível a sua submissão no Citius por incapacidade face ao tamanho dos documentos anexados, aquando da entrada da acção.
Para tanto, junta novamente os documentos ora reclamados e cópia do comprovativo do e-mail referido supra.
Junta: Procuração Forense
Deferimento da concessão de apoio judiciário
1 Documento
P.e.E Deferimento”

Em 20.02.2022 foi proferido o seguinte despacho:
“A recusa da secretaria nos termos do art.º 558º do Código de Processo Civil não foi objecto de qualquer reclamação nos termos do art.º 559º do mesmo diploma legal.
Considerando que a parte se encontra patrocinada por mandatário forense não beneficia da previsão do art.º 560º do Código de Processo Civil.
Assim, nada a ordenar.”

A notificação do despacho, segundo a certificação elaborada pelo Citius, foi enviada ao Autor em 21.02.2022.

Na mesma data, o Autor juntou aos autos o seguinte requerimento:
“…., Advogada, mandatária do Autor no processo supra identificado, tendo sido notificada do Douto despacho de fls… vem requerer esclarecimento acerca do mesmo uma vez que, por notificação de 15 de fevereiro de 2022 foi notificada da recusa da petição inicial pela secretaria.
Após contacto telefónico com a mesma secretaria, no qual foi informada do não recebimento dos documentos alegadamente em falta, apresentou reclamação da recusa, nos termos concedidos pelo Art.º 559º do Código de Processo Civil em 16 de Fevereiro de 2022, voltando a juntar os referidos documentos bem assim comprovativo da anterior apresentação dos mesmos por via de correio electrónico.
P.e.E Deferimento.”

Em 24.02.2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Mantem-se, nos seus precisos termos, o despacho anterior que, conjugadamente com o preceito legal nele referido (art.º 560º do Código de Processo Civil) se afigura claro.
Mantem-se que não foi apresentada qualquer reclamação nos termos do art.º 559º do Código de Processo Civil, como tal se não configurando o acto praticado pela parte nas referências citius 11969075/acto processual 41349169 e em que se limita a juntar documentos, junção à qual o citado art.º 560º obsta que seja atribuída qualquer relevância.”

Segundo a certificação elaborada pelo Citius a notificação do citado despacho foi endereçada ao Autor em 28.02.2022.

Inconformada com o despacho de 20.02.2022, o Autor recorreu formulando as seguintes conclusões:
15ºConsiderando que a petição inicial deu entrada em 28-01-2022 através do sistema informático CITIUS,
16ºConsiderando que todos os documentos incomportados pelo sistema referido, por via do seu tamanho, deram entrada no Tribunal na mesma data, por requerimento, através de e-mail registado na Ordem dos Advogados e assinado digitalmente, sendo nesse caso, o justo impedimento oficioso e automático.
17ºConsiderando que a procuração forense, e o deferimento de protecção jurídica foram juntos ao processo através do mesmo e-mail assinado digitalmente em 31-01-2022, com o mesmo fundamento, e enviado a requerimento da secretaria deste Tribunal,
18ºConsiderando também que a documentação referida no artigo anterior voltou a ser junta através do sistema informático CITIUS, em 16-02-2022, na reclamação apresentada conforme o Artigo 3º deste requerimento;
19ºConsiderando ainda que o acto praticado em 16-02-2022 deve ser entendido como a reclamação à recusa da petição inicial pela secretaria, uma vez que refere expressamente a intenção de reclamar dessa recusa, alega a atempada entrega dos documentos referidos em falta e dela faz prova e, apenas por mera cautela, volta e juntar os mesmos documentos. (Doc. 1)
20ºConsiderando, enfim, que todos os actos foram praticados pelas formas devidas, ou seja, os que não foi possível apresentar através do CITIUS, foram-no através do e-mail registado na base de dados da Ordem dos Advogados, entendemos, salvo melhor opinião, que não deveria a secretaria ter recusado a petição inicial nem, posteriormente o Douto Tribunal ter considerado não ter sido efectuada qualquer reclamação dessa recusa.
21ºAtendendo a que, não foram juntos ao processo, pela secretaria, os documentos atempadamente juntos pela parte, conforme cópias dos comprovativos de envio de e-mails que se junta como Docs 2 a 5 com fundamento em justo impedimento;
22ºE sabendo-se que, nos termos do n.º 6 do Art. º 157º do Código do Processo Civil “os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve ser revogado o despacho que confirmou a recusa pela secretaria e, em substituição, deve ser recebida a petição inicial e, porque tempestiva, deve a acção ser considerada proposta na data em que a petição foi apresentada em juízo, devendo os demais termos seguir-se até final.
P.e.E Deferimento”

A Ré contra-alegou apresentando as seguintes conclusões:
1ª)Em 28 janeiro 2022, o Recorrente, com a apresentação da petição inicial, não comprovou o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
2ª)O Recorrente apenas procedeu à junção da concessão do benefício de apoio judiciário, em 16 fevereiro 2022, após rejeição da petição inicial pela Secretaria.
3ª)O Recorrente não beneficia da faculdade conferida nos termos do Artigo 560.º do Cód. Processo Civil, e deste modo não se pode socorrer da junção posterior do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário.
4ª)Tal prerrogativa apenas é concedida quando se trate de uma causa que não importe a constituição de Mandatário e a parte não esteja patrocinada, o que, in casu, não se verifica.
5ª)O Recorrente, na sua exposição, apenas se limita a juntar os aludidos documentos, não revestindo tal ato numa Reclamação.
6ª)Acresce que, o Recorrente, no e-mail que junta, dirigido à secretaria, não consegue fazer prova de que realmente remeteu o documento da respetiva concessão do apoio judiciário, naquela data, reforçando apenas a posição que não juntou em 28 janeiro 2022.
7ª)Até porque, tal e-mail é datado de 31 de janeiro de 2022, e a sua Petição Inicial foi submetida a 28 de janeiro de 2022, pelo que, em cumprimento das mais elementares normas processuais, seria a 28 de janeiro de 2022 que tal comprovativo deveria ter sido junto e não a 31 de janeiro de 2022.
8ª)Estando comprovado (pelo próprio Recorrente) que não juntou, em 28 janeiro 2022, com a sua petição inicial documento comprovativo do prévio pagamento de taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, tem de se concluir pelo acerto da Secretaria na recusa da petição em causa nos termos exarados.
9ª)O despacho recorrido fez uma correta aplicação do direito e, por isso, não merece qualquer reparo.
10ª)Não colhem, a nosso ver, as razões de discórdia do Recorrente, pelo que deverá, assim, manter-se o douto despacho recorrido.”

Em 27.05.2022 foi proferido despacho que considerou haver lapso na espécie do recurso indicado pelo Recorrente (revisão) considerou que o mesmo seria recebido como apelação, admitiu o recurso, fixou o valor da causa e determinou o cumprimento do disposto nos artigos 646.º n.º 1 e 641.º n.º 7 do CPC.

Subidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que, caso se considere que o despacho recorrido confirma a recusa da petição inicial pela secretaria, deverá o mesmo ser confirmado; a entender-se que não foi proferida qualquer decisão judicial, então, não haverá sequer fundamento para o recurso, pelo que o mesmo não deverá ser admitido.

O Autor respondeu ao parecer reafirmando o invocado nas alegações e concluindo que o despacho recorrido confirmou a recusa da petição inicial pela secretaria pelo que o recurso deve ser admitido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso

É pacífico que o âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º nº 4 e 639.º do CPC, ex vi n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).

Assim, no presente recurso importa saber:
-Se o acto praticado pelo Autor em  16.02.2020 configura uma reclamação para efeitos do artigo 559.º n.º 1 do CPC.
-Se não deveria ter sido recusado o recebimento da petição inicial.

Fundamentação de facto

Os factos com interesse para a decisão são os que constam do relatório que antecede para o qual se remete.

Fundamentação de direito

Previamente às questões suscitadas no recurso importa referir o seguinte:
O artigo 558.º do CPC elenca os factos que determinam a recusa de recebimento da petição inicial pela secretaria.

Por seu turno, dispõe o artigo 559.º do CPC:
1Do ato de recusa de recebimento cabe reclamação para o juiz.
2Do despacho que confirme o não recebimento cabe sempre recurso até à Relação, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 629.º e no n.º 7 do artigo 641.”

No caso presente, o despacho recorrido  considerou que a recusa do recebimento da petição inicial pela secretaria não tinha sido objecto de qualquer reclamação nos termos de art.559.º do CPC e que estando o Autor patrocinado por mandatário forense não beneficiava do disposto no artigo 560.º do CPC. E concluiu que nada havia a ordenar.

Posteriormente, a pedido de esclarecimentos pelo Autor, o Tribunal a quo manteve que não foi apresentada qualquer reclamação nos termos do art.º 559º do CPC, acrescentando “como tal se não configurando o acto praticado pela parte nas referências citius 11969075/acto processual 41349169 e em que se limita a juntar documentos, junção à qual o citado art.º 560º obsta que seja atribuída qualquer relevância.”

Assim, do despacho recorrido e respectivo esclarecimento extrai-se que o Tribunal a quo considerou que o requerimento apresentado pelo Recorrente em 16.02.2022 não configurava uma reclamação ao acto de recusa da secretaria tal qual prevista no artigo 559.º n.º 2 do CPC, mas uma mera junção de documentos e que, por essa razão, nada havia a decidir (“ Assim, nada a ordenar”). Por outras palavras, entendeu o Tribunal a quo que não estava perante uma verdadeira reclamação e que, por isso,  a recusa de recebimento da petição se mantinha exactamente por ausência de reclamação (e não por outro fundamento), pelo que  o requerimento do Autor não merecia qualquer pronúncia.

Donde, não existe despacho a confirmar a recusa do recebimento da petição inicial pela secretaria, pelo que o recurso não seria admissível por força do n.º 2 do artigo 559.º do CPC.

Porém, o despacho recorrido, que não é um despacho de mero expediente nem proferido no uso legal de um poder discricionário pois não se limitou a prover ao andamento do processo e põe em causa o interesse da parte (cfr. artigo 152 n.º 4 do CPC), na medida em que produziu o mesmo efeito prático que um despacho de indeferimento liminar da petição inicial, admite recurso nos termos do artigo 629.º n.º 3 al.c) do CPC por via da interpretação extensiva deste preceito (cfr. art.11.º do Código Civil).

Posto isto, vejamos, então, a primeira questão suscitada no recurso e que se traduz em saber se o acto praticado pelo Autor em  16.02.2020 configura uma reclamação para efeitos do artigo 559.º n.º 1 do CPC.

Na sequência da recusa do recebimento da petição inicial pela secretaria, em 16.02.2022, o Autor dirigiu ao Tribunal o seguinte requerimento:
“Ex.mº(ª) Srº (ª)
Dr.º(ª) Juiz de Direito
Processo n.º 344/22.0T8VFX
…, Advogada, mandatária do Autor no processo supra identificado, tendo sido notificada do termo de recusa da petição inicial, vem reclamar da mesma porquanto, em 31 de Janeiro de 2022, e no seguimento de contacto telefónico com esse Tribunal, reenviou os documentos em falta, já enviados via e-mail por não ter sido possível a sua submissão no Citius por incapacidade face ao tamanho dos documentos anexados, aquando da entrada da acção.
Para tanto, junta novamente os documentos ora reclamados e cópia do comprovativo do e-mail referido supra.
Junta: Procuração Forense
Deferimento da concessão de apoio judiciário
1 Documento
P.e.E Deferimento”

Mas perante este requerimento entendeu o Tribunal a quo que a recusa da secretaria não tinha sido objecto de reclamação para efeitos do artigo 559.º do CPC.
Será assim?
O n.º 1 do artigo 559.º do CPC apenas refere que “Do ato de recusa de recebimento cabe reclamação para o juiz.”. Não impõe a lei uma forma especial para a reclamação, apenas exigindo que esta seja feita perante o juiz.

Ora, no requerimento em causa o Recorrente não se limita a juntar documentos.

O Recorrente refere que, na sequência da notificação do termo de recusa do recebimento da petição inicial, vem reclamar dessa recusa invocando, para tanto, que os documentos que serviram para fundamentar a recusa, tinham sido reenviados no dia 31 de Janeiro e enviados anteriormente por e-mail dado não ter sido possível a sua submissão ao Citius.

É certo que o Recorrente não pede expressamente ao Tribunal que revogue o acto da secretaria, mas obviamente que esse pedido está implícito no seu requerimento.

Contudo, entendemos que não oferece dúvidas que o requerimento do Recorrente, contrariamente ao que foi considerado pelo Tribunal a quo, configura uma reclamação para efeitos do n.º 1 do artigo 559.º do CPC.

E nessa sequência, impõe-se a revogação do despacho recorrido devendo o Tribunal a quo proferir despacho que aprecie a reclamação apresentada pelo Recorrente.

Prejudicada fica a questão de saber se não deveria ter sido recusado o recebimento da petição inicial.

Decisão

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em revogar o despacho recorrido e determinar que o Tribunal a quo profira despacho que aprecie a reclamação apresentada pelo Recorrente em 16.02.2022.
Sem custas.
Registe e notifique.



Lisboa, 26 de Outubro de 2022



Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Duro Mateus Cardoso.