Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAIS COMUNS
Sumário
a. Para julgar um pedido de indemnização, por prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, formulado pela proprietária de certo prédio urbano em cujo logradouro foi implantado – pela empresa concessionária, no município, da rede de transporte e distribuição de energia eléctrica em baixa tensão –, um poste e que passou a ser atravessado pelos cabos aéreos condutores por este suportados, é competente a jurisdição comum, porquanto, no caso concreto, a lesada não pretende questionar, a título principal, directamente, a legalidade do acto praticado na sua dimensão pública/administrativa mas apenas o seu carácter danoso e consequente responsabilidade, conformando-se com qualquer enquadramento da que venha a apurar-se: seja ela por facto lícito (constituição de servidão) ou por facto ilícito. b. A questão da legalidade ou ilegalidade da implantação do poste e consequente atravessamento pelas linhas tem, assim, natureza meramente incidental (artº 91º, nº 1, CPC) no contexto dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por danos (artºs 483º, e sgs. CC).
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO[1]
M. L. intentou, em 30-01-2022, no Tribunal de Monção – Comarca de Viana do Castelo, contra X, Distribuição de Electricidade, SA, uma acção declarativa, sob a forma de processo comum.
Ao cabo de extensa petição inicial, formulou como pedido o seguinte:
“Ser a ré condenada a pagar à autora uma justa indemnização pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais) e prejuízos causados na esfera da autora como consequência da actuação supra descrita, nomeadamente, mas não exclusivamente, nos termos do artigo 37 do decreto-lei 43335 e a apurar à posteriori, em sede de execução de sentença.”. Resumindo, alegou, que é proprietária, desde 1992, de certo prédio urbano, onde tem implantada uma casa, o qual é “atravessado por várias linhas de baixa tensão” que se encontram sustentadas num “poste elétrico” erguido nele.
Ignora se “a servidão relativa à linha de baixa tensão se encontra devidamente constituída ou se, pelo contrário foi estabelecido sem qualquer licenciamento”, sendo certo que, ainda assim, por carta de 27-12-2021, manifestou oposição a tal atravessamento e colocação do poste, nos termos e para os efeitos previstos no artº 51º, nº 2, parágrafo 2, do Decreto-Lei 43335, através da mesma requerendo “que a ré fizesse-lhe uma proposta de indemnização pela redução de rendimentos, diminuição de área da propriedade e demais prejuízos” consequentes.
A ré, em 15-01-2022, respondeu que a rede respectiva está licenciada desde 29-01-2008 e recusou indemnizá-la.
Embora ignore isso, pois que nenhum conhecimento lhe foi dado nem qualquer autorização pedida, nem por si foi concedida para aqueles fins, mesmo que se apure ter sido lícita a descrita actuação da ré, sempre ela responde pelos danos causados a esse título ao abrigo do Decreto-Lei 43335, uma vez que se tratará, então, de servidão administrativa constituída por efeito da declaração de utilidade pública que legitima a sua actuação dispensando-a de autorização do dono do prédio.
Certo é que o prédio “foi invadido” e nele foi colocada a linha à revelia da autora. Tal “resulta numa diminuição da utilidade da propriedade” e “desvalorização do seu preço de mercado”, isto “com o benefício de quem o instalou e explora no seu interesse pessoal e com fins económicos”.
Sempre se verifica, assim, “um enriquecimento da ré à custa da autora, que com tal sofre danos e prejuízos” – invocando, a tal propósito, o disposto no artº 473º, do CC.
Trata-se de “um dano in re ipsa inerente do direito de propriedade e à sua fruição” e “a vários prejuízos resultantes da diminuição da fruição, designadamente perante a impossibilidade de a autora, como era seu desejo, instalar uma piscina e respectivos anexos” no sítio onde está o poste, de fazer “o aumento da área da casa acima dessas linhas” e de proceder à “colocação de árvores altas” para aumentar a privacidade e reduzir o barulho para o interior da “casa, jardim e piscina que pretendia instalar”, tudo de modo a tornar o local “mais aprazível, convidativo e com espaço” para os filhos ficarem lá mais vezes. Em face disso, “chorou e tremeu de tristeza e desde aí não dorme tranquilamente, o que afetou inclusivamente o seu bem-estar social”, além da “angústia e injustiça” que sente pela desvalorização do prédio.
Na contestação, a ré alegou, além do mais, que a colocação do apoio e a sobrepassagem dos condutores de baixa tensão respeita a um troço estabelecido em 1992 destinado a abastecer a moradia da autora a partir de um PTD – Posto de Transformação de Distribuição – licenciado em 28-02-1976, e cuja substituição foi também licenciada em 29-01-2008 no âmbito de contrato de concessão da distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, que detém como operadora da rede eléctrica nacional mas em que se incluem também as redes de baixa tensão, como é o caso da do Município de …, e cuja outorga constitui o título constitutivo da servidão administrativa que onera o prédio da autora.
A constituição de servidão administrativa ao abrigo do contrato de concessão confere à ré, na qualidade de concessionária, o direito de implantar o apoio e fazer sobrepassar o respetivo ramal.
A tal concessão não se aplica o referido regime do Decreto-Lei 43335, mas antes o do Decreto-Lei 26852, cujo artº 27º, nº 1, alínea h), dispensa de licenciamento a instalação de redes de baixa tensão.
Considera que está em causa “a pretensão a uma indemnização pelos supostos danos causados pela constituição de uma servidão administrativa”, pois “a causa de pedir é sem dúvida a afetação de um direito real através da constituição de uma servidão administrativa, mas apenas na medida em que tal afetação é, também, constitutiva de um dever de indemnizar”, por isso não se tratando de acção de reivindicação. A autora alega “a ilegalidade da implantação de um apoio e dos respectivos condutores” e que tal foi feito sem o seu conhecimento e autorização, “pondo em causa a existência e conformidade do procedimento que levou à constituição da respectiva servidão administrativa”. Exercendo a ré a atividade de “operador da rede elétrica de serviço público, na qual se inclui a concessão das redes de baixa tensão” mediante contratos com os Municípios, sendo a outorga do contrato de concessão que lhe confere o “título constitutivo da servidão administrativa que onera o prédio da A.” e pondo “em causa a legalidade da constituição da servidão”, a competência material para dirimir o litígio cabe aos tribunais administrativos. De resto, na instalação e exploração da rede exerce poderes públicos enquanto concessionária.
Com base nessa excepção dilatória pede a sua absolvição da instância.
Respondendo à matéria de excepção, espontaneamente e de novo em longo articulado, a autora, além de sustentar que ao caso continua a aplicar-se o artº 37º, do Decreto-Lei 43335, aduziu, quanto à de incompetência material, que “configurou a ação, no sentido em que é a ré a indemnize pelo estabelecimento de linhas elétricas que ocupam a sua propriedade e que resulta na diminuição da área da mesma e da redução da sua utilização e que consubstânca em responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos, não estando em causa qualquer facto praticado pela ré no exercício de poderes administrativos e tão pouco a autora pretende a fiscalização da legalidade dos atos jurídicos praticados pela ré no exercício de poderes públicos”, que “na presente ação não se discute nenhuma questão de cariz administrativo-procedimental, de regime de direito público, não obstante a exploração económica-privada da ré tenha como base uma concessão pública, questão (servidão) que seria sempre uma questão incidental, o que teria de ser suscitado ante a jurisdição administrativa”, mas, neste caso, “apenas e puramente se discute uma questão de direito privado e mesmo para qualquer questão incidental de direito público, seria este o tribunal competente [cf. artigo 91 (1) do CPC]”. O contrário – assinala – levaria ao arrastamento do processo contra os princípios do julgamento justo e equitativo.
Ordenada pela Mª Juíza a sua notificação para, mais uma vez, se pronunciar sobre a mesma excepção, de novo a autora respondeu, reiterando que na acção, face ao pedido e à causa de pedir que devem ser tidos em conta como critério de determinação da competência, se discute apenas relação de direito privado, pois “o que está verdadeiramente em causa […] é que a ré seja condenada a reconhecer o seu direito de propriedade […] sobre o prédio urbano em que instalou a servidão e, perante tal reconhecimento, seja condenada a pagar à autora uma justa indemnização pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais) e prejuízos causados na esfera da desta como consequência da instalação de linhas de eletricidade e respetivo poste que as sustenta.”
Conclusos os autos em 02-05-2022, seguiu-se decisão, com data de 05-07-2022, julgando procedente, por provada, a excepção dilatória da incompetência material do Tribunal e, consequentemente, absolvendo a ré da instância e condenando a autora nas custas.
Baseou-se a Mª Juíza a quo, para o efeito, depois de discorrer teoricamente sobre a matéria, no entendimento de que, no caso, “discutindo-se nestes autos a legalidade da actuaçãode um concessionário de serviço público” e no de que “o objecto da acção quanto ao pedido em causa insere-se na competência dos Tribunais administrativos”, à luz de um aresto da Relação de Lisboa que indicou e parafraseou, “impõe-se concluir, sem necessidade de maiores considerações que compete à jurisdição administrativa o conhecimento da acção”.
A autora não se conformou e pretendeu, em recurso per saltum, chamar directamente o Supremo Tribunal de Justiça a pronunciar-se no sentido de reverter tal decisão.
Porém, foi-lhe barrada a porta de acesso, uma vez que, no despacho a que alude o artº 641º, nº 1, do CPC, lhe foi observado – e bem – que o valor fixado à causa (e não impugnado) é inferior ao da Relação (2.000,00€), pelo que aquele foi admitido como de apelação, para esta Relação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Como alegações/conclusões do recurso apresentou a recorrente as seguintes:
“1. Autora, aqui recorrente, não podendo aceitar a sentença proferida e dela tendo o dever de recorrer, desde logo por força do artigo 9 (2) da lei 91/2019 e dever de patrocínio, vem interpor RECURSO DE REVISTA PER SALTUM, sobre a matéria de direito, tal como enuncia no início deste recurso.
2. A autora interveniente, aqui recorrentes, intentou a presente ação, onde pediu, a final, a condenação, da ré a pagar-lhe uma justa indemnização pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais) e prejuízos causados na sua esfera como consequência da atuação descrita na petição inicial, nomeadamente, mas não exclusivamente, nos termos do artigo 37 do decreto-lei 43335 e a apurar à posteriori, em sede de execução de sentença.
3. Os factos, de fundo, e que para o que aqui importam, suscitados na petição inicial (causa de pedir) e que estribam o pedido supra referido, são:
4. O prédio da autora, ora recorrente, ser atravessado por várias linhas de baixa tensão, que se encontram sustentadas, em determinado ponto, por um poste elétrico colocado nessa mesma propriedade.
5. A autora, ora recorrente, manifestou a sua oposição ao atravessamento do prédio supra referido pelas aludidas linhas aéreas e à instalação do respetivo poste elétrico de apoio, para e com os efeitos previstos no artigo 51 (2) e § 2 do decreto-lei 43335, o que o fez por carta registada com aviso de receção enviada em 27.12.2021, cumprindo dessa forma a obrigação imposta pelo artigo 38 ab initio do decreto-lei 43335.
6. A ré, ora recorrida, respondeu à supra referida missiva referindo que a rede está licenciada desde 29.01.2008 e recusando-se a indemnizar a autora.
7. A autora desconhece se de facto a aludida linha elétrica de baixa tensão e respetivo poste de suporte se encontra realmente licenciada desde 29.01.2008, pois não tem forma de o verificar e nem a ré o provou até ao momento, pois nem julgamento houve.
8. Isto porque o prédio supra identificado foi invadido e aí instalada a supra referida linha elétrica e respetivo poste sem qualquer pedido de autorização e à revelia da autora. 9. A supra referida instalação da linha e poste de suporte resulta numa diminuição da utilidade da propriedade da autora e concomitante desvalorização do seu preço de mercado.
10. Isto tudo, quando tal instalação, sem prejuízo da eventual utilidade púbica onde se inclui a utilidade para a própria autora, ser feita com o benefício de quem o instalou e explora no seu interesse pessoal e com fins económicos, portanto a aqui ré.
11. Ou seja, há um enriquecimento da ré à custa da autora, que com tal sofre vários danos e prejuízos.
12. Entende a autora que está perante um dano in re ipsa inerente ao direito de propriedade e à sua fruição, que encontra estribo no artigo 62 da CRP, no artigo 17 da CDFUE, no artigo 1 da CEDH e artigo 2 do TUE, pelo que foi desses danos que a autora recorreu, acrescido de danos morais.
13. Apesar do rectius causa petendi ser no sentido em que é a ré a indemnize a autora pelo estabelecimento de linhas elétricas que ocupam a sua propriedade e que resulta na diminuição da área da mesma e da redução da sua utilização e que consubstancia em responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos, não estando em causa qualquer facto praticado pela ré no exercício de poderes administrativos e tão pouco a autora pretende a fiscalização da legalidade dos atos jurídicos praticados pela ré no exercício de poderes públicos, entendeu o tribunal a quo que não é materialmente competente para preparar e julgar a presente ação, nos termos em que a mesma foi configurada pela autora.
14. Destarte, não estamos perante qualquer questão de cariz administrativo-procedimental, de regime de direito público, não obstante a exploração económica-privada da ré tenha como base uma concessão pública, questão (servidão) que seria sempre uma questão incidental, o que teria de ser suscitado ante a jurisdição administrativa, pois, como se recorta com elevada nitescência, in casu, apenas e puramente se discute uma questão de direito privado e mesmo para qualquer questão incidental de direito público, seria este o tribunal competente [cf. artigo 91 (1) do CPC].
15. Assim, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária e pelo vertido na douta sentença, a competência para a presente ação pertence aos tribunais judiciais, designadamente ao tribunal recorrido.
16. Perante isto, pouco mais há a dizer, que não seja pedir a esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça que decida, em última instância, se, in casu, é o Juízo de Competência Genérica de Monção competente ou não para decidir a questão, tendo em conta a configuração que os autores deram ao pedido e à causa de pedir.
17. Na nossa humilde opinião, mas que apenas Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros podem decidir se é certa ou errada, é que, tal como configurada a presente ação, a mesma não acata uma questão de cariz administrativo-procedimental, de regime de direito público, mas sim o direito geral de ressarcimento de danos causados na esfera jurídica dos autores, nos termos gerais de direitos previstos no Código Civil e do decreto-lei 43335.
18. O que se pede é que Vossas Excelências decidam, em termos de direito, qual o tribunal competente para preparar e julgar o presente caso.
§4. Pedido
Termos em que, requer-se a Vossas Excelências que decidam qual o tribunal competente para preparar e julgar o presente caso.
Se assim não o entenderem Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que considere Juízo de Competência Genérica de Monção em razão da matéria.”
A ré não respondeu.
Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.
Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
No caso, tratar-se-á, apenas, de decidir, em função do caso concreto, a que ordem de tribunais cabe a competência para julgar esta causa: à comum ou à administrativa?
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Relevam os que resultam do relatório precedente, baseado nos autos.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Comecemos por, à semelhança do que é prática habitual, e de que é bom exemplo o Acórdão desta Relação, de 01-07-2021 [2], apresentar o enquadramento jurídico da velha e sempre renovada questão muito polémica da competência material dos tribunais comuns e administrativos. 1.
A Constituição da República Portuguesa (CRP), em matéria de tribunais – enquanto órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo – e sua organização fundamental, prevê, entre outras categorias, a dos tribunais judiciais e a dos tribunais administrativos e fiscais – artº 209º, nº 1, alíneas a) e b).
Estabelece o n.º 3, do seu art.º 212.º, que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
E, por sua vez, o nº 1, do artº 211º, que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal que exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” – princípio da competência jurisdicional residual.
Tal como decorre do nº 1, do artº 40º, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto – Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) –, este princípio encontra-se também vertido no artº 64º, do Código de Processo Civil (CPC): “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, remetendo o artigo seguinte (65º) para as leis de organização judiciária a determinação das causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais.
De acordo com o artº 38º, da LOSJ, e do artº 5º, da Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) –, a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe.
Por isso, à luz do citado princípio, a questão da competência reconduz-se sempre à de indagar se a lei a atribui ao foro administrativo ou se, residualmente, esta deve permanecer na jurisdição comum.
No nº 1, do artº 1º, do ETAF, reafirma-se o princípio consagrado no já citado nº 3, do artigo 212º da CRP: “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.”.
Trata-se de “uma cláusula geral através da qual se define o âmbito material do exercício da função jurisdicional do Estado através da ordem jurisdicional administrativa”. [3]
Em tal contexto normativo e a propósito do patente alargamento ocorrido a partir da Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro, da competência material da jurisdição administrativa a questões até aí do foro comum, já se discutiu se terá havido a pretensão de estabelecer uma reserva absoluta de competência para o julgamento dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Prepondera, no entanto, o entendimento negativo, mas sob condições.
Como decorre do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 211/2007, ancorando-se em Vieira de Andrade (citado) [4], aí se perfilha o entendimento (dito predominante) de que o artº 212º, nº 3 (antes 214º, nº 3), “não visou estabelecer uma reserva absoluta, quer no sentido de exclusiva, quer no sentido de excludente, de atribuição a tal jurisdição da competência para o julgamento dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. O preceito constitucional não impôs que todos estes litígios fossem conhecidos pela jurisdição administrativa (com total exclusão da possibilidade de atribuição de alguns deles à jurisdição «comum»), nem impôs que esta jurisdição apenas pudesse conhecer desses litígios (com absoluta proibição de pontual confiança à jurisdição administrativa do conhecimento de litígios emergentes de relações não administrativas), sendo constitucionalmente admissíveis desvios num sentido ou noutro, desde que materialmente fundados e insusceptíveis de descaracterizar o núcleo essencial de cada uma das jurisdições.”
Nas catorze alíneas do nº 1, do artº 4º, do ETAF (cuja epígrafe refere “âmbito da jurisdição”, parecendo com isso querer-se explicitar e concretizar o princípio do artº 1º), estão elencadas, de modo positivo mas exemplificativo, as matérias respeitantes ao objecto de certos litígios incluídos no âmbito da jurisdição administrativa.
Eis o seu variado elenco:
“1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;
e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;
f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;
g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público;
i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime;
j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;
k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas;
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo e do ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias;
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;
n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração;
o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.”.
Estabelece o nº 2 uma regra para certos casos de litisconsórcio passivo.
Nos nºs 3 e 4, ainda do citado artigo, excluem-se, mas também sem carácter taxativo, litígios com as diferentes espécies de objecto aí referidas.
Assim:
“3 - Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de:
a) Atos praticados no exercício da função política e legislativa;
b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal;
c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões.
4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
a) A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso;
b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;
c) A apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e seu Presidente;
d) A fiscalização de atos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;
e) A apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança”.
O próprio Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, no artº 2º, ao precipitar no seu âmbito normativo o princípio da tutela jurisdicional efectiva, concretiza, embora exemplificativamente, nas diversas alíneas do seu nº 2, diversas hipóteses para cuja obtenção da referida tutela deve ser chamada a jurisdição administrativa.[5] 2.
Ora, está sedimentado e é pacífico, na Doutrina e na Jurisprudência, o entendimento – de que aqui as partes não se afastam – segundo o qual a competência do tribunal deve, em geral, apreciar-se e determinar-se em função do pedido, tal como arquitectado e apresentado em juízo pelo autor, e dos fundamentos ou causa de pedir invocados na respectiva petição inicial [6], ou seja, do objecto do processo ou conteúdo da lide. [7]
Releva, assim, para este efeito, como thema decidendum, a relação material controvertida proposta. Não importa o seu mérito, nem sequer a legalidade e propriedade de qualquer dos procedimentos subjacentes. [8]
Em se tratando de traçar a linha divisória entre a jurisdição comum e a jurisdição administrativa, releva também, frequentemente, a natureza característica dos sujeitos ou a qualidade em que actuam.
Como se refere em Acórdão do Tribunal de Conflitos de 08-11-2012 [9], a competência material deve aferir-se “em função da acção proposta, tanto na vertente objectiva, atinente ao pedido e à causa de pedir, como na subjectiva, respeitante às partes.”
Efectivamente, estando em causa actos respeitantes a entidades públicas ou a concedentes/concessionários, essa qualidade, não sendo embora critério decisivo, reflecte-se na aplicação deles.
E, como ensinava Manuel de Andrade [10], a competência do tribunal “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum) (…). É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.” [11]
Refere a tal propósito Maria João Estorninho [12] que “O critério para a delimitação da competência dos Tribunais administrativos parece passar a ser, nesta matéria da actividade contratual (…), o da sujeição a normas de direito público: ou relativas à própria execução do contrato ou relativas aos procedimentos pré-contratuais, caso em que (…) essa sujeição a normas procedimentais jurídico-públicas acaba por contagiar todo o regime jurídico aplicável aos contratos, nomeadamente para efeitos de contencioso administrativo.”
Segundo o Acórdão da Relação do Porto, de 22-11-2011 [13]:
“Um dos objectivos da reforma dos tribunais administrativos e fiscais, operada pelo novo ETAF, foi eliminar o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão gerador do pedido, causador de grandes incertezas na determinação do tribunal competente, resultante da al. h) do art.º 51.º do anterior ETAF, aprovado pelo DL 129/84, de 27/4.
Assim, por vontade expressa do legislador, o critério para a atribuição da competência em razão da matéria aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais deixou de radicar na distinção entre gestão pública e gestão privada para passar a assentar no conceito de relação jurídica administrativa.
Pretendeu-se, deste modo, evitar que os tribunais administrativos constituíssem “foro especial” para as pessoas colectivas de direito público, recolocando a competência material no seu lugar próprio de pressuposto processual referente ao tribunal.
Por isso é que a competência material deve ser definida em função do conteúdo da relação material controvertida e não dos sujeitos dessas relações.
Torna-se, assim, primordial saber o que deve entender-se por relação jurídica administrativa.”
Para isto, valemo-nos, data venia, da laboriosa síntese recolhida no Acórdão da mesma Relação (Porto), de 15-11-2011 [14]:
“Segundo FREITAS DE AMARAL, Direito Administrativo, III vol., 423 e segs., a relação jurídica administrativa é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração.
Este tipo de relação jurídica, pressupõe assim a intervenção da Administração Pública investida do seu poder de autoridade “jus imperium”, impondo aos particulares restrições que não têm na actividade privada. É para dirimir os conflitos de interesses surgidos no âmbito destas relações e com vista à garantia do interesse público que se atribui competência específica aos tribunais administrativos.
Para CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Dicionário de Contencioso Administrativo, 2007, 117-118, por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas.
E, para J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa”, Lições, 79, apesar dos vários sentidos em que pode ser tomado o conceito de relação jurídica administrativa, define-a como sendo “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.
Tal significa que o foro administrativo será sempre competente quando estão em causa litígios emergentes de relações jurídico-administrativas.
Como esclarecem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª, edição, pág. 815, “Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais) (n° 3, in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal.
Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico-civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.
É verdade que a Administração pode actuar na esfera de direito público ou na esfera do direito privado, pode praticar actos de gestão pública e actos de gestão privada.
MARCELO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., II, 122, entendia por gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e por gestão privada a actividade da Administração que decorra sob a égide do Direito Privado.
Esclarece-se ainda na citada obra que reveste a natureza de gestão pública, toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para o efeito.”
Ainda segundo Mário Aroso de Almeida [15], “as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teleológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis.”
Também acerca do conceito de relação jurídico-administrativa, refere o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 20-09-2012, tal como o de 21-02-2013 [16], que sendo ele “erigido tanto na Constituição como na lei ordinária, em pedra angular para a repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais”, na falta de definição legal, “deverá esta ser entendida no sentido tradicional de relação jurídica regulada pelo direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração”, pois “uma relação jurídica administrativa deve ser uma relação regulada por normas de direito administrativo que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais, por razões de interesse público, que não se colocam no âmbito de relações de natureza jurídico-privada.”
3.
Relativamente ao nosso caso.
Sendo certo que, como também observou o tribunal recorrido, “Importa aferir se a matéria colocada como objecto da causa, melhor dizendo o pedido e a causa de pedir configuram alguma situação a que a lei atribua a competência dos tribunais administrativos, por regular a relação de modo diferente de correspondentes relações privadas, e /ou por incluir um poder da parte pública ou uma sujeição especial, tendo subjacente a tutela do interesse público”, e que, portanto, a repartição de competências deve ser feita em atenção à relação material controvertida tal como o autor a configura sem esquecer a qualidade dos sujeitos em causa, importa principiar pela análise detalhada do objecto desta acção, tal como a autora o delineou no articulado inicial.
Um dos elementos que o define é o pedido (dirigido ao Tribunal), conexionado com a pretensão respectiva (dirigida à contra-parte).
A protecção jurisdicional solicitada pressupõe o reconhecimento de um direito e traduz-se na condenação em prestação derivada da sua ofensa (artº 10º, nº 3, alínea b), do CPC).
Aquele direito é, em primeira linha, o de propriedade. Esta ofensa respeita directamente à lesão real dos plenos e exclusivos poderes absolutos que o mesmo confere ao respectivo titular (artº 1305º, CC). Lesão que pode coexistir, em segunda linha, ou até como reflexo daquela, com a do direito pessoal ou de personalidade (artº 70º, CC).
Ambas as ofensas são susceptíveis de gerar para o ofendido o direito – de crédito – a ser indemnizado pelo lesante (artºs 483º e sgs, CC).
No caso, é cristalino que a autora alega encontrar-se lesada no seu património (propriedade) e na sua pessoa e ter, por isso, sofrido prejuízos (danos). Pede, por isso, ao Tribunal que condene o lesante, enquanto sujeito passivo da relação obrigacional assim gerada, na respectiva prestação indemnizatória: pagamento de quantia pecuniária a apurar e a liquidar em execução de sentença.
É esse o pedido e a pretensão: condenação da ré a indemnizá-la.
O outro elemento definidor do objecto da acção é a causa de pedir.
Consiste ela no facto ou factos geradores do direito. A causa de pedir, de acordo com a teoria da substanciação, é integrada pelo facto ou factos geradores ou produtores do efeito jurídico pretendido, ou seja, os necessários para preencher a previsão normativa que legalmente fundamenta o direito invocado.
O direito à indemnização pode ter origem contratual ou extracontratual e, nesta hipótese, a responsabilidade advir de conduta ilícita, do risco de certa actividade ou até mesmo de acto lícito.
À luz dos pressupostos elencados no artº 483º, do Código Civil, a responsabilidade contratual por actos ilícitos pressupõe a verificação de: i) facto voluntário; ii) ilicitude; iii) culpa (efectiva ou presumida); iv) dano; e v) nexo de causalidade.
Certas condutas, não obstante serem lícitas, podem gerar danos a outrem. Estes, porém, só são tutelados nos casos expressamente consignados na lei. A verificação da respectiva previsão normativa como que substitui, portanto, no elenco referido, o pressuposto da ilicitude.
Assim, a causa de pedir, em acção indemnizatória de danos causados por factos ilícitos, é considerada complexa por englobar diversos requisitos e não deixa de o ser no caso de aqueles derivarem de factos lícitos, residindo a diferença apenas na exigência de, ali, ter de alegar-se e demonstrar-se que a conduta lesiva integra uma forma de ilicitude ao passo que, aqui, basta que tal conduta seja uma daquelas que a lei autoriza mas condiciona à obrigação de indemnizar se dela resultarem prejuízos para terceiros.
Ora, segundo a autora, a actividade da ré no âmbito da qual se teriam gerado os danos patrimoniais e não patrimoniais alegados, é a de concessionária, pelo Estado concedente, em todo o País, do transporte e distribuição de energia eléctrica.
Porém, segundo a ré, é a de concessionária, sim, mas pelo Município e na respectiva área, da rede de transporte e distribuição de energia eléctrica em baixa tensão.
Naturalmente, em alta, média ou baixa tensão, aquele exercício sempre implica a construção e manutenção da respectiva rede de infraestruturas, constituída, grosso modo, por cabos condutores da energia e postes de apoio aos mesmos e, para o efeito, a implantação destes em prédios cuja propriedade pertence a particulares e a invasão por aqueles do respectivo espaço aéreo.
E, para o efeito, na condição de pela concessionária serem observadas as prescrições legais inerentes, as intervenções necessárias serão cobertas pela constituição de servidões – no que, se bem entendemos de tão longos arrazoados, as partes estão de acordo, divergindo apenas quanto ao regime jurídico concretamente aplicável.
O preconizado pela autora – artº 37º, do Decreto-Lei nº 43335, de 19-11-1960, dispõe que: “Os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas.”.
Por sua vez, de acordo com o artº 51º, a declaração de utilidade pública confere ao concessionário, entre outros, o direito de atravessar prédios particulares com canais, condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios, direito que só poderá ser exercido quando o concessionário tiver obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação respectiva.
O parágrafo 2º, estabelece, ainda, que, quando um concessionário pretender exercer algum daqueles direitos, relativamente a casas de habitação ou a pátios, jardins ou alamedas a elas contíguos, e a esse exercício houver oposição do proprietário ou de outrem que por título legítimo tenha a fruição do imóvel em causa, não poderá o concessionário exercer o referido direito sem que, por inquérito previamente ordenado pela Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, se demonstre que da não utilização dos ditos imóveis resultarão graves inconvenientes de ordem técnica ou económica para a execução das obras.
Relativamente à concessão, que é legalmente também considerada também de serviço público, das redes de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão atribuída por município (rede municipal), a Base XXVIII, do Anexo IV ao Decreto-Lei nº 15/22, de 14 de Janeiro, não deixa de estatuir que cabe à concessionária o pagamento de indemnizações a que a expropriação ou a constituição de servidões derem lugar.
Ora, a autora, na petição, é clara quanto à intenção de responsabilizar extracontratualmente a ré pelos alegados danos sofridos e exigir-lhe compensação pelos mesmos. Ao alegar, porém, que não sabe se a actuação dela observou ou não os requisitos legais, é óbvio que admite e aceita que o fundamento para a indemnização pretendida tanto possa radicar no regime de responsabilidade por factos ilícitos previsto no artº 483º e sgs. CC (caso as condições para a legitimação da actuação da ré, quiçá, pela constituição de eventual servidão, não tenham sido observadas), como no de responsabilidade por actos lícitos (o decorrente, então, na hipótese contrária, do regime legal que os autorize e legitime mas estabeleça tal obrigação a cargo da concessionária).
De resto, na sua resposta, confrontada com a tese da ré de que agiu licitamente ao abrigo da servidão constituída, não enjeita, bem pelo contrário, que a indemnização possa basear-se no regime de responsabilidade por factos lícitos, regime que, nas alegações de recurso, refere até como sendo aparentemente o único com que configurou a acção, o que não é correcto pois nesta começou por manifestar-se ignorante da situação a esse respeito.
Mas mais.
A autora, em último caso, acena com a alegação de que sempre houve um benefício da ré à sua custa e, por isso, invoca que a sua pretensão também poderá assentar no regime do enriquecimento sem causa previsto no artº 473º, do CC.
Trata-se, pois, de causas de pedir subsidiárias, para sustentar pretensão redundante numa idêntica prestação (pagamento de quantia pecuniária).
Em face disto, é claro que tal pretensão se fica por aí.
A autora, ao alegar a propriedade, fá-lo apenas para justificar qual o direito que titula, que terá sido violado e originado os prejuízos. Não reivindica nada, é certo. Designadamente, não pede que o poste e as linhas sejam retirados (até porque servem a sua própria moradia!).
Ao invocar que ignora se a invasão/oneração do seu prédio resulta de servidão devidamente constituída ou se tal sucede sem qualquer licenciamento e até ao referir que não deu qualquer autorização nem lhe foi pedido consentimento, é manifesto que o que pretende é, não suscitar o controlo ou fiscalização da legalidade, mas prevalecer-se tanto da ilicitude como da licitude da actuação da ré e, assim, salvaguardar os pressupostos da responsabilidade civil em ambos os caos, ciente como está de que, independentemente da sua vontade e da questão da legalização, o que principal e verdadeiramente está em causa é a indemnização e não a conformidade com os normativos aplicáveis do licenciamento e/ou da concessão.
A consequência para a inexistência de licenciamento ou demonstração da sua existência será apenas a de enquadrar o regime de responsabilidade pelos danos e não retirar dali, designadamente da eventual ilegalidade, qualquer outro efeito, como seria a invalidação ou revogação. Aliás, nenhum mais refere, muito menos pede ao Tribunal que ele seja decretado.
Só naquela dimensão e medida se pode dizer, pois, que alude à questão da legalidade da actuação da ré, sendo certo que de algum modo reconhece como indiferente, à partida, que, no momento próprio e antecedente, ela tenha ou não observado as imposições legais relativas ao licenciamento e constituição de servidão, posto que o que lhe interessa, isso sim, é a actuação no momento subsequente da implantação do poste no seu prédio e da passagem aérea das linhas sobre ele, bem como a dos concomitantes prejuízos daí resultantes.
Essa questão – a da legalidade/ilegalidade – assume, pois, nítida feição incidental (artº 91º, nº 1, CPC) em relação à – principal – da indemnização pelos danos peticionada com base na responsabilidade civil.
Em vista do exposto, olhando às múltiplas hipóteses previstas no já citado artº 4º, do ETAF, e cotejando com todas elas a situação em causa, cremos que nenhuma delas chama à jurisdição administrativa o caso aqui em apreço, pelo que a mesma cabe residualmente na competência dos tribunais comuns.
A causa de pedir, como se demonstrou, não consubstancia relação jurídico-administrativa ou acto de tal natureza que deva ser apreciado naquela jurisdição.
Ela, tal como configurada, restringe-se, sendo a ré pessoa jurídica de natureza privada e não obstante deter a qualidade e exercer a actividade de concessionária de serviço de utilidade pública (distribuição, através da rede respectiva que lhe cabe instalar, vigiar e manter, da energia eléctrica), a uma relação jurídica de índole privada.
A legalidade/ilegalidade da implantação do poste e colocação das linhas aéreas sobre o prédio da autora quando muito integrará questão meramente incidental cuja apreciação se confinará a determinar se a conduta danosa é ilícita ou tem respaldo legal, mormente em servidão administrativa implicada pela concessão devidamente licenciada, de modo a enquadrar e definir o regime de responsabilidade civil aplicável.
No mais, apenas os pressupostos geradores da obrigação de indemnizar, seja quanto aos danos patrimoniais ou quanto aos danos não patrimoniais, consubstanciam a essência do litígio, obrigação em cuja génese e termos não confluem regras de carácter público, muito menos se reveste de tal natureza.
Vale isto também para o alegado apelo ao enriquecimento sem causa, pelo que, também aí, a questão se fica essencialmente pelo direito privado e não implica qualquer norma de tipo administrativo.
É aquele, de resto, o entendimento adoptado, após exaustiva e convincente fundamentação, nos Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 19-06-2014 [17] e de 12-05-2016 [18] para cuja proficiência se remete.
Não se discute nem se pretende questionar aqui, pois, a legalidade da actuação da ré na qualidade de concessionária relativamente ao acto de licenciamento e outorga da concessão nem o problema contende directamente com o âmbito do exercício da actividade concessionada, ou seja, ao da construção, manutenção e vigilância da rede de distribuição de energia eléctrica.
O que está em causa é somente a sua acção lesiva e danosa alegadamente causada por ocasião e como efeito da implantação de um poste no prédio que é propriedade da autora e na sobrepassagem por ele dos cabos condutores, tanto em relação ao património como em relação à sua pessoa.
O Acórdão da Relação de Lisboa, de 09-11-2021 [19] que o Tribunal recorrido refere ter consultado e no qual se amparou, designadamente para concluir nos termos referidos, não trata de situação idêntica nem, analisando-se a Jurisprudência, corresponde a entendimento pacífico a orientação nele perfilhada para a situação ali em apreço.
Com efeito, a discussão sobre a competência material nele encetada incidiu, apenas, sobre o pedido (um dos formulados na acção) de remoção de um poste cumulado com o de sanção pecuniária compulsória. A indemnização ali cumulativamente também requerida não foi baseada em danos produzidos pela implantação do mesmo mas diversamente por um incêndio florestal entretanto ocorrido e que teria tido origem na sua queda provocando um curto-circuito, na sequência do que ficaram destruídas madeiras e arderam árvores, daí advindo inerentes prejuízos reclamados.
Relativamente ao acto de implantação do poste, nenhuma indemnização foi pedida, limitando-se aí o autor a alegar (segundo o relato do referido aresto) que “não prestou o seu consentimento à colocação, tendo aliás se oposto manifestando a sua vontade diretamente à R.” e justificando o seu interesse no pedido de remoção pelo facto de “A decorrência da existência deste poste no seu terreno, provoca dificuldades no gozo e fruição plenos do terreno”.
Foi nesse contexto que aquele Tribunal entendeu – entendimento sempre discutível, mesmo no caso por ele apreciado [20] – que “Não está em causa uma ação de reivindicação, para o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio e a restituição correspondente. Antes se patenteia que a Apelante invocou o seu direito de propriedade para fundamentar o pedido de remoção do poste, fundado numa invocada atuação das Recorridas em termos não conformes com os ditames legais que regem a sua atividade de concessionárias do serviço público de distribuição elétrica. Discutindo-se, assim, a legalidade da atuação duma concessionário de serviço público, o objeto da ação quanto ao pedido em causa insere-se na competência dos Tribunais administrativos, no atendimento do aludido art.º 4, do ETAF.”.
Considerou-se, pois, apesar de concretamente se peticionar, apenas, a restitutio in integrum da coisa e a remoção consequente, pela retirada do poste, do constrangimento ao exercício pleno e exclusivo das faculdades inerentes do seu direito de propriedade sobre aquela, que a natureza da acção e, portanto, da competência para a julgar, atina com a problemática mais ampla ou genérica e tida no caso como determinante da desconformidade à lei da actividade da concessionária, daí se retirando a conclusão sumariada de que “Discutindo-se a legalidade da atuação duma concessionário de serviço público, o objeto da ação quanto ao pedido em causa insere-se na competência dos Tribunais administrativos.”.
É que, segundo se relata naquele aresto, a concessionária “Vem também invocar a existência de licenciamento e ónus de servidão administrativa prévios à aquisição da propriedade do terreno pela A, que nem o era aquando das modificações realizadas e também elas devidamente licenciadas. Acresce que a A. se desinteressou do processo de desvio da linha elétrica, tendo sido informada em conformidade, não tendo a mesma mostrado interesse em dar continuidade à solicitação do desvio. Mais invoca que colocando a A. a tónica do pedido de remoção do apoio na ausência de consentimento, que constitui um pressuposto de licenciamento, a questão tinha que passar pela revogação da licença do estabelecimento da linha elétrica, e tratando-se de um ato administrativo, a competência está atribuída aos Tribunais Administrativos, verificando-se a exceção da incompetência absoluta do tribunal judicial.”
Entendeu-se, assim, por aquelas razões enfatizadas, que a acção contendia principalmente com o acto de concessão e licenciamento e que envolveria até a sua revogação, sendo a remoção pretendida do poste decorrência necessária e, portanto, um efeito cuja apreciação, declaração e decretamento, apesar de não peticionados, se considerou caber na competência da jurisdição administrativa e não na da jurisdição comum.
Não é o que aqui ocorre. Manifestamente, não é objectivo primordial atacar a legalidade mas apenas repor ou reconstituir a situação patrimonial que existiria e compensar o prejuízo pessoal que a autora não sofreria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, ou seja, a colocação do poste e das linhas, ou de eliminar o alegado enriquecimento sem causa legítima.
A acção reveste-se pois das comuns características de qualquer acção indemnizatória ou de enriquecimento, nos polos da relação jurídica, tal como delineada pela autora, se encontrando duas pessoas particulares, invocando-se na conformação e regulação da obrigação pretensamente consubstanciadora daquela e fundamentadora da consequente pretensão formulada sobretudo normas de direito civil.
Assim, desnecessárias são mais considerações, para se concluir firmemente que a pretensão da apelante é fundada e que, reconhecendo-se-lhe razão, não pode manter-se a decisão recorrida, antes deve ser revogada, prosseguindo os autos na jurisdição comum, por ser a competente para a matéria em causa, onde devem seguir os termos que o Tribunal de 1ª Instância entender oportunamente determinar.
V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida.
*
Sem Custas adicionais, uma vez que a Taxa foi paga pela recorrente e a recorrida não contra-alegou, não havendo, por isso, custas de parte no âmbito deste recurso – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
*
Notifique.
Guimarães, 20 de Outubro de 2022
Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:
Relator: José Fernando Cardoso Amaral
Adjuntos: Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Martins Moreira Dias
1. Por opção do relator, o texto próprio não segue as regras do novo acordo ortográfico.
2. Proferido no processo nº 108020/19.9YIPRT.G1, relatado pela 1ª Adjunta e subscrito pelo 2º Adjunto deste.
3. Sérvulo Correia, in Impugnação de Actos Administrativos, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 16, 1999, página 11.
4. De 21-03-2007, relatado pelo Consº Vítor Gomes (acessível no site desse Tribunal).
5. Como é sabido, a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (artº 96º, alínea a), CPC). Pode ser arguida pelas partes ou suscitada oficiosamente em qualquer estado do processo. Constitui excepção dilatória e implica a absolvição do réu da instância (sem prejuízo, se tal for requerido, do aproveitamento dos articulados e remessa do processo ao tribunal em que devia ter sido proposta a acção) – artºs 97º, 99º, 278º, nº 1, alínea a), 576º, nºs 1 e 2, 577º, alínea a), e 578º, todos do CPC.
6. Olhando para o disposto nos nºs 3 e 4, do actual artº 581º, do CPC, define-se, normalmente, o pedido como o efeito jurídico pretendido e a causa de pedir como o facto jurídico concreto que lhe serve de base.
7. Não interessa, para o efeito, qualquer juízo sobre a viabilidade ou concludência da pretensão nem a perspectiva sobre o seu mérito e desfecho.
8. Sobre isso, e por exemplo, cita abundante jurisprudência o Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 20-06-2012, relatado pelo Consº Raúl Borges.
9. Relatado pelo Consº Abrantes Geraldes.
10. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, pág. 91.
11. Note-se que, nesta acção, não é parte a entidade concedente – Junta de Freguesia.
12. In “A reforma de 2002 e o Âmbito da Jurisdição Administrativa”, citada no Acórdão da Relação do Porto de 22/11/2011, relatado pelo Desembargador Fernando Samões.
13. Processo nº 425825/10.0YIPRT.P1 (Fernando Samões)
14. Relatado pela Desembargadora Ondina Carmo Alves.
15. Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, página 57.
16. Ambos relatados pelo Conselheiro Pires Esteves.
17. Processo nº 09/14 (Lopes do Rego).
18. Processo nº 051/15 (Maria do Céu Neves).
19. Processo nº 591/19.2T8ALQ.L1-7 (Ana Resende).
20. No Acórdão da Relação de Coimbra, de 28-05-2019, proferido no processo nº 860/18.9T8VIS.C1 (Maria Teresa Albuquerque), estando em causa também o pedido de remoção de um poste, entendeu-se que competente é o tribunal comum, argumentando, designadamente: “Como se refere no voto de vencido no Ac. Tribunal de Conflitos de 10/7/2012 (de que é relatora Mª dos Prazeres Beleza) [trata-se do processo 03/12], «neste tipo de acções (entenda-se de reivindicação de propriedade) o que essencialmente se discute é a questão puramente de direito privado, de saber se o direito real invocado pelo «dominus» existe e é oponível ao réu, por forma a tirar-lhe a detenção parcial da coisa; e só acidentalmente se colocará um problema ligado ao direito público – se o detentor se socorrer de regras desta ordem para titular e legitimar a detenção». Nesta circunstância e como é referido no Ac T Conflitos de 30/4/2014 (de que é relator Fernandes do Vale, e que, em situação semelhante à destes autos, decidiu pela competência dos tribunais comuns)[este acórdão tem a data de 25-09-2014 e não a indicada], «não se pode olvidar que nos termos preceituados pelo art 91º/1 CPC, o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o reu suscite como meio de defesa», concluindo o referido Acórdão no sentido de que, «a prévia determinação, a montante e nos termos que ficaram assinalados, da competência, em razão da matéria, legitima sempre, nos termos do disposto neste artigo e com a compressão constante do respectivo nº 2, a extensão da correspondente competência ao tribunal, originariamente tido por competente, retirando qualquer relevância, na perspectiva considerada, aos termos em que a R. possa contestar a respectiva acção».”. O acórdão referido – do Tribunal de Conflitos de 25-09-2014, proferido no processo 027/14 e relatado pelo Consº Fernandes do Vale – refere, inter alia, que “No caso em apreço, confrontamo-nos com uma típica e paradigmática acção de reivindicação (envolvendo a pronuntiatio - reconhecimento do direito de propriedade reivindicado - e a condemnatio - condenação do R. na restituição do bem reivindicado ao A.), a qual tem a sua sede legal nos arts. 1311º e segs. do CC, submetida, exclusivamente, ao âmbito do direito privado, como claramente dimana quer do pedido formulado pelos AA., quer da factualidade em que o mesmo se mostra estribado, ou seja, a respectiva causa de pedir (Muito embora coexista, em cumulação, uma outra causa de pedir consubstanciada no facto ilícito praticado pela R. e legitimadora da condenação desta no demais peticionado pelos AA., em pura sede e âmbito, igualmente, do direito privado). Como, acertadamente, considerou o TAF de Braga “...porque a relação jurídica em causa nos presentes autos não se enquadra no art. 1º, nº 1 ou em qualquer das als. do art. 4º, nº 1 do ETAF, uma vez que as pretensões formuladas radicam no direito real de propriedade invocado pelo autor, sendo a questão da propriedade a questão prevalecente da relação jurídica destes autos, a competência material para decidir a presente acção cabe ao tribunal judicial e não a este tribunal administrativo e fiscal”. Aliás, não pode olvidar-se que, nos termos preceituados pelo art. 91º, nº 1, do CPC, “O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa”. Ou seja, a prévia determinação, a montante e nos termos que ficaram assinalados, da competência, em razão da matéria, legitima sempre, nos termos do disposto neste art. e com a compressão constante do respectivo nº 2, a extensão da correspondente competência ao tribunal, originariamente, tido por competente, retirando qualquer relevância, na perspectiva considerada, aos termos em que a R. possa contestar a respectiva acção.”.