CRÉDITO SOB CONDIÇÃO
CRÉDITOS SUBORDINADOS
PESSOAS ESPECIALMENTE RELACIONADAS COM O DEVEDOR
REMUNERAÇÃO ADICIONAL DEVIDA A AGENTE DE EXECUÇÃO
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
JUROS DE MORA
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Sumário

I - Um crédito sob condição, para efeitos do CIRE, não se subsume a um crédito controvertido, nem a um crédito litigioso.
II - O crédito que beneficie de hipoteca voluntária, detido por irmão do insolvente, tem natureza subordinada, independentemente de a sua constituição ter ocorrido cerca de 3 anos antes do início do processo de insolvência.
III - A única condição que o legislador estabeleceu para a classificação como subordinados de créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, foi a de que essa relação com o devedor já existisse aquando da constituição do crédito.
IV - A remuneração adicional, na medida em que acresce à remuneração fixa devida pela atividade do agente de execução no processo e constitui um prémio pela atividade desenvolvida, sendo instituída como incentivo para que o mesmo tenha uma atividade que potencie a eficácia e eficiência da recuperação e garantia do crédito, só é devida desde que tal finalidade seja concretamente alcançada, ou seja, desde que exista um nexo de causalidade entre a concreta atividade desenvolvida e a obtenção, para o processo executivo, de valores recuperados ou garantidos ao exequente.
IV - Actualmente, ao invés do que sucedia no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (artigo 151.º, nº 1) e, anteriormente, no Código de Processo Civil (artigo 1196º do Código de Processo Civil), a declaração de insolvência não obsta à contagem de juros de mora.
V - A sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil opera, mesmo no âmbito da reclamação de créditos em processo de insolvência, de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, não se exigindo que os respectivos juros compulsórios sejam peticionados na acção declarativa para serem considerados.

Texto Integral

Processo nº 2697/19.9T8STS-C.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Comércio de Santo Tirso-J7
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Mediante sentença proferida nos autos já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de AA e BB melhor identificados nos autos.
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Nessa sentença foi fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
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Foram apreendidos para a massa insolvente vários direitos à meação de imóveis.
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No âmbito do aludido processo, intervêm como credores da insolvência, CC, BB, A..., Lda. e Estado-Fazenda Nacional-representado pelo Ministério Público.
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O administrador da insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos a que se reporta o artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nos termos documentados nos autos.
Aí se considera, relativamente a créditos reconhecidos e reclamados nos termos do artigo 129.º do CIRE e na parte que aqui interessa:
- A..., Lda., o valor de € 137.644,02 (cento e trinta e dois mil duzentos e vinte e oito euros e quarenta e cinco cêntimos);
- CC e mulher BB como credito subordinado o valor de € 100.000,00 (cem mil euros).
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Quer os insolventes quer os credores vieram impugnar a referida lista nos termos que constam dos respectivos articulados as quais foram, por sua vez, objecto de resposta.
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No prosseguimento dos autos foi proferido saneador/sentença que concluiu nos seguintes termos:
“III. DECISÃO:
Pelos fundamentos expostos decide-se:
A. Homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência.
B. Graduar os créditos constantes da lista de credores reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador ada Insolvência, nos seguintes termos:
1. As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto que venha a resultar do produto da liquidação- art. 172.°, n.ºs 1 e 2, do C.I.R.E.;
2. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns indicados na Lista sob os nºs 1 e 2
3. Do remanescente dar-se-á, pagamento, reatadamente, aos créditos subordinados, sob condição, indicados na lista sob os nºs 3 e 4, os quais só serão pagos se verificar o acontecimento de que depende, de acordo com as respectivas garantias – art. 50º, nº 1 do CIRE”.
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Não se conformando com o assim decidido vieram os credores CC e BB, bem como os insolventes interpor recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
a)- Recurso dos credores CC e BB
I- Vem o presente recurso interposto nos autos à margem referenciados, da sentença proferida que, julgou improcedente a impugnação à Lista de Créditos elaborada no âmbito do art.º 129.º do CIRE, mantendo o crédito dos Recorrentes CC e BB de natureza subordinada;
II- Decisão esta que os Recorrentes não podem aceitar, por entender que, a lei aplicável dispõe de forma contrária ao decidido pelo Tribunal a quo.
III- Relativamente à qualificação como crédito sob condição do crédito reclamado, alegam os Recorrentes que a mesma não pode advir da ação que corre termos no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, Juiz 2, sob o n.º 26962/17.0T8PRT, porquanto, quem o discute é a Credora A..., Lda., e não os respetivos credor e devedor.
IV- Dispõe o art.º 50.º do CIRE que: “Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico”.
V- No caso em concreto os Insolventes reconhecem dever o referido crédito a CC e BB e, por sua vez, estes reconhecem ser credores do mesmo, pelo que, se conclui pela inexistência de qualquer litigio que possa inquinar o mesmo.
VI- Segundo o disposto no Acórdão do Tribunal Relação de Lisboa, no proc. n.º 2650/16.4LSB.L1-2, a prolação de uma eventual sentença declarativa de condenação não constitui um acontecimento futuro e incerto para os efeitos do n.º 1 do art.º 50.º do CIRE.
VII- Mais adiantando que: “a admitir-se o prosseguimento da acção declarativa aqui em apreciação, não obstante a plenitude da instância insolvencial em relação às acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente intentadas contra o devedor, sempre se estaria a violar o princípio par DD condutio creditorum e, consequentemente, o princípio da concentração no processo de insolvência das pretensões de todos os credores, consagrado no artigo 90º do CIRE”.
VIII- Porquanto, não pode o crédito dos Recorrentes ser considerado crédito sob condição suspensiva e resolutiva nos termos do art.º 50.º do CIRE.
IX- Relativamente à qualificação do crédito como subordinado nos termos do disposto no art.º 48.º do CIRE, atenta a relação familiar entre os Insolventes e os Credores, ora Recorrentes, há a considerar que o referido artigo não pressupõe uma ilação inilidível, pelo que, o facto de existir a relação familiar não constitui por si fator determinante para ser considerado subordinado.
X- No sentido do alegado dispõe o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça processo n.º 1223/13.8TBPFR-C.P1.S1 da 6.ª secção, que refere: “O conjunto normativo formado pelos art.ºs 48º, alínea a), 1ª parte, e 49º, alínea b) do CIRE deve ser interpretado restritivamente, de modo a abranger na sua previsão apenas os casos em que se possa estabelecer logica e razoavelmente um nexo temporal que coenvolva ou comprometa a razão de ser da norma (a pressuposta superioridade informativa do credor sobre a situação do devedor) com a condição insolvencial do devedor.”
XI- Deverá ser tido consideração o dever de uma boa interpretação da Lei nos termos do art.º 9.º do Código Civil, devendo para tal ser efetuada uma interpretação restritiva ao, já muito referido, art.º 48.º do CIRE.
XII- No caso em concreto mal andou o Tribunal a quo ao decidir como crédito subordinado, uma vez que, não considerou o hiato temporal entre a data da constituição do referido crédito e a apresentação à insolvência por parte dos Insolventes.
XIII- A relação familiar não pode ser o fator determinante para a qualificação do crédito como subordinado nos termos do art.º 48.º do CIRE, sob pena de violação do Princípio da Igualdade estabelecido no art.º 13.º da Constituição da Républica Portuguesa.
XIV- Ainda no referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça encontra-se afirmado: “Discordamos assim do acórdão recorrido, que opta por uma interpretação puramente literal da referida norma, abstraindo em parte da lógica que lhe está subjacente. Ao invés, afigura-se-nos que a boa interpretação da lei é a adotada no acórdão da Relação de Coimbra invocado como acórdão fundamento, aí onde se expressa algures que “a especial relação entre credores e devedores será totalmente alheia à constituição do crédito reclamado se este tiver sido constituído em data bastante anterior à declaração de insolvência do devedor.
XV- Deve o crédito dos Recorrentes ser reconhecido nos termos reclamados, ou seja, de natureza garantida atento a garantia real que tem associada.
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b)- Recurso dos insolventes
1 - Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pela Mmª Juiz do tribunal a quo, que, nos termos dela constantes, na parte em que decide sobre a - 1.ª Impugnação–AA e Mulher, nomeadamente, por não se concordar com os argumentos nela constantes, e por se considerar que a mesma viola o disposto nos art.º 527.º, 540.º, 615.º n.º 1 alínea c) do Código do Processo Civil, e o art.º 640.º, 829.º-A do mesmo diploma legal, entre outros preceitos legais que infra se invocam.
2 - Aquando da apresentação à Insolvência, veio a Credora A..., Lda., fundamentar o valor do seu crédito, com base na Nota de Honorários e Despesas da Agente de Execução Joana Magalhães, elaborada no âmbito do processo executivo que corre os seus temos no Juízo de Execução de Guimarães, Juiz 2, Proc. n.º 3715/17.0T8GMR.
3 - A sentença ora em crise, analisa a Reclamação de Créditos apresentada pelos ora Recorrentes, que tem por base, na ótica destes, três pontos fundamentais que servem de fundamento para a consideração do valor reconhecido ao Credor A... nos presentes autos, nomeadamente, a) não são devidos os Honorários da Agente de Execução Inflacionados por uma suposta boa cobrança no processo de execução de Guimarães, no montante de Euros: 5.826,77 euros; b) Excesso de juros cobrados pela Agente de Execução no montante de Euros: 3.835,92 e c) não é devida a Sanção Pecuniária Compulsória constante da última nota da Agente de Execução, no valor de Euros: 13.663,16, o que perfaz um total de crédito reconhecido ao credor A... em excesso de Euros: 23.325,85, sendo em consequência deve ser reconhecido ao Credor A... nos presentes não o valor de 137.644,02 euros, mas sim de 114.318,17 euros.
4 – No que se refere aos Honorários em excesso da Agente de Execução em primeiro lugar, se a Agente de Execução é credora dos Insolventes em Honorários, devia no prazo que a lei lhe conferia ter reclamada créditos nos presentes autos, o que não o fez.
5 - Em segundo lugar, e mesmo que assim não se entenda, o que não se concede ou concebe, mesmo que se considerasse que o Credor A... poderia reclamar créditos na sua reclamação da Agente de Execução, nunca a mesma teria direito a cobrar o valor que cobra com base na “suposta taxa de sucesso”, quando nada cobrou nos autos de Guimarães, não estivéssemos nos em sede de processo de Insolvência.
6 - O valor dos honorários reclamados pela agente de execução, no montante de euros: 4.787,23, reclamados com base no anexo VIII e n.º 11 do art.º 50 também não são devidos, pois tal valor apenas é devido em caso de sucesso pela Agente de Execução na cobrança da dívida, o que manifestamente não se verificou nos presentes autos, e ao contrário do que ao tribunal a quo tentou, na nossa ótica, erradamente justificar.
7 – Sendo assim a conta de honorários apresentada, agravada, em nosso entender manifestamente desajustada e injusta na relação com o trabalho realizado e contributo prestado pela Agente de Execução para o pagamento da totalidade da quantia exequenda.
8 - A Agente de Execução não teve qualquer trabalho ou interferência adicional que justifique o pagamento adicional que reclama, uma vez que não logrou praticar qualquer ato, ou mediar acordo entre as partes que levassem ao desfecho favorável do processo, e exemplo disso é o facto de os mesmos terem sido declarados Insolventes.
9 - O pagamento ao agente de execução é um custo inerente ao processo executivo, integrando o conceito de custas processuais, particularmente o conceito de custas de parte.
10 - Nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil, a decisão que julgue a acção condena em custas a parte que a elas houver dado causa. Essa disposição inclui forçosamente as custas da execução, as quais, nos termos do artigo 541.º do mesmo diploma, incluem os honorários e despesas devidas ao agente de execução.
11 – No que se refere ao erro no cálculo dos juros de mora devidos, como supra se referiu os juros de mora também não foram corretamente calculados pela Agente de Execução, sendo que o valor do capital está correto, mas o valor dos juros não está.
12 - O valor do capital como se referiu é de 51.894,53 euros fixado em 29.06.2017 e o valor dos juros em 29.06.2017 era de 51.294,53 euros.
13 - O único cálculo que a agente de execução tem de fazer é o cálculo dos juros de mora vincendos (porque os demais já se encontram fixados por Sentença transitada em julgado), desde 30.06.2017 até à data do respetivo pagamento, utilizando para o efeito a taxa de juro comercial desde Junho de 2017 até Fevereiro de 2021, data efetiva do pagamento.
14 - Os juros calculados desde 30.06.2017 até 28.02.2021 são de Euros: 13.326,21, ao que acrescem os já fixados de Euros: 51.294,53 euros, o que perfaz um total de juros de Euros: 64.620,74, o que representa um excesso de Euros: 3.835,92 para aquilo que em sede de Conta Final se reclama dos executados.
15 – Relativamente à Sanção Pecuniária Compulsória, como facilmente se compreende, em sede de Reclamação de Créditos em processo de Insolvência, não está prevista legalmente a reclamação de créditos a titulo de Sanção Pecuniária Compulsória.
16 - Caso os Insolventes paguem ao credor A... o valor do se crédito, seja de que forma for, paga em sede de processo de insolvência e não em sede de Processo de Execução.
17 - Mesmo que assim não se entenda, o que não se concebe ou concede, sempre se dirá por mero dever de patrocínio que, o Credor A... tem como título executivo uma Sentença Condenatória resultante de uma Ação Declarativa, onde os aqui Reclamantes foram condenados por Sentença e posteriores recursos, a pagar à Credora as seguintes quantias a) 51.894,43 euros a titulo de capital e b) Acrescido de juros vencidos até 29.06.2017 no montante de Euros: 51.294,53, o que perfaz ,à data de 29.06.2017, um montante em dívida de Euros: 103.189,06 euros.
18 - Este valor é o que resulta como se referiu da condenação final, após recursos que chegaram até ao Tribunal Constitucional, e que transitou em julgado em 29.06.2017, conforme melhor resulta dos documentos juntos com o Requerimento Executivo.
19 - Conforme preceitua o art.º 829-A do Código Civil, a Sanção Pecuniária Compulsória é devida se for requerida pelo credor, em sede de Petição Inicial, o que in casu, não se verificou, o que em momento nenhum Credor A... requereu a condenação dos executados ao pagamento da referida sanção, nem em sede de ação declarativa, nem em sede de execução, pelo que a sua cobrança pela Agente de Execução é indevida por ilegal, nomeadamente porque não consta do título executivo que fundamenta os presentes autos.
20 - Mesmo que assim não se entenda, o que não se concebe ou concede, mas que por dever de patrocínio se equaciona, a considerar-se que existe lugar à cobrança da Sanção Pecuniária Compulsória, a mesma é devida não no valor e com a justificação apresentada pela Sra. Agente de Execução.
21 - De acordo com o plasmado no art.º 829.º - A do CC, no seu número 4, temos que os juros compulsórios são devidos desde o transito em julgado da sentença. Só existe um transito em julgado num processo e não vários, e parece-nos evidente que o processo não transitou em julgado como refere a Agente em 12/10/2015, mas sim na data do último recurso que foi em 29.06.2017.
22 - Data esta que é a própria Credora A... que refere em sede de Requerimento executivo, e mesmo que o não o fizesse, decorre de toda a documentação que com ele juntou e com o previsto na lei, sendo que assim, a sanção pecuniária compulsória, a ser devida, é apenas desde 29.06.2017 e não desde 12.10.2015, o que faz que a mesma, seja à presente data de Euros: 9.824 e não dos 13.633,16 euros reclamados na conta da Agente de Execução, o que perfaz novamente uma diferença de 3.809,16 euros que, a considerar-se que são devidos juros compulsórios, devem ser retificados de acordo com o previsto na lei.
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Devidamente notificado contra-alegou o credor A..., Lda. concluindo pela improcedência de ambos os recursos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
1- Recurso dos recorrentes CC e BB
a)- saber se o crédito reclamado por eles reclamado é um crédito sob condição e subordinado;
2- Recurso dos insolventes
a)- saber se o credor reclamante A..., Ldª podia incluir no seu crédito os honorários da Srª agente de execução;
b)- saber se tais honorários são devidos e, mesmo sendo-o, se são excessivos;
c)- saber se os juros de mora se vencem durante o processo de insolvência;
d)- saber se neste processo são também devidos juros compulsórios mesmo que não tenham sido peticionados.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A dinâmica factual a ter em conta é a que consta do relatório supra que aqui se dá integralmente por reproduzida.
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III. O DIREITO
a)- Recurso dos credores CC e BB
A única questão que neste recurso vem colocada prende-se com:
a)-saber se o crédito reclamado deve ter, ou não, natureza subordinada e sujeito a condição.
Como se evidencia da decisão recorrida aí se manteve a natureza subordinada do referido crédito e sujeito a condição.
É contra este entendimento que se insurgem os recorrentes.
Que dizer?
aa)- A questão da condição
Como se evidencia dos autos por escritura pública de mútuo com hipoteca outorgada a fls. 127 a 129 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 23-B, em 21/10/2016, no Cartório Notarial situado na rua ..., ..., na Maia, os insolventes, o irmão do insolvente marido, CC e a esposa deste, BB, declararam que CC entregou naquela data aos insolventes a quantia de € 100.000,00 a título de empréstimo, que os insolventes declaram receber e do qual se confessaram solidariamente devedores, sendo o prazo de amortização do referido empréstimo de 1 ano a contar daquela data, não vencendo juros e podendo os devedores antecipar a amortização do empréstimo.
Mais declararam que, para garantia do pagamento e liquidação da quantia alegadamente mutuada, o insolvente marido, com expressa autorização da insolvente mulher, constituía Hipoteca voluntária, a favor de CC, sobre as metades indivisas dos bens imóveis.
Também se evidencia dos autos que o credor reclamante A..., Lda., intentou contra os insolventes, o irmão do insolvente marido, CC e a esposa deste, BB, a ação de Processo Comum n.º 26962/17.0T8PRT, que corre termos no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim (Juiz 2), a qual ainda se encontra pendente e onde o ora reclamante peticiona, a título principal, a declaração de nulidade do negócio supra descrito por simulação, e subsidiariamente, que o Tribunal declare ineficaz em relação à ora reclamante o dito contrato de mútuo e o registo da hipoteca voluntária, reconhecendo-se à ora reclamante o direito de ser graduada e paga por aquele património dos insolventes, com preferência sobre o irmão do insolvente marido, CC e a esposa deste, BB.
Na decisão recorrida propendeu-se para o entendimento de que, face à pendência da referida acção judicial, o referido crédito tinha que ser classificado, por ora, como crédito sujeito a condição, ou seja, à condição de a sua validade ser reconhecida naquele processo.
Será que assim é?
Preceitua o artigo 50.º do CIRE sob a epígrafe “Créditos sob condição” que:
1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.
Créditos sob condição são, portanto, como nos diz a lei, apenas “aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico”. Isto é, aqueles em que esse acontecimento (futuro e incerto) é suscetível de lhes dar origem ou de os extinguir.
Tal regime radica no estatuído no artigo 270.º do CCivil, nos termos do qual a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução ficam subordinados a um acontecimento futuro e incerto. Consideram-se condições impróprias aquelas que constituem antes, por exigência da lei, requisitos essenciais para a produção dos efeitos do negócio. A atual redação da citada norma, contemplando a subordinação à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto por força de decisão judicial[1], não respeita a créditos sujeitos à prolação de decisão judicial.[2]
Uma vez que o caso em apreço não se integra em qualquer uma das alíneas previstas no n.º 2, importa apreciar se o crédito reclamado pelos credores CC e BB se encontra sujeito, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico, quanto à sua subsistência, à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, conforme ajuizado pelo tribunal recorrido.
Ora, o caráter condicional do crédito contende com a sua eficácia, com a produção dos seus efeitos. Qualifica-se de suspensiva a condição que suspende a eficácia do negócio, por maneira que ele só produzirá os seus efeitos se vier a realizar-se o acontecimento visado. Na condição resolutiva (ou final) o negócio começa por produzir os seus efeitos, mas estes dissolvem-se, deixam de produzir-se, sendo destruídos retroativamente, se o evento condicionante se verificar.[3]
Um crédito condicional não é um crédito controvertido. Crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição, abarca créditos existentes cuja quantificação e exigibilidade fiquem dependentes da verificação de um evento futuro e incerto.
Por sua vez, o crédito controvertido é inexistente–no sentido de não poder ser exigido até ser reconhecido, designadamente por decisão transitada em julgado.
Um crédito condicional não é um crédito litigioso–um crédito existente, mas que é contestado em juízo pelo interessado (cfr. artigo 579.º, n.º 3 do CCivil), pressupondo a pendência de ação judicial ou processo arbitral em que seja contestado, natureza que assume enquanto o processo se mantiver pendente.
O acontecimento futuro e incerto a que se refere o artigo 50.º, n.º 1 do CIRE não se reconduz ao desfecho de ação judicial, antes se impõe ao crédito como condição suspensiva ou resolutiva por força de decisão judicial, ou seja, a sentença, enquanto acto jurídico não constitua ela própria uma condição, mas apenas que a existência de condição pode vir a resultar do próprio teor da sentença judicial.
Nas palavras de Carvalho Fernandes e João Labareda[4], um “crédito condicional não se confunde com um crédito controvertido ou com um crédito litigioso resulta, ainda, da própria natureza da condição (suspensiva ou resolutiva), pois esta é elemento que respeita à eficácia típica do negócio e não à sua validade ou constituição”. Destrinça que não se mostra evidenciada na redação dada ao n.º 1 do art. 50.º, cujo teor os referidos autores criticam, pois “é totalmente desadequada a definição escolhida para caracterizar a condição suspensiva, visto que (…) não está em causa a constituição do negócio”.
No entanto, com vista a conferir sentido útil à dita definição do n.º 1 do art. 50.º, adiantam não haver “razão para pensar que um crédito constituído, cuja eficácia é subordinada a condição suspensiva, não é já um crédito condicional–ou sob condição, embora se possa admitir, (…), que se quis considerar também condicional o crédito cujo conteúdo esteja integralmente fixado mas cuja própria génese–isto é, o nascimento ou constituição na e para a ordem jurídica–seja deixada na contingência de futura verificação de um facto que não se sabe se chegará a ocorrer”.
Perante o que se deixa exposto, é manifesto que o crédito dos referidos credores, sendo litigioso, não tem a natureza de crédito condicional para efeitos do disposto no CIRE.
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Procedem, desta forma, as conclusões I a VIII formuladas pelos recorrentes.
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bb)- A questão da subordinação
Como supra se referiu na decisão recorrida concluiu-se pela natureza subordinada de tal crédito.
Ora, sob este conspecto nada temos a censurar à decisão recorrida.
Efectivamente, nos termos da al. a) do artigo 48.º do CIRE consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, “os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respectiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência”.
Essas pessoas–especialmente relacionadas com o devedor–são elencadas no art. 49.º, aí se incluindo, designadamente, os irmãos do devedor.
É indiscutível, portanto, que o comprador, sendo irmão do Insolvente, é, para os efeitos legais e à luz do disposto na norma citada, uma pessoa especialmente relacionada com o devedor, circunstância que, numa primeira análise e tendo em conta a letra da lei, será bastante para a verificação da situação prevista na alínea a) do citado artigo 48.º e para a consequente classificação do crédito como subordinado.
Obtemperam, todavia, os recorrentes que há que fazer uma interpretação restritiva do citado preceito, ou seja, o facto de existir a relação familiar não constitui por si fator determinante para ser considerado subordinado, devendo também, ter-se em consideração, no caso concreto, o hiato temporal entre a data da constituição do referido crédito e a apresentação à insolvência por parte dos Insolventes.
Salvo o devido respeito, não se pode sufragar este entendimento.
Na verdade, o legislador, no artigo 48º, alínea a), qualificou como créditos subordinados os que são detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que essa relação já existisse aquando da constituição do crédito[5], e por aqueles a quem lhes tenha sido transmitido nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.
Ora, deflui com total clareza da segunda parte da norma que o período de dois anos antecedente à abertura do processo de insolvência apenas é dirigido aos actos de transmissão de créditos para terceiros, não existindo o mínimo sinal, na primeira parte, da exigência de que a constituição do crédito de pessoa especialmente relacionada com o devedor tenha de ocorrer num período vizinho da abertura do processo de insolvência.
Por outro lado, teria sido grande inépcia do legislador não ter fixado na primeira parte da norma um limite temporal à constituição dos créditos detidos pelas pessoas especialmente relacionadas, se essa fosse a sua intenção.
Aliás, sempre que entendeu fazer relevar esse aspecto temporal não deixou de o fazer, como resulta das disposições dos artigos 49.º, n.º 1, alíneas a) e d), n.º 2, alíneas a), b) e c), e n.º 3.
Não obstante os tribunais da Relação se tenham vindo a confrontar com esta questão, é maioritária a corrente jurisprudêncial que aponta para a inexistência de um limite temporal para a constituição dos referidos créditos.[6]
É também esta a nossa posição. De resto, como argumento adicional, pode ainda dizer-se que, a ter-se como boa a tese que condiciona a aplicação das citadas normas ao factor tempo, por via da interpretação restritiva alegada, a apreciação casuística da sua relevância não deixaria de proporcionar uma apreciável dose de incerteza e insegurança jurídica, tal a diversidade de situações equacionáveis.
Concluímos, pois, que os créditos detidos pelas pessoas especialmente relacionadas com o devedor não perdem a natureza de créditos subordinados em função do maior ou menor lapso de tempo que separe a sua constituição do momento em que se iniciou o processo de insolvência.
Como já referimos, no caso dos autos o credor é irmão do Insolvente e, nessa medida, a alínea b) do n.º 1 do artigo 49º inclui-o nessa categoria de pessoas especialmente relacionadas com o devedor. Por outro lado, como resulta óbvio, à data da constituição do crédito essa especial relação já existia–artigo 48º, alínea a).
Deste modo, o crédito detido pelos credores CC e BB é subordinado [artigo 47.º, n.º 4, alínea b) e artigo 48.º, alínea a)], o que significa que o seu pagamento tem lugar apenas depois de integralmente pagos os créditos comuns (artigo 177.º, n.º 1 do CIRE).
E se houver saldo que permita o pagamento aos credores subordinados, este é feito segundo a ordem pela qual eles aparecem indicados no artigo 48.º, e na proporção dos respetivos montantes, se a massa se revelar insuficiente para o pagamento integral.
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Improcede, assim, as conclusões X a XV formuladas pelos recorrentes.
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b)- Recurso dos insolventes
bb)- Dos Honorários em excesso da Agente de Execução
Sob este conspecto alegam os recorrentes que se a Agente de Execução é credora dos insolventes em honorários, devia no prazo que a lei lhe conferia ter reclamada créditos nos presentes autos, o que não o fez, razão pela qual carece de legitimidade a credora A..., Lda., para reclamar tal crédito.
Como se evidencia da decisão recorrida aí se entendeu ter a credora A..., Lda., legitimidade para reclamar neste processo o valor da Nota Discriminativa das Custas de Parte da Sra. AE.
Quid iuris?
Salvo o devido respeito pela posição defendida pelos insolventes, nada temos a censurar, neste segmento, à decisão recorrida.
Na verdade, preceitua-se no artigo 45.º, n.º 1 da Portaria n.º 282/2013 que “Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado” (negrito e sublinhados nossos).
Portanto, como decorre deste preceito, na ausência de bens penhorados e não ocorrendo pagamento voluntário, a responsabilidade pelo seu pagamento gera dois tipos de relações, sendo uma externa, entre o exequente e o agente de execução, e outra interna, entre o exequente e o executado.
Ora, perante o referenciado circunstancialismo objetivo (falta de bens penhorados e de pagamento voluntário) os honorários e as despesas do agente de execução são realizados pelo exequente, o qual tem sempre um direito de regresso relativamente ao executado.
Desta forma, e ainda dentro do âmbito das relações internas, o exequente sempre poderá refletir e exigir esse pagamento aos executados, ora insolventes.
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Alegam depois os recorrentes que, mesmo que se considere que a credora A..., Lda., poderia reclamar créditos na sua reclamação da Agente de Execução, nunca a mesma teria direito a cobrar o valor que cobra com base na “suposta taxa de sucesso”, no valor de €4.787,23, quando nada cobrou nos autos de execução.
O regime da remuneração dos agentes de execução está actualmente contemplado na mencionada Portaria 282/2013, de 29/08, que entrou em vigor a 01/09/2013, diploma que prevê-para o que aqui releva-como componentes da remuneração do agente de execução, uma parte fixa e uma parte variável.
Sobre os honorários do agente de execução prescreve o nº 1 do artigo 43.º da mencionada Portaria, que “o agente de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados (…), nos termos da presente portaria”; estipulando especificamente o artigo 50.º da mesma Portaria-na parte que para aqui releva-que:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 a 4, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos.
(…)
5 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
a) Do valor recuperado ou garantido;
b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido;
c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
6- Para os efeitos do presente artigo, entende-se por:
a) «Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente;
b) «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
(…)
9 - O cálculo da remuneração adicional efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
10 - Nos casos em que, na sequência de diligência de penhora de bens móveis do executado seguida da sua citação seja recuperada ou garantida a totalidade dos créditos em dívida o agente de execução tem direito a uma remuneração adicional mínima de 1 UC, quando o valor da remuneração adicional apurada nos termos previstos na tabela do anexo VIII seja inferior a esse montante.
11 - O valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução.
12 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional.
(…).”.
Do Anexo VIII da aludida Portaria, com a epígrafe “Remuneração adicional”, consta: “O valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.”
Perante este quadro normativo, a jurisprudência não tem tido uma posição uniforme sobre a matéria do cálculo dos honorários do agente de execução, apesar de existir um certo consenso no sentido de a sua remuneração adicional realizar-se em função do valor recuperado ou garantido no processo.
Para uma corrente jurisprudêncial, numa perspetiva de aparência processual, basta haver uma causa remota e objetiva, que assentaria no valor recuperado ou garantido, para que houvesse lugar a essa remuneração adicional, mesmo que a extinção da execução resultasse de acto individual do devedor (pagamento voluntário), de acto conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou mesmo de um acto do próprio credor (desistência da execução).[7]
Por sua vez, outra jurisprudência tem estabelecido um critério assente no nexo de causalidade entre a ação do agente de execução (i) e o êxito da execução (ii), mas essencialmente mediante duas leituras distintas.
Assim, mediante uma perspetiva de equivalência ou sine qua non, no sentido de que essa atividade do agente de execução tem de ser indispensável e essencial, sustenta-se que havendo uma transação entre as partes, já não havia esse direito a uma remuneração adicional.[8]
Mediante uma perspetiva de relevância executiva, deveria aferir-se se a atividade do agente de execução foi processualmente relevante para a obtenção do resultado final, atendendo-se à sua eficiência e eficácia.
Numa variante entre aquela primeira e esta última posição, surgiu ultimamente uma perspetiva de presunção de relevância processual, sustentando que “Desde que tenham sido efectuadas no processo executivo diligências concretizadas no sentido da cobrança coerciva do crédito exequendo, a recuperação que venha a efectuar-se, ainda que por via de acordo entre as partes, deve presumidamente ser tida como ocorrendo na sequência dessa actividade promovida pelo AE”.[9]
Sob este conspecto temos para nós que, tal como se refere na decisão recorrida, “será de considerar que a remuneração do agente de execução se afasta da concepção tradicional de uma remuneração fixa ou funcional. Aliás, a remuneração acréscimo tem acentuadas similitudes com a remuneração por objetivos. E esta última corresponde a um pagamento variável em função das metas previamente estabelecidas, equivalendo a uma retribuição complementar, que tem em vista compensar as práticas que melhor se ajustam à estratégia desenvolvida.
Deste modo, a remuneração acréscimo funciona como um incentivo e simultaneamente como uma recompensa pelos resultados obtidos–veja-se a propósito o Ac. STJ de 12/out./2017 (Cons. Ribeiro Cardoso). E tanto mais ocorrerá se inserir-se na estratégia de uma ação executiva, possibilitando um aumento da retribuição fixa, pelo que a remuneração variável não se pode confundir com aquela outra quanto aos critérios utilizados.
Deste modo e concretizando as normas que estabelecem os honorários do agente de execução, as quais integram uma parte fixa e uma parte variável, esta última está “dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos” com a sua atuação (artigo 173.º, n.º 2 do EOSAE).
Essa remuneração adicional varia em função do valor recuperado ou garantido (a), do momento processual em que tal ocorre (b), da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar (c) (artigo 50.º, n.º 5 da Portaria n.º 282/2013, de 29/ago.). Tudo isto aproxima a remuneração do agente de execução na estratégia assumida em sede de execução e da relevância que a mesma teve nesse contexto, o que nos aproxima da perspetiva de relevância executiva.
E esta tem de ser apurada em concreto e não em abstrato e muito menos valorizar indiferenciadamente o que ocorreu no processo (perspetiva de aparência processual), ainda que seja mediante presunções (perspetiva de presunção de relevância processual). E também não pode ser tão indiferente à actividade que foi desenvolvida, mormente se a mesma funcionou como um catalisador ou mesmo como um impulso (nudge) para obtenção da quantia exequenda, mesmo que tenha havido transação ou desistência, ignorando-se toda a ação do agente de execução (perspetiva de equivalência ou sine qua non). O relevante é que a estratégia assumida pelo agente de execução revele meios idóneos para a obtenção dos resultados a favor do exequente, conferindo integridade e consistência à remuneração adicional”.
Como assim, a remuneração adicional do agente de execução ocorre em função da atividade ou diligências por si realizadas ou promovidas para obter a quantia exequenda, surgindo o resultado dessas ações como o requisito indispensável para se obter um prémio retributivo.
Aderimos, pois, à tese de que é sempre exigível um nexo de causalidade entre os serviços prestados pelo agente de execução e os proveitos da execução, avaliando-se a relevância ação/resultado e analisando-se o correspondente custo/benefício, de modo a justificar a parte variável dos seus honorários. Assim, estará sempre fora desse âmbito remuneratório extra o resultado ou proveito obtido pelo exequente que seja alheio à atividade desenvolvida pelo agente de execução, em virtude de não ter havido qualquer contributo deste, de um modo direto ou indireto, para a realização da quantia exequenda.[10]
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Isto dito, no caso concreto a atividade da Sra. AE com a diligencia de penhora recuperou o valor de € 2.172,50.[11]
Ora, esta actividade, é passível de integrar essa remuneração variável e tendo em conta o valor da execução- € 113.584,91- , afigura-se-nos que o valor de € 4.787,23 a título de remuneração adicional não é excessivo e, sendo devido à Sra. AE pelo pagamento do ali exequente, poderá o credor aqui reclamá-lo.
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bbb)- A questão do cálculo dos juros de mora
Alegam os recorrentes que os juros de mora não foram corretamente calculados uma vez que o valor dos juros à data de 29/06/2017 era de € 51.294,53, sendo que o único cálculo que o Agente de Execução deve fazer é desde 30/06/2017 até à data do pagamento, utilizando para o efeito a taxa de juro comercial desde junho de 2017 até fevereiro de 2021, data do efetivo pagamento, razão pela qual os juros de mora são de € 13.326,21 a que acrescem os juros de mora já vencidos de € 51.294,53, o que perfaz o valor global de juros de mora de € 64.620,74, existindo um excesso de € 3.835,92.
Que dizer?
Como se sabe atualmente, ao invés do que sucedia no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (artigo 151.º, nº 1) e, anteriormente, no Código de Processo Civil (artigo 1196º do Código de Processo Civil), a declaração de insolvência não obsta à contagem de juros de mora, apenas sucedendo que os juros de mora por créditos constituídos após a declaração de insolvência são havidos como créditos subordinados [artigo 48º, alínea b), do CIRE].
Como assim, podia o credor neste processo de insolvência reclamar o valor dos juros de mora vincendos, ou seja, não apenas os juros calculados até à elaboração da Nota Discriminativa.
Aliás, ao contrário do que referem os recorrentes, nem sequer existiu pagamento, pelo que os juros de mora continuam a vencer-se até efetivo e integral pagamento.
Diante do exposto, importa, pois, concluir que o cálculo de juros se encontra correctamente efectuado.
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bbbb)- A questão da sanção pecuniária compulsória
Alegam os recorrentes que em sede de Reclamação de Créditos em processo de Insolvência, não está prevista legalmente a reclamação de créditos a titulo de Sanção Pecuniária Compulsória, além de que a referida sanção só é devida se for requerida pelo credor em sede de petição inicial, o que não foi feita pelo credor, motivo pelo qual a sua inclusão pelo Agente de Execução na Nota Discriminativa é indevida.
Atentemos.
Dispõe o artigo 829.°-A, nº 4, do Código Civil que “quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes também forem devidos, ou à indemnização a que houver lugar”, cabendo a liquidação desse valor ao agente de execução.
Efectivamente, nos termos do artigo 716.°, nº 3 do CPCivil “(...) o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação”.
A sanção pecuniária compulsória visa não só indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas também o de obrigar o devedor a cumprir, vencendo a sua oposição ou negligência, constituindo um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e reforçando, por conseguinte, o prestígio da justiça.[12]
Assim, a sanção pecuniária compulsória–artigo 829.º-A, nº 4 do CCivil opera de ex legis, na fase executiva, sem necessidade de ser peticionada no requerimento executivo, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação.
Ora, revertendo ao caso dos autos, fixada na sentença dada à execução uma determinada quantia devida pela executada, não restam dúvidas de que foi estipulado judicialmente o pagamento em dinheiro corrente, razão pela qual são devidos automaticamente juros à taxa de 5 %, desde o trânsito em julgado daquela decisão judicial até integral pagamento.
Tem sido esse, de resto, o entendimento sufragado pela vasta doutrina e jurisprudência dos nossos tribunais superiores.[13]
Não se trata de executar o devedor por uma sanção pecuniária não contida no título executivo, mas de pressionar o devedor a cumprir a obrigação exequenda.
Por isso se impõe que o agente de execução, aquando da liquidação, proceda igualmente à contabilização “das importâncias devidas a título de sanção pecuniária compulsória”, nos termos do já citado artigo 716.º, n.º 3 do CPCivil, sem que seja exigido que o exequente requeira e proceda à liquidação das quantias já vencidas a esse título, como o faz para os juros vencidos-artigo 716.º, n.º 1 do mesmo diploma legal.
Também neste sentido Lebre de Freitas[14], o qual, ao comentar o art.º 716º do actual Código de Processo Civil sustenta que “a liquidação pelo agente de execução tem também lugar no caso de sanção pecuniária compulsória e, executando-se obrigação pecuniária, a liquidação não depende de requerimento do exequente, devendo ser feita a final”.
Diante do exposto, sufragamos o entendimento de que a partir das alterações adjectivas civis (introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 226/2008 ao art.º 805º do antigo Código de Processo Civil, que o actual artigo 716º, n.º 3 do Código do Processo Civil também contempla), ficou (ainda mais) claro não ser exigível ao exequente a dedução do pedido de pagamento da sanção pecuniária compulsória, sendo esta de funcionamento automático, sendo da responsabilidade do agente de execução a sua liquidação.
Por outro lado, sendo tal taxa liquidada pelo agente de execução, como o foi no caso concreto no âmbito do processo executivo, torna-se evidente que a reclamação de créditos no âmbito do processo de insolvência tem de a contemplar forçosamente por ser uma componente do crédito, razão pela qual não faz qualquer sentido o alegado pelos recorrentes de que, no âmbito da reclamação de créditos em insolvência, não está prevista legalmente a referida sanção pecuniária compulsória, mas, diremos nós, nem tinha que estar, pois que, quando seja devida, é, como supra se referiu, uma componente do crédito que seja reclamado.
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Todavia, têm razão os recorrentes quando alegam que tal sanção é apena devida desde o trânsito em julgado da decisão como, aliás, já acima se referiu e resulta do preceituado no artigo 829.º-A, nº 4 do CCivil.
Ora, no caso em apreço a decisão não transitou em julgado como refere a Srª Agente em 12/10/2015, mas sim na data do último recurso (recurso para o tribunal constitucional) que foi em 29/06/2017.
Como assim, a sanção pecuniária compulsória é apenas devida desde a referida data e não desde 12/10/2015, o que faz com que a mesma seja, à data da reclamação do crédito, no valor de € 9.824,00 e não dos € 13.633,16.
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Improcedem, assim, as conclusões 1ª a 14ª formuladas pelos recorrentes, e procedem, em parte, as conclusões 15ª a 22ª também por eles formuladas.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
a)- julgar a apelação interposta pelos recorrentes CC e BB, parcialmente procedente por provada e, consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte em que considerou o crédito por eles reclamado sujeito a condição;
b)- julgar a apelação interposta pelos insolventes parcialmente procedente por provada e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, devendo o crédito reclamado pela credora A..., Lda., ser reduzido no montante de € 3.809,16. (três mil oitocentos e nove euros e dezasseis cêntimos) à data em que foi reclamado.
c)- Manter, no mais, a decisão recorrida.
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Custas dos recursos pelos respectivos apelantes e na proporção do decaimento (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 10 de Outubro de 2019.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] O que não estava previsto na redação original do preceito.
[2] Ac. TRL de 07/03/2017.
[3] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 2003, p. 366.
[4] CIRE Anotado, p. 235 e 236.
[5] Foi esta a única condição imposta.
[6] Cfr., entre outros, Acórdão da Relação de Évora de 12.03.2015, no processo n.º 1081/13.2TBVNO-A.E1 (Desembargador Mário Serrano), Acórdão da Relação de Coimbra de 20.09.2016, no processo n.º 49/15.7TBLRA.C1 (Desembargadora Sílvia Pires), Acórdão da Relação do Porto de 06.03.2018, no processo n.º 1517/14.5T8STS-B.P1 (Desembargador Vieira e Cunha), Acórdão da Relação de Lisboa de 12.09.2019, no processo n.º 6058/16.3T8FNC-F.L2-6 (Desembargadora Gabriela de Fátima Marques), Acórdão da Relação de Guimarães de 13.06.2019, no processo n.º 1960/18.0T8VNF-C.G1 (Desembargador Paulo Reis) e Acórdão da Relação de Coimbra de 17.11.2020, no processo n.º 551/19.3T8GRD-B.C1 (Desembargadora Maria Catarina Gonçalves).
[7] Neste sentido neste sentido os Acs. TRP de 02/06/2016 (Des. Aristides Rodrigues de Almeida), salvaguardando os eventuais excessos com a inconstitucionalidade do artigo 50.º, n.º 5 da Portaria n.º 282/2013, por violação do princípio da proporcionalidade, de 11/jan./2018 (Des. Paulo Dias da Silva); Acs. TRL de 09/fev./2017 (Des. Esagüy Martins) e 07/nov./2019 (Des. Anabela Calafate).
[8] Neste sentido Ac. TRC de 11/abr./2019 (Des. Manuel Capelo), Ac. TRL de 26/set./2019 (Des. Arlindo Crua).
[9] Neste sentido o Ac. TRE de 23/abr./2020 (Des. Albertina Pedroso).
[10] Neste sentido veja-se o recente Ac. do STJ de 18/01/2022-Processo nº 9317/18.7T8PRT.P1.S1in www.dgsi.
[11] Cfr. histórico processual.
[12] Cfr. Acs. STJ de 12/4/2012 e 23/1/2003, relatores Conselheiros Pinto Hespanhol e Araújo de Barros, in www.dgsi.pt.
[13] Assim, na doutrina, temos, entre outros: Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., pág. 106; Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, Almedina, 2001, pág. 995; Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. II, 4ª ed., Almedina, pág. 284; Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, edição de 1995, pág. 407; Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e Indemnização”, pág. 112; José Lebre de Freitas, “A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma”, 5ª ed., Coimbra Editora, 2009, pág. 98; Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., Almedina, 2009, pág. 128; e na Jurisprudência, temos também, entre outros, os Acórdãos do STJ de 09.05.2002, de 23-01-2003, de 18-05-2006 e de 12-04-2012; da Rel. de Lisboa de 20-06-2013; da Rel. de Guimarães de 02-05-2016, de 11-05-2017 e de 01-03-2018; da Rel. de Coimbra de 13/07/2016, de 08-11-2016, e de 16-02-2018 - todos eles disponíveis em ww.dgsi.pt.
[14] In “A Acção Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª edição – 2014, Coimbra Editora, página 115.