I - Não obstante o impugnante ter cumprido os ónus de especificação a que alude o art. 640.º do CPC, a Relação não está obrigada a apreciar a impugnação deduzida à decisão da matéria de facto proferida pela 1ª. instância, visando a sua alteração, se se concluir, como aquela concluiu, que a factualidade sobre que incide a referida impugnação se mostra de todo irrelevante/inócua para a decisão da causa.
II - É aplicável a lei francesa - ao abrigo do disposto no Regulamento 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008, também denominado “Roma 1” - ao contrato, celebrado em 17/11/2011, no qual intervieram como outorgantes um advogado, registado em GG, onde exerce a sua atividade profissional, e ali inscrito também na lista de advogados/agentes desportivos, e um futebolista, de nacionalidade portuguesa, a exercer então a profissão em Portugal, em documento assinado pelo primeiro em GG e pelo segundo em Portugal, e através do qual aquele se encarregou, além do mais, e mediante a remuneração ali estipulada, de prestar ao último serviços ao nível do aconselhamento, representação e assistência na análise, elaboração e negociação de todos os seus contratos como desportista profissional, em todo o mundo, incluindo os contratos de transferência, de direito à imagem e de trabalho, bem como a procura/angariação de clubes desportivos onde pudesse vir a desempenhar aquela sua atividade, e no qual se invocam dispositivos vários da legislação daquela lei para a disciplina de algumas das questões que integram o seu objeto.
III - Trata-se de um contato misto, com prestações típicas do contrato de mandato exercido por um advogado e com prestações típicas de um agente desportivo que exerce a atividade de intermediação/corretagem (com previsão no art. L222-7 do Código do Desporto Francês, na redação introduzida pela Lei n.º 2010-626 de 09-06-2010, e no 1.º parágrafo do art. 6.º-B da Lei n.º 71-1130 de 31-12-1971, na redação introduzida pelo art. 4.º da Lei n.º 2011-331 de 28-03-2011).
IV- Essas atividades exercidas/desenvolvidas pelo réu em simultâneo são, à luz da lei francesa, incompatíveis em si.
V - A atividade de agente desportivo depende, nesse país, da titularidade de uma licença, que é emitida pela federação delegada competente, pelo que reportando-se a atividade desenvolvida à área do futebol ela deverá ser emitida pela Federação Francesa de Futebol.
VI - A lei francesa não comina, só por si, expressamente essa incompatibilidade de atividades com a nulidade dos contratos celebrados, do mesmo modo acontecendo também em relação à falta de licença do agente desportivo emitida por aquela federação.
VII - De acordo com a legislação francesa, exige-se que o montante da remuneração seja concretamente indicado no texto do contrato pelas partes, não sendo possível a aplicação de qualquer norma supletiva que permita o cálculo dessa remuneração.
VIII - Face a essa legislação, tanto nos contratos de mandato conferidos a advogado (para a celebração de um dos contratos mencionados no primeiro parágrafo do artigo L222-7 do Código do Desporto Francês), como nos contratos de agenciamento desportivo, é obrigatória a especificação do valor da remuneração do advogado ou do agente desportivo, a qual não pode exceder 10% do valor do contrato (desportivo) outorgado.
IX - A não observância desses requisitos conduz, nos contratos de agenciamento desportivo, à sua nulidade.
X - A lei francesa proíbe os advogados de celebrarem, nos contratos em que intervêm nessa qualidade ou também nela, pactos de quota litis.
XI - Quota litis essa que ocorre quando os seus honorários ou remuneração são fixados em função do resultado final, isto é, quando ficam ab initio exclusivamente dependentes do resultado a obter na questão da lide ou do negócio para a qual foram mandatados/contratados, sem que na altura o mesmo esteja determinado.
XII - A inserção em tais contratos de cláusulas referentes à remuneração ou fixação de honorários do outorgante prestador dos sobreditos serviços que violem as normas ou princípios que disciplinam essa matéria conduz, dada sua natureza imperativa (pois que visam salvaguardar também interesses de ordem pública), à nulidade absoluta das mesmas, podendo ser invocável a todo o tempo.
XIII - A nulidade de tais cláusulas atinge todo o contrato, pois que se vê, assim, desprovido de um dos seus requisitos/elementos essenciais, referentes à remuneração dos serviços que a outra se obrigou a prestar como contrapartida.
XIV - A obrigação de suscitar, por reenvio, junto do TJUE a apreciação de questão prejudicial de direito (da União Europeia) está dispensada nas situações seguintes:
a) Quando a questão suscitada for impertinente ou desnecessária para a resolução do litígio concreto em discussão;
b) Quando o TJUE já se tenha pronunciado, de forma firme, sobre a questão a reenviar em caso análogo, em sede de reenvio ou outro meio processual;
c) Quando o tribunal nacional considere que as normas da UE aplicáveis não suscitam dúvidas interpretativas, ou sejam suficientemente claras e determinadas, aptas para serem aplicadas imediatamente.
XVI - Não é da competência do TJUE pronunciar-se sobre a interpretação a dar a normas internas dos próprios Estados-Membros da UE.
1. No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Juízo Central Cível ...), o autor, AA, instaurou (no ano de 2018) contra o réu, BB, ambos com os demais sinais de identificação que constam dos autos, ação declarativa de simples apreciação, sob a forma de processo comum, pedindo que:
a) O contrato celebrado entre o A. e o R. em 17-11-2011 seja declarado inexistente/nulo, nos termos dos arts. 22.º, n.º 1, e 23.º do RJCTPD, 205.º, n.º 1, 82.º, n.º 1, al. n), e 106.º do EOA (ex vi do art.º 207.º, n.º 1, do EOA, e 2.4. do Código de Deontologia dos Advogados Europeus) e arts. 280.º, n.º 1, 292.º e 294.º, n.º 1, do Código Civil, e subsidiariamente, à luz das normas de direito francês invocadas;
b) A suposta atuação do réu ao abrigo do referido contrato e, em particular, os serviços por este alegadamente prestados em território português por reporte ao contrato celebrado entre autor e o ..., em 04/09/2012, sejam declarados inexistentes/nulos.
Subsidiariamente,
c) Sejam declarados inexistentes/nulos a suposta atuação do réu ao abrigo do referido contrato particular, os serviços por este alegadamente prestados em território português por reporte ao contrato celebrado entre o autor e o ... em 04/09/2012, por violação de normas imperativas relativas ao exercício da advocacia em Portugal.
Para o efeito, e em síntese, alegou:
Ter celebrado com o réu um “contrato de agenciamento desportivo” com data de 17.11.2011, assinado pelo Autor, em Portugal, e, pelo réu, em França, pelo qual o autor encarregou o réu de prestar aconselhamento, representação e assistência na análise, elaboração e negociação de todos os seus contratos como desportista profissional, em todo o mundo, incluindo contrato de transferência, contrato de direito à imagem, contrato de trabalho, etc...
Tal contrato cessava os seus efeitos a partir de 31 de agosto de 2012.
Independentemente deste contrato o autor e o seu pai mantiveram negociações com a direção do ... com vista à renovação do contrato de trabalho do Autor, que levaram à celebração em 04/09/2012 de um contrato de trabalho desportivo entre o Autor e o ....
O réu não teve qualquer participação nestas negociações, tendo estado alheado das conversações com o ..., pelo menos desde 1/08/2012, apenas tendo tido conhecimento do contrato celebrado por o Autor o ter informado.
O réu veio reivindicar o pagamento dos honorários previstos no contrato fundado na sua presença em parte das negociações ocorridas antes daquela data e bem assim na troca de correspondência com dirigentes do ..., bem como nas viagens a Portugal e nas alegadas declarações à imprensa portuguesa sob o ponto da situação da carreira do Autor.
2. O réu contestou, alegando, em síntese, :
Que o autor celebrou com o réu um contrato de advogado mandatário desportivo, em 17/11/2011, sendo que o réu cumpriu a obrigação a que se vinculou.
Ao caso dos autos é aplicável a lei francesa, quer nos termos do art.° 41° do Código Civil, quer por aplicação do art. 3.1 do Regulamento Europeu 539/2008 (Roma 1) em confronto com o considerando 12 daquele Regulamento e da cláusula 9 do contrato celebrado entre as partes.
Caso se entenda ser aplicável a lei portuguesa entende que o contrato celebrado se insere no âmbito do princípio da liberdade contratual do art. 405.º do Código Civil, correspondendo a um contrato de mandato com poderes de representação.
Tendo o réu cumprido as suas obrigações contratuais tem direito a receber os honorários fixados na cláusula 3 do contrato.
O Réu não atuou como empresário desportivo, mas sim como mandatário desportivo pelo que não se enquadra na definição do art. 2.o, d) do RJCTPD, nem a prestação de serviços se circunscreveu ao exercício da atividade de empresário desportivo prevista no art. 22.º de tal diploma
Deduziu pedido reconvencional, pedindo que:
a) Se declare o contrato celebrado entre autor e réu em 17-11-2011, existente, válido e eficaz entre as partes, à luz da lei francesa e, subsidiariamente, à luz da lei portuguesa;
b) Se declare que a atuação do réu ao abrigo do referido contrato e, em particular, os serviços por este prestados em território português por reporte ao contrato celebrado entre autor e o ... em 04/09/2012, são existentes, válidos e eficazes, à luz da lei francesa e, subsidiariamente, à luz da lei portuguesa;
c) Se declare que a atuação do réu ao abrigo do referido contrato particular, os serviços por este alegadamente prestados em território português por reporte ao contrato celebrado entre o autor e o ... em 04/09/2012, são existentes, válidos e eficazes, sem violação de normas imperativas relativas ao exercício da advocacia em Portugal e, subsidiariamente, à luz das normas de direito francês.
3. Após resposta do A., a elaboração do despacho e a realização de audiência de julgamento, seguiu-se a prolação de sentença pela 1.ª instância que, no final, julgou:
a) A ação totalmente procedente, declarando a nulidade do contrato celebrado entre autor e réu, com data de 17-11-2011 e, consequentemente, a nulidade dos atos praticados ao abrigo do mesmo;
b) Improcedente o pedido reconvencional.
4. Inconformado, o réu apelou de tal sentença, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão, proferido em 18-11-2021 julgado, sem voto de vencido, improcedente o recurso, confirmando integralmente a decisão/sentença proferida pela 1.ª instância.
5. Novamente irresignado, o réu veio interpor recurso de revista excecional (invocando os fundamentos específicos previstos nas als. a) e b) do nº. 1 do artº. 672º do CPC) desse acórdão, tendo concluído as respetivas alegações nos seguintes termos (cuja ortografia se respeita):
« 1. O requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 672° do Código de Processo Civil verifica-se pela questão da complexidade e novidade do caso, e implica detalhado exercício ser intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, tudo para lograr uma melhor aplicação do direito.
2. É, sem dúvida, o caso dos presentes autos, face à singularidade do mesmo.
3. A relevância jurídica da questão jurídica assenta ainda no seu ineditismo.
4. A relevância jurídica justifica-se ainda por ser necessária uma melhor aplicação do direito, e por estar em causa questão manifestamente complexa, de difícil resolução, cuja subsunção jurídica impõe debate pela doutrina e jurisprudência com o objetivo de obter um consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão, a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação, com que poderão contar, das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito.
5. Reveste relevância jurídica, fundamentadora do recurso de revista excecional, a questão de saber se o contrato celebrado entre as partes é válido e avaliar essa validade do contrato atendendo à lei aplicável.
6. No caso em análise, não se trata apenas de um contrato de agenciamento desportivo de âmbito nacional, outrossim de um contrato de âmbito internacional, discutindo-se, inclusivamente, nos presentes autos a aplicação da Lei francesa ou da Lei portuguesa.
7. Discutindo-se a validade de um contrato, por aplicação da lei francesa ou da lei portuguesa, ou seja, por aplicação das leis de dois estados-membros distintos que integram a União Europeia, resulta clara a relevância da apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça da presente ação.
8. Dispõe o artigo 629° n° 1 do CPC, que "O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa."
9. Isto posto, também atendendo ao critério do valor, é admissível o presente recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça.
Da Apreciação da Matéria de Facto:
10. Não obstante o presente recurso ser de revista excecional, para o seu correto enquadramento é necessário efetuar a impugnação da matéria de facto com fundamento no disposto no artigo 674° n° 3 do CPC.
11. Existem documentos juntos aos autos que fazem prova plena dos factos que integram a matéria de facto dada como não provada.
12. Está legalmente fixada a força probatória dos referidos documentos, como a seguir se irá demonstrar e, por tal motivo, a impugnação da matéria de que o Recorrente apresenta junto do Supremo Tribunal de Justiça é válida, por aplicação da segunda parte do n° 3 do artigo 674° do CPC.
13. Com base na Prova Documental composta pelos seguintes documentos: Documento n°. 1 da p.i.; Documento n° 2 da p.i.; Documento n° 3 junto com a p.i.; Documento n° 7 junto com a p.i.; Documento n° 1 junto pelo R. com requerimento datado de 11/05/2020, com a referência ...58; Documento n° 1 junto pelo R. com requerimento datado de 06/11/2020, com a referência ...04; Documento n° 2 junto pelo R. com requerimento datado de 06/11/2020, com a referência ...04; Documento n° 3 junto pelo R. com requerimento datado de 06/11/2020, com a referência ...04.
14. Os supra referidos documentos, fazem prova plena do contrato celebrado entre as partes, designadamente, a ligação entre o Autor e o Réu, as obrigações de ambos e os serviços acordados por força do contrato; comprovam a qualidade profissional em que o aqui Recorrente atua, como atuou; comprovam que o Recorrente para além de exercer a atividade de advogado, com inscrição no Barreau de Paris, também exerce, ao abrigo do disposto no artigo P.6.2.0.3 do Regulamento da Ordem dos Advogados de Paris, a atividade de advogado agente desportivo; comprovam que o contrato celebrado entre o A. e o R. é válido e os atos praticados pelo A. foram legais e legítimos e a remuneração que o R. reclama do A. é devida; comprovam que efetivamente o Recorrente cumpriu com todas as obrigações contratuais e prestou todos os serviços acordados para com o Recorrido.
15. Deverá o Supremo Tribunal de Justiça reapreciar a impugnação da matéria de facto supra descrita, concluindo por uma decisão diversa da proferida, ao abrigo do disposto no n° 3 do artigo 674° do CPC.
16. Devem ser dados como não provados os seguintes factos dados como provados: 8., 10. e 11. e devem ser dados como provados os seguintes factos dados como não provados: a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), k), e ser o contrato celebrado entre A. e R., com data de 17.11.2011 declarado válido e eficaz à luz da lei francesa e, subsidiariamente, à luz da lei portuguesa, e consequentemente serem declarados igualmente existentes, válidos e eficazes os atos praticados pelo Recorrente ao abrigo do mesmo, sem serem contrários às normas imperativas relativas ao exercício da advocacia.
Do Direito:
17. O Recorrente não se conforma com tal decisão judicial, que fez, com todo o respeito, errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, estando em causa questões com relevância jurídica, como adiante se vai demonstrar.
18. O Recorrente foi procurado pelo pai do A. e pelo A. e, nesse seguimento, propôs ao Recorrido colocar a sua experiência ao serviço dele para o ajudar a negociar os seus contratos desportivos no seu melhor interesse.
19. É num contexto de desinteresse flagrante do ... pelo seu percurso desportivo que o Recorrido procura ajuda para relançar a sua carreira.
20. O contrato celebrado entre as partes foi assinado pelas duas partes em 17 de novembro de 2011, e prolongou-se até 31 de agosto de 2012, e a sua duração foi assim estabelecida conscientemente para corresponder ao período do Mercado de Inverno até ao Mercado de Verão.
21. No âmbito das prestações de advogado mandatário desportivo, o R. utilizou a sua rede de contactos para contratar com agentes desportivos europeus, com vista a efetuarem prospeção por conta dele, no interesse do A. como seu cliente.
22. Durante todo o contrato, o R. permite que o A. crie uma expetativa em torno da sua transferência, noticiada por toda a imprensa internacional e portuguesa, de tal modo, que o A. e o seu pai constatando a abertura aos mercados europeus que o R. conseguiu para o A. nos primeiros meses do seu mandato, mostraram-se muito reconhecidos da ajuda significativa para a carreira do A..
23. Como se constata do caloroso email que o pai do A. enviou ao R. a 4 de janeiro de 2012 para lhe agradecer o seu trabalho onde diz claramente: "nós deveríamos ter-nos encontrado bem antes de todas as nossas preocupações do início de carreira do AA".
24. No que respeita a negociações com o ..., o R. foi o único interlocutor do diretor desportivo CC, que fala fluentemente o francês, durante toda a vigência das negociações para a renovação do contrato.
25. O A. e o seu pai entendiam-se muito mal com o direito desportivo do ..., o que esteve na origem das cedências temporárias sucessivas do jogador aos clubes de ... e da ....
26. O R. cumpriu a sua obrigação e obteve e negociou um contrato de renovação num montante total de 9 872 100,00 € para o A. em 4 de setembro de 2012.
27. Em conformidade com a cláusula 3 do contrato de mandatário desportivo, o montante total dos honorários devidos ao R. eleva-se a 10% dos montantes brutos obtidos e calculados sobre a soma de 9 872 100,00 €, reduzidos das somas não submetidas à álea, são 10% de 9 572 100,00 €, o que perfaz 957 210,00 € brutos.
28. O A. e o seu pai nunca fizeram saber ao R. que eles entendiam nada dever ao R. a título de honorários reclamados, o que demonstra bem o quanto eles estavam bem conscientes da legitimidade da reclamação do R..
29. O Recorrido violou e incumpriu as disposições do contrato de agenciamento desportivo, celebrado com o Recorrente, que é válido e eficaz entre as partes, à luz da lei francesa e, subsidiariamente, à luz da lei portuguesa.
30. O Recorrente considera ser aplicável a Lei francesa, pois o contrato foi celebrado entre as partes de acordo com a lei francesa.
31. O contrato celebrado entre o R. e o A. não é, portanto, nem um contrato de prestações clássicas de advogado, nem um contrato de agente desportivo.
32. Assim sendo, resulta com clareza da Lei de 28 de março de 2011 conjugada com as disposições do Código do Desporto que o advogado mandatário desportivo que represente um jogador com vista à conclusão de um contrato relativo ao exercício remunerado de uma atividade desportiva ou de treino, ou de um contrato de trabalho que tenha o mesmo objeto, a título de honorários por receber até 10% do contrato negociado, tendo sido neste enquadramento legal que o R. prestou os seus serviços ao A. que os recebeu e deles beneficiou.
33. No âmbito do contrato celebrado entre as partes, o R. cumpriu as prestações a que se obrigou, designadamente: as negociações sobre o contrato de renovação com o ...; as negociações e conclusão de contratos com agentes por ele mandatados por conta do cliente; as negociações sobre os contratos de transferência com clubes europeus interessados; as relações com a imprensa; as interpelações ao ... sobre os atrasos no pagamento do salário do cliente; e enquanto advogado de aconselhamento, as negociações de contratos atinentes à atividade desportiva do seu cliente.
34. A remuneração do mandatário é devida desde que os atos para os quais foi contratado se mostram concluídos em resultado das suas diligências e mesmo que o contrato seja concluído depois do fim do mandato, mas devido à ação do mandatário.
35. O contrato celebrado entre o A. e o R. é válido e os atos praticados pelo A. foram legais e legítimos e a remuneração que o R. reclama do A. é devida.
36. Não andou bem o Tribunal recorrido ao considerar que à luz do direito francês o contrato celebrado entre as partes enferma de várias ilegalidades e que consequentemente é nulo.
37. Sem prescindir, muito embora a legislação francesa não haja menção expressa ao instituto do abuso do direito, o certo é que a jurisprudência e a doutrina o reconhecem e o Recorrente entende que o Recorrido violou os princípios da boa fé de da confiança.
38. Sem prescindir, no que diz respeito à análise do presente caso através da aplicação da lei portuguesa, sempre se dirá que o contrato celebrado entre as partes inseriu-se no âmbito do princípio da liberdade contratual, plasmado no artigo 405° do C.C..
39. Por conseguinte, as partes celebraram entre si um contrato de prestação de serviços, que no caso, a assumiu a modalidade de mandato - artigo 1155° do C.C..
40. No caso concreto, o mandato é oneroso, pelo que a medida da retribuição decorre do ajuste entre as partes - artigo 1158°, n° 2 do C.C..
41. Ao caso não tem aplicação a Lei 28/98, de 26 de julho, alterada pela Lei 114/99, de 3 de agosto e pela Lei n° 73/2013, de 6 de setembro - Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo, com efeito, o R. não atuou como empresário desportivo.
42. Mas antes como mandatário desportivo, nos termos acima expostos, pelo que não se enquadra na definição do artigo 2o, d) do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo.
43. Os serviços prestados pelo R. ao A. não estão sujeitos ao disposto na Lei 145/2015, de 9 de setembro - Estatuto da Ordem dos Advogados, dado que, como se viu, o R. não atuou como advogado em sentido estrito.
44. Não constitui pacto de quota litis o acordo que consista na fixação prévia do montante dos honorários, ainda que em percentagem, em função do valor do assunto confiado ao advogado ou pelo qual, além de honorários calculados em função de outros critérios, se acordo numa majoração em função do resultado obtido.
45. Deverá o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ser revogado por outro que julgue válido e eficaz o contrato celebrado entre as partes e ainda que julgue válidos todos os atos praticados pelo aqui Recorrente, ao abrigo de tal contrato.
46. As disposições do contrato reportam-se sem margem para dúvidas à lei francesa, tanto assim que as partes atribuíram a regulação dos diferendos à jurisdição designada pela lei francesa - Cláusula 9 do contrato.
47. Na decisão a proferida devia o Tribunal recorrido ter acautelado o respeito pelo disposto no supra referido Regulamento Europeu 593/2008, denominado "Roma 1" e ainda o respeito pelo princípio da livre concorrência, consagrado no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
48. Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos nos Tratados, assistindo-lhes, nomeadamente, o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros - artigo 20°, n° 2.
49. O artigo 45° estipulou a livre circulação dos trabalhadores na União, que implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.
50. Com base no artigo 56°, as restrições à livre prestação de serviços na União serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado-Membro que não seja o do destinatário da prestação.
51. Devem ser respeitados os seguintes diplomas: Regulamento Europeu 593/2008, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, Regulamento (EU) n° 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Tratado da União Europeia, porque aplicáveis, à República Francesa e à República Portuguesa.
52. A decisão proferida pelo Tribunal recorrido, salvo o devido respeito, não respeita os diplomas comunitários supra citados e deverá ser substituída por outra que tenha em atenção os diplomas supra invocados.
53. O Tribunal recorrido ao declarar a nulidade do contrato celebrado entre A. e R., com data de 17.11.2011 e consequentemente ao considerar a nulidade dos atos praticados ao abrigo do mesmo, violou as normas comunitárias aplicáveis aos Estados-Membros da União Europeia.
54. Neste seguimento, sempre se dirá que estamos perante uma questão prejudicial que deverá ser submetida ao Tribunal de Justiça da União Europeia, para que seja proferida competente decisão prejudicial, nos termos dos artigos 93° e seguintes do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.
55. Devem as presentes alegações de recurso ser julgadas provadas e procedentes, com as legais consequências, e a ação ser julgada não provada e improcedente, com as legais consequências, designadamente, a absolvição do réu e sentença ora em crise ser revogada e substituída por outra nos termos supra referidos.
56. Sem prescindir, caso o supra exposto não mereça acolhimento, estando em causa uma questão prejudicial, de interpretação e aplicação de normas comunitárias, deverá esta ser submetida ao Tribunal de Justiça da União Europeia, para que seja proferida competente decisão prejudicial, nos termos dos artigos 93° e seguintes do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.
57. Ou, subsidiariamente e caso assim não se entenda, sempre se dirá que a questão prejudicial deverá ser submetida ao Tribunal de Recurso de Versalhes (Cour d'appel de Versailles), para que seja proferida competente decisão prejudicial. »
6. Contra-alegou o autor, pugnando, no final, pela não admissão do recurso de revista excecional, e, sendo-o, pela improcedência total do recurso e pela manutenção do acórdão recorrido, nos exatos termos em que decidiu.
8. Por acórdão de 24/03/2022, a Formação admitiu (com base nos fundamentos nele aduzidos) a revista excecional. Decisão essa que foi mantida pelo coletivo de juízes conselheiros que integram tal Formação, por acórdão de 05/05/2022, depois de o A. ter arguido a nulidade do mesmo (quer à luz do artº. 195º, nº. 1, quer à luz do artº. 615º, nº. 1 al. d) - fine- do CPC).
9. Cumpre-nos, assim, e agora, apreciar e decidir tal recurso.
A) De facto.
Pelas instâncias (vg. pelo tribunal ora recorrido) foram dados como provados os seguintes factos:
1. O Autor AA é um futebolista Português que esteve profissionalmente ligado ao ... e que tem sido regularmente convocado para a equipa A da seleção Nacional, nos seguintes termos:
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2. Durante o Verão/Outono do ano de 2011, o contrato que vigorava entre o Autor e o ..., que teve início a 01/07/2007, após a celebração de um contrato promessa datado de 12/05/2005, encontrava-se a menos de dois anos do termo que havia sido contratualmente estabelecido (termo fixado para 30.06.2013).
3. O Réu BB é advogado registado na Comarca de Paris, em ..., estando, desde 21/07/2011, inscrito na lista de “advogados/agentes desportivos”, criada em ..., na sequência da aprovação da lei francesa n.º 2011-331 de 28 de março de 2011, de modernização das profissões jurídicas e judiciárias de determinadas profissões regulamentadas.
4. Em outubro/novembro de 2011 o Réu deslocou-se ao P... e aí reuniu com os pais do A. com intenção de discutirem possíveis alternativas para os próximos passos na carreira do A. bem como eventuais contactos que o R. pudesse efetuar em seu nome e representação.
5. A 09/11/2011 o Réu remeteu ao pai do Autor a carta cuja cópia se encontra junta aos autos como doc. 6 da PI (fls. 50) pela qual refere: “A título prévio, queria agradecer-lhe uma vez mais a hospitalidade durante a minha breve estadia no P..., bem como da sua mulher e filho. Agradeço-lhe igualmente a confiança que queira, eventualmente, confiar-me relativamente ao desenvolvimento da carreira do AA. Na sequência das nossas várias conversas, agradecia que me enviasse o mais rapidamente possível:
- o conjunto de contratos que vinculam o AA ao seu clube, o ...,
- bem como a rescisão do seu contrato com o seu agente anterior.
Por outro lado, referimos vários clubes suscetíveis de interessar a AA no desenvolvimento da sua carreira.
Posso neste momento indicar-lhe que contactei os clubes indicados, a saber:
- B...,
- L...,
- R...,
- S....
No entanto, para garantir qualquer participação neste dossier, gostaria que tivéssemos um mínimo de compromisso por escrito mandatando-me oficialmente a continuar as conversações com esses clubes, para tudo assumir a forma devida.
Com efeito, a Federação Francesa do Futebol, bem como os dirigentes dos clubes em geral, preferem que o mandatário possa negociar em nome e por conta do jogador com toda a tranquilidade. Nestes termos, envio em anexo minuta de contrato de agenciamento habitualmente utilizo com os diferentes jogadores que represento. Por outro lado, tendo em conta as suas expectativas anteriores, poderíamos, para ficar mais tranquilo, limitar inicialmente este mandato até ao final do mercado de verão de 2012 (…)”
6. Com data de 17/11/2011 A. e R. acordaram nos termos constantes do documento n.º 7 junto com a PI, que aqui se dá por reproduzido e que denominaram de “contrato de agenciamento desportivo” e que foi redigido e assinado pelo R. em ... e posteriormente remetido ao A. que o assinou em Portugal.
7. Nos termos de tal acordo fixaram as partes que:
“Artigo 1 – Missão
De acordo com a lei de 28 de março e tendo em conta o Artigo L.222-7 do código do desporto, o cliente encarregou o Advogado de o:
- Aconselhar, representar e apoiar no âmbito do estudo, a redação e a negociação dos contratos na sua qualidade de atleta profissional, em todo o mundo, nomeadamente:
- contrato de transferência;
- contrato de direito à imagem;
- Contrato de trabalho,
- etc
- o advogado desenvolverá todas as diligências necessárias de acordo com o cliente. Exemplos: - assessoria e apoio; - procura; - Estudo de contratos; - correspondência variada; - diferentes contactos telefónicos; - diversas reuniões; - elaboração de contratos; - negociações.
- O Advogado informará regularmente o cliente sobre o andamento da missão que lhe é confiada.
Artigo 2 – Fixação dos honorários e duração da missão
Os honorários serão fixados de acordo com o art.º L.222-7 do código de desporto.
O presente contrato de agenciamento entrará em vigor após a assinatura dos presentes termos e expirará e, 31 de agosto de 2012.
Artigo 3 – honorários
De acordo com o artigo L.222-7 do Código do Desporto, os honorários corresponderão a 10% dos valores brutos negociados em cada contrato pelo Advogado para o tratamento do processo em execução da missão descrita supra.
Os honorários estão sujeitos a IVA à taxa de 19,6% (se aplicável).
Artigo 4 – Pagamento das faturas de despesas e honorários
As faturas relativas a despesas e honorários são devidas após a receção das mesmas. Na ausência de pagamento na data de vencimento, será igualmente devido o pagamento de juros de mora calculados a uma taxa igual a 1,5 vezes o montante dos juros legais a contar da data de vencimento mencionada na fatura, sem necessidade de qualquer notificação.
O advogado poderá solicitar o pagamento de uma provisão relativamente aos honorários.
Artigo 5 – custos, desembolsos e despesas
Os custos, desembolsos e despesas serão pagos sem demora pelo cliente, diretamente ao profissional que tenha faturado ou ao advogado que os tenha feito em nome do cliente.
Estes custos, desembolsos e despesas incluem, nomeadamente, mas de forma não exaustiva as despesas de deslocação, as taxas de justiça, as despesas com fotocópias…
Artigo 6 – conta final
Antes de qualquer pagamento definitivo, o Advogado deve enviar ao seu cliente uma nota de honorários detalhada.
Essa nota de honorários deve identificar claramente as despesas e desembolsos, os emolumentos e os honorários.
Esta nota de honorários deve mencionar os valores previamente recebidos a título de provisões ou sob qualquer outra forma.
Artigo 7 – Suspensão da Missão
Em caso de não pagamento das faturas de honorários e despesas, o Advogado reserva-se o direito de suspender a execução da sua missão, informando deste facto o seu cliente, chamando a sua atenção para as eventuais consequências desse facto.
Artigo 8 – Revogação
Na hipótese de o cliente pretender revogar o mandato do Advogado e transferir o seu processo para outro advogado, o cliente compromete-se a liquidar sem demora os honorários, as despesas, o reembolso e os custos, devidos ao advogado pelas diligências desenvolvidas antes da revogação do mandato.
Artigo 9 – Litígios
Qualquer litigio relativo ao montante e ao pagamento de honorários, encargos e despesas do advogado terá de ser apreciado, na falta de acordo entre as partes, através do recurso ao procedimento previsto nos artigos 174º e seguintes do Decreto n.º 91-1197 de 27 de novembro de 1991, que regula o exercício da profissão de advogado.
O Bastonário da ordem dos Advogados junto do Tribunal de Recurso de Paris pode ser chamado a decidir por qualquer das partes.
Fica expressamente acordado entre as partes que, em caso de litigio, o montante dos honorários, custos e despesas, calculados nos termos previstos no Contrato, e que são devidos ao Advogado, deve ser apresentado perante o Senhor Bastonário da Ordem dos advogados do Tribunal de Recurso de Paris requerendo uma decisão definitiva sobre a fixação dos honorários, despesas e custos”
8. As negociações com a direção do ... com vista à renovação do contrato de trabalho do Autor decorridas durante o verão de 2012, foram conduzidas em exclusivo pelo A. e pelo seu pai.
9. O S..., SAD e AA acordaram nos termos constante do doc. n.º 8 com a PI, que aqui se dá por reproduzido, que denominaram de “Contrato de trabalho desportivo” e dataram de 04/09/2012.
10. O acordo referido em 9 foi redigido em língua portuguesa e assinado em Lisboa não tendo contado com qualquer intervenção de agentes desportivos intermediários.
11. O Réu encontrava-se alheado das conversações pelo menos desde 01/08/2012, tendo sido o A. a informá-lo da celebração do referido contrato de renovação com o ..., o que fez em 06/09/2012.
12. O Réu não solicitou à Ordem dos Advogados em Portugal qualquer autorização para prestação de serviços profissionais de advocacia em Portugal. (doc. de fls. 210).
13. Com data de 13/01/2011 o Réu enviou email dirigido ao ..., cuja cópia se encontra junta como doc. 9 da PI e aqui se dá por reproduzido, no qual referiu “Estou a contactá-lo na qualidade de advogado do Sr. AA, que tem um contrato em vigor com o seu clube e que se encontra emprestado esta época ao clube ....
Gostaria de conversar consigo, de acordo com a sua disponibilidade, sobre o futuro do Sr. AA na sua qualidade de jogador profissional (…)”
14. Em 12 /04/2013 o ora Réu, BB apresentou ao bastonário da ordem dos advogados de Paris (... de P...) um pedido de fixação de honorários tendo por base o contrato celebrado com o Autor em 17.11.2011 e o subsequente contrato celebrado com o ... em 04.09.2012.
15. Por decisão datada de 12.12.2013 o ... de Paris proferiu a decisão cuja cópia traduzida consta como doc. 10 junto com a PI, a fls. 58 e ss. e aqui se dá por reproduzida e que “Declara o contrato assinado em 17 de novembro de 2011 válido em termos de princípio e aplicável. Consequentemente, Fixo no montante de 872 200 € (oitocentos e setenta e dois mil e duzentos euros) o valor dos honorários devidos ao Dr. DD pelo Senhor AA”.
16. Não se conformando com a decisão referida em 15, o Autor AA recorreu para o Court D’Appel de Paris, suscitando, entre outras questões, a inexistência jurídica/invalidade do contrato; a ilegalidade da suposta atuação do aqui Réu e dos serviços por este prestados em Portugal, por violação das normas Portuguesas aplicáveis; a circunstância de, também nos termos da diretiva do Conselho de 22/03 de ...49 CEE a um advogado Francês, prestador de serviços em Portugal, não poder ser reconhecido um mais amplo feixe de direitos que a um advogado português em idêntica situação.
17. Por decisão datada de ...14 o Tribunal de Recurso de Paris proferiu a decisão cuja cópia traduzida consta como doc. 11 junto com a PI, a fls. 64 v.º e ss. e aqui se dá por reproduzida e que decidiu que “Cabe às partes recorrer ao Tribunal competente com vista a declarar nulo o contrato de agenciamento desportivo celebrado entre AA e BB. Declaramos que se o agenciamento for declarado nulo, não há lugar à fixação e honorários.
Declaramos que se o agenciamento for reconhecido como válido, o montante dos honorários devido a BB por AA em cumprimento do contrato de agenciamento desportivo de 17 de novembro de 2011 é fixado em 350 000 €, sendo devido o valor restante, após o acerto de contas, um total de 299 588 €”.
18. Da decisão referida em 17, o ora Réu, BB recorreu para o “Court de Cassation”, o qual, por decisão datada de 14/01/2016 cuja cópia traduzida consta como doc. 12 junto com a PI, a fls. 69 e ss. e aqui se dá por reproduzida e que decidiu que “Revoga e anula, exceto na parte em que declara que as partes deverão recorrer para o Tribunal competente o pedido que visa declarar nulo o agenciamento desportivo celebrado entre o Sr. AA e o Dr. DD, a decisão proferida em 28 de outubro de 2014, entre as partes, pelo primeiro presidente do Tribunal de Recurso de Paris; remete, por conseguinte, exceto quanto a este ponto, o processo e as partes para o estado em que se encontravam antes da decisão, e para que se cumpra o direito aplicável, remete o processo para o primeiro Presidente do Tribunal de Recurso de Versalhes;”
19. Na sequência da decisão referida em 18, por decisão de 16 de novembro de 2016 o Court D’Appel de Versailles, proferiu decisão cuja cópia traduzida consta como doc. 13 junto com a PI, a fls. 75 e que aqui se dá por reproduzida e que decidiu pela suspensão do processo naquele tribunal.
20. O ora Réu BB instaurou, em 01/10/2015, nova ação no Tribunal de Grande Instance de Paris requerendo a condenação de AA a pagar os honorários que lhe são devidos com vista à execução da sentença proferida em 28/10/2014, pelo primeiro presidente do tribunal de recurso de Paris, que mereceu a decisão datada de 03/08/2016 cuja cópia traduzida consta como doc. 14 da PI, a fls. 77 v.º e ss. e aqui se dá por reproduzida e que “Declara a incompetência do Tribunal de Grande Instância de Paris em favor dos Tribunais Portugueses para conhecer do litigio sobre a validade do contrato de agenciamento desportivo celebrado em 17 de novembro de 2011 entre o Sr. AA, agenciado e o Sr. BB, agente”
21. Desta decisão recorreu BB para o Tribunal de Recurso de paris (Court d’Appel de Paris) que, por decisão datada de 24/10/2017, cuja cópia traduzida consta como doc. 15 da PI, a fls. 81 e ss e se dá por reproduzida, decidiu “Confirmar o despacho do Juiz de Instrução do Tribunal de Grande Instância e Paris de e de agosto de 2016”
22. Desta decisão recorreu, novamente, BB para o Tribunal de Cassação (court de cassation) que, por decisão de 30/01/2019 rejeitou o recurso.
23. Na Federação Francesa de Futebol não consta qualquer registo relacionado com a situação contratual do A. (doc. 20 da PI).
24. A Federação Portuguesa de Futebol não tem qualquer registo referente a empresário desportivo com o nome BB em particular no período de julho de 2011 a setembro de 2012. (doc. de fls. 211)
25. O R. propôs ao A. colocar a sua experiência ao serviço dele para o ajudar a negociar os seus contratos desportivos no seu melhor interesse.
Factos dados como não provados
a) O R. aconselhou o A. na negociação, redação e conclusão dos contratos com a ..., com a ..., com a Eurosports Assur e com o sindicato ....
b) O R. utilizou a sua rede de contactos para contratar com agentes desportivos europeus, com vista a efetuarem prospeção por conta dele, no interesse do A. como seu cliente.
c) No que respeita a negociação com o ... o Réu foi o Único interlocutor do diretor desportivo CC, durante toda a vigência das negociações para a renovação do contrato.
d) O R. desenvolveu negociações com os clubes ... (...), ..., ... e ....
e) O Reu contactou a R..., onde prestavam serviços EE e FF, por serem seus representantes na Grã-Bretanha.
f) O Réu negociou uma eventual transferência do A. para a Grã-Bretanha, em particular para o ..., clube que interessa seriamente ao jogador.
g) As imprensas estrangeiras e portuguesas fizeram eco das negociações desenvolvidas pelo Réu, por conta do A.
h) O Pai do A. pede ao R. para conduzir as relações com os jornalistas e os media.
i) Os jornalistas franceses ou estrangeiros contactam com frequência o R. para se inteirarem do avanço das negociações e o futuro do A.
j) Em agosto de 2012 graças ao trabalho e à rede de contactos do R. as negociações com o ... aceleraram para a sua concretização.
k) A 10 de Agosto de 2012 o salário proposto pelo ... elevou-se a um milhão de euros líquidos por ano, e o A. decide ficar no ....
1. Do objeto do recurso.
1.1 Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se afere, fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635.º, n.º 4, 639º, nº. 1, e 608.º, nº. 2, e 679.º do CPC).
Por fim, vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” a que se reporta o citado art. 608.º, e de que o tribunal deve conhecer, não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes.
Ora, calcorreando as conclusões das alegações de recurso, as questões nelas colocadas são as seguintes:
a) Da impugnação/alteração da decisão sobre a matéria de facto, com fundamento no disposto no artigo 674.º, n.º 3, do CPC, atendendo à existência de documentos juntos aos autos que fazem prova plena dos factos que integram a matéria de facto dada como não provada nos pontos a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), k), devendo ainda considerar-se como não provada a matéria constante dos pontos 8., 10. e 11;
b) Da determinação da lei aplicável ao contrato celebrado entre as partes de acordo com o disposto no Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I);
c) Da qualificação jurídica do contrato e respetiva validade à luz da lei francesa e, subsidiariamente, à luz da lei portuguesa.
d) Do cumprimento pelo réu das obrigações para si decorrentes do contrato de agenciamento desportivo celebrado com o autor;
e) Do direito do réu aos honorários previstos no contrato pela prestação dos serviços acordados;
f) Do incumprimento pelo autor das disposições do mesmo contrato no que respeita à obrigação de pagamento dos honorários nele previstos;
g) Do abuso de direito do autor, por violação dos princípios da boa fé e da confiança;
h) Da violação pelo acórdão recorrido do direito comunitário (vg. do princípio da livre concorrência, do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros da UE e da proibição de toda e qualquer discriminação, em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho, nos termos consagrados no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e no Regulamento n.º 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho de 5 de abril de 2011 relativo à livre circulação dos trabalhadores na União;
i) Da necessidade de submissão de questão jurisprudencial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ou, subsidiariamente, ao Tribunal de Recurso de Versalhes (Cour d'appel de Versailles).
No que respeita às questões indicadas nas alíneas a), d), e) e f), estando esse objeto de recurso coberto pela dupla conforme, o acórdão da Formação que admitiu a revista excecional não incluiu essas matérias no objeto do recurso a ser apreciado pelo STJ.
Segundo o acórdão da Formação, a revista excecional foi admitida com base na al. a) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, assentando as questões com relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito, em “saber se o contrato celebrado entre as partes é válido, sendo que no caso trazido a Juízo está em causa um contrato qualificado de agenciamento desportivo, de âmbito internacional, a par de que importa saber qual a lei aplicável, lei francesa ou lei portuguesa, enquanto dois estados-membros distintos que integram a União Europeia, outrossim, da aplicabilidade ao caso de diversos regulamentos internacionais, designadamente, os regulamentos da FIFA, como o "Regulations Player's Agents".”
A Formação considerou que estas questões “envolvem uma temática que justifica a excecionalidade da revista e o acesso ao terceiro grau de jurisdição, por forma a reforçar a segurança e a certeza na aplicação do direito, na medida em que, não só encerram complexidade bastante, e de atualidade indiscutível, condizente à atividade de mediação, na modalidade de agente de jogadores, sustentado em contrato outorgado pelas partes, em dois estados-membros distintos que integram a União Europeia, mas também impõe à respetiva subsunção jurídica um detalhado exercício de exegese, importando saber, desde logo a qualificação do contrato outorgado e lei nacional aplicável em conjugação com diversos regulamentos internacionais, designadamente, os regulamentos da FIFA, donde, o que vier a ser decidido no caso concreto é suscetível de interferir no modo como as Instâncias apreciarão outros casos semelhantes.
A propósito da circunscrição do objeto do recurso de revista quando a mesma foi admitida por via excecional, tem havido alguma discrepância na jurisprudência deste Supremo Tribunal.
No acórdão de 11-04-2019 (Revista n.º 622/08.1TVPRT.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt), defendeu-se a este propósito que “nos casos de admissão excepcional da revista, os poderes cognitivos da conferência julgadora circunscrevem-se às questões suscitadas no recurso relativamente às quais foi, em antecedente acórdão da formação de apreciação preliminar, decidido que se verificavam um ou alguns dos pressupostos específicos que, para aquele efeito, são enunciados no n.º 1 do artigo 672.º do Cód. Proc. Civil. É que, se assim não fosse, afrontar-se-ia o cariz restritivo da admissibilidade da revista subjacente à instituição da dupla conforme contornar-se-ia o respectivo regime legal. Consequentemente, o objecto do recurso, assim delimitado, não abarca quaisquer outras questões que, cumulativa e paralelamente, hajam sido enunciadas na revista”.
Em idêntico sentido, vejam-se ainda os acórdãos de 19-06-2019 (proc. n.º 2100/11.2T2AGD-A.P2.S2,), de 11-07-2019 (proc. n.º 739/13.0TVLSB.L1.S2), e de 24-10-2019 (proc. n.º 17322/17.4T8LSB.L1.S2,), disponíveis em www.dgsi.pt.
Porém, em sentido contrário, veja-se o acórdão proferido em 24-03-2017 (proc. n.º 85/11.4TBSRT.C1.S1, , disponível em www.dgsi.pt), no qual se defendeu que “admitido o recurso de revista excepcional – que só é excepcional quanto à admissibilidade, em caso de dupla conforme – cabe, então, ao STJ apreciar o recurso como qualquer recurso de revista”, defendendo que o respetivo objeto se delimita pelas conclusões das respetivas alegações.
Nesse sentido se pronunciou também o acórdão de 14-03-2019 (proc. incidente n.º 433/11.7TVPRT.P1.S2,) em cujo sumário se pode ler que “o acórdão da Formação, proferido no âmbito da al. a) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, não pode nunca alterar e definir o objecto da decisão do STJ, sendo as questões colocadas e que o tribunal deve decidir, nos termos dos arts. 663.º, n.º 2, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, as definidas nas conclusões da alegação do recorrente. O art. 674.º do CPC prevê expressamente qual o objecto dos recursos de revista e nele não estão contidas quaisquer limitações para tal objecto, nele não se prevendo que, admitido o recurso como revista normal ou excepcional, o Supremo esteja limitado ou impedido de conhecer de qualquer questão.”
Desse modo, perante a controvérsia neste Supremo sobre a aludida problemática (da qual não deflui uma corrente claramente mais dominante a sobrepor-se à outra), decide-se conhecer das sobreditas questões colocadas nas conclusões de recurso, sem prejuízo do conhecimento de alguma delas poder vir a ficar prejudicado pela solução que vier a ser dada a outras.
Assim:
2. Da impugnação/alteração da decisão da matéria de facto.
Pugna o recorrente, com base nos documentos que indica nas suas alegações de recurso (e que entende fazerem prova plena sobre os mesmos) que os factos dados como provados pelas instâncias sob as alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), j) e k) devem ser dados como provados, e que, de acordo com a mesma prova documental, os factos dados como provados sob os pontos 8., 10. e 11. devem ser dados como não provados.
Pelo que, segundo o recorrente, deverá o STJ reapreciar a impugnação da matéria de facto supra descrita, concluindo por uma decisão diversa da proferida, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 674.º do CPC.
A Relação não apreciou a impugnação da matéria de facto sobre os referidos pontos indicados pelo aqui recorrente no seu recurso de apelação por ter considerado tal factualidade irrelevante/inócua para a decisão da causa. Defendeu a Relação que “pela análise dos factos (provados e não provados) que o apelante pretende ver reapreciados (v.g., se prestou os serviços a que se vinculou, ou que por força dos seus serviços, o ... celebrou novo contrato de trabalho com o autor), são irrelevantes para saber qual a lei aplicável ao caso e, se é válido o contrato celebrado em 17-11-2011, entre as partes.”
Pois, “não está em causa, nesta ação, saber se o apelante/réu prestou os serviços a que se vinculou, ou que por força dos seus serviços, o ... celebrou novo contrato de trabalho com o apelado/autor, pois tal questão não foi colocada à discussão neste tribunal. Deste modo, qualquer que seja a decisão a proferir sobre a matéria de facto que o apelante pretende ver reapreciada, será irrelevante para decisão da causa, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito". São, por isso, inócuos os factos pretendidos que sejam reapreciados, pois mesmo sendo procedente tal alteração, não se pode concluir pela procedência do direito invocado, como pretende o apelante”.
Concluiu-se, depois, no acórdão recorrido que “sendo os factos irrelevantes para a decisão, torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, mesmo que se modifique a matéria de facto, sempre os factos que se considerassem provados ou não provados, seriam juridicamente irrelevantes/inócuos. (…) Concluindo-se que a reapreciação redunda em ato inútil, não deve a mesma ter lugar.”
Apreciemos.
Como é sabido, e como ressalta do preceituado no art. 674.º, nº. 3, do CPC (em conjugação ainda com o art. 682.º desse mesmo diploma), o STJ, como regra, apenas conhece de matéria de direito, carecendo, por isso, de competência para apreciar a matéria de facto, a não ser que haja ofensa de disposição legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Donde se extrai, em primeiro lugar, e naquilo que para aqui importa e suscita discussão, que nunca poderá o STJ substituir-se à Relação e modificar a decisão sobre a matéria de facto nos termos pretendidos pelo recorrente. Pois caso se venha a entender que a Relação deveria ter apreciado essa parte do recurso de apelação interposto pelo réu, à luz do disposto no art. 679.º do CPC que exceciona a aplicação do art. 665.º ao recurso de revista, os autos deverão baixar à Relação para apreciação desta questão cujo conhecimento a Relação considerou inútil.
Com efeito, enquanto a Relação, nos termos do disposto no nº. 2 do art. 665.º do CPC, deve conhecer das questões que a 1.ª instância considerou prejudicadas sempre que disponha dos elementos necessários, já o STJ não se pode substituir à Relação – uma vez que aquela norma não é aplicável à revista, à luz do disposto no artigo 679.º do CPC. (Nesse sentido, cfr., entre outros, Acs. do STJ de 02-06-2020, Revista n.º 1944/17.6T8FAR.E1.S1, de 02-06-2020, Revista n.º 806/17.1T8FAR.E1.S1, de 04-02-2021, Revista n.º 2829/17.1T8ACB-A.C1.S1, e de 06-04-2021, Revista n.º 1116/18.2T8PRT.P1.S1, disponíveis em dgsi.pt).
Porém, no caso dos autos julgamos que não merece qualquer reparo a decisão contida no acórdão recorrido.
Ainda que o aqui recorrente tenha cumprido o ónus de alegação/especificação previsto no art. 640.º do CPC, quanto à impugnação da matéria de facto, nada impede a Relação de considerar que a factualidade sobre a qual incide essa impugnação é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por a mesma se tratar de ato inútil. Nesse sentido tem decidido a jurisprudência do STJ de que é exemplo o Acórdão de 30-06-2020 (Revista n.º 4420/18.6T8GMR-B.G2.S1, cujo respetivo texto integral encontra-se publicado no ECLI no seguintelink:https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:4420.18.6T8GMR.B.G2) em cujo sumário se pode ler que “Não viola o dever de reapreciação da matéria de facto a decisão do Tribunal da Relação que não conheceu a matéria fáctica que o Apelante pretendia que fosse aditada ao factualismo provado (factos complementares e concretizadores de factos essenciais) tendo subjacente a sua irrelevância para o conhecimento do mérito da causa (por a mesma, por si só, na ausência de demonstração de factualidade essencial para o efeito, não poder alterar o sentido da decisão, ou seja, afastar a qualificação da insolvência como culposa)”. Conforme também foi decidido no acórdão do STJ de 14-03-2019 (Revista n.º 8765/16.1T8LSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt), “se os factos cujo julgamento é impugnado não forem susceptíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância.”. (No mesmo sentido apontam ainda, entre outros, os Acs. deste Supremo Tribunal de 05-02-2020, Revista n.º 4821/16.4T8LSB.L1.S2, de 28-01-2020, Revista n.º 287/11.3TYVNG-G.P1.S1, de 14-01-2020, Revista n.º 154/17.7T8VRL.G1.S2, e de 13-07-2017, Revista n.º 442/15.7T8PVZ.P1.S1, disponíveis em dgsi.pt).
Tendo em conta o que se acabou de expor, e reportando ao caso concreto dos autos, verificamos que sob os pontos 8. a 11., foram considerados provados os seguintes factos:
“8. As negociações com a direcção do ... com vista à renovação do contrato de trabalho do Autor decorridas durante o verão de 2012, foram conduzidas em exclusivo pelo A. e pelo seu pai.
9. O S..., SAD e AA acordaram nos termos constante do doc. n.º 8 com a PI, que aqui se dá por reproduzido, que denominaram de “Contrato de trabalho desportivo” e dataram de 04/09/2012.
10. O acordo referido em 9 foi redigido em língua portuguesa e assinado em Lisboa não tendo contado com qualquer intervenção de agentes desportivos intermediários.
11. O Réu encontrava-se alheado das conversações pelo menos desde 01/08/2012, tendo sido o A. a informá-lo da celebração do referido contrato de renovação com o ..., o que fez em 06/09/2012.”
Por sua vez, nas alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), k), dos factos não provados consta o seguinte:
“a) O R. aconselhou o A. na negociação, redacção e conclusão dos contratos com a ..., com a ..., com a Eurosports Assur e com o sindicato ....
b) O R. utilizou a sua rede de contactos para contratar com agentes desportivos europeus, com vista a efectuarem prospecção por conta dele, no interesse do A. como seu cliente.
c) No que respeita a negociação com o ... o Réu foi o único interlocutor do director desportivo CC, durante toda a vigência das negociações para a renovação do contrato.
d) O R. desenvolveu negociações com os clubes ... (...), ..., ... e ....
e) O Reu contactou a R..., onde prestavam serviços EE e FF, por serem seus representantes na Grã-Bretanha.
f) O Réu negociou uma eventual transferência do A. para a Grã-Bretanha, em particular para o ..., clube que interessa seriamente ao jogador.
g) As imprensas estrangeiras e portuguesas fizeram eco das negociações desenvolvidas pelo Réu, por conta do A.
h) O Pai do A. pede ao R. para conduzir as relações com os jornalistas e os media.
i) Os jornalistas franceses ou estrangeiros contactam com frequência o R. para se inteirarem do avanço das negociações e o futuro do A.
j) Em Agosto de 2012 graças ao trabalho e à rede de contactos do R. as negociações com o ... aceleraram para a sua concretização.
k) A 10 de Agosto de 2012 o salário proposto pelo ... elevou-se a um milhão de euros líquidos por ano, e o A. decide ficar no ....”
Os factos 8., 10. e 11. dizem respeito às negociações e posterior celebração de acordo de renovação do contrato de trabalho desportivo entre o aqui autor e o clube .... Por sua vez, os factos não provados acima indicados dizem respeito aos serviços que o réu alega ter prestado no âmbito do contrato que celebrou com o autor.
Nos presentes autos, atendendo ao pedido formulado pelo autor e à reconvenção deduzida pelo réu, o que está em causa (para além da lei que lhe é aplicável) é a apreciação da validade do contrato celebrado entre as partes, pelo que assiste razão ao tribunal recorrido quando sustenta que “não está em causa, nesta ação, saber se o apelante/réu prestou os serviços a que se vinculou, ou que por força dos seus serviços, o ... celebrou novo contrato de trabalho com o apelado/autor, pois tal questão não foi colocada à discussão neste tribunal.”
Com efeito, como consta no acórdão recorrido, “saber, v.g., se as negociações com a direção do ... com vista à renovação do contrato de trabalho do Autor decorridas durante o verão de 2012, foram conduzidas em exclusivo pelo A. e pelo seu pai; se o contrato de trabalho desportivo foi redigido em língua portuguesa e assinado em Lisboa não tendo contado com qualquer intervenção de agentes desportivos intermediários; se o réu se encontrava alheado das conversações pelo menos desde 01/08/2012, tendo sido o A. a informá-lo da celebração do referido contrato de renovação com o ..., o que fez em 06/09/2012; se o réu aconselhou o A. na negociação, redação e conclusão dos contratos com a ..., com a ..., com a Eurosports Assur e com o sindicato ...; se no que respeita a negociação com o ..., o Réu foi o único interlocutor do diretor desportivo CC, durante toda a vigência das negociações para a renovação do contrato; em agosto de 2012 graças ao trabalho e à rede de contactos do R. as negociações com o ... aceleraram para a sua concretização e, a 10 de agosto de 2012 o salário proposto pelo ... elevou-se a um milhão de euros líquidos por ano, e o A. decide ficar no ...”, são factos irrelevantes e inócuos para se saber qual a lei aplicável e se é válido o contrato celebrado entre autor e réu, em 17-11-2011.
Assim, - e independentemente sequer de saber se os aludidos factos se encontrem ou não provados por prova documental com força probatória plena - não merece, a nosso ver, qualquer reparo o acórdão recorrido na parte em que considerou serem os factos alegados pelo recorrente irrelevantes para a decisão, tornando-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto indicada pelo recorrente, pois que mesmo que esta se modificasse, sempre os factos que se considerassem provados ou não provados, seriam juridicamente irrelevantes/inócuos.
3. Da determinação da lei aplicável ao contrato celebrado entre partes de acordo com o disposto no Regulamento 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008, denominado “Roma 1”.
O recorrente considera ser aplicável ao caso dos autos a Lei francesa dado que o contrato foi celebrado entre as partes de acordo com essa Lei. Alega o recorrente que “as disposições do contrato reportam-se sem margem para dúvidas à lei francesa, tanto assim que as partes atribuíram a regulação dos diferendos à jurisdição designada pela lei francesa - Cláusula 9 do contrato.”
Mais diz o recorrente que “na decisão proferida devia o Tribunal recorrido ter acautelado o respeito pelo disposto no supra referido Regulamento Europeu 593/2008, denominado “Roma 1”.
Esta última afirmação do recorrente contida nas conclusões do seu recurso carece, salvo o devido respeito, em absoluto de sentido pois a Relação subscreveu o entendimento perfilhado pela 1.ª instância de que é aplicável a lei francesa, ao abrigo do disposto no Regulamento 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008, denominado “Roma 1”, pelo que acolheu, nesta parte, totalmente a posição defendida pelo aqui recorrente. O facto de no acórdão recorrido ter sido considerado que o contrato celebrado entre as partes é nulo tanto à luz do direito francês, como do direito português, consiste num mero reforço da argumentação referente ao objeto do litígio, sem que a alusão ao direito nacional signifique que não foi considerada aplicável a lei francesa.
Como bem se entendeu na sentença de 1.ª instância, está em causa um contrato plurilocalizado, i.e., conexionado com mais de uma ordem estadual, a saber a ordem jurídica portuguesa (onde residia habitualmente o autor, onde o mesmo assinou o contrato que é objeto dos autos e onde este desempenhava a sua atividade profissional naquela data) e a ordem jurídica francesa (país onde reside habitualmente o réu, onde este também assinou o contrato que é objeto dos autos e onde o mesmo presta a sua atividade profissional).
Sendo assim, e uma vez que Portugal e França são Estados Membros da UE, é aplicável o regime previsto no Regulamento 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais em matéria civil e comercial que impliquem um conflito de leis, não se integrando a situação dos autos em nenhuma das exclusões previstas no n.º 2 do art. 1.º desse Regulamento.
De acordo com o disposto 3.º, n.º 1, deste Regulamento: “O contrato rege-se pela lei escolhida pelas partes. A escolha deve ser expressa ou resultar de forma clara das disposições do contrato, ou das circunstâncias do caso. Mediante a sua escolha, as partes podem designar a lei aplicável à totalidade ou apenas a parte do contrato.”
Por sua vez, estando em causa na presente ação a apreciação da validade substancial do contrato celebrado entre as partes, dispõe o art. 10.º, n.º 1, do mesmo diploma que “a existência e a validade substancial do contrato ou de alguma das suas disposições são reguladas pela lei que seria aplicável, por força do presente regulamento, se o contrato ou a disposição fossem válidos.”
No caso concreto dos autos, as partes não convencionaram expressamente no texto do acordo qual a lei aplicável, mas, atento o respetivo conteúdo do contrato, é, inolvidavelmente, possível concluir que as mesmas pretenderam submeter ao direito francês a relação contratual emergente do mesmo.
Efetivamente, como foi salientado pela 1.ª instância, o contrato foi redigido em francês; a obrigação das partes (missão e honorários) estão definidas, expressamente, por remissão para o artigo L.222-7 do Código do Desporto Francês e as partes acordaram que em caso de litigio relativo ao montante a ao pagamento dos honorários, custos e despesas, o mesmo será apreciado através do recurso ao procedimento previsto nos art.º 174º e ss. do DL 91-1197 de 27/11/1991, que regula o exercício da profissão de advogado em França. Importa ainda realçar que as únicas normas jurídicas invocadas no texto do contrato pertencem à ordem jurídica francesa, não constando qualquer referência à lei portuguesa.
Assim, entendemos que resulta de forma clara das disposições do contrato que as partes escolheram a lei francesa como reguladora da relação contratual sub judice.
Ainda que, porventura, se considere que não houve escolha pelas partes da lei aplicável, também o critério supletivo previsto no referido Regulamento 593/2008 aponta para a aplicação da lei francesa. Na verdade, dispõe o art. 4.º, n.º 1 al. b), do Regulamento que “na falta de escolha nos termos do artigo 3.º e sem prejuízo dos artigos 5.º a 8.º, a lei aplicável aos contratos é determinada do seguinte modo: (…) b) O contrato de prestação de serviços é regulado pela lei do país em que o prestador de serviços tem a sua residência habitual”.
Desso modo, e independentemente da concreta qualificação do contrato que é objeto dos autos, não há dúvidas que, através do mesmo, o aqui réu se comprometeu a prestar serviços ao autor, e tendo o réu a sua residência habitual em ..., afigura-se-nos ser claro ser-lhe aplicável a lei desse país, ou seja, a lei francesa.
O recorrente faz ainda uma breve alusão nas suas alegações à aplicação ao caso dos autos dos regulamentos da FIFA (Fédération Internationale de Football Association), como o “Regulations Player's Agents”, que constitui um regulamento adotado pelo Comité Executivo da FIFA em 29-10-2007 e que entrou em vigor em 01-01-2008, sendo por isso aplicável ao caso dos autos (art. 40.º, n.º 1, desse diploma) - O respetivo texto integral, na língua inglesa, encontra-se disponível no site da FIFA no seguinte link: https://digitalhub.fifa.com/m/55265731de7f7a4d/original/dd0mfjdou4afywmoukou-pdf.pdf. Este Regulamento foi substituído por um outro denominado “Regulations on Working with Intermediaries” (o respetivo texto integral, na língua inglesa, encontra-se também disponível no site da FIFA naquele link), adotado pelo Comité Executivo da FIFA em 21-03-2014, que entrou em vigor em 01-04-2015, ou seja, em data posterior aos factos que são objeto desta ação, não sendo por isso aplicável.
Porém, como supra deixámos referido, ao presente caso é aplicável a lei francesa. Desse modo, independente de saber se o ordenamento jurídico francês atribui ou não relevância aos regulamentos emitidos pela FIFA no que concerne à regulação da atividade dos agentes e mandatários de jogadores de futebol, para o caso dos autos o teor do “Regulations Player's Agents” não releva, uma vez que o mesmo, nesta matéria, não derroga o regime legal consagrado em cada país. (Refira-se, a tal propósito, que a lei portuguesa, no art.º 25.º da Lei n.º 28/98 de 26-06 - Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva -, em vigor na data de celebração do contrato que é objeto dos autos e entretanto revogada pela Lei n.º 54/2017 de 14-07, no que respeita às limitações ao exercício da atividade de empresário desportivo, atribui relevo não apenas a regulamentos nacionais, mas também a regulamentos internacionais, estabelecidos por federações desportivas, como é o exemplo da FIFA. Sobre os Regulamentos da FIFA constituírem em Portugal fonte de direito, veja-se o acórdão do STJ de 01-10-2019, Revista n.º 385/18.2T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, citando um outro aresto do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-10-2008, processo nº. 7929/2008-7, igualmente disponível em www.dgsi.pt).
Na data da celebração do contrato sub júdice, este Regulamento da FIFA regulava a atividade dos agentes desportivos que apresentam jogadores a clubes com a finalidade de negociar ou renegociar um contrato de trabalho desportivo ou apresentam dois clubes entre si tendo em vista a celebração de um acordo de transferência - art. 1.º, n.º 1, deste Regulamento (“These regulations govern the occupation of players’ agents who introduce players to clubs with a view to negotiating or renegotiating an employment contract or introduce two clubs to one another with a view to concluding a transfer agreement within one association or from one association to another.”). Traduzindo, (“Esses regulamentos regem a ocupação de agentes de jogadores que introduzem jogadores aos clubes com o objetivo de negociar ou renegociar um contrato de trabalho ou introduzir dois clubes um ao outro com o objetivo de concluir um acordo de transferência dentro de uma associação ou de uma associação para outra. ").
Nos termos do n.º 1 do art. 2.º do mesmo Regulamento, a autorização do exercício de atividade de agente de jogadores, não isenta o agente da sua obrigação de cumprir as leis aplicáveis no território da associação, em particular as relativas à colocação profissional (“In authorising the activity of players’ agents, these regulations do not release a players’ agent from his obligation to comply with the laws applicable in the territory of the association, in particular those relating to job placement”). Tradução, “Esses regulamentos regem a ocupação de agentes de jogadores que introduzem jogadores aos clubes com o objetivo de negociar ou renegociar um contrato de trabalho ou introduzir dois clubes um ao outro com o objetivo de concluir um acordo de transferência dentro de uma associação ou de uma associação para outra. ").
No que concerne à profissão de advogado, segundo o art. 4º, nº. 2, do “Regulations Player’s Agents”, o advogado legalmente autorizado a exercer a sua profissão de acordo com as normas em vigor no seu país de domicílio pode representar um jogador ou um clube na negociação de uma transferência ou contrato de trabalho (“A legally authorised practising lawyer in compliance with the rules in force in his country of domicile may represent a player or a club in the negotiation of a transfer or employment contract”, tradução, “Ao autorizar a atividade dos agentes dos jogadores, esses regulamentos não liberam o agente de um jogador de sua obrigação de cumprir as leis aplicáveis no território da associação, em particular as relativas à colocação do trabalho"), prevendo o n.º 3 do mesmo artigo que a atividade dos advogados não está sob a jurisdição da FIFA (“The activity of such exempt individuals does not fall under the jurisdiction of FIFA”, tradução ““A atividade de tais indivíduos isentos não se enquadra na jurisdição da FIFA”)
Do acima exposto, decorre claramente que o Regulamento da FIFA acima citado remete para o teor da legislação estadual aplicável, o que, no caso dos autos, corresponde à lei francesa, país onde o réu tem a sua residência habitual.
Concluindo-se pela aplicação da lei francesa ao caso dos autos, nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 1 do C. Civil, importa proceder à interpretação da lei estrangeira dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas. Como se defendeu no acórdão do STJ de 26-02-2015 (Revista n.º 693/10.0TVPRT.C1.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), esta disposição legal “impõe que se faça apelo à jurisprudência e doutrina dominantes no país de origem, que se tenha, como ponto de partida, a correcção da interpretação usual no Estado estrangeiro e que se actue com sensatez e prudência, de modo a colmatar a inerente menor familiarização com a lei estrangeira, só devendo tal interpretação ser afastada quando puder ser tida como inexacta.”
Atendendo a estas premissas, importa apreciar os preceitos relevantes da lei francesa.
O recorrente alega que o contrato de agenciamento desportivo celebrado entre as partes não é “nem um contrato de prestações clássicas de advogado, nem um contrato de agente desportivo”, mas sim um contrato de “advogado mandatário desportivo” (“avocat mandataire sportif”) regulado, entre outras, pela Lei n.º 2011-331 de 28 de março de 2011, que visou a modernização das profissões judiciárias ou jurídicas e certas profissões regulamentadas, que abriu aos advogados a possibilidade de serem mandatários desportivos.
Alega o recorrente que “resulta com clareza da Lei de 28 de março de 2011 conjugada com as disposições do Código do Desporto que o advogado mandatário desportivo que represente um jogador com vista à conclusão de um contrato relativo ao exercício remunerado de uma atividade desportiva ou de treino, ou de um contrato de trabalho que tenha o mesmo objeto, a título de honorários pode receber até 10% do contrato negociado, tendo sido neste enquadramento legal que o R. prestou os seus serviços ao A. que os recebeu e deles beneficiou.”
Mais refere o recorrente que é advogado e está inscrito no Barreau de Paris como “advogado mandatário desportivo desde 21 de julho de 2011”, factos que resultaram provados pelas instâncias.
De acordo com o disposto no artigo L222-7 do Código do Desporto Francês, na redação introduzida pela Lei n.º 2010-626 de 09-06-2010:
“L'activité consistant à mettre en rapport, contre rémunération, les parties intéressées à la conclusion d'un contrat soit relatif à l'exercice rémunéré d'une activité sportive ou d'entraînement, soit qui prévoit la conclusion d'un contrat de travail ayant pour objet l'exercice rémunéré d'une activité sportive ou d'entraînement ne peut être exercée que par une personne physique détentrice d'une licence d'agent sportif.
La licence est délivrée, suspendue et retirée, selon la discipline concernée, par la fédération délégataire compétente. Celle-ci contrôle annuellement l'activité des agents sportifs.
Chaque fédération délégataire compétente publie la liste des agents sportifs autorisés à exercer dans sa discipline ainsi que les sanctions prononcées en application de l'article L. 222-19 à l'encontre des agents, des licenciés et des associations et sociétés affiliées.”
Tradução
“A atividade de vinculação, para remuneração, às partes interessadas na celebração de um contrato relativo ao exercício remunerado de uma atividade esportiva ou de treinamento ou que prevê a celebração de um contrato de trabalho tendo como objeto o exercício remunerado de uma atividade esportiva ou de treinamento pode ser realizado apenas por pessoa física que possua carteira de trabalho. A licença será emitida, suspensa e retirada, dependendo da disciplina em causa, pela federação delegada competente. Este último monitora anualmente a atividade dos agentes esportivos. Cada federação delegada competente publicará a lista de agentes esportivos autorizados a exercer sua disciplina e as sanções impostas nos termos do artigo L. 222-19 contra agentes, licenciados e associações e empresas afiliadas."
De acordo com o 1.º parágrafo desta disposição legal, a atividade que consiste em colocar em contacto, mediante uma remuneração, as partes interessadas na celebração de um contrato relativo ao exercício remunerado de uma atividade desportiva ou de treino ou na celebração de um contrato de trabalho que tenha por objeto uma atividade desportiva ou de treino, apenas pode ser exercida por uma pessoa singular titular de uma licença de agente desportivo.
Por sua vez, o 1.º parágrafo do artigo 6.º-B (article 6 ter) da Lei n.º 71-1130 de 31-12-1971, na redacção introduzida pelo art. 4.º da Lei n.º 2011-331 de 28-03-2011, prevê o seguinte:
“Les avocats peuvent, dans le cadre de la réglementation qui leur est propre, représenter, en qualité de mandataire, l’une des parties intéressées à la conclusion de l’un des contrats mentionnés au premier alinéa de l’article L. 222-7 du code du sport.” Tradução, “Os advogados podem, no âmbito de seus próprios regulamentos, representar, como agente, uma das partes interessadas na celebração de um dos contratos mencionados no primeiro parágrafo do artigo 222-7 do Código Desportivo."
Com a publicação da Lei 2011-331, os advogados passaram a poder, no âmbito dos seus próprios regulamentos, a representar, como mandatário, um dos interessados na celebração de um dos contratos referidos no 1.º parágrafo do artigo L. 222-7 do Código do Desporto Francês atrás citado. Permitiu-se, assim, ao advogado exercer a atividade de representação do desportista, atividade essa que não se confunde com a de agente desportivo, com o qual o advogado poderá colaborar. De facto, como se salienta no acórdão recorrido, é necessário conjugar este regime legal com as regras legais próprias que disciplinam a profissão de advogado no ordenamento jurídico francês.
Como acima vimos, de acordo com o 1.º parágrafo do artigo L. 222-7 do Código do Desporto francês, o agente desportivo aí previsto tem como atividade primordial, em contrapartida de uma remuneração, a intermediação entre o desportista e a entidade que pretenda contratar os seus serviços, ou seja, no âmbito do futebol profissional, como sucede no caso dos autos, o agente desportivo exerce a intermediação entre o futebolista e os clubes de futebol que estejam interessados em contratá-lo para exercer a atividade desportiva ao seu serviço, aproximando as partes para uma futura celebração de contrato.
No ordenamento jurídico francês, à semelhança do que sucede no direito português, como adiante será verá, esta atividade de intermediação não é compatível com a atividade de advogado.
Dispõe o art. 111.º, alínea a), do Decreto n.º 91-1197 de 27-11-1991, sobre a organização da profissão de advogado, na redação original, em vigor à data da celebração do contrato que está em causa nesta ação (17-11-2011) o seguinte:
“La profession d'avocat est incompatible:
a) Avec toutes les activités de caractère commercial, qu'elles soient exercées directement ou par personne interposée;”
Tradução
“A profissão de advogado é incompatível:
a) Com todas as atividades de natureza comercial, sejam elas realizadas diretamente ou através de um intermediário".
Por sua vez, dispõe o 1.º parágrafo do artigo 115.º do mesmo diploma, na redação introduzida pelo Decreto n.º 2004-397 de 04-05-2004, em vigor na data dos factos desta ação, que:
“La profession d'avocat est incompatible avec l'exercice de toute autre profession, sous réserve de dispositions législatives ou réglementaires particulières.”
Tradução
“A profissão de advogado é incompatível com o a prática de qualquer outra profissão, sujeita a leis ou regulamentos específicos.”
Resulta, assim, destas disposições legais que a profissão de advogado é incompatível com o exercício de qualquer outra profissão, salvo disposições legislativas ou regulamentares específicas, sendo igualmente incompatível com todas as atividades de natureza comercial, quer sejam exercidas diretamente, quer através de um intermediário.
Está aqui em causa o princípio do (des)interesse no exercício da profissão de advogado que este é obrigado a respeitar, em todas as circunstâncias (cfr. decisão de 20-02-2019 da Cour de Cassation, Chambre Civile 1, recurso n.º 17-27.967.- cujo texto integral na língua francesa pode ser consultado no seguinte link: https://www.legifrance.gouv.fr/juri/id/JURITEXT000038194454?dateDecision=&init=true&page=1&query=%22La+profession+d%27avocat+est+incompatible%22&searchField=ALL&tab_selection=juri).
Se atentarmos no texto do 1.º parágrafo do artigo 6.º-B (article 6 ter) da Lei n.º 71-1130 de 31-12-1971, na redação introduzida pelo art. 4.º da Lei n.º 2011-331 de 28-03-2011, aí se prevê a possibilidade dos advogados “représenter, en qualité de mandataire”, ou seja, a lei francesa prevê apenas a representação dos desportistas na celebração dos contratos, o que é independente da atividade de intermediação que é necessariamente prévia a essa representação.
Ou seja, é nosso entendimento que, como se refere no parecer jurídico elaborado pelo Professor Laurent Vidal (junto aos autos pelo autor), “o advogado só pode intervir depois de estabelecido o contacto entre as partes interessadas, não podendo utilizar a sua carteira de clientes para satisfazer um pedido de uma delas. Em termos puramente práticos, só depois de estabelecido o contacto entre o jogador e o organizador da competição é que o advogado pode intervir em nome de um deles a fim de negociar e de preparar os atos” (página 17).
Como bem, a nosso ver, alega o recorrido nas suas contra-alegações, “a própria natureza da atividade do “avocat mandataire sportif” e do agente desportivo é demonstrativa da sua incompatibilidade, atentos os princípios que norteiam o exercício da atividade de advogado: conquanto esta é uma profissão eminentemente jurídica, sujeita a elevados padrões de ética e de absoluta independência – sobretudo no que respeita à (não) sujeição do advogado a interesses externos aos depositados pelo cliente na questão cuja resolução lhe confiou –, aquela corresponde a uma profissão de natureza comercial, de cariz interessado e cujo resultado tem repercussão imediata na esfera patrimonial do agente, i.e., o agente desportivo deposita o seu próprio interesse na causa, o que se revela incompatível com o exercício da atividade de advogado.”
Não merece, assim, reparo a conclusão alcançada pelas instâncias de que segundo a lei francesa “não existe uma profissão de “advogado mandatário desportivo”, mas tão só uma atividade de “advogado mandatário desportivo”, exercida por um advogado, em conformidade com todas as regras éticas aplicáveis à profissão (…), o advogado pode intervir para efeitos de celebração de um contrato relativo ao exercício remunerado de uma atividade desportiva, na medida em que receba um mandato de um atleta, de um treinador ou de um clube, sem ser obrigado a obter previamente uma licença de agente desportivo, que, na verdade, não é. (…) Esta isenção de obtenção de licença ocorre precisamente porque só pode intervir como mandatário e não como intermediário, com base em contrato de corretagem que constituem a base da relação entre o agente desportista e o seu cliente. (…) sendo certo que é permitido a um advogado representar, no âmbito de um mandato, os interesses de um atleta, de um treinador ou de um clube com vista à negociação e celebração de um contrato relativo ao exercício remunerado de atividade desportiva, é também certo que a atividade de natureza comercial, que consiste em reunir, a título remuneratório, os intermediários na celebração desse contrato, deve ser reservada unicamente ao agente desportivo.”
De acordo com a factualidade provada, em 17-11-2011 autor e réu “acordaram nos termos constantes do documento n.º 7 junto com a PI, que denominaram de contrato de agenciamento desportivo, o seguinte clausulado:
“Artigo 1 – Missão
De acordo com a lei de 28 de março e tendo em conta o Artigo L.222-7 do código do desporto, o cliente encarregou o Advogado de o:
- Aconselhar, representar e apoiar no âmbito do estudo, a redação e a negociação dos contratos na sua qualidade de atleta profissional, em todo o mundo, nomeadamente:
- contrato de transferência;
- contrato de direito à imagem;
- Contrato de trabalho;
- etc.
- o advogado desenvolverá todas as diligências necessárias de acordo com o cliente. Exemplos: - assessoria e apoio, - procura; - Estudo de contratos; - correspondência variada; - diferentes contactos telefónicos; - diversas reuniões; - elaboração de contratos, - negociações.
- O Advogado informará regularmente o cliente sobre o andamento da missão que lhe é confiada.
Artigo 2 – Fixação dos honorários e duração da missão
Os honorários serão fixados de acordo com o art.º L.222-7 do código de desporto.
O presente contrato de agenciamento entrará em vigor após a assinatura dos presentes termos e expirará e, 31 de agosto de 2012.
Artigo 3 – honorários
De acordo com o artigo L.222-7 do Código do Desporto, os honorários corresponderão a 10% dos valores brutos negociados em cada contrato pelo Advogado para o tratamento do processo em execução da missão descrita supra.
Os honorários estão sujeitos a IVA à taxa de 19,6% (se aplicável).
Artigo 4 – Pagamento das faturas de despesas e honorários
As faturas relativas a despesas e honorários são devidas após a receção das mesmas. Na ausência de pagamento na data de vencimento, será igualmente devido o pagamento de juros de mora calculados a uma taxa igual a 1,5 vezes o montante dos juros legais a contar da data de vencimento mencionada na fatura, sem necessidade de qualquer notificação.
O advogado poderá solicitar o pagamento de uma provisão relativamente aos honorários.
Artigo 5 – custos, desembolsos e despesas
Os custos, desembolsos e despesas serão pagos sem demora pelo cliente, diretamente ao profissional que tenha faturado ou ao advogado que os tenha feito em nome do cliente.
Estes custos, desembolsos e despesas incluem, nomeadamente, mas de forma não exaustiva as despesas de deslocação, as taxas de justiça, as despesas com fotocópias…
Artigo 6 – conta final
Antes de qualquer pagamento definitivo, o Advogado deve enviar ao seu cliente uma nota de honorários detalhada.
Essa nota de honorários deve identificar claramente as despesas e desembolsos, os emolumentos e os honorários.
Esta nota de honorários deve mencionar os valores previamente recebidos a título de provisões ou sob qualquer outra forma.
Artigo 7 – Suspensão da Missão
Em caso de não pagamento das faturas de honorários e despesas, o Advogado reserva-se o direito de suspender a execução da sua missão, informando deste facto o seu cliente, chamando a sua atenção para as eventuais consequências desse facto.
Artigo 8 – Revogação
Na hipótese de o cliente pretender revogar o mandato do Advogado e transferir o seu processo para outro advogado, o cliente compromete-se a liquidar sem demora os honorários, as despesas, o reembolso e os custos, devidos ao advogado pelas diligências desenvolvidas antes da revogação do mandato.
Artigo 9 – Litígios
Qualquer litigio relativo ao montante e ao pagamento de honorários, encargos e despesas do advogado terá de ser apreciado, na falta de acordo entre as partes, através do recurso ao procedimento previsto nos artigos 174º e seguintes do Decreto n.º 91-1197 de 27 de novembro de 1991, que regula o exercício da profissão de advogado.
O Bastonário da ordem dos Advogados junto do Tribunal de Recurso de Paris pode ser chamado a decidir por qualquer das partes.
Fica expressamente acordado entre as partes que, em caso de litígio, o montante dos honorários, custos e despesas, calculados nos termos previstos no Contrato, e que são devidos ao Advogado, deve ser apresentado perante o Senhor Bastonário da Ordem dos advogados do Tribunal de Recurso de Paris requerendo uma decisão definitiva sobre a fixação dos honorários, despesas e custos”
A Relação concluiu que o aqui recorrente “propôs-se à procura, negociação e aproximação de clubes estrangeiros ao apelado, com vista à celebração de um contrato de trabalho desportivo, isto é, vinculou-se a praticar atos de intermediação, de procura, de angariação de um club para este”. Subscrevendo a posição assumida pela 1.ª instância, considerou que “tal procura de clubes pelo apelante e aproximação do autor aos mesmos, configura uma verdadeira atividade de corretagem, da competência exclusiva dos agentes desportivos e expressamente vedada aos advogados, sendo-lhe permitido, apenas, negociar com o clube já escolhido pelo jogador ou por um agente desportivo”. Pelo que “o contrato celebrado com o autor não é um contrato de mandatário desportivo.”
Atendendo ao teor literal do contrato celebrado entre as partes, em especial a primeira cláusula (article 1 – mission) referente aos serviços a prestar pelo aqui réu, as tarefas aí previstas (aconselhamento, representação e apoio no âmbito do estudo, redação e negociação de contratos) integram a atividade típica de um advogado no âmbito de um contrato de mandato.
Na mesma cláusula, constam exemplos das diligências que o réu se obrigou a desenvolver de acordo com o cliente aqui autor, incluindo-se as atividades de: “assessoria e apoio, - procura; - Estudo de contratos; - correspondência variada; - diferentes contactos telefónicos; - diversas reuniões; - elaboração de contratos, - negociações.”
Todas as atividades/funções aí previstas também se podem resumir à atividade típica de um advogado, sendo que a palavra “procura” surge como a tradução de “recherche”, contida na redação original do contrato em francês, o que também pode ser traduzido como “pesquisa”, o que, tratando-se de um advogado, pode consistir em pesquisa de legislação, jurisprudência e doutrina para a redação de contratos. No entanto a referência aos “contactos telefónicos”, à “diversa correspondência”, às “diversas reuniões” e às “negociações” também podem relacionar-se com a atividade de intermediação.
Em matéria de interpretação de declarações negociais, na data de celebração do contrato dos autos, dispunha o art. 1156.º do Código Civil Francês, na sua redação original, que: “On doit dans les conventions rechercher quelle a été la commune intention des parties contractantes, plutôt que de s'arrêter au sens littéral des termes.” (Deve-se procurar a intenção comum das partes e não ater-se ao sentido literal dos termos.).
A lei francesa atribui, assim, especial relevância à real intenção comum das partes em detrimento do significado literal das palavras contidas no texto dos contratos.
Importa, assim, atender ao que resultou provado para além do teor do texto do contrato acima transcrito.
Com efeito, no caso dos autos, resultou provado que em outubro/novembro de 2011 o réu deslocou-se ao P... e aí reuniu com os pais do autor com intenção de discutirem possíveis alternativas para os próximos passos na carreira do autor, bem como eventuais contactos que o réu pudesse efetuar em seu nome e representação.
Mais se provou que em 09/11/2011, ou seja, alguns dias antes da data de celebração do contrato que é objeto destes autos, o réu remeteu ao pai do autor a carta cuja cópia se encontra junta aos autos como doc. 6 da PI (fls. 50) pela qual refere:
“A título prévio, queria agradecer-lhe uma vez mais a hospitalidade durante a minha breve estadia no P..., bem como da sua mulher e filho. Agradeço-lhe igualmente a confiança que queira, eventualmente, confiar-me relativamente ao desenvolvimento da carreira do AA.
Na sequência das nossas várias conversas, agradecia que me enviasse o mais rapidamente possível: - o conjunto de contratos que vinculam o AA ao seu clube, o ..., - bem como a rescisão do seu contrato com o seu agente anterior.
Por outro lado, referimos vários clubes suscetíveis de interessar a AA no desenvolvimento da sua carreira.
Posso neste momento indicar-lhe que contactei os clubes indicados, a saber: - B...,- L..., - S....
No entanto, para garantir qualquer participação neste dossier, gostaria que tivéssemos um mínimo de compromisso por escrito mandatando-me oficialmente a continuar as conversações com esses clubes, para tudo assumir a forma devida.
Com efeito, a Federação Francesa do Futebol, bem como os dirigentes dos clubes em geral, preferem que o mandatário possa negociar em nome e por conta do jogador com toda a tranquilidade. Nestes termos, envio em anexo minuta de contrato de agenciamento habitualmente utilizo com os diferentes jogadores que represento. Por outro lado, tendo em conta as suas expectativas anteriores, poderíamos, para ficar mais tranquilo, limitar inicialmente este mandato até ao final do mercado de verão de 2012 (…).”
De acordo com o teor desta missiva, o réu/ora recorrente expressamente afirma, a propósito dos serviços prestados ao aqui autor/ora recorrido, que contactou os clubes aí indicados, a saber: B..., L... e S..., mas que para garantir qualquer participação neste dossier, gostaria que houvesse um compromisso escrito entre as partes, o que se veio a concretizar alguns dias depois na celebração do contrato que é objeto de discussão nestes autos, referindo expressamente o réu que esse contrato se destinaria a mandatá-lo “oficialmente a continuar as conversações com esses clubes, para tudo assumir a forma devida.”
As declarações escritas do réu em tal missiva são desprovidas de qualquer ambiguidade resultando das mesmas, de forma totalmente unívoca, que o réu cumulava a atividade de mandatário do autor, no exercício da sua profissão de advogado, com a de intermediário ao serviço do mesmo, procedendo à procura, negociação e aproximação de clubes de futebol ao autor, com vista à celebração de um contrato de trabalho desportivo, contrato que ele próprio poderia redigir e apoiar na respetiva celebração, sendo essa a intenção comum das partes no que respeita à finalidade do contrato de agenciamento desportivo cuja validade aqui está em causa.
Ou seja, atendendo à intenção comum das partes manifestada nos factos que resultaram provados, podemos concluir, e à luz da boa hermenêutica interpretativa, que as tarefas a cargo do aqui réu, previstas no contrato e referentes às negociações de contratos desportivos, à pesquisa, à correspondência variada, aos diferentes contactos telefónicos e às diversas reuniões, incluem-se também na prestação da atividade de intermediação, de procura, de angariação de um clube com o qual o autor viesse a celebrar contrato de trabalho desportivo.
Julgamos que não merece, assim, reparo a conclusão das instâncias de que o contrato celebrado entre as partes não é um mero contrato de mandatário desportivo, abrangendo funções que estão reservadas segundo a legislação francesa, aos agentes desportivos pois “tal procura de clubes pelo réu e aproximação do autor aos mesmos, configura uma verdadeira atividade de corretagem, da competência exclusiva dos agentes desportivos e expressamente vedada aos advogados.”
Estamos, assim, na presença de um contrato misto com prestações típicas do contrato de mandato exercido por um advogado em representação do aqui autor, jogador de futebol profissional, enquanto interessado na celebração de um dos contratos mencionados no primeiro parágrafo do artigo L222-7 do Código do Desporto Francês, nos termos previstos no 1.º parágrafo do artigo 6.º-B (article 6 ter) da Lei n.º 71-1130 de 31-12-1971, na redação introduzida pelo art. 4.º da Lei n.º 2011-331 de 28-03-2011, e com prestações típicas de um agente desportivo que exerce a atividade de intermediação ao serviço do autor, procedendo à procura, negociação e aproximação de clubes de futebol ao mesmo, com vista à celebração de um contrato de trabalho desportivo, nos termos previstos no artigo L222-7 do Código do Desporto Francês, na redação introduzida pela Lei n.º 2010-626 de 09-06-2010.
Relembremos que, de acordo com o disposto no referido art. L222-7 do Código do Desporto Francês, na redação introduzida pela Lei n.º 2010-626 de 09-06-2010, a atividade de agente desportivo depende da titularidade de uma licença, a qual é emitida, suspensa e retirada, consoante a disciplina em causa, pela federação delegada competente, ou seja, no caso dos autos a Federação Francesa de Futebol, mais se prevendo na mesma disposição legal que a federação em causa publica a lista dos agentes desportivos autorizados a praticar na sua disciplina, bem como as sanções pronunciadas nos termos do artigo L. 222-19 contra os agentes, licenciados e associações e empresas afiliadas.
No caso dos autos, não resulta da factualidade provada que o aqui réu seja titular dessa licença de agente desportivo emitida pela Federação de futebol respetiva, que não se confunde com a atividade de advogado mandatário desportivo nos termos acima expostos. Também a Federação Portuguesa de Futebol não tem registo do réu como agente desportivo no período de tempo em que vigorou este contrato.
Por outro lado, nos termos acima expostos, comungamos do entendimento de que essa atividade desenvolvida pelo réu ao serviço do autor é incompatível com a profissão de advogado exercida pelo mesmo, por consubstanciar o exercício a título profissional de uma atividade comercial proibida nos termos da legislação francesa acima citada, violando o réu, com a sua conduta, o disposto no art. 111.º do Decreto n.º 91-1197, de 27-11-1991.
Importa, assim, apurar das consequências desta incompatibilidade no que concerne à validade do contrato celebrado entre as partes.
A lei francesa não comina expressamente com a nulidade a verificação da referida incompatibilidade, nomeadamente na Lei nº. 2011-331, 28-03-2011, que veio alterar a Lei n.º 71-1130 de 31-12-1971, na qual se passou a prever a possibilidade de os advogados, no âmbito dos seus próprios regulamentos, representar, como mandatário, um dos interessados na celebração de um dos contratos referidos no 1.º parágrafo do artigo L. 222-7 do Código do Desporto Francês. Do mesmo modo, também a falta de licença de agente desportivo emitida pela Federação de futebol respetiva não é cominada com a nulidade dos contratos celebrados por esses agentes com desportistas.
Segundo a jurisprudência francesa, a violação pelos advogados das regras deontológicas que disciplinam a sua profissão não conduzem, por si só, à anulação de atos indevidamente praticados pelo advogado. Nesse sentido se pronunciou a Cour de Cassation, Chambre Criminelle, em decisão de 22-04-1977 (recurso n.º 75-93.306), no qual se defendeu que “qu'en effet, les regles de deontologie, dont l'objet est de fixer les devoirs des membres de la profession, ne sont assorties que de sanctions disciplinaires et n'entrainent pas a elles seules l'annulation des actes accomplis en infraction a leurs dispositions.”. Tradução, “que, de fato, as regras de ética, com o objetivo é estabelecer os deveres dos membros da profissão, são acompanhadas apenas de sanções disciplinares e não implicam, por si só, a anulação de atos praticados em violação de suas disposições.” (O respetivo texto integral em língua francesa encontra-se disponível no seguinte link: https://www.legifrance.gouv.fr/juri/id/JURITEXT000007059990?dateDecision=22%2F04%2F1977&init=true&juridictionJudiciaire=Cour+de+cassation&page=1&query=&searchField=ALL&tab_selection=juri).
Também, num caso em que estava em causa a validade de um contrato de empréstimo celebrado por um mutuante que não estava legalmente habilitado a exercer a atividade bancária, a Cour de Cassation, Chambre Commerciale, concluiu pela validade de tal contrato apesar do exercício ilícito da profissão de bancário pelo credor – decisão de 03-12-2002, recurso n.º 00-16.957. (O respetivo texto integral em língua francesa encontra-se disponível no seguintelink:https://www.legifrance.gouv.fr/juri/id/JURITEXT000007046730?dateDecision=&init=true&juridictionJudiciaire=Cour+de+cassation&page=1&query=00-16957&searchField=ALL&tab_selection=juri).
No caso dos autos, cremos que, para além desta incompatibilidade entre a profissão de advogado e a de agente desportivo, o próprio teor do contrato, no que respeita à fixação da remuneração do aqui réu, é também contrário à lei francesa aplicável à situação em apreço, sendo que, no caso do agente desportivo, encontra-se expressamente prevista a nulidade do negócio como consequência dessa violação.
O art. 10.º da Lei n.º 71-1130 de 31-12-1971, na redação introduzida pela Lei n.º 2011-331 de 28-03-2011, dispõe o seguinte:
“La tarification de la postulation et des actes de procédure est régie par les dispositions sur la procédure civile. Les honoraires de consultation, d'assistance, de conseil, de rédaction d'actes juridiques sous seing privé et de plaidoirie sont fixés en accord avec le client.
A défaut de convention entre l'avocat et son client, l'honoraire est fixé selon les usages, en fonction de la situation de fortune du client, de la difficulté de l'affaire, des frais exposés par l'avocat, de sa notoriété et des diligences de celui-ci.
Toute fixation d'honoraires, qui ne le serait qu'en fonction du résultat judiciaire, est interdite. Est licite la convention qui, outre la rémunération des prestations effectuées, prévoit la fixation d'un honoraire complémentaire en fonction du résultat obtenu ou du service rendu.
Dans le mandat donné à un avocat pour la conclusion de l'un des contrats mentionnés au premier alinéa de l'article L. 222-7 du code du sport, il est précisé le montant de ses honoraires, qui ne peuvent excéder 10 % du montant de ce contrat. Lorsque, pour la conclusion d'un tel contrat, plusieurs avocats interviennent ou un avocat intervient avec le concours d'un agent sportif, le montant total de leur rémunération ne peut excéder 10 % du montant de ce contrat. L'avocat agissant en qualité de mandataire de l'une des parties intéressées à la conclusion d'un tel contrat ne peut être rémunéré que par son client.”
Tradução
"A precificação dos atos postulados e processuais é regida pelas disposições do processo civil. Os honorários de consulta, assistência, assessoria, elaboração de atos jurídicos sob assinatura privada e pleiteação são fixados em acordo com o cliente.
Na ausência de um acordo entre o advogado e seu cliente, a taxa é fixada de acordo com a alfândega, de acordo com a situação patrimonial do cliente, a dificuldade do caso, os custos incorridos pelo advogado, sua reputação e as diligências deste último.
Qualquer fixação de honorários, que seria baseada apenas com base no resultado judicial, é proibida. Um acordo é lícita que, além da remuneração pelos serviços realizados, prevê a fixação de uma taxa adicional com base no resultado obtido ou no serviço prestado.
No mandato dado a um advogado para a celebração de um dos contratos mencionados no primeiro parágrafo do artigo L. 222-7 do Código Desportivo, é especificado o valor de seus honorários, que não pode exceder 10% do valor deste contrato.
Quando, para a celebração de tal contrato, vários advogados intervêm ou um advogado intervém com a assistência de um agente esportivo, o valor total de sua remuneração não pode exceder 10% do valor desse contrato. Um advogado que atue como agente de uma das partes interessadas na celebração de tal contrato pode ser remunerado apenas por seu cliente. "
Por sua vez, dispõe o art. L222-17 do Código do Desporto Francês, na versão em vigor na data de celebração do contrato que é objeto dos autos, introduzida pela Lei n.º 2010-1657 de 29-12-2010, o seguinte:
“Un agent sportif ne peut agir que pour le compte d'une des parties aux contrats mentionnés à l'article L. 222-7.
Le contrat écrit en exécution duquel l'agent sportif exerce l'activité consistant à mettre en rapport les parties intéressées à la conclusion d'un des contrats mentionnés à l'article L. 222-7 précise :
1° Le montant de la rémunération de l'agent sportif, qui ne peut excéder 10 % du montant du contrat conclu par les parties qu'il a mises en rapport;
2° La partie à l'un des contrats mentionnés à l'article L. 222-7 qui rémunère l'agent sportif.
Lorsque, pour la conclusion d'un contrat mentionné à l'article L. 222-7, plusieurs agents sportifs interviennent, le montant total de leurs rémunérations ne peut excéder 10 % du montant de ce contrat.
Le montant de la rémunération de l'agent sportif peut, par accord entre celui-ci et les parties aux contrats mentionnés à l'article L. 222-7, être pour tout ou partie acquitté par le cocontractant du sportif ou de l'entraîneur. L'agent sportif donne quittance du paiement au cocontractant du sportif ou de l'entraîneur.
Toute convention contraire au présent article est réputée nulle et non écrite.”
Tradução
"A precificação dos atos postulados e processuais é regida pelas disposições do processo civil. Os honorários de consulta, assistência, assessoria, elaboração de atos jurídicos sob assinatura privada e pleiteação são fixados em acordo com o cliente.
Na ausência de um acordo entre o advogado e seu cliente, a taxa é fixada de acordo com a alfândega, de acordo com a situação patrimonial do cliente, a dificuldade do caso, os custos incorridos pelo advogado, sua reputação e as diligências deste último.
Qualquer fixação de honorários, que seria baseada apenas com base no resultado judicial, é proibida. Um acordo é lícita que, além da remuneração pelos serviços realizados, prevê a fixação de uma taxa adicional com base no resultado obtido ou no serviço prestado.
No mandato dado a um advogado para a celebração de um dos contratos mencionados no primeiro parágrafo do artigo L. 222-7 do Código Desportivo, é especificado o valor de seus honorários, que não pode exceder 10% do valor deste contrato. Quando, para a celebração de tal contrato, vários advogados intervêm ou um advogado intervém com a assistência de um agente esportivo, o valor total de sua remuneração não pode exceder 10% do valor desse contrato. Um advogado que atue como agente de uma das partes interessadas na celebração de tal contrato pode ser remunerado apenas por seu cliente. "
Do que se deixou exposto, resulta que tanto num contrato de “avocat mandataire sportif”, na terminologia utilizada pelo próprio recorrente, ou seja, num contrato de mandato conferido a advogado para a celebração de um dos contratos mencionados no primeiro parágrafo do artigo L. 222-7 do Código do Desporto, como num contrato de agente desportivo, é obrigatória a especificação do valor da remuneração do advogado ou do agente desportivo, a qual não pode exceder 10% do valor do contrato desportivo.
Mais se prevê expressamente na disposição legal que regula a remuneração do agente desportivo que qualquer acordo contrário é considerado nulo e sem efeito.
Sobre este artigo L. 222-17 do Código do Desporto, a Cour de Cassation, em decisão proferida em 11-07-2018 (Chambre Civile, pourvoi n.º 17-10.458, ECLI:FR:CCASS:2018:C100734), apesar de afirmar que qualquer acordo em contrário à sua estatuição é nulo e de nenhum efeito, considerou que tal disposição legal não exige que o contrato para o qual estabelece o regime jurídico nela previsto seja redigido sob a forma de documento escrito único, estando em causa no caso concreto a conjugação do contrato com o teor de emails trocados pelas partes. (O texto integral encontra-se disponível no seguinte link:https://www.legifrance.gouv.fr/juri/id/JURITEXT000037384025?dateDecision=&init=true&juridictionJudiciaire=Cour+de+cassation&juridictionJudiciaire=Juridictions+d%27appel&page=1&query=L222-17&searchField=ALL&tab_selection=juri).
Voltando ao caso sub júdice, e como ressalta do que supra se deixou expresso, concluímos que o contrato celebrado entre autor e réu inclui a atividade de representação, apoio e assessoria no âmbito do exercício da profissão de advogado, mas também funções de intermediação próprias de um agente desportivo. Ou seja, estamos na presença de um contrato misto com prestações típicas do contrato de mandato exercido por um advogado em representação do aqui autor, jogador de futebol profissional, enquanto interessado na celebração de um dos contratos mencionados no primeiro parágrafo do artigo L. 222-7 do Código do Desporto francês, nos termos previstos no 1.º parágrafo do artigo 6.º-B (article 6 ter) da Lei n.º 71-1130 de 31-12-1971, na redação introduzida pelo art. 4.º da Lei n.º 2011-331 de 28-03-2011, e com prestações típicas de um agente desportivo que exerce a atividade de intermediação ao serviço do autor, procedendo à procura, negociação e aproximação de clubes estrangeiros ao mesmo, com vista à celebração de um contrato de trabalho desportivo, nos termos previstos no artigo L222-7 do Código do Desporto Francês, na redação introduzida pela Lei n.º 2010-626 de 09-06-2010.
Desse modo, é aplicável ao caso dos autos, quanto à fixação da remuneração devida ao réu, tanto o regime previsto no art. 10.º da Lei n.º 71-1130 de 31-12-1971, como o regime previsto no artigo L222-17 do Código do Desporto Francês.
Pelo exposto, no contrato celebrado entre as partes, a lei francesa impõe que o montante dos honorários seja especificado no contrato, isto é, para não ficar exclusivamente dependente do resultado obtido no âmbito da execução das prestações objeto do contrato acordado, o qual não se encontra determinado à partida.
Conforme foi entendimento das instâncias, proíbe-se a quota litis, de modo a evitar que os honorários fiquem exclusivamente dependentes do resultado obtido na questão para a qual o réu foi mandatado, sendo que, apesar de tudo, permite-se que os honorários alcancem 10% do valor do contrato a celebrar. Porém, impõe-se que o valor dos honorários seja especificado no contrato (“é especificado o valor dos seus honorários, que não pode ultrapassar 10% do valor de este contrato”).
No contrato celebrado entre autor e réu, foi convencionado que “de acordo com o artigo L.222-7 do Código do Desporto, os honorários corresponderão a 10% dos valores brutos negociados em cada contrato pelo Advogado para o tratamento do processo em execução da missão descrita supra.”
Apesar de ser feita expressa alusão ao artigo L.222-7 do Código do Desporto, os honorários do aqui réu foram fixados de forma absoluta e exclusivamente dependente do valor do contrato a negociar, o qual era desconhecido das partes aquando da celebração do mesmo, não tendo sido especificado qualquer valor, pelo que o seu valor não era, à data da celebração do contrato, determinado nem determinável.
Não resultou provada a existência de qualquer outro documento escrito que contenha declarações das partes que possam complementar o contrato escrito pelas mesmas celebrado no que respeita à fixação da remuneração devida ao réu.
Acresce que, como salienta o recorrido nas suas contra-alegações, “nos termos do invocado artigo 10.º da Lei 71-1130 de 31 de dezembro de 1971, o cálculo da remuneração do advogado desportivo e do agente deve reportar-se, apenas, ao contrato desportivo celebrado entre o jogador e o clube desportivo, não podendo abranger todos os restantes contratos ou direitos que, a par daquele, possam ser celebrados pelo jogador, como sucede, p.e., com os contratos de patrocínio desportivo e dos direitos de imagem, que se encontram excluídos do cálculo do valor da remuneração do agente e do advogado desportivo.”
No caso do disposto no art. L222-17 do Código do Desporto Francês, na versão aplicável ao caso dos autos, é, a nosso ver, manifesta a violação da lei, sendo que nessa norma é previsto expressamente que a respetiva violação acarreta a nulidade do acordo que é considerado sem efeito.
Mas também o art. 1108.º do Código Civil francês na sua versão original, em vigor na data de celebração do contrato, previa que:
“Quatre conditions sont essentielles pour la validité d'une convention:
Le consentement de la partie qui s'oblige;
Sa capacité de contracter;
Un objet certain qui forme la matière de l'engagement;
Une cause licite dans l'obligation.”
Tradução
“Quatro condições são essenciais para a validade de um acordo:
O consentimento da parte que obriga;
Sua capacidade de contrair;
Um certo objeto que forma o material do compromisso;
Uma causa legal na obrigação. "
Atualmente, o Código Civil Francês prevê nos seus artigos 1178.º e seguintes, modificados pela Ordonnance n°. 2016-131 de 10-02-2016, as consequências da nulidade dos contratos, prevendo-se expressamente nos primeiros dois parágrafos do artigo 1178.º que:
“Un contrat qui ne remplit pas les conditions requises pour sa validité est nul.
La nullité doit être prononcée par le juge, à moins que les parties ne la constatent d'un commun accord. Le contrat annulé est censé n'avoir jamais existé.”
Tradução
“Um contrato que não atenda às condições necessárias para sua validade é nulo.
A nulidade deve ser pronunciada pelo juiz, a menos que as partes a achem por mútuo acordo. O contrato cancelado deveria nunca ter existido. "
Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 1179.º do mesmo Código:
“La nullité est absolue lorsque la règle violée a pour objet la sauvegarde de l'intérêt général.
Elle est relative lorsque la règle violée a pour seul objet la sauvegarde d'un intérêt privé.”
Tradução
"A nulidade é absoluta quando a regra infringida tem como objeto a salvaguarda do interesse geral.
É relativo quando a regra infringida tem como único objeto a salvaguarda de um interesse privado. "
Finalmente, dispõe o art. 1180.º que:
“La nullité absolue peut être demandée par toute personne justifiant d'un intérêt, ainsi que par le ministère public.”
“Elle ne peut être couverte par la confirmation du contrat.”
Tradução
"A nulidade absoluta pode ser solicitada por qualquer pessoa que justifique interesse, bem como pelo Ministério Público. "
"Não pode ser coberto pela confirmação do contrato."
Anteriormente a esta alteração legislativa, nomeadamente com base no referido art. 1108.º do Código Civil, na sua versão original, a jurisprudência francesa admitia a verificação de nulidade absoluta de convenções contrárias a leis imperativas que consubstanciem violações da ordem pública, nulidades que são insuscetíveis de confirmação ou ratificação, invocáveis por qualquer pessoa, não produzindo a convenção quaisquer efeitos – Decisões da Cour de Cassation de 06-03-2019 (Chambre Commerciale, recurso n.º 16-25.117, ECLI:FR:CCASS:2019:CO00240) de 16-01-2013 (Chambre Civile 1, pourvoi 11-27.837, ECLI:FR:CCASS:2013:C100006) e de 18-10-2005 (Chambre civile 1, pourvoi 02-16.046). (Os textos encontram-se disponíveis, respetivamente, nos seguintes links: https://www.legifrance.gouv.fr/juri/id/JURITEXT000038238579?init=true&isAdvancedResult=true&juridictionJudiciaire=Cour+de+cassation&page=1&pageSize=10&query=%7B%28%40RESUMES%5Be%22nullit%C3%A9+absolue%22%5D%29%7D&sortValue=DATE_DESC&tab_selection=juri&typeRecherche=date; https://www.legifrance.gouv.fr/juri/id/JURITEXT000026959299?init=true&page=1&query=ECLI%3AFR%3ACCASS%3A2013%3AC100006&searchField=ALL&tab_selection=all);
No presente caso, a imposição legal de que o montante dos honorários devidos a um advogado, pelo exercício do mandato em relação a um contrato desportivo seja especificado no contrato (art. 10.º da Lei n.º 71-1130 de 31-12-1971), visa evitar que os honorários fiquem exclusivamente dependentes do resultado obtido na questão para a qual o advogado foi mandatado, permitindo-se apenas que os honorários alcancem 10% do valor do contrato a celebrar, mas com indicação expressa e prévia do seu montante no texto do contrato. Está em causa salvaguardar não apenas os interesses do cliente, mas sim um interesse geral de salvaguarda dos princípios deontológicos do exercício da advocacia. Como acima já se referiu, está aqui em causa o princípio do desinteresse no exercício da profissão de advogado que este é obrigado a respeitar, em todas as circunstâncias (cfr. decisão de 20-02-2019 da Cour de Cassation, Chambre Civile 1, recurso n.º 17-27.967, acima citada).
Este regime legal insere-se no princípio geral da proibição dos advogados celebrarem pactos de quota litis, consagrado no art. 3.3. do Código de Deontologia dos Advogados Europeus, que vincula os advogados franceses (art. 1.4) originalmente adotado na sessão plenária do Conseil des Barreaux Européens (CCBE) de 28 de Outubro de 1988 e subsequentemente alterado nas sessões plenárias do CCBE de 28 de Novembro de 1998, de 6 de Dezembro de 2002 e de 19 de Maio de 2006, cuja tradução para a língua portuguesa foi aprovada pela Deliberação n.º 2511/2007 da Ordem dos Advogados publicada no Diário da República, 2.ª série, de 27 de Dezembro de 2007.
Dispõe esse artigo que:
“3.3 - 1 - É vedado ao advogado celebrar pactos de quota litis.
3.3 - 2 - Por pacto de quota litis entende-se o acordo entre o advogado e o seu cliente, antes da conclusão definitiva da questão em que este é parte, através do qual o cliente se compromete a entregar ao advogado uma parte do resultado que vier a obter, independentemente do resultado corresponder a uma soma em dinheiro ou a qualquer outro bem ou valor.
3.3 - 3 - Não constitui pacto de quota litis o acordo que preveja a determinação dos honorários em função do valor do assunto confiado ao advogado, desde que observe os termos de uma tabela oficial ou se tal acordo puder ser avaliado pela Autoridade Competente titular de jurisdição sobre o advogado.”
De acordo com o comentário a este artigo 3.3. constante do memorando explicativo preparado pelo Grupo de Trabalho de Deontologia do CCBE, atualizado na Sessão Plenária do CCBE de 19 de Maio de 2006, destinado a explicar o sentido e a origem das disposições contidas no Código, as disposições relativas ao Pactum de Quota Litis, “reflectem a posição comum a todos os Estados-Membros de que um acordo de fixação de honorários que faça depender o recebimento destes do desfecho positivo da causa (Contigency Fees/Pactum de Quota Litis) não sujeito a regras adequadas, é contrário ao princípio da boa administração de justiça por encorajar a litigância de má-fé e ser passível de abusos. Não se pretende, contudo, impedir a continuidade ou a celebração de acordos segundo os quais os advogados são remunerados em função dos resultados ou apenas se a acção ou questão tiver um desfecho positivo, desde que tais acordos sejam adequadamente regulados e controlados no sentido de garantir a protecção do cliente e a boa administração da justiça.”
Como acima vimos, a lei francesa permite que honorários de advogado pelo exercício do mandato em relação a um contrato desportivo alcancem 10% do valor do contrato a celebrar, mas exige que o montante desses honorários seja especificado no contrato celebrado entre o advogado e o cliente para evitar que tais honorários fiquem exclusivamente dependentes do resultado obtido na questão para a qual o agente foi mandatado.
Igualmente a exigência legal de que nos contratos celebrados entre os agentes desportivos e os seus clientes seja especificada a remuneração devida ao agente desportivo (artigo L222-17 do Código do Desporto Francês) visa também salvaguardar não apenas os interesses destes clientes, mas também o interesse geral de regulação deste tipo de atividade, prevenindo-se a existência de conflitos de interesses para que a remuneração do agente não fique exclusivamente dependente do resultado obtido na atividade de intermediação, com prejuízo para o desportista e para o desempenho da modalidade desportiva em geral. A necessidade de atribuição de licenças para o desempenho da atividade de agente desportivo pela federação desportiva respetiva constitui indício desse interesse geral na regulação dessa atividade.
Cremos, assim, que no presente caso, as normas acima citadas que regulam a fixação da remuneração devida ao advogado mandatário desportivo e ao agente desportivo visam salvaguardar um interesse geral, de ordem pública que ultrapassa o interesse particular dos intervenientes do contrato, pelo que a violação dessas normas imperativas acarreta a ilicitude da causa da obrigação de pagamento da remuneração e, portanto, a falta de um requisito essencial do contrato e, consequentemente, a nulidade absoluta das cláusulas contrárias a tais disposições legais. Nos termos acima expostos, tal nulidade é invocável a todo o tempo e tem como consequência a falta de produção de quaisquer efeitos da cláusula considerada nula.
Atento o teor do acordo celebrado entre as partes, é manifesto, a nosso ver, que a cláusula respeitante à fixação de honorários devidos ao réu é essencial para a vigência do contrato, não sendo configurável a existência do negócio sem que o mesmo inclua a obrigação de pagamento de honorários ao réu. Concordamos, assim, com as instâncias na parte em que foi decidido que a nulidade absoluta de tal cláusula terá que abranger todo o contrato atenta a essencialidade da mesma, não podendo o contrato subsistir sem tal cláusula. Refira-se que, de acordo com a legislação francesa, exige-se que o montante da remuneração seja concretamente indicado no texto do contrato pelas partes, não sendo possível a aplicação de qualquer norma supletiva que permita o cálculo dessa remuneração.
Concluímos, assim, pela nulidade do contrato, celebrado entre o A. e o R., que é objeto de apreciação destes autos, de acordo com a legislação francesa, à semelhança, aliás, do que foi entendido pelas instâncias.
Sem prejuízo do que antecede, e do que aí se concluiu, sempre se dirá também que o contrato celebrado entre as partes também é nulo de acordo com a lei portuguesa, como se entendeu no acórdão recorrido, à luz do regime previsto na Lei n.º 28/98, de 26 de junho, que se encontrava em vigor na data de celebração do contrato aqui em causa e que estabeleceu o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva (RJCTPD), entretanto revogado pela Lei n.º 54/2017, 2017-07-14, bem como à luz do Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor na data de celebração do contrato, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26/01, entretanto revogado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro (EOA).
Nos termos da al. d), do artigo 2.º, do RJCTPD, o empresário desportivo é “a pessoa singular ou colectiva que, estando devidamente credenciada, exerça a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos.”
Como acima vimos, para além da atividade de representação, foi intenção das partes que o réu desempenhasse igualmente a atividade de intermediação na celebração de contratos desportivos, procurando aproximar o aqui autor de clubes de futebol que estivessem interessados em celebrar com este último, contratos desportivos, pelo que, nos termos da referida norma, não existe dúvida que o recorrente assumiu também as funções de empresário desportivo, à luz da lei portuguesa.
De acordo com o art. 22.º, n.º 1, do RJCTPD “Só podem exercer actividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou colectivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes.”
Por sua vez, o art. 23.º do mesmo diploma dispõe o seguinte:
“1 — Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os empresários desportivos que pretendam exercer a actividade de intermediários na contratação de praticantes desportivos devem registar-se como tal junto da federação desportiva da respectiva modalidade, que, para este efeito, deve dispor de um registo organizado e actualizado.
2 — Nas federações desportivas onde existam competições de carácter profissional o registo a que se refere o número anterior será igualmente efectuado junto da respectiva liga.
3 — O registo a que se refere o número anterior é constituído por um modelo de identificação do empresário, cujas características serão definidas por regulamento federativo.
4 – Os contratos de mandato celebrados com empresários desportivos que se não encontrem inscritos no registo referido no presente artigo, bem como as cláusulas contratuais que prevejam a respectiva remuneração pela prestação desses serviços, são considerados inexistentes.”
De acordo com a legislação nacional, o réu, para exercer a atividade de empresário desportivo, necessitava de autorização da entidade desportiva competente e de se encontrar registado junto da federação desportiva da respetiva modalidade, no caso, a Federação Portuguesa de Futebol.
Porém, resultou provado que o Recorrente não solicitou a referida autorização, nem realizou o referido registo, sendo por isso manifesta a violação das disposições legais acima mencionadas, o que tem como consequência a inexistência do contrato nos termos do n.º 4 do art. 22.º, n.º 1, do RJCTPD.
Por outro lado, sendo o réu advogado, de acordo com o art. 198.º, nºs 1 e 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor na data de celebração do contrato, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26/01: “1 - A prestação ocasional de serviços profissionais de advocacia em Portugal por advogados da União Europeia que exerçam a sua actividade com o seu título profissional de origem é livre, sem prejuízo de estes deverem dar prévio conhecimento desse facto à Ordem dos Advogados. 2 - O estabelecimento permanente em Portugal de advogados da União Europeia que pretendam exercer a sua actividade com o seu título profissional de origem depende de prévio registo na Ordem dos Advogados.”
Por sua vez, nos termos do artigo 199.º, n.º 1, do mesmo diploma, “na prestação de serviços profissionais de advocacia em Portugal os advogados da União Europeia que exerçam a sua actividade com o seu título profissional de origem estão sujeitos às regras profissionais e deontológicas aplicáveis aos advogados portugueses, sem prejuízo das regras do Estado de origem a que devam continuar a sujeitar-se.”
Assim, mesmo que porventura fosse de aplicar a lei portuguesa, o réu enquanto advogado inscrito noutro Estado membro, ao se ter obrigado a representar o autor, na qualidade de advogado, não poderia eximir-se ao cumprimento das obrigações deontológicas previstas no EOA.
Concluindo-se que o contrato celebrado entre as partes inclui prestações típicas de um mandato a ser exercido por advogado de acordo com as regras próprias dessa profissão, bem como prestações típicas de um empresário desportivo, para além da violação pelo réu da obrigação de dar prévio conhecimento à Ordem dos Advogados portuguesa da prestação de serviços de advocacia em Portugal, o aqui réu violou o disposto no art. 77.º, n.º 1, al. p), sendo a atividade de mediador mobiliário incompatível com o exercício da advocacia.
Como se entendeu no acórdão recorrido, citando o Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º E-29/09 (Relator: AMADEU MORAIS): “a atividade de Agente de Jogadores de Futebol é uma atividade de mediação, muito mais do que simples atividade de representação do jogador, já que o agente deverá ou poderá promover a imagem do seu mandante, diligenciando junto do mercado respetivo a colocação do jogador em condições que lhe sejam mais favoráveis, sendo assim evidente a existência de incompatibilidade com o exercício da advocacia.”
Por outro lado, também a cláusula de fixação da remuneração devida ao réu viola o disposto no art. 101.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, vigente na data de celebração do contrato, segundo o qual: “1 - É proibido ao advogado celebrar pactos de quota litis. 2 - Por pacto de quota litis entende-se o acordo celebrado entre o advogado e o seu cliente, antes da conclusão definitiva da questão em que este é parte, pelo qual o direito a honorários fique exclusivamente dependente do resultado obtido na questão e em virtude do qual o constituinte se obrigue a pagar ao advogado parte do resultado que vier a obter, quer este consista numa quantia em dinheiro, quer em qualquer outro bem ou valor.”
As normas acima referidas constituem normas imperativas pelo que a sua violação importa a nulidade do contrato nos termos previstos nos artigos 280.º, n.º 1, e 294.º, n.º 1, ambos do C. Civil.
Assim, também segundo a lei portuguesa, o contrato é nulo, não produzindo quaisquer efeitos.
Concluímos, portanto, pela nulidade total do contrato celebrado pelas partes, ficando, assim, prejudicada a apreciação das questões suscitadas pelo recorrente referentes ao cumprimento das obrigações para si decorrentes do contrato de agenciamento desportivo celebrado com o autor; do seu direito aos honorários previstos no contrato pela prestação dos serviços contratados e ao alegado incumprimento pelo autor das disposições do mesmo contrato no que respeita à obrigação de pagamento dos honorários nele previstos.
Sem prejuízo do acima exposto, sempre se diga que, como acima já foi dito, atendendo ao pedido formulado pelo autor e à reconvenção deduzida pelo réu, nos presentes autos o que está em causa é a apreciação da validade do contrato celebrado entre autor e réu, não relevando para a decisão da causa a apreciação do cumprimento ou incumprimento pelas partes das obrigações decorrentes daquele contrato.
5. Do abuso de direito pelo autor (por violação dos princípios da boa fé e da confiança).
Alega o recorrente que com a confiança criada pelo autor em como iria retirar os proventos necessários e acordados no âmbito do contrato celebrado pelas partes, a conduta daquele frustrou as suas legítimas expetativas, defendendo que o comportamento do autor contribuiu para fundar essa confiança, tendo o autor violado os princípios da boa fé e da confiança.
A alegação do recorrente é manifestamente genérica, não concretizando sequer qual o direito que foi exercido pelo autor de forma abusiva. Ao fazer alusão ao comportamento do autor, o recorrente parece aludir mais uma vez ao comportamento daquele no período subsequente à celebração do contrato e como já acima se disse, o objeto da presente ação, atendendo aos pedidos formulados, circunscreve-se à apreciação da validade desse acordo (e lei que lhe era aplicável, ou seja, porque se regeria). Poderia estar em causa algum comportamento do autor suscetível de criar expectativas no réu no sentido de a validade do contrato não vir a ser questionada. Mas como acima vimos, o contrato é nulo por padecer de vícios intrínsecos relacionados com a cláusula de fixação da remuneração devida ao réu, não decorrendo da factualidade provada que o autor tenha tido algum papel relevante na redação do contrato. Relembremos que o autor é jogador de futebol profissional e o réu advogado, pelo que, salvo sempre o devido respeito, é descabida a imputação ao autor de ter dado causa à nulidade acima referida.
Acresce que, como acima vimos, trata-se de uma nulidade absoluta, invocável por qualquer pessoa, pelo que nem sequer depende do autor a sua arguição.
Assim, independentemente do reconhecimento pela jurisprudência e a doutrina francesas do instituto do abuso do direito a que faz alusão o recorrente, improcede de forma manifesta esta parte do seu recurso.
6. Da violação pelo acórdão recorrido do Direito da União Europeia.
Alega o recorrente que a Relação deveria ter acautelado o respeito pelo disposto no Regulamento Europeu 593/2008, denominado “Roma 1”, bem como pelo princípio da livre concorrência, consagrado no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Aduz também que a decisão recorrida violou o princípio da proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade (artigo 18.º do TFUE), o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros (artigo 20°, n°. 2), o direito de livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais (artigo 26°, n° 2) e ainda o direito de livre circulação dos trabalhadores na União (artigo 45°) que implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, a remuneração e demais condições de trabalho.
Refere ainda que com base no artigo 56.° do Tratado, as restrições à livre prestação de serviços na União serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado-Membro que não seja o do destinatário da prestação, considerando-se serviços, as prestações realizadas normalmente mediante remuneração, na medida em que não sejam reguladas pelas disposições relativas à livre circulação de mercadorias, de capitais e de pessoas, compreendendo tais serviços as atividades das profissões liberais.
Invoca, por último, ainda o recorrente o art. 7.º do Regulamento (EU) n°. 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à livre circulação dos trabalhadores da União.
No que respeita ao Regulamento Europeu 593/2008, denominado "Roma 1", como acima já se referiu, as instâncias consideraram aplicável a lei francesa à luz desse mesmo Regulamento, o que corresponde integralmente à pretensão do aqui recorrente, não se alcançando, salvo melhor perspetiva, qual o objetivo desta parte do seu recurso de revista, sendo que o recorrente não concretiza em que consistiu essa alegada violação do regulamento comunitário.
Quanto às restantes disposições comunitárias invocadas pelo recorrente, de acordo com o disposto no art. 18.º do TFUE, “no âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade”. Por sua vez, preceitua o art. 26.º do mesmo Tratado que: “1. A União adota as medidas destinadas a estabelecer o mercado interno ou a assegurar o seu funcionamento, em conformidade com as disposições pertinentes dos Tratados. 2. O mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados.”
Quanto à livre circulação dos trabalhadores, prevê o artigo 45.º do TFUE o seguinte:
“1. A livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na União.
2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.
3. A livre circulação dos trabalhadores compreende, sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, o direito de:
a) Responder a ofertas de emprego efetivamente feitas;
b) Deslocar-se livremente, para o efeito, no território dos Estados-Membros;
c) Residir num dos Estados-Membros a fim de nele exercer uma atividade laboral, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais;
d) Permanecer no território de um Estado-Membro depois de nele ter exercido uma atividade laboral, nas condições que serão objeto de regulamentos a estabelecer pela Comissão.
4. O disposto no presente artigo não é aplicável aos empregos na administração pública.”
Por sua vez, o artigo 56.º, relativo à prestação de serviços, estabelece que no âmbito das disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na União serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado-Membro que não seja o do destinatário da prestação.
De acordo com o disposto na alínea d) do art. 57.º do TFUE, para efeitos do disposto nos Tratados, consideram-se “serviços” as “prestações realizadas normalmente mediante remuneração, na medida em que não sejam reguladas pelas disposições relativas à livre circulação de mercadorias, de capitais e de pessoas, designadamente: (…) d) Atividades das profissões liberais.”
De acordo com a mesma disposição legal, “sem prejuízo do disposto no capítulo relativo ao direito de estabelecimento, o prestador de serviços pode, para a execução da prestação, exercer, a título temporário, a sua atividade no Estado-Membro onde a prestação é realizada, nas mesmas condições que esse Estado-Membro impõe aos seus próprios nacionais.
O recorrente invoca ainda o disposto no art. 7.º do Regulamento (EU) n°. 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à livre circulação dos trabalhadores da União, em cujo n.º 1, se prevê que “o trabalhador nacional de um Estado-Membro não pode ser sujeito no território de outro Estado-Membro, em razão da sua nacionalidade, a um tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.”
Sendo o réu advogado e implicando o contrato celebrado entre as partes o exercício da advocacia em país diverso do da sua residência habitual, dispõe ainda a Diretiva 77/249/CEE do Conselho de 22 de março de 1977, tendente a facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços pelos advogados, alterada pelas Diretivas n.º 2006/100/CE do Conselho de 20 de novembro de 2006 e n.º 2013/25/UE do Conselho de 13 de maio de 2013, no seu art. 4.º, n.ºs 1 e 2, o seguinte:
“1. As actividades relativas à representação e à defesa de um cliente em juízo ou perante autoridades públicas serão exercidas em cada Estado-membro de acolhimento nas condições previstas quanto aos advogados estabelecidos nesse Estado, com exclusão de qualquer requisito de residência ou de inscrição numa organização profissional no referido Estado.
2. No exercício destas actividades, o advogado respeitará as regras profissionais do Estado-membro de acolhimento, sem prejuízo das obrigações a que esteja sujeito no Estado-membro de proveniência.”
Nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal, “no que respeita ao exercício de actividades diferentes das referidas no n.º 1, o advogado continuará sujeito às condições e regras profissionais do Estado-membro de proveniência, sem prejuízo do respeito das regras, seja qual for a sua origem, que regulamentam a profissão no Estado-membro de acolhimento, nomeadamente, as relativas às incompatibilidades entre o exercício das actividade de advogado e o de outras actividades nesse Estado, do segredo profissional, às relações entre colegas, à proibição de assistência pelo mesmo advogado a partes com interesses opostos, e à publicidade. Tais regras só serão aplicáveis se puderem ser cumpridas por um advogado não estabelecido no Estado-membro de acolhimento e na medida em que o seu cumprimento se justifique objectivamente para assegurar, nesse Estado, o exercício correcto das actividades do advogado, a dignidade da profissão e o respeito das incompatibilidades.”
Sobre a livre circulação de pessoas e de serviços no âmbito da CEE e a liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-membro no território de um outro Estado-membro, nos termos consagrados nos Tratados, o Tribunal de Justiça, no acórdão de 28 de abril de 1977 (Jean Thieffry contra Conseil de l'Ordre des Avocats à la Cour de Paris; processo C-71/76; ECLI:EU:C:1977:65) considerou pela primeira vez que foi intenção do legislador comunitário “conciliar a liberdade de estabelecimento com a aplicação das normas nacionais relativas às profissões, justificadas pelo interesse geral, nomeadamente as normas relativas à organização, à qualificação, à deontologia, ao controlo e à responsabilidade, na condição de que esta aplicação seja feita de maneira não discriminatória.” (O texto integral está disponível no seguinte link:https://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt/TXT/?uri=CELEX:61976CJ0071).
Também no acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de março de 1993 (Dieter Kraus contra Land Baden-Württemberg, processo C- 19/92, ECLI:EU:C:1993:125), se defendeu que a livre circulação de trabalhadores e a liberdade de estabelecimento pode ser comprimida para prosseguir razões de interesse geral. Segundo esse acórdão, uma medida nacional, relativa às condições de utilização de um título universitário complementar obtido noutro Estado-membro, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, deve ser proibida se for suscetível de afetar ou de tornar menos atraente o exercício pelos nacionais comunitários, incluindo os do Estado-membro autor da medida, das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, salvo se essa medida seja adequada para prosseguir um objetivo legítimo compatível com o Tratado e se justifique por razões imperiosas de interesse geral e não ultrapassasse o necessário para atingir esse objetivo. (O texto integral está disponível no seguinte link:https://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt/TXT/?uri=CELEX:61992CJ0019).
Sobre a Directiva 77/249, o Tribunal de Justiça pronunciou-se no acórdão de 19 de Janeiro de 1988 (Processo 292/86; Claude Gullung contra Conseil de l'ordre des avocats du barreau de Colmar et de Saverne, ECLI:EU:C:1988:15), no sentido da mesma “dever ser interpretada no sentido de que as suas disposições não podem ser invocadas por um advogado estabelecido num Estado-membro com o objectivo de exercer no território de outro Estado-membro as suas actividades enquanto prestador de serviços quando, neste último Estado-membro, o acesso à profissão de advogado lhe tenha sido proibido por razões relativas à dignidade, honorabilidade e probidade.” (O texto integral está disponível no seguinte link:https://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt/TXT/?uri=CELEX:61986CJ0292
Esta jurisprudência do Tribunal de Justiça foi mantida no acórdão de 19 de fevereiro de 2002 (TJCE, processo C-309-99. J. C. J. Wouters, J. W. Savelbergh e Price Waterhouse Belastingadviseurs BV contra Algemene Raad van de Nederlandse Orde van Advocaten, ECLI:EU:C:2002:98), que decidiu que “Os artigos 52.° e 59.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 43.° CE e 49.° CE) não se opõem a uma regulamentação nacional como o Samenwerkingsverordening 1993, que proíbe toda a colaboração integrada entre os advogados e os revisores de contas, dado que razoavelmente se pôde considerar que este era necessário para o bom exercício da profissão de advogado, tal como se encontra organizada no país em causa.” Entendeu o TJCE nessa decisão que os requisitos essenciais para o bom exercício da profissão de advogado, como a independência, o segredo profissional e a proibição de conflitos de interesses, podem justificar restrições à livre prestação de serviços, ao direito de estabelecimento e à livre concorrência, nomeadamente as restrições decorrentes da proibição de associações integradas entre advogados e revisores de contas.
No caso dos autos, desde logo não faz sentido, e salvo sempre do devido reepeito, a alegação do recorrente de que houve violação da proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho, nos termos consagrados no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e no Regulamento n.º 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho de 5 de abril de 2011 relativo à livre circulação dos trabalhadores na União.
Sendo o réu de nacionalidade francesa e com residência habitual em ..., na presente ação é aplicável a lei francesa, pelo que não se vislumbra em que consiste a alegada descriminação, uma vez que foi aplicada a lei do país no qual o réu se encontra registado como advogado com a consequente aplicação do regime legal regulador do exercício dessa profissão.
Por outro lado, como acima vimos, estando em causa nos autos a apreciação da validade de um contrato de agenciamento desportivo, concluiu-se pela invalidade de tal negócio nos termos previstos tanto na lei francesa como na lei portuguesa, pelo que não foi dado tratamento diverso ao aqui réu daquele que é aplicado aos restantes nacionais franceses e portugueses.
Sendo o réu advogado de profissão, cremos não ser aplicável o Regulamento n.º 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho de 5 de abril de 2011 relativo à livre circulação dos trabalhadores na União, uma vez que a relação laboral pressupõe a subordinação jurídica entre o trabalhador e a entidade patronal, o que colide com a autonomia e independência próprias da profissão liberal de advogado.
Consideramos ser antes aplicável a Directiva 77/249/CEE do Conselho de 22 de março de 1977, tendente a facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços pelos advogados, alterada pelas Directivas n.º 2006/100/CE do Conselho de 20 de novembro de 2006 e n.º 2013/25/UE do Conselho de 13 de maio de 2013, já acima citada.
O objeto do contrato cuja validade está em causa nesta ação, não integra, a nosso ver, a previsão do n.º 1 do art. 4.º dessa Directiva relativa às “actividades relativas à representação e à defesa de um cliente em juízo ou perante autoridades públicas”. Como supra vimos, o objeto do contrato aqui em discussão ultrapassa em muito essa mera atividade de representação, sendo, assim, aplicável o n.º 4 desse preceito legal, já acima transcrito que prevê que “o advogado continuará sujeito às condições e regras profissionais do Estado-membro de proveniência, sem prejuízo do respeito das regras, seja qual for a sua origem, que regulamentam a profissão no Estado-membro de acolhimento, nomeadamente, as relativas às incompatibilidades entre o exercício das actividade de advogado e o de outras actividades nesse Estado, do segredo profissional, às relações entre colegas, à proibição de assistência pelo mesmo advogado a partes com interesses opostos, e à publicidade. Tais regras só serão aplicáveis se puderem ser cumpridas por um advogado não estabelecido no Estado-membro de acolhimento e na medida em que o seu cumprimento se justifique objectivamente para assegurar, nesse Estado, o exercício correcto das actividades do advogado, a dignidade da profissão e o respeito das incompatibilidades.”
Assim, de acordo com esta disposição, o aqui réu, prestando os serviços contratados com o autor em Portugal, no âmbito do contrato que é objeto destes autos, mantendo a residência habitual em ..., continua sujeito às condições e regras profissionais do Estado-membro de proveniência, ou seja, à lei francesa.
O que poderá estar em causa, embora não tenha sido concretizado pelo recorrente nas suas alegações, seria uma eventual discrepância entre a legislação francesa e o direito da União Europeia na vertente do direito à livre concorrência e à liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços no espaço da União. Ou seja, poderia equacionar-se se a legislação francesa aplicada nos presentes autos não constitui uma restrição desproporcional àqueles direitos comunitários.
Como acima vimos, a nulidade do contrato celebrado entre as partes radica, em primeira linha, na desconformidade da cláusula que fixa a remuneração devida ao réu com o regime legal previsto no ordenamento jurídico francês tanto no que respeita aos advogados mandatários desportivos como aos agentes desportivos.
Sendo o réu advogado, maiores são as exigências legais no que respeita à regulação da forma de fixação dos seus honorários, o que passa por exigir que o respetivo valor dos honorários seja especificado no contrato, ou seja, que tal montante seja previamente determinado ou determinável no momento da celebração do negócio. No presente caso, a imposição legal de que o montante dos honorários devidos a um advogado pelo exercício do mandato em relação a um contrato desportivo, seja especificado no contrato (art. 10.º da Lei n.º 71-1130 de 31-12-1971) visa evitar que os honorários fiquem exclusivamente dependentes do resultado obtido na questão para a qual o advogado foi mandatado, permitindo-se apenas que os honorários alcancem 10% do valor do contrato a celebrar, mas com indicação expressa e prévia do seu montante no texto do contrato. Está em causa salvaguardar não apenas os interesses do cliente, mas sim um interesse geral de salvaguarda dos princípios deontológicos do exercício da advocacia.
Também a exigência legal de que nos contratos celebrados entre os agentes desportivos e os seus clientes seja especificada a remuneração devida ao agente desportivo (artigo L222-17 do Código do Desporto Francês), visa, como supra já se deixou referido, também salvaguardar não apenas os interesses destes clientes, mas também o interesse geral de regulação deste tipo de atividade, prevenindo-se a existência de conflitos de interesses para que a remuneração do agente não fique exclusivamente dependente do resultado obtido na atividade de intermediação, com prejuízo para o desportista e para o correta organização e desempenho da modalidade desportiva em geral. A necessidade de atribuição de licenças para o desempenho da atividade de agente desportivo pela federação desportiva respetiva constitui indício desse interesse geral na regulação dessa atividade.
É manifesto, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima citada, que a inclusão destas restrições ao exercício da atividade aqui em causa previstas na legislação francesa estão justificadas por razões de interesse geral relativas à regulação da profissão da advocacia e da atividade de intermediação desportiva.
A introdução de restrições à fixação da remuneração devida a advogados pelo exercício da sua profissão não é exclusiva da lei francesa, sendo comum a todos os Estados-Membros da UE. Como acima vimos, o regime legal francês no que respeita a esta matéria insere-se no princípio geral da proibição dos advogados celebrarem pactos de quota litis, consagrado no art. 3.3. do Código de Deontologia dos Advogados Europeus, já supra citado, que vincula os advogados franceses e todos os advogados sedeados nos Estados-Membros da UE (art. 1.4) originalmente adotado na sessão plenária do Conseil des Barreaux européens (CCBE) de 28 de outubro de 1988 e subsequentemente alterado nas sessões plenárias do CCBE de 28 de novembro de 1998, de 6 de dezembro de 2002 e de 19 de maio de 2006, cuja tradução para a língua portuguesa foi aprovada pela Deliberação n.º 2511/2007 da Ordem dos Advogados publicada no Diário da República (2.ª série), de 27 de dezembro de 2007.
Como já se deixou também referido, a propósito deste artigo 3.3. do Código de Deontologia dos Advogados Europeus, o comentário a essa disposição legal constante do memorando explicativo preparado pelo Grupo de Trabalho de Deontologia do CCBE, atualizado na Sessão Plenária do CCBE de 19 de Maio de 2006, destinado a explicar o sentido e a origem das disposições contidas no Código, refere que as disposições relativas ao Pactum de Quota Litis, “reflectem a posição comum a todos os Estados-Membros de que um acordo de fixação de honorários que faça depender o recebimento destes do desfecho positivo da causa (Contigency Fees/Pactum de Quota Litis) não sujeito a regras adequadas, é contrário ao princípio da boa administração de justiça por encorajar a litigância de má-fé e ser passível de abusos. Não se pretende, contudo, impedir a continuidade ou a celebração de acordos segundo os quais os advogados são remunerados em função dos resultados ou apenas se a acção ou questão tiver um desfecho positivo, desde que tais acordos sejam adequadamente regulados e controlados no sentido de garantir a protecção do cliente e a boa administração da justiça.”
De acordo com o n.º 1 do artigo 1.2 do mesmo Código, “As regras profissionais e deontológicas aplicáveis ao advogado estão adequadas a garantir, através da sua espontânea observância, o exercício correcto de uma função que é reconhecida como indispensável em todas as sociedades civilizadas. O incumprimento dessas regras pelo advogado é susceptível de ser objecto de sanções disciplinares.”
Por sua vez, dispõe o art. 2.1. do mesmo Código o seguinte:
“2.1 - 1 - A multiplicidade de deveres a que o advogado está sujeito impõe-lhe uma independência absoluta, isenta de qualquer pressão, especialmente a que possa resultar dos seus próprios interesses ou de influências exteriores. Esta independência é tão necessária à confiança na justiça como a imparcialidade do juiz. O advogado deve, pois, evitar pôr em causa a sua independência e nunca negligenciar a ética profissional com a preocupação de agradar ao seu cliente, ao juiz ou a terceiros.
2.1 - 2 - Esta independência é necessária em toda e qualquer actividade do advogado, independentemente da existência ou não de um litígio concreto, não tendo qualquer valor o conselho dado ao cliente pelo advogado, se prestado apenas por complacência, ou por interesse pessoal ou sob o efeito de uma pressão exterior.”
A lei francesa insere-se, assim, num quadro comum a todos os Estados-Membros da UE, introduzindo restrições à fixação da remuneração devida a advogados de modo a garantir o exercício correto de uma função que é reconhecida como indispensável em todas as sociedades civilizadas, permitindo que os respetivos honorários pelo exercício do mandato em relação a um contrato desportivo alcancem 10% do valor do contrato a celebrar, mas exigindo que o montante desses honorários seja especificado no contrato celebrado entre o advogado e o cliente para evitar que tais honorários fiquem exclusivamente dependentes do resultado obtido na questão para a qual o agente foi mandatado.
Perante o que se deixou exposto, não vislumbramos qualquer violação do direito da União Europeia, e nem sequer o recorrente concretizou em que consiste essa violação por si alegada.
7. Da necessidade de submissão de questão jurisprudencial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ou, subsidiariamente, ao Tribunal de Recurso de Versalhes (Cour d'appel de Versailles).
No seu recurso de revista, o recorrente alega que a Relação ao declarar a nulidade do contrato celebrado entre as partes e, consequentemente, ao considerar a nulidade dos atos praticados ao abrigo do mesmo, violou as normas comunitárias aplicáveis aos Estados-Membros da União Europeia, fazendo uma errada interpretação e aplicação do direito aplicável ao caso concreto. Conclui o recorrente que estamos perante uma questão prejudicial que deverá ser submetida ao Tribunal de Justiça da União Europeia, para que seja proferida competente decisão prejudicial, nos termos dos artigos 93° e seguintes do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.
Em primeiro lugar, além de não sugerir qualquer questão prejudicial a colocar ao TJUE, da sua alegação, também o recorrente não concretiza qual a norma de Direito da União Europeia cuja interpretação ou validade justificaria o reenvio prejudicial àquele Tribunal.
De acordo com o disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
E nos termos do mesmo preceito, apenas se surgir uma questão dessa natureza (interpretação ou validade de Direito da União Europeia) em processo pendente perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, se o mesmo órgão considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, é que pode ser solicitado ao TJUE que que sobre ela se pronuncie.
Assim, cabe aos órgãos jurisdicionais de cada Estado Membro decidir se, no caso concreto que têm para decidir, se justifica ou não a formulação de um pedido de reenvio prejudicial ao TJUE, cabendo a este último admitir ou não o referido pedido.
No caso concreto dos autos, face ao que é alegado pelo recorrente nas suas alegações e ao objeto do presente recurso, desde já adiantamos que não se mostra necessária, segundo a jurisprudência do próprio TJUE, a formulação de qualquer pedido de reenvio prejudicial.
A jurisprudência do TJUE desde o Acórdão Cilfit (Acórdão do TJUE de 06-10-1982, Proc. C-283/81, ECLI:EU:C:1982:335) - O texto integral (em inglês) está disponível no seguintelink:http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=91672&pageIndex=0&doclang=EN&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4349686 - tem admitido de forma consistente a dispensa da obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação, por insusceptibilidade de recurso, nas seguintes situações:
— Em 1º. lugar, cessa a obrigação de reenvio quando a questão de direito da UE suscitada for impertinente ou desnecessária para a resolução do litígio concreto;
— Em 2º. lugar, verifica-se dispensa de reenvio quando o TJUE já se tenha pronunciado, de forma firme, sobre a questão a reenviar em caso análogo, em sede de reenvio ou outro meio processual, atento o efeito erga omnes das suas decisões;
— Por último, a obrigação de reenvio não tem lugar quando o tribunal nacional considere que as normas da UE aplicáveis não suscitam dúvidas interpretativas, ou sejam suficientemente claras e determinadas, aptas para serem aplicadas imediatamente, sendo que a clareza das normas aplicáveis deve resultar da sua interpretação teleológica e sistemática e da referência ao contexto histórico, social e económico em que foram adotadas.
Esta jurisprudência tem sido reafirmada pelo TJUE, nomeadamente, através dos seguintes acórdãos:
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção)
30 de janeiro de 2019
Processo C‑587/17 P
Comissão/Bélgica
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=210303&mode=req&pageIndex=4&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção)
Data: 4 de outubro de 2018
Comissão/França
Processo C‑416/17
EU:C:2018:811, n. 110
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=206426&mode=req&pageIndex=4&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção)
Data: 28 de julho de 2016
Association France Nature Environnement,
Processo C‑379/15
EU:C:2016:603, n.o 50
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=182297&mode=req&pageIndex=5&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção)
Data: 1 de outubro de 2015
Processo C‑452/14
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=168949&mode=req&pageIndex=6&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção)
Data: 9 de setembro de 2015
Processo C‑160/14,
Ferreira da Silva e Brito e o.
EU:C:2015:565 n.os 38 e 39
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=167205&mode=req&pageIndex=7&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção)
Data: 18 de Outubro de 2011
Processos apensos C‑128/09 a C‑131/09, C‑134/09 e C‑135/09,
Boxus e O.,
EU:C:2011:667, n.° 31
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=111403&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4817820
Também nos pontos 5 e 6 das Recomendações emitidas pelo TJUE à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C 257/1 de 20-7-2018), é esclarecido que: “5. Os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros podem submeter uma questão ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação ou a validade do direito da União se considerarem que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa (ver artigo 267.º, segundo parágrafo, do TFUE). Um reenvio prejudicial pode revelar-se particularmente útil nomeadamente quando for suscitada perante o órgão jurisdicional nacional uma questão de interpretação nova que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União ou quando a jurisprudência existente não dê o necessário esclarecimento num quadro jurídico ou factual inédito. 6. Quando for suscitada uma questão no âmbito de um processo pendente perante um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão jurisdicional é no entanto obrigado a submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça (ver artigo 267.º, terceiro parágrafo, do TFUE), exceto quando já existir uma jurisprudência bem assente na matéria ou quando a forma correta de interpretar a regra de direito em causa não dê origem a nenhuma dúvida razoável.”
A jurisprudência do TJUE acima referida sobre a dispensa da obrigação de suscitar a questão prejudicial tem sido aplicada de forma reiterada por este STJ – cfr. acórdãos de 10-07-2008 (Revista n.º 2944/07), de 18-12-2002 (Revista n.º 3956/02), de 30-09-2014 (Revista n.º 1020/13.0TBCHV-D.P1.S1), de 21-05-2009 (Revista n.º 4986/06.3TVLSB.S1), de 04-02-2016 (Revista n.º 536/14.6TVLSB.L1.S1), de 17-03-2016 (Revista n.º 588/13.6TVPRT.P1.S1) e de 14-03-2017 (Revista n.º 736/14.9TVLSB.L1.S1), todos publicados na DGSI, bem como nos acórdãos de 29-04-2010 (Revista n.º 622/08.1TVPRT.P1.S1); de 16-10-2014 (Revista n.º 1279/06.0TVPRT-C.P1.S1), de 29-09-2015 (Revista n.º 1740/12.7TBPVZ.P1.S1), de 02-02-2016 (Revista n.º 326-C/2002.E1.S1) e de 05-12-2017 (Revista n.º 11256/16.7T8LSB.L1.S2-A), não publicados, mas cujos sumários se encontram disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso concreto destes autos, e enfatizando, a recorrente invoca a violação dos diplomas comunitários já acima enunciados, sem concretizar em que consiste essa alegada violação, invocada em termos genéricos e conclusivos. Como acima expusemos, o que poderia estar em causa nos presentes autos, embora não tenha sido concretizado pelo recorrente nas suas alegações, seria uma eventual discrepância entre a legislação francesa e o direito da União Europeia na vertente do direito à livre concorrência e à liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços no espaço da União. Ou seja, poderia equacionar-se se a legislação francesa aplicada nos presentes autos não constitui uma restrição desproporcional àqueles direitos comunitários.
Porém, de acordo com a jurisprudência do TJCE acima citada, a inclusão de restrições ao exercício da atividade aqui em causa previstas na legislação francesa estão plenamente justificadas por razões de interesse geral relativas à regulação da profissão da advocacia e da atividade de intermediação desportiva, pelo que cremos não ser necessária a formulação de qualquer pedido de reenvio prejudicial, tendo já o TJCE se pronunciado sobre essa matéria nos termos supra expostos.
Por outro lado, o recorrente parece pretender que o TJUE seja chamado a pronunciar-se, no âmbito de um reenvio a título prejudicial, sobre a interpretação a dar às disposições de direito francês aplicadas nos presentes autos, não sendo essa a competência que os Tratados atribuíram ao TJUE. Tal princípio tem sido sucessivamente afirmado em várias decisões desse Tribunal. Vide a esse propósito:
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção)
Data: 26 de janeiro de 2021
Processos apensos C‑422/19 e C‑423/19
ECLI:EU:C:2021:63
Texto integral:
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção)
Data: 17 de dezembro de 2020 Processo C‑398/19
ECLI:EU:C:2020:1032
Texto integral:
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção)
Data: 4 de março de 2020P
Processo C‑34/19
ECLI:EU:C:2020:148
Texto integral:
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção)
Data: 4 de março de 2020
Processo C‑183/18
ECLI:EU:C:2020:153
Texto integral:
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção)
Data: 10 de janeiro de 2019
Processo C‑97/18
ECLI:EU:C:2019:7
Texto integral:
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção)
Data: 7 de agosto de 2018
Processos apensos C‑96/16 e C‑94/17
ECLI:EU:C:2018:643
Texto integral:
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção)
Data:16 de fevereiro de 2017
Processo C‑507/15
ECLI:EU:C:2017:129
Texto integral:
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção)
Data: 17 de janeiro de 2013
Processo C‑23/12
ECLI:EU:C:2013:24
Perante tudo que se deixou exposto, e em conclusão, entendemos que não existem razões que justifiquem a formulação de qualquer pedido de reenvio prejudicial ao TJUE, sendo que o pedido subsidiário de submissão de questão prejudicial ao Tribunal de Recurso de Versalhes (Cour d'appel de Versailles) não tem, salvo o devido respeito. qualquer cabimento ou apoio legal.
Termos, pois, em que, em face do que se deixou exposto, se decide negar provimento ao recurso de revista (excecional), confirmando-se o, aliás douto, acórdão recorrido.
***
III - Decisão
Assim, em face do se deixou exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista do Réu, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo R./recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).
***
Lisboa, 2022/09/13
Relator: cons. Isaías Pádua
Adjuntos:
Cons. Manuel Aguiar Pereira
Cons. Maria Clara Sottomayor