PRAZOS
MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário

O Ministério Público só pode ser admitido a praticar o acto nos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo, se manifestar vontade de usar da possibilidade prevista no artigo 145, n.5 do Código de Processo Civil de 1995.

Texto Integral

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I

1. O Ministério Público, inconformado, interpôs recurso da sentença proferida no processo n.º ../01.2TAVNG do .. juízo criminal do Tribunal de Vila Nova de Gaia.
2. O recurso foi admitido, por despacho de fls. 782 dos autos.
3. Ao recurso respondeu o arguido B.........., no sentido de lhe ser negado provimento.
4. Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi de parecer, pese embora as deficiências da sentença que apontou, de que o recurso, tendo em conta o seu objecto, não merece provimento.
5. Por impedimento do primitivo relator, foi o processo redistribuído.
6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), não foi apresentada resposta.
7. No exame preliminar a relatora suscitou a questão prévia da rejeição do recurso, por ter sido apresentado fora de prazo, remetendo os autos à conferência, a fim de ser apreciada e decidida.
II

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
1. Com relevância para a decisão da questão prévia suscitada, extraem-se dos autos os seguintes elementos:
- A sentença de que foi interposto o recurso foi lida, publicamente, em audiência, no dia 21 de Julho de 2004 e foi depositada na secretaria no dia seguinte, 22 de Julho de 2004 (fls. 743 e 745);
- O recurso deu entrada no tribunal, por fax, no dia 4 de Outubro de 2004 (fls. 748);
- Nem em requerimento autónomo nem no requerimento de interposição do recurso o Ministério Público alegou justo impedimento ou fez qualquer menção a pretender utilizar o prazo do artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC).
2. O prazo para interposição do recurso é de 15 dias e conta-se a partir do depósito da sentença na secretaria (artigo 411.º, n.º 1, do CPP).
Aplicando-se às contagens dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil (artigo 104.º do CPP) - o prazo processual é contínuo, suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais (artigo 144.º do CPC) -, o último dia para a interposição do recurso era, no caso, o dia 29 de Setembro de 2004.
Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o acto respeitar, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento (artigo 107.º, n.º 2, do CPP).
Independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações (artigo 107.º, n.º 5, do CPP).
Nos termos do artigo 145.º, n.º 5, do CPC, «independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa ...».
Se o acto for praticado em qualquer dos três dia úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria notificará o interessado para pagar multa de montante igual ao dobro da mais elevada prevista no n.º 5 do artigo 145.º, sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto (artigo 145.º, n.º 6, do CPC).
3. No caso em apreço, o Ministério Público praticou o acto no 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo.
Aceitando-se que o Ministério Público não tem de pagar a multa prevista no artigo 145.º, n. os 5 e 6, do CPC, a questão que se coloca está em saber se o Ministério Público pode, sem satisfação de qualquer exigência, ainda que no plano meramente simbólico, praticar o acto nos três dias úteis seguintes (o que equivaleria a que, para o Ministério Público, o prazo legal passasse a ser o «prazo normal» acrescido dos três dias úteis seguintes).
O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão [No acórdão n.º 355/2001, de 11 de Julho de 2001, publicado no Diário da República, II Série, n.º 238, de 13 de Outubro de 2001], no sentido de que as funções de sujeito processual inerentes ao estatuto do Ministério Público podem justificar a isenção do pagamento de multas processuais com a consequência de o Ministério Público vir a dispor, independentemente de multa, de um alargamento do prazo processual.
Considerou, todavia, «ainda assim, que a justificação da isenção de multa não implicará um privilégio do Ministério Público relativamente ao não cumprimento dos prazos processuais, não o dispensando, por via disso, de emitir uma manifestação de vontade no sentido de requerer a prática do acto nos três dias posteriores ao termo do prazo. Essa exigência equivalerá, num plano simbólico, ao pagamento da multa (...) e será um modo suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo Ministério Público».
Seguindo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, também o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 2 de Outubro de 2003, proferido no processo 284/03 [In http://www.stj.pt/], adoptou a solução de exigir uma manifestação de vontade, no sentido de requerer a prática do acto nos três dias seguintes ao termo do prazo, para que se mostre assegurada a tempestividade do recurso interposto pelo Ministério Público num dos três dias seguintes ao termo do prazo.
São os seguintes os fundamentos e a conclusão desse acórdão [Com um voto de vencido]:
«4.1. Datando a publicação e o depósito da sentença recorrida de 08Mai03 (fls. 165/166), o prazo do recurso - de 15 dias (art. 411.1 do CPP) - haveria de terminar, como terminou, no dia 23Mai01 (art. 104.1). Mas o MP (v. fls. 178) só o interpôs - sem invocação de justo impedimento, sem pagamento de multa e sem qualquer declaração de igual simbolismo - no dia 27Mai03 (correspondente ao 2.º dia útil seguinte ao último do prazo).
«4.2. Ora, «os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos (...), a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento» (art. 107.2 do CPP).
«4.3. Acontece, porém, que o MP não só não requereu a prática do acto de recurso «fora do prazo estabelecido» como não invocou - e, muito menos, provou - justo impedimento.
«4.4. É certo que, «independentemente de justo impedimento, poderia o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações», ou seja, «dentro dos três primeiros dias úteis seguintes subsequentes ao termo do prazo» (art. 145.5 do CPC).
«4.5. Só que, nesse caso, a validade do acto ficaria dependente do «pagamento imediato de uma multa (...)» (art. 145.5 do CPC), mas que o Ministério Público, atento o seu específico estatuto, não deve.
«4.6. É de perguntar, por isso, qual a «adaptação» que, em razão disso, será «necessário» impor ao preceito, para que «a justificação da isenção da multa não implique um privilégio do MP relativamente ao não cumprimento dos prazos processuais» (TC 11Jul01, DR II 238).
«4.7. Nesse sentido, o Tribunal Constitucional (-) vem exigindo - para afeiçoamento constitucional da norma (-) - que o MP, «não pagando a multa, emita uma declaração no sentido de pretender praticar o actos nos três dias posteriores ao termo do prazo» (-):
«"A justificação da isenção da multa não implicará um privilégio do Ministério Público relativamente ao não cumprimento dos prazos processuais, não o dispensando, por isso, de emitir uma manifestação de vontade no sentido de requerer a prática do acto nos três dias posteriores ao termo do prazo. Essa exigência equivalerá, num plano simbólico, ao pagamento de multa e será um modo suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo MP".
«4.8. Mas, no caso, o MP, apesar de ter praticado o acto de interposição de recurso «fora do prazo estabelecido por lei» (se bem que no 2.º dia útil subsequente ao termo do prazo), não só não requereu essa «prática de acto fora do prazo» (-) - nem entretanto invocou ou provou «justo impedimento» - como, em alternativa (-) à multa de validação do acto tardio, não emitiu, nem no prazo nem no acto, «declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do prazo».
«4.9. Assim sendo, tudo se passou como se o MP (no pressuposto, errado, de que estava «em tempo») «A Procuradora da República, não se conformando com o acórdão, vem do mesmo interpor recurso, por estar em tempo (...)» tivesse, pura e simplesmente, interposto o seu recurso - como interpôs - no 20.º dia seguinte ao do depósito da sentença na secretaria. E, por isso, tarde (pois que «o prazo para interposição do recurso é de 15 dias» - 411.1 do CPP).
«4.10. Daí que o seu recurso não devesse, a seu tempo, ter sido admitido (art. 414.2) e deva agora, por isso, ser rejeitado (art. 420.1).
«5. Conclusão
«Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento (art. 107.2 do CPP). Mas, «independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações», ou seja, «dentro dos três primeiros dias úteis seguintes subsequentes ao termo do prazo» (art. 145.5 do CPC). Só que, nesse caso, a validade do acto ficará dependente do «pagamento imediato de uma multa» (idem). Uma vez, porém, que o Ministério Público, atento o seu específico estatuto, a não deve, é de perguntar qual a «adaptação» que, em razão disso, será «necessário» impor ao preceito, para que «a justificação da isenção da multa não implique um privilégio do MP relativamente ao não cumprimento dos prazos processuais». Nesse sentido, o Tribunal Constitucional vem exigindo - para afeiçoamento constitucional da norma - que o MP, «não pagando a multa, emita uma declaração no sentido de pretender praticar o actos nos três dias posteriores ao termo do prazo». «Essa exigência equivalerá, num plano simbólico, ao pagamento de multa e será um modo suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo MP» (TC 11Jul01, DR II 238).»
No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8 de Novembro de 2004 (proc. n.º 1322/04) [Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo V/2004, p. 292 e ss].
Não divergimos da posição manifestada nos acórdãos que referimos.
Também nós entendemos que, embora se justifique a possibilidade de o Ministério Público dispor, independentemente de multa, do alargamento do prazo processual para interpor recurso, previsto no artigo 145.º, n.º 5, do CPC, isso não o dispensa de emitir uma manifestação de vontade no sentido de requerer a prática do acto nos três dias posteriores ao termo do prazo.
4. Como, no caso em apreço, o Ministério Público interpôs o recurso no 3.º dia útil posterior ao termo do prazo e omitiu, no prazo ou no próprio requerimento de interposição de recurso, qualquer declaração que expressasse a vontade de praticar o acto fora de prazo, o recurso foi interposto fora de tempo.
O que devia ter determinado a sua não admissão (artigo 414.º, n.º 2, do CPP).
A decisão de admissão do recurso não vincula, porém, este tribunal (artigo 414.º, n.º 3, do CPP).
O recurso é rejeitado quando se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artigo 414.º, n.º 2 (artigo 420.º, n.º 1, segundo segmento, do CPP).
III

Termos em que, por interposto fora de tempo, acordamos em rejeitar o recurso.
Não há lugar a tributação.

Porto, 29 de Junho de 2005
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
Agostinho Tavares de Freitas