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ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
CONTRATO
RENOVAÇÃO
Sumário
I- Se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo prazo de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se renovado. A falta de oposição do senhorio tem de durar um ano. Enquanto esse período não se mostrar decorrido o senhorio não está limitado por qualquer posição anterior de não oposição, podendo sempre tomar iniciativas conducentes à desocupação do locado. II- Sendo a indemnização devida pela entrega tardia do locado equivalente ao montante da renda (art. 1045º do CC), o recebimento desta no decurso do prazo de um ano a que alude o art. 1056º do CC, e mesmo a sua actualização para vigorar para além desse período, não contrariam a oposição entretanto manifestada à renovação do contrato de arrendamento, por carta ou por acção judicial, se após estas o inquilino recusou a entrega do prédio.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
B................. e mulher, C............, residentes na Rua ...., ...., em Espinho, e D............. e mulher, E............, residentes na Rua ..., ...., ....., Espinho, instauraram a apresente acção declarativa com processo ordinário contra F............, residente na Rua ...., nº ...., em Espinho, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento que identificam, por caducidade, bem como pelo não pagamento de rendas, devendo o réu ser condenado a despejar e restituir imediatamente o prédio arrendado, livre e devoluto de coisas e pessoas.
Para o efeito, alegam, em síntese:
- Que compraram o prédio arrendado a G.............., que para ele reservou o usufruto quando o arrendou;
- Que tal prédio foi dado de arrendamento pelo referido G........., inicialmente a uma sociedade de que o réu era sócio gerente, passando, mais tarde, o réu a ser o único arrendatário.
- Que, porém, em 16 de Agosto faleceu o usufrutuário, tendo o réu sido informado do óbito e da consequente caducidade do contrato, devendo entregar o prédio no prazo de 3 meses;
Citado o réu, o mesmo apresentou contestação
Para além de invocar a sua própria ilegitimidade, alega, em síntese:
- Que o contrato de arrendamento vem vigorando desde os anos 30 até 2001;
- Que sempre teve a convicção que o G............... tinha a propriedade plena do arrendado, sabendo apenas que era usufrutuário em Março de 1979;
- Que, todavia, tal circunstância em nada o preocupou, dado que o seu arrendamento já existia e vigorava há décadas, com a qualidade de proprietário pleno por parte do senhorio;
- Que fez obras no locado, obras essas que especifica, que se mantém no locado por um ano, verificando-se a previsão do disposto no artº 1056º, do C.Civil.
Em sede de reconvenção, e para o caso de ser declarada a caducidade do contrato de arrendamento, pede a condenação dos autores no pagamento das benfeitorias necessárias que levou a cabo, em montante a liquidar em execução de sentença.
Os AA. responderam, pedindo a intervenção da mulher do réu.
Mais alegam que só a partir de 1.03.1979 foi o prédio arrendado à sociedade de que o réu era sócio gerente, que o réu sabia da qualidade do usufrutuário do locador, o que, aliás, até seria irrelevante, e que o contrato não foi renovado nos termos do artº 1056º, do C.Civil.
Quanto à reconvenção, alegam estar expressamente acordado o não pagamento das benfeitorias.
Foi elaborado o despacho saneador, ultrapassada a ilegitimidade passiva face ao deferimento do incidente da intervenção provocada da mulher do réu, I............. .
Foram enunciados os factos assentes e a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento, vindo a matéria de facto a ser decidida nos termos constantes do despacho de fls. 172 e segs., que não sofreu qualquer reparo.
Foi proferida sentença, que decidiu nos termos seguintes:
“Em face do exposto, julgo a acção procedente e provada, decretando a resolução, por caducidade, do contrato de arrendamento celebrado entre G.............. e o réu F........... e condenando o réu F........... e a interveniente I............. a restituírem, livre de coisas e pessoas, aos autores B........... e mulher, C.........., e D........... e mulher, E............. o prédio sito no ângulo da Av. .... e a Rua ...., na cidade de Espinho, com entradas na Rua ...., nºs ..../......, e na Av. ...., nºs ..../....., inscrito na matriz predial urbana de Espinho sob o artigo 2302.
Igualmente em face do exposto, condena-se o réu F........... como litigante de má fé no pagamento de uma multa equivalente a 50 UC`S..”
Inconformados, os RR.. interpuseram recurso, oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
1º- O contrato de arrendamento em vigor entre o usufrutuário G......... e o Réu, ora recorrente, caducou, nos termos da alínea c) do art. 1051º do C.C., por morte daquele.
2º- Nos termos do art. 1056º do mesmo C.C., “não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se renovado nas condições do art. 1054º do mesmo diploma.”
3º- O usufrutuário faleceu em 16/08/2000.
4º- O recorrente, na qualidade de arrendatário, permaneceu ininterruptamente no locado até ao momento presente, pagando sempre e pontualmente a renda devida.
5º- Não obstante a carta enviada pelos recorridos ao recorrente, estes continuaram a receber do Réu o valor da renda, sem manifestar oposição.
6º- Inclusive, por carta datada de 7/09/2001, os recorridos vieram actualizar a renda, fixando-a para os meses de Outubro e seguintes em 45.721$00.
7º- Isto mesmo resulta da matéria de facto assente, nomeadamente nos pontos F, H, I.
8º- Com base nestes factos assentes, o tribunal “a quo” nunca podia ter decretado a caducidade do contrato de arrendamento, uma vez que este se renovou tacitamente, por falta de expressa oposição dos senhorios.
9º- O contrato de arrendamento data já de 1.03.79, como resultou provado nos autos, quer por prova documental, quer pelo depoimento de parte do Réu, do qual se transcrevem partes (cassete n.º 1, lado A):
“Fez-se um contrato, que eu não assinei… O senhorio dizia que valia mais a sua palavra do que qualquer assinatura”;
“Em 77, quando fizemos um acordo de cavalheiros com ele (Sr. J.........), fomos falar com o senhorio, fizemos o arrendamento e passamos de quatro a seis contos de renda, porque o Senhor L......... exigiu.
Em Agosto registamos a firma H............, como está documentado, e nessa altura fez-se um contrato de arrendamento com o Senhor L..........”
10º- Também ficou provada a actualização das rendas levada a cabo pelos senhorios (ponto 3 e 9 dos “factos provados” da sentença “a quo”).
11º- A propositura da presente acção, em 18 de Junho de 2001, não interrompeu o prazo de um ano referido no art. 1056º (neste sentido, Ac. da Relação de Lisboa de 1 de Julho de 1993 (Col. Jur. XVIII, 3, 147): “o prazo estabelecido no art. 1056º do C.C. não é de caducidade e, por isso, não se interrompe com o exercício de um direito de acção.”
12º- Até porque os ora recorridos continuaram a receber as rendas do locatário, e ainda procederam a actualizações!
13º- Nos termos do art. 663º do C.P.C., a sentença proferida na presente acção teria que “tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento de encerramento da discussão.”, sendo que o seu n.º 2 manda especialmente atender a “factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência e conteúdo da relação controvertida.”
14º- O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/03/1997, proferido no Proc. n.º 810/96 da 2ª secção, decidiu: “a lei impõe a renovação do contrato se tiver decorrido mais de um ano sem oposição do locador. Para que tal não se verifique é necessário que a oposição se torne eficaz, isto é, que seja manifestada ao antagonista. Antes deste momento ela não existe, apenas havendo um propósito de se operar, o que, de modo efectivo se consegue quando é finalmente recebida por quem pode sofrer os seus efeitos e determinar-se em conformidade.”
15º- Atento o disposto no n.º 2 do art. 456º do C.P.C., é sancionada como litigância de má fé não só a conduta dolosa como também a gravemente negligente.
16º- A lei exige um grau elevado de negligência, tornando-se necessária prudência e ponderação na aplicação e subsunção deste conceito geral (neste sentido, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 15/10/2002 (in www.dgsi.pt), “Os tribunais devem ser prudentes na condenação por litigância de má fé, apurando-se caso a caso – apreciação casuística onde deverá caber a natureza dos factos e a forma como a negação ou omissão foram feitas”).
17º- Também o Acórdão da Relação do Porto de 29/10/2001 (in www.dgsi.pt) concretiza o conceito de litigância de má fé: “Pelo artigo 456º do C.P.C., na redacção actual (de 1995), integra litigância de má fé não apenas a actuação dolosa, mas ainda com erro grosseiro ou culpa grave, ou seja, com falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou aconselhadas pela previsão mais elementar, de acordo com os usos prudentes da vida”, sendo que a este conceito de culpa grave não se reconduz a mera actuação sem a prudência normal, com irreflexão ou ligeireza (neste sentido, Ac. Relação do Porto de 25/05/2001, in www.dgsi.pt).
18º- O réu articulou factos que não conseguiu provar, mas daqui não se pode retirar que litigou de má fé, com violação dos deveres de probidade, colaboração e boa fé processual.
19º- Esta posição é sustentada pela Jurisprudência maioritária, designadamente, Acórdão da Relação de Lisboa de 27/05/2004, Acórdão da Relação do Porto de 17/06/99, Acórdão da Relação do Porto de 14/11/94, Acórdão da Relação do Porto de 17/06/99, Acórdão da Relação do Porto de 25/02/02, Acórdão da Relação do Porto de 111/12/03, Acórdão da Relação do Porto de 29/11/99, Acórdão da Relação do Porto de 31/10/02 (in www.dgsi.pt), cujos sumários se encontram transcritos nas alegações supra.
20º- O recorrente, notificado, em obediência ao princípio do contraditório e da plena e efectiva defesa, para vir aos autos dizer o que tivesse por conveniente, face à possibilidade de a sua conduta integrar uma das situações do n.º 2 do art. 456º do C.P.C., corrigiu e clarificou pontos concretos da sua defesa.
21º- Os recorridos não formularam pedido de condenação do recorrente como litigante de má fé.
22º- O tribunal “a quo”, por força do princípio do pedido consagrado no art. 264º do C.P.C., estava impedido de se pronunciar sobre a litigância de má fé, uma vez que tal facto não foi alegado pelas partes.
23º- Também neste sentido se pronuncia a Jurisprudência maioritária, vide Acórdãos da Relação do Porto de 13/12/01, 23/10/01, 28/11/02, entre outros (in www.dgsi.pt).
24º- Carece de sentido a consideração de que o mandatário do Réu teve responsabilidade pessoal e directa nos actos pelos quais se revelou a má fé, nos termos do art. 459º do C.P.C..
25º- O mandatário apenas patrocinou o Réu no exercício do seu direito de defesa, na acção contra este proposta, contestando e reconvindo com base nos factos que lhe foram trazidos, e subsumindo-os ao direito que entendeu aplicável.
26º- É nisto que consiste o patrocínio judiciário, e a isto se resumiu a actuação do mandatário.
27º- A sentença recorrida violou todas as normas constantes das disposições legais referidas nestas alegações e respectivas conclusões.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, decretando-se a renovação do contrato de arrendamento nos termos do art. 1054º do Código Civil, e revogando-se a condenação do réu, ora recorrente, como litigante de má fé, bem como a extensão ao mandatário, nos termos do art. 459º do C.P.C.
Os recorridos ofereceram contra-alegações, pugnando pela manutenção do sucedido.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso ( art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Antes, porém, reunamos a matéria de facto que foi considerada provada:
Por escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de Espinho em 18.09.1976, os autores declararam comprar e G........... declarou vender um prédio sito no ângulo da Avenida ... e a Rua ...., na cidade de Espinho, com entradas na Rua ..., nºs .../...., e na Avenida ..., nºs ..../..., inscrito na matriz predial urbana de Espinho sob o artigo 2302, tendo este reservado para si o usufruto;
Tal prédio acha-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o nº 01643/110900 e o respectivo direito de propriedade está inscrito a favor dos autores (inscrição G1);
O usufrutuário G........... celebrou com a sociedade “H............, L.da” – constituída a 5.08.77 pelo réu juntamente com M.......... e N............ – um acordo, por escrito particular datado de 1.03.79, denominado de “contrato de arrendamento”, nos termos do qual aquele deu de “arrendamento” o prédio identificado no ponto 1. supra – armazém -, com início em 1.03.79 e pelo período de um ano, mediante a contraprestação de uma renda mensal de 4.000$00, conforme doc. de fls. 11, cifrando-se à data da propositura desta acção em 44.737$00 a renda mensal por força das actualizações anuais;
Constando ainda do clausulado que ao “inquilino não é permitido fazer obras ou benfeitorias, a não ser as de conservação, sem autorização do senhorio, por escrito e devidamente reconhecida, ficando estipulado que as que fizer ficam pertencendo ao prédio, não podendo o inquilino alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização”;
A sociedade “H.........., L.da” foi dissolvida por meio de acção proposta pelo Delegado do Procurador da República junto deste Tribunal, em virtude de não ter procedido no prazo legal ao aumento do seu capital para o montante mínimo de 400.000$00, tendo a respectiva sentença transitado a 25.03.93, sendo que a consequente liquidação seguida à dissolução encerrou-se a 29.09.93 com a aprovação das respectivas contas (que foram publicadas);
A partir dessa data, o estabelecimento industrial de recolha e reparação de automóveis instalado no nº ... da Rua ... passou a ser explorado exclusivamente pelo réu, passando ele a pagar as rendas respectivas ao senhorio;
Em 16.08.2000 faleceu o dito G.......... com 96 anos de idade;
O réu teve de imediato conhecimento do seu falecimento, tendo-lhe então os autores enviado a missiva cuja cópia se acha a fls. 13 e cujo teor se dá por reproduzido, informando-o, designadamente da caducidade do contrato e de que deveria entregar o prédio no prazo de 3 meses;
Com data de 7.09.2001, o réu recebeu dos autores uma carta registada com A/R., fixando a renda para os meses de Outubro e seguintes em 45.721$00.
Em 22.05.96, o réu dirigiu um pedido escrito ao falecido G............. a pedir a autorização para a realização das seguintes obras, “sem custas” para este, conforme documento de fls. 60:
Reparação da armação do telhado e colocação de telhas e caleiras;
Construção de placa em betão armado assente em pilares do mesmo material, para protecção da cobertura;
Picar e encher paredes interiores, com assentamento de azulejo e tijoleira no piso, bem assim pintura interior e exterior do prédio, na parte respeitante à N/oficina;
Substituição da rede eléctrica e de água, degradada e em perigo de ruptura.
Em 8.07.96, o falecido G.......... respondeu a este pedido, por carta registada com A/R., dando-lhe conta que estaria na disposição de autorizar a realização das solicitadas obras, mediante cinco condições prévias, entre as quais, a de que todas as obras teriam de ser pagas exclusivamente pelo réu e que todas as benfeitorias passariam a fazer parte integrante do prédio, não podendo nenhuma delas ser retirada no final do contrato, e que o réu jamais poderia reclamar qualquer indemnização ou compensação pela realização das ditas obras (cfr. doc. de fls. 61);
Em 26.08.96, o réu respondeu por escrito, tendo declarado aceitar aquelas condições prévias e anunciando quais as obras que iria levar a cabo e a partir de que data (cfr. doc. de fls. 63);
Antes da constituição da sociedade “H..........., L.da”, o réu explorou o armazém instalado no nº .... da Rua .., em Espinho;
Após a constituição da sociedade “H..........., L.da”, foi esta que passou a explorar o referido armazém instalado no nº ...... da Rua ..., em Espinho;
Após 1 de Março de 1979 a renda mensal do referido armazém passou a ser de 4.000$00;
O réu revestiu as paredes interiores da oficina a azulejo;
O réu pavimentou integralmente o espaço;
Após a morte do G..........., os autores mandaram pintar e reparar o telhado e as caleiras do locado;
Em 1999 já existia casa de banho e escritório da oficina;
Em 1999 o piso já estava revestido a cimento.
1ª QUESTÃO
A primeira questão colocada pelo recorrente prende-se com saber se se verificou oposição dos recorridos ao gozo da coisa por parte do recorrente, para os efeitos do art. 1056º do Código Civil.?
Dispõe este normativo que “se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se igualmente renovado nas condições do art. 1054º”.
A finalidade do art. 1056º do CC nada tem a ver com a caducidade do exercício de um direito (direito de propor acção de despejo), mas sim a de fixar os requisitos de que depende a renovação do contrato de arrendamento que caducou por força do preceituado no artigo 1051º do mesmo diploma, ou seja, um obstáculo à procedência daquela acção [Ac. RP de 8.6.1998, processo nº 0950501, in www.dgsi.pt].
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela [In Código Civil Anotado, Vol. II, pag. 423], “a exigência da falta de oposição do locador, para que se verifique a renovação do contrato, mostra que esta se funda numa presunção – a de que as partes acordaram tacitamente na renovação”.
A oposição, como meio apto para evitar que o arrendamento caduco se renove não está sujeito a forma especial, podendo ser efectuada por qualquer dos meios por que a vontade possa manifestar-se, previstos no art. 217º do CC [Ac. RE de 20.2.1992, in CJ, 1992, 2º, 271; Pereira Coelho, in Arrendamento, 1988, 323], e assim, ser feita, por exemplo, por missiva dirigida pelo locador ao locatário [Ac. RL de 16.5.1973, in BMJ, 227, 201], sendo também forma relevante de oposição a acção de despejo contra o arrendatário com o fundamento da caducidade, contando-se o prazo de um ano desde o momento em que se verificou o facto gerador da caducidade [Ac. RE de 20.2.1992], in casu a morte do usufrutuário.
Se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo prazo de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se renovado. A falta de oposição do senhorio tem de durar um ano. Enquanto esse período não se mostrar decorrido o senhorio não está limitado por qualquer posição anterior de não oposição, podendo sempre tomar iniciativas conducentes à desocupação do locado.[Ac. STJ de 22.5.2001, in CJ/STJ, 2001, 2º, 96]
Esta questão já se encontra devidamente tratada na decisão recorrida, de forma que entendemos adequada, com a qual concordamos.
De facto, é indiscutível que, logo após a morte do usufrutuário, verificada em 16 de Agosto de 2000, os recorridos, através da carta constante de fls. 13 dos autos, datada de 30 de Agosto de 2000, trataram de dar conhecimento ao R. da sua expressa oposição a que o mesmo se mantivesse no gozo do espaço até então locado, considerando verificada a caducidade do contrato de arrendamento, manifestando o propósito de virem a vender o prédio ou construir um novo edifício, e alertando o mesmo que a lei lhe concede o prazo de 3 meses para entregar o prédio devoluto.
Desta forma, por simples missiva, foi bem patente a oposição dos senhorios à prossecução da relação locatícia para além dos 3 meses que a lei prevê no art. 1053º do CC para a entrega do prédio.
Não tendo o R. cumprido com tal obrigação de entrega do prédio, vencido aquele prazo de 3 meses, preceito a que os senhorios fizeram expressa referência, com isso obrigou estes a recorrerem a juízo, peticionando o despejo e restituição do locado com fundamento na caducidade do contrato de arrendamento nos termos do art. 1051º al. c), de novo sendo inequívoca a oposição destes à renovação do contrato de arrendamento.
E esta oposição judicial verificou-se dentro do prazo de um ano após a morte do usufrutuário, porquanto a acção foi instaurada em 18 de Junho de 2001, independentemente da data em que o inquilino foi citado [Neste sentido o Ac. RE de 23.5.1996, in BMJ, 457, 463], sendo que o R. F............ foi citado em 25 de Junho de 2001, ainda dentro do prazo de um ano a que alude o art. 1056º, de novo tendo o mesmo inteiro conhecimento da expressa e inequívoca oposição dos senhorios a que o mesmo continuasse o fruir o prédio.
Improcedem, assim, as conclusões que o recorrente aduziu em sentido contrário ao decidido.
2ª QUESTÃO
Entramos agora noutro âmbito do problema – será que os AA., ao terem recebido as rendas durante o decorrer do período de um ano consignado no art. 1056º, e terem procedido à actualização do montante da renda nos termos da carta a que alude o ponto 9. supra da matéria de facto provada (fixando as rendas para os meses de Outubro e seguintes), renovaram o contrato de arrendamento em causa nos autos?
Parece-nos também que não.
Esta questão também foi aflorada, e decidida na sentença recorrida, embora de forma, talvez, menos profunda.
De facto, também em nosso entender, a aceitação das rendas pelos senhorios, mormente das que se venceram após o prazo de 3 meses que a lei previu para a entrega do locado subsequente à caducidade, não pode significar renúncia ao exercício do direito de oposição nos termos do art. 1056º [Neste sentido o Ac. RL de 30.5.1996, in CJ, 1996, 3º, 105], como que contrariando a missiva de 30 de Agosto de 2000, uma vez que, concomitantemente com o recebimento de tais rendas, não foi manifestada qualquer vontade de renovação do contrato de arrendamento.
Em tais circunstâncias, o recebimento dessas rendas traduz a renovação da posse do locado até à sua entrega efectiva[Vide Ac. RL de 17.12.1998, in BMJ 482, 291].
Após a caducidade do contrato, o inquilino fica obrigado a indemnizar o senhorio pela não restituição do locado, sendo essa indemnização igual ao montante da renda ou ao seu dobro, consoante haja ou não mora do locatário, quanto a essa restituição [Neste sentido o Ac. STJ de 22.5.2001, in CJ/STJ, 2001, 2º, 96].
É o que se passa no caso vertente: Não tendo o R. cumprido a sua obrigação de entregar o locado dentro do prazo de 3 meses consignado no art. 1053º, passaram os senhorios a ter o direito de receber daquele a indemnização correspondente ao montante da renda, nada obstando, bem pelo contrário tudo aconselhando, a que o mesmo, prevendo a continuada recusa de entrega (não obstante a instauração de acção judicial), procedam à actualização da renda, e por conseguinte do montante indemnizatório a que têm direito, nos termos do art. 1045º do CC.
A indemnização prevista no art. 1045º do CC, pelo atraso na restituição da coisa locada, findo o contrato, é uma indemnização pelo enriquecimento sem causa, correspondente ao quantitativo da renda, por este ser o valor de uso do prédio [Vide Ac. RP de 30.6.1997, in CJ, 1997, 3º, 225, e BMJ 468, 472].
Em conclusão, sendo a indemnização devida pela entrega tardia do locado equivalente ao montante da renda (art. 1045º do CC), o recebimento desta no decurso do prazo de um ano a que alude o art. 1056º do CC, e mesmo a sua actualização para vigorar para além desse período, não contrariam a oposição entretanto manifestada à renovação do contrato de arrendamento, por carta ou por acção judicial, se após estas o inquilino recusou a entrega do prédio.
Improcedem, assim, também neste âmbito, as conclusões do apelante.
3ª QUESTÃO
Entende o apelante que não deveria ter sido condenado como litigante de má fé, porquanto articulou factos que não conseguiu provar, donde não se pode concluir que tenha violado os deveres de probidade, colaboração e boa fé processual, sendo que, não tendo sido formulado pedido de condenação do recorrente como litigante de má fé, está o tribunal “a quo”, por força do princípio do pedido consagrado no art. 264º do C.P.C., impedido de se pronunciar sobre a litigância de má fé.
Antes do mais, diga-se que, mesmo que não tenha sido suscitada por qualquer das partes a litigância de má fé, nada impede que o Tribunal de conhecer oficiosamente da questão, sendo nesse sentido a redacção do art. 456º nº 1 do CPC, que estabelece que “tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”.
Apenas o arbitramento de indemnização à parte contrária está dependente da dedução de pretensão nesse sentido, não existindo a necessidade desta precedência em relação à condenação em multa da parte que litigar de má fé.
Importará sempre, porém, que o tribunal, em obediência ao princípio do contraditório, e por respeito ao direito de defesa, sempre ouça as partes, e muito em especial a parte a quem é imputada a má fé, para que esta se possa defender de tal imputação [Neste sentido o Ac. Nº 289/2002 do Tribunal Constitucional, de 3.7.2002 (DR., II, de 13.11.2002, pag. 18789].
Neste sentido se pronunciou o STJ no Acórdão de 28.2.2002 [Ver. Nº 4351/01 – 1ª: Sumários, 2/2002]: “A condenação de uma das partes como litigante de má fé, com implicação da sua advogada, embora seja de conhecimento oficioso, é uma questão importante para a parte e para a sua advogada, pelo que, não tendo sido objecto de apelação, impunha-se ao tribunal dar conhecimento de o primeiro vir a ser condenado como litigante de má fé e de a segunda vir a ser responsabilizada em tal condenação, e daí que a condenação destas, no circunstancialismo dos autos, sem contraditório, implica a nulidade do acórdão nos termos do art. 668º nº 1 al. d) do CPC”.
Foi o que se passou no nosso caso: Não tendo sido suscitada a litigância de má fé por qualquer das partes, e entendendo o Tribunal existirem razões para condenação dos RR. como tal, cuidou o Tribunal de, previamente à decisão, ouvir as partes em relação a tal aspecto, assim concedendo e respeitando o exercício do contraditório e correspondente direito de defesa da parte visada.
Assim, não assiste razão aos recorrentes quando á necessidade de dedução prévia do incidente pela parte contrária, para que a condenação em multa se verifique.
Apreciemos agora se os recorrentes litigaram de má fé no caso vertente, caso em que a decisão recorrida foi acertada, ou se, a sua litigância foi ousada e temerária, não se justificando, desta forma, aquela condenação.
Dispõe o art. 456º nº 2 do CPCivil:
“Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Na sua actuação no processo estão as partes vinculadas aos deveres de probidade e cooperação, agir de boa fé e cooperar para se obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio (art. 266º e 266º - A do CPC).
Actua com má fé (material) a parte que, com dolo ou negligência grave, para convencer o tribunal de um facto ou pretensão que sabe ilegítima, distorce ou deturpa a realidade por si conhecida ou omite factos relevantes para a decisão, violando conscientemente o dever de verdade, bem como a que deduz oposição cuja falta de fundamento não pode ignorar ou fizer do processo uso reprovável (instrumental), entorpecendo a acção da justiça.
Uma tal conduta viola aqueles deveres de probidade e cooperação, e representa não apenas uma falta de respeito devido ao tribunal na busca da verdade e de realização de justiça, mas também à parte contrária.
Mas a sanção por litigância de ma fé exige a verificação de dolo ou negligência da parte que tal conduta adopta, o que não sucederá, normalmente, com a lide temerária ou ousada, ou mesmo assente em erro grosseiro, com a dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento se verificou por mera fragilidade da prova, e da incapacidade de convencer o tribunal da realidade trazida a julgamento, ou mercê da discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos.
A simples proposição de uma acção ou contestação, embora sem fundamento, pode não constituir uma actuação dolosa ou mesmo gravemente negligente.
A incerteza da lei, a dificuldade em apurar os factos e os interpretar, podem levar as consciências honestas a afirmar um direito que não possuem e a impugnar uma obrigação que devem cumprir. O que releva é que as circunstâncias devam levar o tribunal a concluir que a parte apresentou pretensão ou fez oposição conscientemente infundada [Alberto dos Reis, Código de processo Civil Anotado, II, 236].
Só quando o processo fornece elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente negligente deverá a parte ser sancionada como litigante de má fé, o que pressupõe prudência do julgador, sabendo-se que a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psicológico [Ac. STJ de 11.12.2003, processo nº 03B3893, in www.dgsi.pt].
Assentou a condenação dos RR. como litigantes de má fé, em síntese, n facto de os RR. terem pedido, em sede reconvencional, a condenação dos AA. a pagarem-lhes montante indemnizatório correspondente às benfeitorias feitas no locado, quando, era do seu conhecimento, por se tratar de facto pessoal, que havia sido outorgado, em 1996 acordo entre o R. F.......... e o falecido senhorio usufrutuário no sentido de quaisquer obras que fossem efectuadas no locado passariam a fazer parte integrante do locado, não podendo dele ser retiradas no final do contrato, e que o R. jamais poderia reclamar qualquer indemnização ou compensação pela realização das ditas obras (vide factos 10, 11, 12, 16, 17, 18, 19, e 20).
Ponderando a justeza da condenação dos RR. como litigantes de má fé, afigura-se-nos razoável considerar que, embora se possa considerar algo ousada a pretensão reconvencional, porque contrária ao acordo feito, o certo é que as obras em causa, cuja execução ficou demonstrada, foram de muito considerável monta, com elevados encargos par o R., que as executou, delas esperando retirar os benefícios correspondentes, durante período de tempo que razoavelmente os compensasse, não ferindo a sensibilidade e consciência ética do bonus pater famílias, que o mesmo, agora “ferido” com a caducidade do contrato de arrendamento, e com os prejuízos que tal situação inelutavelmente para si acarreta, tenha pretendido obter alguma compensação material (e também moral) pelo abandono das instalações a que se vê forçado.
O que nos parece algo abusivo, não obstante a convergência de vontades nesse sentido, é que o falecido senhorio tenha condicionado daquela forma a realização das obras, integrando no seu património uma mais valia para qual não contribuiu minimamente, e que agora, aquele que legitimamente quis desenvolver o seu negócio - o R., se veja forçado a abandonar as instalações que notoriamente enriqueceu, sem que por isso, só porque ficou agarrado àquele mecanismo criado pelo ex-senhorio, seja de alguma forma compensado.
Parecer-nos-ia justo e equilibrado que esta compensação se tivesse verificado, pelo que não nos choca que os RR., não obstante aquele acordo, tenham aqui deduzido tal pretensão, quiçá querendo com isso introduzir nos autos uma possível plataforma de entendimento, quiçá procurando viabilizar uma solução de acordo, que não se encontrou.
Assim, entendemos que a apelação deve proceder neste último aspecto, impondo-se a revogação da condenação dos RR. como litigantes de má fé.
DECISÃO
Por todo o exposto, Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, revogar asentença recorrida na parte em que condenou os recorrentes como litigantesde má fé, no mais se confirmando tal decisão.
Os Recorrentes pagarão 2/3 das custas da apelação.
Porto, 30 de Junho de 2005
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha