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ARRENDAMENTO
DETERIORAÇÃO
CASO DE FORÇA MAIOR
Sumário
I- No domínio da relação locatícia, sob o império da nossa ordem jurídica, há um dever geral de boa fé a impor um dever geral e recíproco de cooperação entre senhorio e arrendatário no desenvolvimento da relação contratual. II- Ao locatário não cumpre reparar as deteriorações inerentes a uma prudente utilização em conformidade com os fins do contrato; ao senhorio também as não cumpre reparar, salvo até onde fique coberto pelo seu dever de “assegurar o gozo” do prédio ao inquilino para os fins a que se destina. III- A lei ao falar em “deteriorações” (do latim, deter= pior) do arrendado a reparar pelo arrendatário, refere-se, em primeira mão, àquelas que são provocadas por acção do locatário. O que, desde logo, faz ressalvar aquelas que são decorrentes da simples usura do tempo, ou vetustez. IV- Por outro lado, a responsabilidade do arrendatário está sempre ligada a um comportamento negligente, culposo, sendo de rejeitar a ideia de uma espécie de responsabilidade objectiva do locatário. V- O princípio contido no nº 1 do artº 790º do CC deveria ser suficiente para aferir das situações de extinção da obrigação (em geral), sem necessidade de recurso aos (obsoletos) conceitos de força maior e de caso fortuito. VI- O legislador, porém, entendeu, em casos pontuais, fazer expressa referência a tais conceitos (v.g. nos artsº 64º, nº2, al. a) e 72º, nº2, do RAU). VII- Porém, o alcance do conceito de força maior deve sempre compreender as hipóteses tradicionalmente apresentadas como ilustrações do mesmo conceito, mas modeladas como uma impossibilidade que seja objectiva e não imputável ao arrendatário ou ao senhorio, conforme o caso a apreciar, e não como meras situações em que apenas seria compreensível, aceitável ou perfeitamente explicável a actuação destes.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO:
No ...º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão Gaia, veio B..........., L.da, sociedade por quotas com sede na Praça .........., ....., Vila Nova de Famalicão, instaurar acção sob a forma ordinária contra:
C.......... e mulher D.........., residentes na Rua ........, nº ..., ...º D.to, Coimbra; E........... e marido F.........., residentes na ......., freguesia ......., Viana do Castelo e G........... e mulher H..........., residentes no .........., Rua ......., Bloco ....º, ...º ...., Vila Nova de Famalicão.
Pede:
A condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de 11.762.931$00, pelas obras realizadas no locado, pelos danos causados bem como lucros cessantes, acrescida de juros à taxa legal vigente em cada momento, até integral pagamento.
Alega, em síntese:
Que é arrendatária de imóvel de que os RR. são locadores, estando o seu estado de degradação actual a violar o seu direito de gozo, nos termos dos arts. 1031º, al. b), e 1032º, al. b), do Código Civil; que considera não cumprido esse contrato por culpa dos RR. que não reagem aos seus apelos; que sofreu prejuízos em virtude dessa degradação do imóvel locado, tendo realizado reparações urgentes no valor de 937.872$00, cujo reembolso pedem ao abrigo do disposto no art. 1036º nº 1, do Código Civil; que o seu estabelecimento esteve parado por 45 dias para realização dessas obras, devendo ser-lhe devolvido o valor da renda correspondente (199.071$00) e compensado do valor de vencimentos que nesse período suportou, no valor de 1073040$00; que o valor médio da facturação diária era de 120.000$00, pelo que a quebra de actividade a prejudicou em 5.400.000$00, tendo havido uma diminuição posterior da facturação que se cifrou em 30%-3.240.000$00.
Citados, os RR contestaram, alegando, em suma, que o imóvel em causa tem mais de 100 anos, está estruturalmente "quase podre" e já quando a A. nele se instalou o estado de degradação era avançado, tendo exigido obras por parte desta, que no entanto não foram autorizadas, tendo, por isso, sido intentada acção de despejo; que as obras requeridas teriam de ser constantes, de montante elevado e, portanto, constituiriam um abuso de direito previsto no art. 334º, do Código Civil; que o aluimento do telhado se deveu à projecção de materiais de terceiros e intempérie ocorrida em Março de 2001 e que só quando a seguradora destes se recusou a pagar a indemnização reclamada a A. intentou a presente acção, litigando com má fé.
A final os RR. concluíram pela improcedência da acção e pedem que se condene a A. como litigante de má fé.
Em réplica, a A. manteve os argumentos iniciais, impugnando a matéria alegada pelos RR.
Foi proferido despacho saneador, bem assim elaborada a relação dos factos que se consideraram assente e a da base instrutória (fls. 211 a 214).
No seu requerimento de prova (fls. 233/234) vieram os réus, alem do mais, requerer que a autora fosse “notificada para apresentar todos os objectos que alega estarem danificados a fim de os mesmos serem avaliados por um perito a designar pelo tribunal”.
Por despacho de fls. 239, tal requerimento foi indeferido com o fundamento de que “não foram indicados os factos que se pretendiam provar com a diligência solicitada”.
Deste despacho interpuseram os Réus recurso de agravo, que apresentaram alegações que rematam com as seguintes
CONCLUSÕES:
“A- Requereu-se a apresentação de bens móveis para a sua sujeição a arbitramento.
B.- Indicou-se que o fim da diligência era a avaliação dos objectos danificados.
C.- Se se indicou que o fim da diligência era a avaliação dos objectos danificados, é lógico que se pretende provar com a diligência a extensão dos danos e o valor dos objectos danificados.
D.- Sendo tal suficiente para o M.mo Juiz a quo conhecer do objecto da perícia e do cabimento da apresentação das coisas requeridas.
E.- Acresce que, a existirem dúvidas sobre o tipo de questões de facto a resolver pela avaliação, caberia, antes da recusa pura e simples da diligência, a notificação dos agravantes para prestarem os esclarecimentos necessários de forma a alcançar "a justa composição do litígio".
Foram violados os arts. 518º, 577º/1 e 266º do CPC
Nestes termos, deverá a douta decisão em apreço ser revogada”
A autora/agravada não respondeu às alegações.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais, tendo-se fixado a matéria de facto nela provada em despacho que passou sem reclamação (fls. 523 a 529).
Por fim foi proferida sentença a acção julgar improcedente, com a consequente absolvição dos réus do pedido.
Inconformada com o sentenciado, veio a autora interpor recurso de apelação, apresentando alegações que remata com as seguintes:
CONCLUSÕES:
“A) - Da análise da prova documental, designadamente de fls. 56 (folha de remunerações e analisando a fundamentação da resposta aos quesitos, pelas razões apontadas supra - artigos 16º a 23º - outra resposta à matéria de facto se impunha, pelo que haverá que se alterar a resposta dada ao quesito 16º (ponto 19 supra) passando a ter-se como assente que:
“no mesmo período de tempo necessário à realização das obras suportou os vencimentos devidos ao pessoal, em montante não inferior a 715.360$00, bem como suportou as contribuições fiscais correspondentes num montante não inferior a 248.588$00".
Existiu, pois, erro notório na valoração da prova, a legitimar a modificação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 712º, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.
B) Tendo-se dado como provado que - ponto 20 - "A A. no exercício da sua actividade, factura, diariamente em média 120.000$00”,analisando a documentação junta a fls. 56 a 60, haverá que concluir que a perda de actividade se cifrou em, pelo menos 2.887,699 Euros, correspondente à diferença entre a facturação do mês de Abril e o mês de Março, aferindo, ainda, pela média dos meses anteriores e subsequentes.
C) Assim, porque os autos dispõem de todos os elementos para uma decisão diferente, haverá que alterar a resposta ao quesito 18º para:
"A Autora durante o hiato temporal correspondente à paralisação, teve uma quebra de actividade que se cifrou em 2.887,699 Euros".
Existiu, pois, erro notório na valoração da prova, a legitimar a modificação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 712º, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.
D) No que concerte à resposta dada ao quesito 21º (ponto 24º supra), para além do que se disse acima quanto à análise da documentação não impugnada de fls. 56 a 60, tendo em conta que se apurou uma facturação média diária de 120.000$00 - resposta quesito 17º (ponto 20º supra), e que "essa mesma quebra de actividade se reflectiu numa quebra de facturação de cerca de 30% nos meses seguintes, designadamente de Maio, Junho e Julho." - resposta ao quesito 19º (ponto 22º supra) –
E) impõe-se alterar a resposta ao quesito 21º (ponto 24º supra), passando a dar-se como provado que:
“o que lhe determinou um prejuízo de 3.240.000$00", já que corresponde ao valor de 30% da facturação média de três meses.
Existiu, pois, erro notário na valoração da prova, a legitimar a modificação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 712º, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.
F) A prova documental junta aos autos, designadamente a informação prestada pelo Instituto Geofísico, a fls 276, aponta-nos para um máximo de precipitação de 7,3 milímetros durante uma hora e uma rajada máxima de 85 km/h.
G) Não se trata, pois, de "fortes vendavais e chuvas", como se deu como assente, pelo que haverá que retirar, da resposta ao quesito 41º, (ponto 30º supra), a expressão "fortes vendavais e chuvas verificadas" substituindo-a pela expressão "vento e chuva verificado".
H) Trata-se aqui de um contrato de arrendamento verbal, que não se iniciou em 1997, data do trespasse, antes em 1977, data em que foi constituída a sociedade I.........., LIMITADA", tudo conforme consta dos artigos 12 e 13 do doc. nº 1 junto com a contestação dos Recorridos e doc. nº 6 junto a esse documento (escritura pública de constituição da sociedade), pelo que a Recorrente adquiriu a posição de arrendatária num contrato que vigorava à 20 anos.
Errou, pois, a douta sentença por violação das regras da experiência, bem como o regime dos artigos 349, 376, nº 2 do C.C., como 659, nº 3 - prova documental - do C.P.C..
A antiguidade e degradação do prédio, por mais antigas que fossem não conduz, sem mais, à irresponsabilidade dos Recorrentes quanto aos futuros defeitos que o prédio venha a apresentar ou mesmo no respeitante à manutenção daquelas condições.
J) a hipótese versada no acórdão do Supremo, de 5 de Dezembro de 1975 (BMJ, 252, pág. 136), revela a existência de um caso em que, podendo não ter havido culpa do locador no aparecimento do defeito da coisa, houve culpa notória dele no agravamento do defeito.
É inquestionável, em semelhante hipótese, a falta de cumprimento da obrigação contratual destacada na alínea b) do art. 1031º.
K) Estabelece o art. 1031 alínea b) do Código Civil ser obrigação do locador "assegurar ao arrendatário o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina".
L) No conceito de obras de conservação extraordinária, incluem-se "as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, quer dizer, por caso imprevisível ou inevitável..." - ARAGÃO SEIA, in "Regime do Arrendamento Urbano" e Ac. da Relação do Porto, 26.06.2000, Ac. da Relação de Lisboa de 6.05.1993 in www.dgsi.pt.
M) Antunes Varela (RLJ 116,192) especifica "que cabem no caso de força maior as ocorrências resultantes de forças da natureza (o abalo sísmico, a inundação grave, o raio ou a descarga eléctrica) ou de factos insuperáveis da autoridade ou mesmo de particulares (a realização de obras de demolição ou de desaterro, a ocupação militar de certa zona, a revolução, a guerra civil, etc.)".
N) Também, Ac. STJ 11.02.1992, in www.dgsi.pt, "Nos termos do artigo 1031º b) do Código Civil, o locador é obrigado, para assegurar ao locatário o gozo da coisa locada, a efectuar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis, quer se trate de pequenas ou grandes reparações e quer a sua necessidade resulte de simples desgaste, de caso fortuito ou de facto de terceiro". Neste sentido: Ac. Relação de Lisboa de 24.04.1996 e Ac. Relação de Lisboa de 08.04.2003, in www.dgsi.pt
Outro entendimento é fazer errada interpretação do disposto na alínea b) do artigo 1031º do Código Civil.
Atenta a matéria dada como assente, designadamente pontos 4, 5, 27 e 28, evidente fica o estado de degradação da fracção imediatamente superior ao locado, a existência de infiltrações de água que afectavam o arrendado, a antiguidade da situação, o conhecimento e inércia dos Recorridos - pontos 6, 7, 15, 34 e 35 - .
P) Tal como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado ", vol. III, 2ª ed, pág. 95, "Deve entender-se que, além de estar sujeito às restrições ou limitações que a lei lhe impõe (dever de abstenção) o proprietário tem obrigação de adoptar as medidas adequadas (dever de conteúdo positivo) a evitar o perigo criado pela sua própria actuação ou decorrente, por outro motivos, das coisas que lhe pertencem (dever da prevenção do perigo)" (sic) - artigo 493º do Código Civil.
Entender que inexiste responsabilidade dos senhorios por facto de terceiro é fazer erra interpretação do disposto nos artigos 493º e 1031º, alínea b) do Código Civil.
Q) Atendendo à matéria tida como assente - pontos 4, 5, 34 e 36 - nas respostas dos Exmos. Peritos às alíneas A), B) e aos quesitos 30º, 32º e 3º e no relatório de fls. 431 a 441, designadamente no ponto 3 "conclusão", obrigatório é, pois, de concluir pela concausalidade do abandono a que os Recorridos votaram o imóvel locado para a produção dos danos.
R) Estabelece a lei, artigo 493º, nº 1, «a inversão do ónus da prova, ou seja, uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas» - conf. Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado, vol. I,, 4ª ed., pág. 495, para quem se trata aqui de «de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objectiva», já que «não se altera o princípio do artigo 483º de que a responsabilidade depende de culpa».
S) Claro fica que não lograram os Recorridos afastar a presunção que sobre si recaía, antes ficou demonstrado que o ocorrido em Março de 2001 só veio agravar uma situação de deficiência que vinha existindo, não tendo origem em qualquer situação de força maior ou caso fortuito, pelo que sobre os Recorridos recai a responsabilidade pelos danos causados à Recorrente, tanto mais que foram eles avisados da situação (quer da existência de infiltrações, quer do perigo da sua abstenção) pela Recorrente e intimados pela edilidade para a realização de obras, sem que nada tenham feito para debelar ou minorar o risco.
Entender que cabia à Recorrente fazer a prova da culpa dos Recorridos é fazer errada aplicação do disposto nos artigos 342º, 344º e 493º, nº 1 do Código Civil.
T) Dispondo o artigo 128º do RGEU que: "As edificações serão delineadas e construídas deforma aficar sempre assegurada a sua solidez, e serão permanentemente mantidas em estado de não poderem constituir perigo para a segurança pública e dos seus ocupantes ou para a dos prédios vizinhos", independentemente da existência de vendavais e chuvas, a responsabilidade do proprietário do prédio vizinho só era afastada se se demonstrasse que tal intensidade era de todo imprevisível, inusitada.
U) Fácil é ver o contra-senso que seria se, face à danificação do imóvel locado por terceiros, tivesse de ser o locatário a exigir-lhes as obras de recuperação ou restauro, enquanto o locador-proprietário se mantinha quieto, sem mexer um dedo, não obstante a violação do seu direito de propriedade, seria o mesmo que impôr a alguém a defesa de um direito de que não é titular, seria transferir para o locatário o risco inerente ao direito de propriedade, o que não está certo (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Notas ao artigo 1043).
V) Mesmo as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos quando, por força da lei ou do negócio jurídico, havia o dever de praticar o acto omitido - artigo 486º Código Civil.
Assim não o entender é fazer errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 128º do RGEU, 486º e 493º, nº 1 do Código Civil.
X) "O facto que actuou como condição do dano só deverá deixar de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto" (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7 edição, 889 e seguintes.)
Excluir, por completo o estado de degradação do imóvel como causa do dano ocorrido é fazer errada interpretação do artigo 563º do Código Civil o qual consagrou, em matéria de nexo de causalidade, a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa devida a Enneccerus - LEHMANN.
Z) Como dispõe o artigo 1036º nº2 do Código Civil "Quando a urgência não consinta qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas, também com direito a reembolso, independentemente de mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo.
AA) As obras realizadas pela Recorrente não foram impostas pelas autoridades administrativas e para o fim específico, como resulta claramente quer dos documentos juntos com a p.i. sob os nº 41 a 45, quer de fls. 431 a 441, destinaram-se, única e exclusivamente, a reparar os estragos derivados das infiltrações, pelo que, de forma nenhuma, enquadráveis no referido artigo 120º do R.A.U.
Entender que a Recorrente somente tem direito a ser ressarcida findo o contrato, é violação das regras da experiência, do regime dos artigos 349, 376, nº 2 do C.C., como 659, nº 3 - prova documental - do C.P.C., bem como fazer errada interpretação do disposto nos artigos 120º do R.A.U e 1036º nº 2 do Código Civil.
Termos em que, revogando-se a douta sentença e condenando-se os Recorridos no pedido se fará inteira e sã
J U S T I Ç A ”
Os apelados contra-alegaram, sustentado a manutenção da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões suscitadas nos recursos são:
NO AGRAVO:
- Se havia razão para indeferir a diligência de avaliação dos objectos que a autora “alega estarem danificados”, designadamente por ausência de “indicação dos factos que se pretendiam provar com a diligência solicitada” - como se entendeu no despacho recorrido (fls. 239 fine e verso).
B - NA APELAÇÃO:
- 1ª questão-- impugnação da decisão da matéria de facto: se devem ser alteradas as respostas aos quesitos 16º, 18º, 21º e 41º;
- 2ª questão: errada aplicação do direito aos factos provados - aqui se impondo abordar vários aspectos, designadamente:
Se o facto de o prédio dado de arrendamento ser de construção antiga e se encontrar degradado, maxime à data do trespasse à autora do estabelecimento comercial onde funciona o arrendado, torna o proprietário/senhorio irresponsável pelos danos que o inquilino venha a sofrer por virtude de futuros defeitos que o prédio venha a apresentar; ou, inversamente, se o proprietário/senhorio pode ser responsabilizado, e em que medida, por tais danos, designadamente ao abrigo do disposto no artº 1031º-b) CC - incumprimento da obrigação contratual;
Obras de recuperação ou restauro a cargo do senhorio - designadamente sendo o arrendado de construção antiga e em acentuado estado de degradação;
Das reparações no locado resultantes de situação de força maior e da obrigatoriedade da sua realização por banda do locador;
Danos causados no locado por terceiros: responsabilidade perante o locatário;
Da presunção de culpa por banda do locador pelos danos resultantes de defeitos do prédio arrendado?
Do artº 1036º, nº2, do Cód. Civil;
Se as despesas realizadas pelos arrendatários com obras de conservação extraordinária apenas podem ser ressarcidas findo o contrato - do disposto no artº 12º do RAU.
II. 2. FACTOS PROVADOS:
No tribunal recorrido deu-se como provada a seguinte matéria:
1. Mediante escritura pública, celebrada no 2º Cartório Notarial de V.N. de Famalicão, em 8 de Julho de 1997, "I.........., Lda." declarou ser dona e legítima possuidora de um estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e actividades similares, instalado no rés-do-chão, com entrada pelo número ..... (antigo 65), correspondente à fracção "A" do prédio urbano em propriedade horizontal, sito na Av. ......., em V.N. de Famalicão, inscrita na respectiva matriz sob o art"1091-A. Que o referido rés-do-chão pertence aos RR., a quem é paga a renda mensal de 120.705$00. Que pelo preço de 35.000.000$00 trespassa à A. o referido estabelecimento comercial, o qual abrange as respectivas instalações, utensílios, mercadorias e todos os demais elementos que o integram, incluindo o direito ao arrendamento.
A declarou que aceita o referido trespasse.
2. A renda anual do referido prédio é actualmente de 1.592.568$00, paga em duodécimos de 132.714$00, cada um, vencíveis no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeita.
3. Neste mesmo prédio existe uma Fracção B, correspondente ao 1º Andar, destinando-se a habitação, sendo certo que tal prédio é formado por casa de habitação e comércio, de rés-do-chão e andar, sujeito a propriedade horizontal, descrito na C.R.P. sob o nº00066/150986-A (rés-do-chão – artº1091-A urbano) e nº00066/150986-B (1º andar - artº1091-B).
4. O tempo decorrido e o estado de degradação avançada da habitação sita no andar superior e do terraço, provocou infiltrações de água no arrendado.
5. Situação essa que se arrasta desde 1996.
6. O RR. têm sido sucessivamente alertados pela Autora para esta situação, nomeadamente através de contacto pessoal.
7. Sendo certo que os RR. sempre se mostraram indiferentes aos incessantes apelos feitos pela A..
8. Em Março de 2001, ocorreram danos em alguns elementos de revestimento da cobertura do telhado do prédio arrendado.
9. Donde resultaram infiltrações de água e humidades.
10. Causando dano na pintura e tectos falsos, parte eléctrica, maquinaria, equipamento informático e mobiliário.
11. Tal situação determinou que a Autora tivesse de paralisar a sua actividade durante um período temporal de cerca de um mês.
12. A Autora, para reparar a maquinaria, equipamento informático e o mobiliário, danificados em virtude das infiltrações de água no arrendado, despendeu pelo menos a quantia de Esc. 579.360$00.
13. A Autora despendeu também uma quantia em valor monetário concreto não apurado referente a material de decoração de bolos de noiva que se encontrava dentro da vitrine e que igualmente ficou danificado com as referidas infiltrações de água e humidade.
14. O aluimento parcial do telhado do arrendado, bem como os danos daí decorrentes no que se refere à pintura, tectos falsos e parte eléctrica, determinavam a realização de obras para a sua reparação.
15. Obras essas que, dada a sua urgência e a passividade e alheamento dos RR., não se compadeciam com essas delongas do procedimento judicial.
16. Tendo a A. executado as mesmas extrajudicialmente.
17. No que despendeu a quantia de 937.872$00.
18. A A., durante o período necessário à realização das obras, não obstante ter pago a renda aos RR., deixou de exercer a sua actividade no arrendado.
19. A A., no mesmo período de tempo necessário à realização das obras, suportou os vencimentos devidos ao pessoal, em montante concreto não apurado.
20. A A., no exercício da sua actividade, factura, diariamente e em média 120.000$00.
21. A Autora, durante o hiato temporal correspondente à paralisação, teve uma quebra de actividade.
22. Essa mesma quebra de actividade se reflectiu numa quebra de facturação de cerca de 30 % nos meses seguintes, designadamente de Maio, Junho e Julho.
23. Tudo devido a perda parcial de clientela, que só mais tarde foi reconquistada.
24. Esta quebra de facturação determinou um prejuízo à Autora em valor monetário concreto não determinado.
25. O prédio onde a Autora exerce a sua actividade foi construído há, pelo menos, 50 anos, sendo velho igualmente nos seus métodos de construção: com pouca pedra nas suas paredes e grande predomínio de madeira nas suas estruturas.
26. Há uns 40 anos, mais ou menos, os falecidos pais e sogros dos RR. instalaram no rés-do-chão ocupado pela autora um estabelecimento de padaria chamado Padaria I......., a eles pertencente.
27. O 1º andar do prédio arrendado á Autora tem tido constantes infiltrações de água
28. Os sinais visíveis de degradação do 1º andar do prédio arrendado já se verificam há mais de 10 anos.
29. Os RR tentaram impedir a Autora de realizar as obras que realizou no início do trespasse, por entender que as mesmas eram pelo menos abusivas.
30. Os danos em alguns elementos de revestimento da cobertura do telhado do prédio arrendado (referidos no ponto 8., supra), derivaram da queda de materiais de construção de um prédio vizinho, na sequência de fortes vendavais e chuvas durante o período verificados durante o mês de Março de 2001.
31. Sendo certo que a autora se dirigiu ao proprietário desse prédio vizinho, invocando os danos sofridos e imputando-os à projecção de tais materiais de construção.
32. O estado de degradação do telhado do arrendado poderia ser restaurado sem grande custos.
33. Sem que se tivesse de construir um novo edifício.
34. Os RR. mesmo intimados pela Câmara Municipal para a realização de obras no arrendado, têm recusado acções tão simples com franquear a porta de acesso ao andar superior.
35. Pelo menos parte das infiltrações de água verificadas verificadas no arrendado (aquelas corridas anteriormente a Março de 2001) se devem ao facto de os RR terem deixado de realizar no mesmo quaisquer obras de conservação de relevo.
III. O DIREITO:
Como ressalta do artº 710º do CPC, o agravo interposto pelos apelados - mesmo que tenha interesse para a decisão da causa--, só será (eventualmente) apreciado “se a sentença não for confirmada”.
Impõe-se, como tal, começar pela apreciação da apelação.
Vejamos, então, das questões suscitadas nas conclusões das alegações das alegações da apelante.
III. A) - DA APELAÇÃO:
PRIMEIRA QUESTÃO: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATERIA DE FACTO:
Entende a apelante que a decisão de facto é incorrecta no que tange às respostas dadas aos quesitos 16º, 18º, 21º e 41º, que defende deverem ser alteradas.
Que dizer?
Como é sabido, fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas consagrada no artº 655º nº 1 do CPCivil, em princípio essa matéria de facto é inalterável.
Resulta dos autos que a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento foi gravada.
Para poder ser impugnada a matéria de facto, tem o impugnante, antes de mais, que dar integral cumprimento ao preceituado nos arts. 690º-A, nºs 1 e 2 e 522º-C, ambos do CPC, na redacção (aqui aplicável) emergente do DL nº 183/2000, de 10.08.
Dispõe-se naquele artº 690º-A do CPC (redacção do DL nº 329-A/90, de 12.12) o seguinte:
“1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos ponto meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunha decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida;
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 522º-C”
3. Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, [................], proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, também por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 522º-C”.
A apelante cumpriu aquele ónus.
Mas não é ao abrigo da al. a) do artº 712º do CPC que a apelante fundamenta a pretensão de ver alterada a decisão de facto.
Fá-lo ao abrigo do estatuído nas als. b) e c) do artº 712º CPC.
Vejamos, pois.
Efectivamente, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artº 712º do Cód. Proc. Civil:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravações dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Estas constituem as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na 1º instância.
No caso em apreço, como já dissemos, a dita alteração não pode ocorrer ao abrigo daquela al. a).
E igualmente não é aplicável a previsão da alínea c) do nº 1 do artº 712º, do CPCivil, pois que não foi apresentado documento novo superveniente.
Assim, falta-nos apreciar se os elementos fornecidos pelo processo nos impõem decisão sobre a matéria de facto diversa da considerada em 1ª Instância, elementos esses que tornam a decisão insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (mencionada al. b) do nº 1 do artº 712º do CPCivil).
A aludida previsão legal respeita, em especial, à situação de haver nos autos documentos com força probatória para alterar a resposta ou respostas do tribunal.
De facto, a alínea b) do nº 1 do artº 712º do Código de Processo Civil consente a modificabilidade da decisão de facto "Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas".
Este fundamento está, como se sabe, relacionado com o valor legal da prova, exigindo-se que o valor dos elementos coligidos no processo não pudesse ser afastado pela prova produzida em julgamento. Ao abrigo desta alínea b) a alteração das respostas só é admissível quando haja no processo um meio de prova plena, resultante de documento, confissão ou acordo das partes, e esse meio de prova plena diga respeito a determinado facto sobre o qual o Tribunal também se pronunciou em sentido divergente.
No entender do Prof. Alberto dos Reis (in "CPC Anotado", Vol. 5º/472), ocorre esta 2ª hipótese, no caso de estar junto aos autos documento que faça prova plena de determinado facto e de o juiz, na sentença, ter admitido o facto oposto, com base na decisão do tribunal colectivo, caso em que cabe à Relação fazer prevalecer a força probatória do documento.
Será que in casu foi postergada a força probatória de qualquer documento que não pudesse ser afastada pela prova testemunhal?
Quanto ao quesito 16ª:
Tal quesito era do seguinte teor:
“Sendo certo que, no mesmo período, suportou os vencimentos devidos ao pessoal, no montante de 1.073.040$00?”
Resposta: “provado apenas que a Autora, no mesmo período de tempo necessário à realização das obras, suportou vencimentos devidos ao pessoal, em montante concreto não apurado”.
Nenhuma censura se nos afigura fazer à resposta dada pelo tribunal.
Efectivamente, na fundamentação da decisão de facto, além da referência ao depoimento do gerente de loja da “B.....”, J......... -- que refere, efectivamente, que durante a paralisação a autora “a autora pagou o seu vencimento e os dos seus colegas de trabalho”--, apenas se faz alusão ao doc. de fls. 56 - a folha de remunerações referente ao mês de Abril de 2001, enviada para a Segurança Social.
Obviamente que este documento - desde logo a pela sua natureza--, por si só, não prova que os vencimentos do pessoal da autora fossem efectivamente aqueles, mas apenas e só que a autora declarou tais vencimentos à Segurança Social.
Assim, temos por seguro apenas que a autora pagou, de facto, vencimentos ao seu pessoal - isto ficou provado-- no período correspondente à realização da obras, mas em montante que (pelo menos por ora) se desconhece.
Igualmente não vemos elementos probatórios bastantes para deferir a pretensão de dar como provado que “a autora suportou as contribuições fiscais correspondentes num montante não inferior a 248.588$00”.
Aliás, é bom que se diga que tal redacção até extravasa da matéria alegada em 31º da p.i. onde se foi buscar o respectivo quesito.
Quanto ao quesito 18º:
Perguntava-se aí: “A Autora, durante o hiato temporal correspondente à paralisação teve uma quebra de actividade que se cifrou em 5.400.000$00?”
Resposta: “Provado apenas que a Autora, durante o hiato temporal correspondente à paralisação teve uma quebra de actividade.”
Não vemos censura a fazer ao tribunal recorrido.
Efectivamente, não se vislumbra prova irrefutável no sentido de que o dano correspondente à aludida “quebra de actividade” fosse no indicado valor - ou outro que, agora, pudéssemos quantificar.
Quanto ao quesito 21º:
Perguntava-se: “O que lhe determinou um prejuízo de 3.240.000$00?”
Resposta: “Provado apenas que esta quebra de facturação determinou um prejuízo à autora em valor monetário concreto não determinado”.
Aqui, sim, discordamos frontalmente da resposta dada pelo tribunal a quo.
Efectivamente, se se provou que a facturação média diária da autora era de 120.000$00 (quesito 17º) e que “essa quebra de actividade se reflectiu numa quebra de facturação de cerca de 30% nos meses seguintes, designadamente de Maio, Junho e Julho”, a conclusão óbvia, lógica, a tirar não pode ser outra que não a indicada pela apelante: que o aludido prejuízo foi de 3.240.000$00.
É pura operação aritmética.
Assim, a resposta ao quesito 21º passa a ser do seguinte teor:
“O que lhe determinou um prejuízo de 3.240.000$00”.
Quanto ao quesito 41º:
Perguntava-se: “O aluimento do telhado do prédio arrendado derivou de materiais de construção de um prédio vizinho, na sequência de fortes vendavais e chuvas verificados durante o mês de Março de 2001?”
Resposta: “Os danos em alguns elementos de revestimento da cobertura do telhado do prédio arrendado (referidos no ponto 8., supra), derivaram da queda de materiais de construção de um prédio vizinho, na sequência de fortes vendavais e chuvas durante o período verificados durante o mês de Março de 2001”.
Entende a apelante que a prova documental junta aos autos (informação prestada pelo Instituto Geofísico, a fls. 276) impunha diferente resposta ao quesito.
Como se vê da fundamentação da resposta à matéria de facto, teve-se em conta, não apenas a informação do aludido Instituto, mas, também, o depoimento testemunhal, especialmente da testemunha L........, que foi administrador do condomínio do Edifício M....... até Setembro de 2001, o qual declarou que por essas semanas havia chovido e se haviam verificado fortes vendavais.
Repare-se que o aludido Instituto não diz que durante o mês de Março de 2001 não houve várias rajadas muito próximas da (máxima) que ali se salienta. Apenas menciona a rajada máxima verificada nesse mês.
Não podemos, porém, descurar que foi a Mmª Juiza a quo quem viu e ouviu as testemunhas - valendo aqui, portanto, os princípios da imediação e oralidade--, não se vislumbrando razões para não aceitar a convicção com que ficou depois de as ouvir.
Mantêm-se, assim, a resposta ao aludido quesito, ou melhor, no mesmo se mantém a expressão “fortes vendavais e chuvas verificados”.
Efectivamente, não se verificando aqui grosseira apreciação da prova, ficamos com o gozo por parte do Tribunal de liberdade de julgamento, apreciando livremente as provas e respondendo a cada facto segundo a sua prudente convicção- cfr. artº 655º do CPC, e arts. 396º, quanto à prova testemunhal e 389º quanto à prova pericial, sendo estes últimos preceitos do Código Civil).
Assim só parcialmente procede esta primeira questão e inerentes conclusões da alegação, ou seja, apenas se altera a resposta ao quesito 21º, que passa a ser a seguinte:
-“O que lhe determinou um prejuízo de 3.240.000$00”.
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SEGUNDA QUESTÃO: DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
Aqui se abordarão, como dito supra, vários aspectos, tais como:
- Se o facto de o prédio dado de arrendamento ser de construção antiga e se encontrar degradado, maxime à data do trespasse à autora do estabelecimento comercial onde funciona o arrendado, torna o proprietário/senhorio irresponsável pelos danos que o inquilino venha a sofrer por virtude de futuros defeitos que o prédio venha a apresentar; ou, inversamente, se o proprietário/senhorio pode ser responsabilizado, e em que medida, por tais danos, designadamente ao abrigo do disposto no artº 1031º-b) CC - incumprimento da obrigação contratual;
- Obras de recuperação ou restauro a cargo do senhorio - designadamente sendo o arrendado de construção antiga e em acentuado estado de degradação;
- Das reparações no locado resultantes de situação de força maior e da obrigatoriedade da sua realização por banda do locador;
- Danos causados no locado por terceiros: responsabilidade perante o locatário;
- Da presunção de culpa por banda do locador pelos danos resultantes de defeitos do prédio arrendado?
- Do artº 1036º, nº2, do Cód. Civil;
- Se as despesas realizadas pelos arrendatários com obras de conservação extraordinária apenas podem ser ressarcidas findo o contrato - do disposto no artº 12º do RAU.
Vejamos.
A questão sub judice gira, essencialmente, em torno das disposições dos artsº 1031º, al. b) e 1036º, do CC e arts. 11º a 13º do Regime do Arrendamento Urbano (vulgo RAU - decorrente do Dec.-Lei nº 321-B/90, de 15.10).
Efectivamente, assenta a pretensão da autora (arrendatária) na alegada obrigatoriedade dos réus (senhorios) de realização de obras no arrendado, sustentando que os danos sofridos e cuja indemnização peticionam advieram do incumprimento daquele ónus dos senhorios.
Qui juris?
O artº 1031º do CC dispõe:
“São obrigações do locador:
a) Entregar ao locatário a coisa locada;
b) Assegurar o gozo desta para os fins a que a coisa se destina”.
Por sua vez, dispõe o artº 1036º do mesmo Código:
“1.Se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações urgentes ou outras despesas, e umas e outras, pela sua urgência, se não compadecerem com as delongas do processo judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, com direito ao seu reembolso.
2.Quando a urgência não consinta qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas, também com direito a reembolso, independentemente de mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo”.
Finalmente, regem os arts. 11º a 13º do RAU sobre os diversos tipos de obras a fazer no arrendado e sobre quem impende a obrigação de as fazer.
Laborando com a matéria de facto assente, temos de especial relevo a seguinte:
- O arrendado - a autora adquiriu o direito ao arrendamento por via do trepasse do estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e actividades similares, que outorgou com "I........., Lda”, mediante escritura pública, celebrada no 2º Cartório Notarial de V.N. de Famalicão, em 8 de Julho de 1997 - respeita ao rés-do-chão de um prédio constituído por andar (casa de habitação) e rés-do-chão.
- O aludido prédio onde a Autora exerce a sua actividade foi construído há, pelo menos, 50 anos, sendo velho igualmente nos seus métodos de construção: com pouca pedra nas suas paredes e grande predomínio de madeira nas suas estruturas.
- O tempo decorrido e o estado de degradação avançada da habitação sita no andar superior e do terraço, provocou infiltrações de água no arrendado.
- Situação essa que se arrasta desde 1996.
- Os RR. têm sido sucessivamente alertados pela Autora para esta situação, nomeadamente através de contacto pessoal.
- Sendo certo que os RR. sempre se mostraram indiferentes aos incessantes apelos feitos pela A.
- Em Março de 2001, ocorreram danos em alguns elementos de
revestimento da cobertura do telhado do prédio arrendado, donde resultaram infiltrações de água e humidades, que causaram os danos provados nos autos.
- Teve lugar o aluimento parcial do telhado do arrendado, que provocou à apelante danos e determinou a realização de obras para a sua reparação.
- Obras essas que, dada a sua urgência e a passividade e alheamento dos RR., não se compadeciam com essas delongas do procedimento judicial.
- Tendo a A. executado as mesmas extrajudicialmente, no que despendeu a quantia de 937.872$00.
- Já há uns 40 anos, mais ou menos, os falecidos pais e sogros dos RR. instalaram no rés-do-chão ocupado pela autora um estabelecimento de padaria chamado Padaria I......, a eles pertencente.
- O 1º andar do prédio arrendado à Autora tem tido constantes infiltrações de água.
- Os sinais visíveis de degradação do 1º andar do prédio arrendado já se verificam há mais de 10 anos.
- Os RR tentaram impedir a Autora de realizar as obras que realizou no início do trespasse, por entender que as mesmas eram pelo menos abusivas.
- Os danos em alguns elementos de revestimento da cobertura do telhado do prédio arrendado derivaram da queda de materiais de construção de um prédio vizinho, na sequência de fortes vendavais e chuvas durante o período verificados durante o mês de Março de 2001.
- Sendo certo que a autora se dirigiu ao proprietário desse prédio vizinho, invocando os danos sofridos e imputando-os à projecção de tais materiais de construção.
- O estado de degradação do telhado do arrendado poderia ser restaurado sem grande custos.
- Sem que se tivesse de construir um novo edifício.
- Os RR. mesmo intimados pela Câmara Municipal para a realização de obras no arrendado, têm recusado acções tão simples com franquear a porta de acesso ao andar superior.
- Pelo menos parte das infiltrações de água verificadas no arrendado (aquelas corridas anteriormente a Março de 2001) se devem ao facto de os RR terem deixado de realizar no mesmo quaisquer obras de conservação de relevo.
Tal como vem configurada a demanda, a mesma assenta na responsabilidade contratual: os réus não terão cumprido a obrigação que lhes advém do estatuído no aludido na al. b) do artº 1031º do CC.
DA BOA FÉ CONTATUAL:
Assim, antes de mais, impõe-se ter aqui presente o princípio da boa fé contratual, que domina de forma superior o direito das obrigações.
Perante o Cód. Civil de 1966 o Prof. Antunes Varela-- in Obrigações em Geral, I, 18 - apontava como princípio geral de forte sentido inovador a consagração do princípio da boa fé, tanto na formação do contrato (artº 227º do C. Civil), como, também, no cumprimento das obrigações e no exercício do direito correspondente (artº 762º, do mesmo Código).
Hoje a boa fé é um dos princípios gerais do nosso direito obrigacional, trave mestra, certa e segura da nossa ordem jurídica, vivificando-a por forma a dar solução a toda a gama de problemas de cooperação social que ela visa resolver no campo obrigacional--princípio, é certo, que deve ser observado com as restrições apontadas por Salvatore Romano, em “Enciclopédia del Diritto”, Milão, 1959, - “Buona Fede”, págs. 667 e segs. Ver, ainda, a Boa Fé nos Contratos, de Armando Torres Paulo, pág. 124 e “A Boa Fé no Direito Comercial”, in “temas de Direito Comercial”, conferência no Conselho Distrital do Porto da ordem dos Advogados, págs. 177 e segs. e Baptista Machado, in Obras Dispersas, vol. I.
Transportando estes ensinamentos para os autos, diremos que foi confiando na boa fé da outra parte que, quer a autora, quer, antes dela, a trespassante (I........, Lda) aceitaram o fecho das negociações contratuais, maxime na convicção do cumprimento por banda dos senhorios/réus das respectivas obrigações, designadamente que sempre lhes iriam “Assegurar o gozo” do locado “para os fins a que [...] se destina” (ut cit. artº 1031º, al. b) CC).
Assim, a questão sub judice reconduz-se, desde logo, às obrigações do locador, referidas no normativo citado (artº 1031º).
A este propósito, escreveu o Prof. Pereira Coelho, in Arrendamento, 1980, pág. 122: “O programa de prestação do senhorio reconduz-se a este núcleo fundamental: o senhorio deve proporcionar ao inquilino o gozo do prédio no âmbito e para os fins do contrato”.
Assim, além de entregar ao locatário a coisa locada, “tem o senhorio uma obrigação positiva de manutenção do gozo, isto é, de assegurar o gozo do prédio ao inquilino”.
Entende a autora que os danos sofridos foram emergentes do estado de degradação do prédio de que faz parte o arrendado, degradação essa motivada pela inércia dos réus/senhorios, que não fizeram as necessárias obras para que tal degradação não atingisse o estado presente, ou, pelo menos, por sua inércia deixaram agravar o estado do prédio.
Antes de mais, é bom que se diga que é ao senhorio - e não a terceiros-- que o inquilino se deve dirigir para execução das obras necessárias para que o locado satisfaça o fim a que se destina. Tal é intuitivo, visto que o direito se estriba numa relação jurídica vigente entre locatário e locador. É ao locador que o locatário se deve dirigir para alcançar a observância da obrigação contida na al. b) do citado artº 1031º, já que é ao locador que o locatário deve fazer a comunicação a que alude o artº 1038º, al. h), do mesmo Cód. Civil.
Pergunta-se, porém: incumbia aos réus/senhorios a realização das obras necessárias a que os danos sofridos pela autora não ocorressem, bem como o ressarcimento dos prejuízos- que se provaram existir - pretendido pela autora?
A finalidade do arrendamento é que nos diz das obrigações do senhorio. Tudo depende do fim do contrato.
Ora, desde 1977 que a “I......” ali vinha exercendo uma exploração industrial (padaria,....) (cfr. fls. 119 e segs.), vindo a trespassar tal estabelecimento à autora em 1997 (cfr. fls. 132 ss).
Era este o fim sabido e aceite pelos réus/locadores do aludido rés-do-chão.
O citado artº 1031º-- escreveu Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anot., em anotação a este artigo - constitui corolário lógico do disposto no artº 1022º (do mesmo Código).
Sendo o locador obrigado a proporcionar ao locatário o gozo temporário da coisa, tem não só a obrigação paralela consignada no artº 879º, al. b), como a de lhe assegurar o gozo dela para os fins a que se destina.
Estas duas obrigações já eram referidas, em matéria de arrendamento, nos arts. 1606º, nº1, do CC de 1867 e artº 15º, nº1 do Decreto nº 5411.
Aceite, portanto, que a relação locativa assenta naquelas duas obrigações fundamentais, vejamos, então, quais as obras que o senhorio é obrigado a fazer no prédio arrendado, em ordem a averiguarmos se as obras de que o locado padecia se enquadram nesse domínio.
Estamos em perfeito acordo com o que ensina o Prof. Pereira Coelho (ob. e loc. cits.), ao dizer que o senhorio deve fazer as reparações necessárias para o gozo do arrendatário não seja significativamente diminuído - isto é, aquelas que forem indispensáveis para manter o prédio em estado de corresponder ao seu destino. Além disso, deve proceder às reparações aludidas no RGEU - sob pena de ver a Câmara Municipal tomar-lhe a dianteira, fazendo-as e impendendo o encargo sobre o proprietário (cfr., v.g., artº 15º RAU - ver, ainda os comandos emergentes dos arts. 11º a 13º do mesmo RAU).
É claro que se não vê, porém, que o senhorio seja obrigado, como se previa em anterior legislação (artº 15º do Dec. Nº 5411), “a conservar o prédio arrendado no mesmo estado durante o arrendamento”.
A regra a atender neste domínio será esta: se ao locatário não incumbe reparar as deteriorações inerentes a uma prudente utilização em conformidade com os fins do contrato, também ao senhorio as não cumpre reparar, salvo até onde fique coberto pelo seu dever de “assegurar o gozo” do prédio ao inquilino “para os fins a que se destina”.
Tem, assim, o locador a obrigação específica de efectuar as reparações ou outras despesas essenciais ao gozo do locado, quer a sua necessidade resulte do simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro.
No caso presente as obras de que o prédio em cujo rés-do-chão funcionava o arrendado eram de conservação extraordinária, face à noção que delas nos é dada pelo artº 11º, nº3, do RAU.
Efectivamente, trata-se de prédio “construído há, pelo menos, 50 anos, sendo velho igualmente nos seus métodos de construção: com pouca pedra nas suas paredes e grande predomínio de madeira nas suas estruturas”, no qual “desde 1996” que se verificavam infiltrações de água devidas ao “tempo decorrido e ao estado de degradação avançada da habitação sita no andar superior e do terraço”.
É certo que só em Maço de 2001 ocorreram danos em alguns elementos de revestimento da cobertura do telhado do prédio arrendado, então tendo ocorrido o “aluimento parcial do telhado do arrendado” causado pela queda de materiais de construção de um prédio vizinho, na sequência de fortes vendavais e chuvas durante mês.
No entanto, não se pode esquecer que o 1º andar do prédio arrendado à Autora já há tempos que manifestava constantes infiltrações de água - o que retrata bem o estado de degradação da cobertura!--, tendo-se provado que os sinais visíveis dedegradação do 1º andar do prédio arrendado já se verificam há mais de 10 anos.
Portanto, parece manifesto que houve, pelo menos, contribuição da inércia dos réus/senhorios para o aluimento de parte da cobertura do prédio.Isto é, seguramente que não foram apenas os materiais caídos do prédio vizinho queprovocaram o aluimento parcial do telhado do arrendado. Ao invés, do conjunto da prova produzida parece mais que evidente que tal aluimento ocorreu face aoavançado “estado de degradação do telhado do arrendado” - que, como se provou, o senhorio, querendo, poderia restaurar “sem grande custos”, “sem que se tivesse de construir um novo edifício”.
Veja-se que a conduta dos réus/senhorios está bem espelhada no facto de “mesmo intimados pela Câmara Municipal para a realização de obras no arrendado” terem “recusado acções tão simples como franquear a porta de acesso ao andar superior”!
Portanto, nem haveria necessidade de recorrer ao conceito de “força maior” (ou “caso fortuito”), referido no nº 3 do artº 11º do RAU. Não foram apenas os “fortes vendavais e chuvas” verificados em Março de 2001 os causadores dos provados danos. Seguramente que tais vendavais provocaram os danos, maxime ao nível da cobertura do prédio, porque este se encontrava em muito débil estado, emacentuada degradação, devido à acentuada fragilidade das suas estruturas - “com pouca pedra nas suas paredes e grande predomínio de madeira nas suas estruturas”.
Veja-se que se provou que “pelo menos parte das infiltrações de águas verificadas no arrendado (aquelas ocorridas antes de Março de 2001) se devem ao facto de os RR terem deixado de realizar no mesmo quaisquer obras de conservação de relevo”.
Como já referido, as obras de que o arrendado carecia devem ser qualificadas como de conservação extraordinária (cit. nº 3 do artº 11º RAU). Trata-se, sem dúvida, de obras ocasionadas por defeito de construção do prédio.
Trata-se de obras da incumbência dos réus/senhorios do senhorio, como ressalta, desde logo, do disposto no artº 13º, nº1 do RAU (atenta a factualidade apurada e, v.g., o disposto no artº 128º do RGEU).
Como bem se escreveu no Ac. da Rel. de Lisboa, de 06.05.1993, in www.dgsi.pt, o locador tem a obrigação de fazer na coisa locada as obras que evitem a sua perda, destruição ou deterioração e permitam que o locatário a frua conforme estipulado no contrato. Isto independentemente de haverem sido causadas por caso fortuito (ainda, o Ac. STJ, de 11.02.1992 e Acs. da rel. de Lisboa, de 24.04.1996 e 08.04.2003, todos no mesmo site da dgsi.
Mas sempre incumbia aos réus/senhorios arcar com os danos causados pelo aluimento parcial da cobertura e infiltrações de águas - que, repete-se, já hávários anos vinham ocorrendo!--, uma vez que, mais não fosse, houve por suabanda violação do dever de vigilância do estado de segurança do prédio - dever que sobre ele impendia.
Como se viu, tratava-se de prédio muito antigo, com as estruturas de segurança bastante débeis, predominando a madeira, e onde os sinais de degradação eram há muito bem visíveis.
Porém, não obstante isso, os senhorios apenas se preocupavam em... receber as rendas, sem atentar, sequer, que o prédio já não parecia oferecer razoáveis condições de segurança.
Já assim não seria no caso de se tratar de obras de conservação e reparação que fossem determinadas por má ou imprudente utilização da coisa por parte do locatário. Aqui, sim, a este incumbiria executá-las (cfr. Antunes Varela, Revista de Leg. e de Jur., Ano 100º, a págs. 379 e segs., e Ano 119º, a pág. 276).
Mas não só nada vem apurado no sentido de que a autora/arrendatária tivesse feito uma utilização imprudente do prédio, como o tipo de obras de que o locado carecia manifestamente que nada tinha a ver com a aludida utilização imprudente do arrendatário - falamos da cobertura do prédio, situada ao nível do 1º andar, quando o locado respeitava ao ... rés-do-chão.
Assim sendo, sempre cairíamos no domínio geral: “a regra geral é a inerente ao direito de propriedade, que corre por conta do proprietário. O dever [...], incumbe ao «senhorio, seja qual for a renda paga pelo arrendatário.
O locador é obrigado a realizar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual, quer se trate de pequenas ou de grandes reparações, quer a sua necessidade resulte do simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro» (Ac. STJ, de 25.11.1998, Bol.M.J., 481, a págs. 484 segs.).
A propósito de se ter dado como provado que parte dos danos foram causados por materiais de construção caídos de um prédio vizinho, na sequência de chuvas e ventos fortes que ocorreram em Março de 2001, não resistimos a transcrever a seguinte passagem do citado Ac. do STJ de 25.11.98.
Assim, nesse aresto (págs. 490/491) escreveu-se:
“Como se disse, não é o facto de grande parte dos danos terem sido produzidos por terceiro que irresponsabiliza a ré.
Nem importa provar que actuou culposamente.
O risco de deterioração do prédio ao longo do tempo corre por sua conta.
[.............].
Tem a ré o dever de assegurar o uso da coisa (pleno, obviamente, dentro dos limites dos poderes do locatário).
Tem a autora o direito a se indemnizada pelos danos provocados pelo não cumprimento pela ré desse dever.
[.............].
De longa data devia a ré estar a par do que se passava, atento o dever de vigilância”[Sobre este dever de vigilância, ver Vaz Serra, Revista de Leg. e de Jur., Ano 114º, a págs. 78-79] “a cargo do proprietário (ver artº 492º do Código Civil)”.
Assim, portanto, como mui doutamente se concluiu naquele aresto do STJ, não só o risco de deterioração, ao longo do tempo, do prédio arrendado corre por conta do senhorio, que deve estar atento ao que se passa, como o senhorio não é irresponsabilizado pelo simples facto de parte dos danos serem produzidos por terceiro, pois o senhorio, dentro dos seus poderes, tem o dever de assegurar o pleno uso da coisa para o fim a que se destina.
Na mesma senda, veja-se o que escreveram Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, III, 2ª ed., a pág. 95:” deve entender-se que, além de estar sujeito às restrições ou limitações que a lei lhe impõe (dever de abstenção), o proprietário tem obrigação de adoptar as medidas adequadas (dever de conteúdo positivo) a evitar o perigo criado pela sua própria actuação ou decorrente, por outros motivos, das coisas que lhe pertencem (dever da prevenção do perigo)”.
Os réus eram bem sabedores do estado degradado do edifício, maxime da sua cobertura. Mas, apesar disso, apesar de ser certo que “o estado de degradação do telhado do arrendado poderia ser restaurado sem grandes custos”, “os RR, mesmo intimados pela Câmara Municipal para a realização de obras no arrendado, têm recusado acções tão simples como franquear a porta de acesso ao andar superior”.
Assim, não parece haver dúvidas de que a actuação dos réus/senhorios é ilícita e culposa, tendo-se remetido a uma postura passiva, quando tinham, pelo menos, a obrigação de saber que da mesma poderiam advir danos para a arrendatária, como acabaram por surgir.
O estado de degradação do edifício era bem visível e já se arrastava há vários anos. E não lograram os réus demonstrar - antes se provou o contrário - que para a produção dos danos o aludido estado de degradação foi de todo irrelevante.
Assim, portanto, não há dúvida de que a omissão dos réus torna-os responsáveis pelos danos que da mesma advieram para a autora, pois “havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido” (cfr. artº 486º CC).
Obviamente que nenhuma censura merece a actuação da autora, ao fazer, ela própria, as obras, dada a sua natureza e urgência, atento o estatuído no artº 1036º, nº2, do CC.
E que dizer quanto ao entendimento vertido na sentença recorrida de que a autora apenas tinha direito a ser ressarcida das despesas que efectuou com a realização das obras findo o contrato?
É patente que assim não deve ser, pois o artº 120º do RAU é claro ao prescrever que tal situação respeita à hipótese de “realização de obras determinadas pelas autoridades administrativas em função do fim específico constante do contrato”, ou a obras cuja realização pelo arrendatário seja concencionada, “por escrito” pelas partes.
No caso em apreciação, nem dumas, nem doutras obras se trata. Trata-se, ao invés, de obras realizadas pela autora, simplesmente, para reparação dos estragos que as infiltrações de águas provocaram, subsumíveis ao estatuído nos preceitos supra citados (arts. 1031º, al. b) e 1036º, do CC e arts. 11º a 13º do RAU).
E não vemos que a actuação da autora se possa qualificar de abusiva.
Efectivamente, como se provou, os prejuízos para a autora poderiam ter sido evitados caso os réus tivessem ouvido as suas reclamações - provado ficou que “os réus têm sido sucessivamente alertados pela Autora para esta situação,nomeadamente através de contacto pessoal”, mas “sempre se mostraramindiferentes aos incessantes apelos feitos pela Autora”, sendo certo que “ossinais visíveis de degradação do 1º andar do prédio arrendado já se verificavam há mais de 10 anos”-- e tivessem actuado atempadamente. E tiveram muito tempo para o fazer, restaurando o estado de degradação do telhado “sem grandescustos”.
Assiste, portanto, razão à autora/apelante, na sua pretensão em ser ressarcida dos danos sofridos, supra provados.
Não resultou provado que fosse a imprudente utilização da autora que tivesse dado causa às infiltrações e subsequentes danos sofridos.
Sendo os réus proprietários do prédio, a eles incumbe efectuar em toda e qualquer parte do mesmo as obras necessárias a assegurar ao arrendatário “o gozo da coisa locada para os fins a que se destina” (ver ac. STJ, de 16.05.75, Bol. M.J., 247º-112 e João de Matos, Manual do Arrendamento e do Aluguer, vol. II, pág. 21).
É claro que esta doutrina pode conduzir, em especial nos arrendamentos das grandes cidades como Lisboa e Porto (com rendas desactualizadas - e obras dispendiosas), a resultados injustos, como tem sucedido em França, onde (J. P. Gall, L´ Obligation de garantie dans louage de choses, nºs 24 e segs.), onde o custo representaria muitos e muitos anos de renda.
Não é, porém, o caso presente, como vimos - os réus podiam pôr termo ao estado de degradação do telhado “sem grandes custos”--, além de que não se poderia desobrigar os réus/senhorios com o fundamento aludido, já que não estamos no domínio da jurisdição voluntária, sendo inaplicável o critério do artº 1410º CPC.
Assim, não tendo o locador feito as reparações ou tendo cumprido defeituosamente a obrigação, o locatário tem o direito de ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, tanto a título de danos emergentes, como de lucros cessantes (cfr. arts. 1031º, al. b), 798º, 799º e 564º, do CC e Ac. STJ, in Bol. M.J. nº 303º-212), além do direito que lhe assiste de poder compelir o senhorio a efectuar as obras que esteja obrigado, ou haver lugar à execução administrativa a que se refere o artº 15º do RAU.
Acresce que a culpa do locador se presume legalmente (cfr. artº 799º, nº1 CC) e é apreciada nos termos da responsabilidade civil- artº 799º, nº2- o que significa que é aplicável o critério indicado no art 487º-2 do CC, ou seja, o da “culpa em abstracto”).
Da obrigação genérica do artº 1031º, al. b), CC, deriva a obrigação específica do artº 1036º do mesmo Código, no sentido do locador fazer as reparações ou outras despesas urgentes da coisa.
E as reparações de que trata o artº 1036º CC são precisamente do tipo das reparações ou obras que a autora pretendia ver feitas pelos réus: as necessárias para conservar a coisa locada no estado de servir ao uso a que é destinada.
Certo é que ensina Cunha Gonçalves, “Tratado de Direito Civil”, vol. IX, pág. 11, que naquele preceito não se incluem as reparações locativas provenientes de mau uso da coisa pelo locatário, o que, aliás, se infere dos próprios arts. 1038º-d), 1043º CC e arts. 4º e 64º-1-d) RAU. Pode ver-se, ainda, sobre este aspecto, José Correia, Digesto Português, tomo 3, pág. 124.
No caso presente - repete-se-- nada se provou com vista a imputar as aludidas infiltrações ao mau uso do locado pela Autora/locatária. Já os réus, mais não fosse, sempre teriam contribuído para o agravamento dos danos ocorridos no locado e consequentes prejuízos para a autora. Contribuíram, mais não fosse, com a sua postura passiva, como salientado supra.
Não vemos, assim, que se possa assacar co-responsabilidade à autora na produção dos aludidos danos, ao abrigo do disposto no artº 570º do CC.
Como é sabido, o citado artº 570º aplica-se não só ao instituto da responsabilidade como a todos os casos em que a lei imponha ao agente ou a terceiros o dever de indemnizar (RLJ, Ano 101º-217).
“Não é na verdade indiferente à obrigação de indemnizar a posição do próprio prejudicado quanto ao dano sofrido [...]. A lei consagra uma norma geral sobre a matéria: o artº 570º do Cód. Civil [...]. Pode acontecer que o lesado tenha contribuído culposamente para a produção ou simples agravamento dos prejuízos por ele sofridos e de que outrem seja responsável. Haverá então com-culpabilidade ou co-responsabilidade entre a pessoa obrigada a reparar um dano e a que tem direito a essa reparação [...]. A culpa do prejudicado deverá o tribunal tomá-la em consideração ainda que não seja invocada” (Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed., pp. 534 e 535).
Igual entendimento tem o Prof. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 1º, 823 e 834, para os casos de “a vítima não ter contribuído para a produção do dano mas para o seu agravamento ou de não ter concorrido, como lhe competia, para atenuar ou minorar o dano”.
Porém, atenta a factualidade apurada, a autora fez o que se lhe impunha que fizesse, não se vislumbrando que lhe fosse exigível outro comportamento que não o provado, para evitar a produção ou agravamento dos danos.
Efectivamente, sabendo da situação periclitante do edifício, designadamente em termos das suas estruturas de segurança, em especial ao nível da cobertura, e mesmo advertidos atempadamente dessa situação, os réus/locadores deixaram correr... as águas (infiltrações). Daí que só a eles devam ser imputados os danos - ou pelo menos o seu agravamento. É que era de sua estrita obrigação legal proceder, desde logo, às obras de reparação por forma a evitar as infiltrações... que se verificavam já “desde 1996”.
Poder-se-ia, por outro lado, argumentar que a autora/locatária, perante a mora dos réus na execução das necessárias obras, sempre poderia-- além de lançar mão da faculdade conferida pelo artº 1036º do CC-- resolver o contrato, assim evitando futuros danos decorrentes das infiltrações.
Ora, poder podia. Mas a tal não era obrigado. Perante a mora do locador o locatário nem é obrigado a lançar mão daquela faculdade prevista no artº 1036º, nem a rescindir o contrato (iu artº 1050º CC). A simples mora constitui o locador na obrigação de reparar os danos causados ao arrendatário (artº 804º, nº1, CC - cfr. Ac. STJ, de 06.05.1982, in BMJ, nº 317º, pág. 239).
Também escreveu o Ac. STJ de 30.01.81 (Bol. M.J., nº 303º, pág. 216) que faltando o senhorio culposamente ao cumprimento da sua obrigação de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins habitacionais (ou comerciais, industriais, etc.,-- diremos nós) a que se destina (artº 1031º-b) do CC, o locador tornou-se responsável por todos os prejuízos que daí advierem para o locatário (artº 798º do CC).
No sentido de que estando o senhorio em mora nos termos do citado artº 1036º do CC, o inquilino só faz as obras extra-judicialmente se quiser, tratando-se de pura faculdade e não de um dever imposto ao locatário no interesse do locador, pode ver-se, ainda, Miccio (La Locazione, 1967, nº 93), onde se escreveu:
“A faculdade concedida ao locatário de proceder oportunamente às reparações que competiam ao locador não pode produzir o efeito oposto de torná-lo responsável pela omissão de tais reparações. Por outras palavras: a falta deexercício de uma faculdade não pode transformar-se no não cumprimento de uma obrigação”.
Já no BMJ nº 304º, a pág. 469, se escreveu: “o facto de o inquilino poder fazer as obras não significa que a isso seja obrigado. Cumprindo o seu dever de avisar o senhorio, nisso se esgotou a sua conduta obrigatória...”.
Ora, tal dever cumpriu-o a autora, pois, como se provou: “os RR têm sido sucessivamente alertados pela Autora para esta situação” - das infiltrações de água no arrendado provocadas pelo “tempo decorrido e o estado de degradação avançada da habitação sita no andar superior e do terraço” -, “nomeadamente, através de contacto pessoal.
Por outro lado, como se viu, não é correcto invocar-se para a não realização das obras pelos réus a sua onerosidade. É que, a onerosidade das obras necessárias é facto impeditivo do direito da arrendatária/autora à sua realização, impendendo o respectivo ónus da prova sobre os senhorios/réus. E estes não provaram tal facto impeditivo. Antes, até ficou provado precisamente o contrário: que “o estado de degradação do telhado do arrendado” - que, como vimos, foi a causa das infiltrações de águas - “ poderia ser restaurado sem grandes custos”.
Aliás, sempre se anote que a renda nem era tão pequena quanto isso, pois, à data da propositura da acção, já era de esc. 132.714$00. Mas mesmo que o não fosse, como se escreveu no Ac. STJ, de 20.10.1994, Bol. M.J., nº 440º, a pág. 468, a obrigação de realizar as obras necessárias a que alude o artº 1031º, al. b) do CC não é afastada pelo facto da exiguidade da renda. E a explicação dá-no-la este douto aresto: “ao exigir as obras, a autora limitou-se a exercer um direito que a lei lhe confere e que o locador, ao celebrar o contrato de arrendamento, não podia ignorar que poderia vir a ser exercido. Não podia ignorar que tinha de manter o arrendado em boas condições de utilização fazendo as obras necessárias para o efeito e suportando as inerentes despesas.
A obrigação de assegurar ao locatário o gozo do arrendado para os fins a que se destina não é mais do que a contrapartida da obrigação que o locatário tem de pagar a renda”.
Sobre a reparação do telhado, pode ver-se o Ac. da Rel. de Lisboa, de 13.01.1994, Col.Jur., 1994, I, 91, onde, em suma, se escreveu:
“!A reparação do telhado e do demais necessário para impedir que no locado se infiltrem águas da chuva, com vista a assegurar o nível de habitabilidade existente à data do arrendamento, é obra de conservação ordinária”-- logo da responsabilidade do senhorio (artº 11º-2-a) e 12º, do RAU).
Ainda sobre o vício da coisa locada, a culpa do locador e o dever de indemnizar, pode ver-se, com especial relevo, o Ac. do STJ, de 05.12.1975, in Bol.M.J., nº 252º, a págs. 136 e segs.
Neste aresto escreveu-se que “a alínea do arº 1032º do Código Civil tanto se aplica ao aparecimento do defeito por culpa do locador como ao agravamento do defeito por sua culpa, como é curial”.
E, como vimos, é manifesto que no caso presente houve, pelo menos, agravamento do defeito (depois de advertidos os réus/locadores e mercê da sua injustificada inércia).
“De resto o dever de indemnizar por parte do locador não tem a sua exclusiva fonte no artº 1032º do Código Civil. Resulta também, nos termos do artigo 798º do Código Civil, da falta culposa no cumprimento da obrigação específica do contrato de arrendamento que consiste em assegurar ao arrendatário o gozo da coisa arrendada para os fins a que a coisa se destina” - acrescenta o mesmo aresto.
Ora, com infiltrações de águas pelo telhado, é patente que o arrendado não assegurava à autora/arrendatária o gozo deste para os fins a que se destinava!
E advertidos que foram os réus/senhorios, incumbia-lhes pôr termo a tal situação. E os senhorios não podiam ter-se por desobrigados da obrigação de pôr termo ao apontado defeito do telhado enquanto não demonstrassem a culpa da arrendatária-- o que, como vimos, não lograram demonstrar.
Como tal, a negligência dos réus em promover a aludida necessária reparação constituiu-os em culpa e, como tal, em responsabilidade pelo ressarcimento dos danos causados à autora.
Como dissemos supra, às partes contratantes impõem-se que, quer na formação do contrato, quer no seu cumprimento e desenvolvimento, actuem de boa fé (cfr. artº 762º-2 CC).
O que significa que, por um lado, o senhorio entrega ao arrendatário o prédio porque acredita que o mesmo dele vai fazer a tal “prudente utilização” de que fala o artº 1043º CC, e, por outro lado, que o arrendatário toma de arrendamento o locado porque acredita que o mesmo se encontra em condições de poder ser gozado para os fins a que se destina e que tal destino será assegurado pelo senhorio - desde que, naturalmente, o arrendatário utilize o arrendado de forma prudente.
É esta prudente utilização do arrendado que apenas se exige ao arrendatário.
Para o direito espanhol, o Código Civil estabelece expressamente o dever de uso do arrendatário como “un diligente padre de família”, mencionando os autores que este é um dos deveres a que o arrendatário está adstrito de tal modo que, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal, se o uso se não acomoda à diligência exigível a um homem médio, incorre-se em incumprimento contratual (José León- Castro Manuel Cossio, Arrendamientos urbanos, 1995, a pág. 286).
Assim, também sob o império da nossa ordem jurídica há um dever geral de boa fé que pode levar a exigir-se do credor que coopere com o devedor no cumprimento no desenvolvimento da relação contratual.
Ou seja, cremos que, não só ao devedor - in casu a autora/arrendatária--, mas também ao credor - in casu os réus/senhorios - se impunha um dever geral de cooperação.
Daqui que, por exemplo, o devedor seja, por sua vez, credor daquela cooperação, em termos tais que tal situação até justifica a resolução do contrato (ver arts. 801º-2 e 816 CC).
E não parece, aliás, que seja indispensável que exista uma disposição legal que imponha esse dever de cooperação entre as partes. Trata-se de um dever jurídico que decorre precisamente daquele imperativo geral da boa fé contratual.
Ora, é também precisamente ao abrigo daquele dever de cooperação que o senhorio tem uma obrigação positiva de manutenção do gozo, isto é, de assegurar o gozo do prédio ao arrendatário.
O que significa, no caso que nos ocupa, a obrigação de manter o arrendado em condições de, pelo menos, não permitir a entrada de infiltrações de águas pelo telhado, que possam causar danos ao arrendatário.
A síntese a fazer parece, como já supra referido, ser esta: ao locatário não cumpre reparar as deteriorações inerentes a uma prudente utilização em conformidade com os fins do contrato; ao senhorio também as não cumpre reparar, salvo até onde fique coberto pelo seu dever de “assegurar o gozo” do prédio ao inquilino para os fins a que se destina.” (cfr. Revista de Leg. Jur., Ano 100º-377 e Pires de Lima e ª Varela, Anotado, em anotação ao artº 1031º). Tem, assim, o locador a obrigação específica de efectuar as reparações ou outras despesas essenciais ao gozo do locado, quer a sua necessidade resulte do simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro.
Não é de esperar que o telhado, passados tantos anos, se venha degradando? E não vimos que a sua reparação é obrigação do senhorio (artsº 11º e 12º do RAU) porque se torna essencial para que seja assegurado ao inquilino o gozo do prédio ao fim a que se destina?
Portanto, não havendo utilização imprudente por banda da arrendatária, se violação de algum dever houve foi tão só e apenas por banda dos autores/senhorios, pois deixaram de cooperar com a ré/inquilina no desenvolvimento da relação contratual - desta forma, também, violando a boa fé que presidiu à celebração do contrato.
A autora/arrendatária apenas tem de fazer do locado uma utilização prudente e caso o não faça, então sim, suportará as despesas com os danos que dessaimprudência resultarem.
Como se vê, v.g., no Ac. do Supremo T.J., de 14-4-1972, Bol. M.J. nº 216º, a pág. 137, o senhorio só terá, em princípio, direito a ser ressarcido dos prejuízos que com a sua imprudente utilização o arrendatário lhe causar.
Ou seja, a autora/inquilina só suportaria as despesas com os danos havidos resultantes das aludidas infiltrações de águas caso não tivesse sido normalmente cuidadosa na sua utilização e houvesse uma relação de causa-efeito entre a sua conduta imprudente e os danos verificados.
É isto, ao fim e ao cabo, o que resulta da conjugação dos normativos contidos nos artsº 1038º, al. i) e 1043º a 1046º CC, designadamente do conteúdo do dever de custódia e de manutenção da coisa locada por banda do arrendatário.
Atente-se que a lei ao falar em “deteriorações” (do latim, deter= pior) do arrendado a reparar pelo arrendatário, refere-se, naturalmente, em primeira mão àquelas que são provocadas por acção do locatário. O que, desde logo, fazressalvar aquelas que são decorrentes da simples usura do tempo, ou vetustez.
É este, a nosso ver, o correcto entendimento - e é, aliás, por exemplo, o expresso nas leis civis francesa e italiana (cfr., respectivamente, arts. 1730º e 1590-III), que afastam a responsabilização do locatário pela degradação resultante doenvelhecimento da coisa--, sufragado, designadamente, por Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1986, em anotação ao artº 1043º, nº4, p. 404; 1997, 4ª 3d., rev. e act., p. 380.
Por outro lado, a responsabilidade do arrendatário está sempre ligada a umcomportamento imprudente - quer dizer, negligente, culposo.
Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, 1997, 4ª ed., a pág. 381, entendem que a responsabilidade do locatário é uma espécie de responsabilidade objectiva.
Não cremos que seja esta a melhor doutrina.
Antes a melhor doutrina parece ser aquela que já resulta do supra referido e que é igualmente sufragada pelo Prof. Pereira Coelho, Arrendamento (ed., pol), 1988, p. 204), que sustenta que o locatário “não é responsável se as deteriorações provierem de facto seu mas de facto não culposo”. Seria injusto – acrescente - “o agravamento excepcional da responsabilidade do locatário”, a que conduziria a interpretação à volta da referida responsabilidade objectiva.
Aliás, é bom que se diga que não é aceitável, nem justo, que a responsabilidade do locatário seja mais grave do que a do comodatário (artº 1136º CC) ou do próprio depositário (artº 1188º CC) que, como se sabe, apenas respondem pela perda ou deterioração da coisa, unicamente a título de culpa.
Assente fica, portanto, que o arrendatário apenas responde pelas deteriorações do arrendado desde que tenha agido com culpa--, isto é, desde que o tenha actuado de forma imprudente.
Surge, então, a questão do onus probandi: é ao senhorio que cumpre provar a culpa do locatário (falta de prudência), ou é a este que incumbe a prova de que nem o arrendatário nem o terceiro (a quem, v.g., tenha permitido a utilização do arrendado) foram os causadores das (perdas ou) deteriorações ?
Ora, mesmo que fizéssemos incidir o ónus probandi sobre o inquilino, ao abrigo da presunção de culpa do devedor, vigente na responsabilidade contratual) ut artº 799º CC), sempre in casu seríamos levados a concluir que aos réus/senhorios incumbia as aludidas reparações, pois não só a autora foi diligente em avisar os réus da situação do arrendado, maxime ao nível do telhado, como, tratando-se de dano no 1º andar (designadamente na cobertura do edifício), estava fora do objecto arrendado à autora (que respeita ao rés-do-chão), o que, portanto, não permitiria nunca imputar a esta os estragos (no telhado) que levaram às infiltrações.
Mas na situação concreta em apreço nunca se justificava a responsabilização da autora/arrendatária pelos aludidos danos no prédio.
Efectivamente, tendo em conta que: estamos em face de um contrato de arrendamento com mais de vinte anos - em 1977 a “I........., Lda” ali iniciou a sua actividade-- e que ao longo do mesmo os senhorios não fizeram no arrendado “quaisquer obras de conservação de relevo”; é sabido (facto notório, não carecendo de alegação e prova, ut artº 514º CPC) que ao longo de tal período de tempo as estruturas do prédio - em especial as madeiras, que predominam no arrendado -- se vão deteriorando e perdendo resistência (corroendo, etc.), carecendo, por isso, de manutenção e eventual substituição; está-se em face de obras de conservação ordinária, que a lei refere serem encargo do senhorio, só podendo o mesmo recair sobre o arrendatário em caso de utilização imprudente, então parece óbvio que era aos réus/senhorios que, para se desobrigarem do dever de proceder às necessárias obras, incumbia o ónus de alegação e prova de que, não obstante o decurso daquele (longo) período temporal, os danos resultaram de imprudente utilização da Autora/ inquilina E tal prova manifestamente que a não lograram fazer.
DO CONCEITO DE “FORÇA MAIOR” E DA SUA (NÃO) VERIFICAÇÃO NO CASO SUB JUDICE.
Procura-se nos autos imputar os danos sofridos pela autora a uma situação de força maior - desde logo às “chuvas intensas e ventos fortes” que teriam ultrapassado... os “100 Kms/Hora”.
Assim sendo, alega-se que os aludidos danos não resultariam de acto de culpa ou negligência dos réus/senhorios, mas, sim, da aludida “força maior” (ver, designadamente, o vertido nos arts. 49º e 50º da douta contestação dos réus).
Antes de mais, é bom que se refira que a apontada causa dos danos à aludida situação de “força maior” sempre estaria arredada pelo simples facto de estar provado que “pelo menos parte das infiltrações de água verificadas no arrendado (aquelas ocorrida anteriormente a Março de 2001) se devem ao facto de os RR terem deixado de realizar no mesmo quaisquer obras de conservação de relevo”.
Portanto, pelo menos “parte das infiltrações verificadas” nada tem a ver com os provados “fortes vendavais e chuvas” - que, aliás, se não provou serem “intensas”.
Mas a factualidade apurada nunca poderia ser qualificada como motivo de “força maior”, a permitir a “desculpa” dos réus.
Vejamos.
Porque já noutro acórdão desta Relação, igualmente por nós relatado, estudámos desenvolvidamente o aludido conceito de “força maior” (versus caso fortuito), seguiremos de perto o que ali escrevemos.
O caso de força maior era uma figura já conhecida do direito romano, onde se contrapunha directamente ao caso fortuito. ULPIANO distinguia-os pela irresistibilidade que caracterizava o primeiro, ante a imprevisibilidade em que segundo se resolvia. Deste modo, o casus maior designava omnem vim cui resisti non potest,, enquanto o casus fortuitus se definia como aquele quanto ao qual nullum humanum consilium proevidere potest.
Segundo Manuel de Andrade, no conceito de caso fortuito sobressai a ideia de imprevisibilidade, pois o facto seria evitável se fosse previsto e no conceito de força maior sobressai a ideia de inevitabilidade (Teoria Geral das Obrigações, 2ª ed., Coimbra, 1963, págs. 421-422).
Também Cabral de Moncada se refere à imprevisibilidade e inevitabilidade como notas fulcrais de tais conceitos (Lições de Direito Civil, Parte Geral, 2ª ed., Coimbra, 1955, vol. II, págs. 473-474, nota 2).
É à volta do preceituado na al. i) e no nº2 do artº 64º do RAU - correspondente ao mesmo número e alínea do revogado artº 1093º do CC--, que respeita à manutenção do prédio desabitado por mais de um ano, que o conceito de “força maior” tem sido tratado no âmbito da relação locatícia (cfr., v.g., Bol. M.J. 323-352; Rev Leg. e Jur. Ano 119º-251; Ac. Rel. de Évora de 4.11.1982, in Col. Jur. VII, 261; Ac. Rel. do Porto de 3.2.81, Col. Jur. VI,1,146), sendo os ensinamentos aí vertidos de especial utilidade para o caso que ora nos ocupa.
É no domínio dos acidentes de acidentes de viação que o aludido conceito tem sido objecto de especial análise, como se vê, v.g., em Manual de Acidentes de Viação, de Dario Martins de Almeida, 2ª ed., Coimbra, 1980, pág. 162.
A velha distinção entre caso fortuito e força maior, a um tempo subtil, incerta e inútil, desde há muito em decadência, pode dizer-se abandonada hoje" (Bol. da Fac. de Dir. de Coimbra, I, pág. 26 apud Revista dos Tribunais, ano 81º, pág. 253, nota 3) - modernamente a distinção entre estes dois conceitos perdeu uma certa importância, havendo até quem os considere equivalentes (cfr. Oliveira Matos, Código da Estrada Anotado, Coimbra, 1991, pág. 522, dando notícia de que a jurisprudência francesa emprega os dois termos indistintamente)
Sem nos atermos nas estritas malhas dos acidentes de viação, diremos ainda o seguinte.
O Código de Seabra integrava o caso de força maior entre as três causas justificativas do incumprimento contratual, que eram: o facto do outro contraente, a força maior e o caso fortuito (cfr. artº 705º).
Esse vetusto Código não continha definição de caso fortuito, nem de força maior, reconduzindo as duas figuras às apontadas noções trazidas de ULPIANO, que os autores reproduziam e aprofundavam (ver Inocêncio Galvão Telles, Manual de Direito das Obrigações, 1975, I, 197-201).
Havia uma quase mistura entre os dois conceitos, girando, então, normalmente à volta de três classes de factos: os cataclismos desencadeados pelas forças da natureza (tempestades, terramotos, inundações...), o acto de autoridade (factum principis) e o acto de terceiro (no qual se inclui a guerra).
Todos estes factos, porém, independentemente da sua origem e natureza, traduziam-se numa situação relevante-- a impossibilidade de cumprimento por causa não imputável ao devedor.
É, de facto, a este conceito que o Código Civil de 1966, no seu artº 790º, nº1, recorre em detrimento daquelas antigas categorias da força maior e do caso fortuito.
Ora, o princípio contido naquele nº 1 do artº 790º do CC deveria ser suficiente para aferir das situações de extinção da obrigação (em geral), sem necessidade de recurso aos (obsoletos) conceitos de força maior e de caso fortuito.
Cremos, porém, que o alcance do conceito de força maior deve compreender as hipóteses tradicionalmente apresentadas como ilustrações do mesmo conceito, mas modeladas como uma impossibilidade que seja objectiva, e não imputável ao arrendatário (v.g. caso do artº 64º, nº2, al. a) ou ao senhorio (v.g. caso do artº 72º, nº2, ambos do RAU).
Assim sendo, não dando - como não dá - a lei a noção de caso de força maior - in casu, que justifique a não realização das obras (a cargo dos réus/senhorios) que evitassem os danos sofridos pela autora/arrendatária-- nem, sequer, deixando de figurar tal expressão em matéria de não cumprimento das obrigações (arts. 790º e segs., do CC)-, é razoável que nos socorramos do citado artº 790º do CC para aferir do alcance ou âmbito deste conceito.
A respeito deste artº 790º do CC, o Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2ª ed., vol. II, nº 264, escreveu:
«A disposição do artigo 790º, nº 1, corresponde ao artigo 705º, nº1 do Código de 1867. Este recorria, porém, a uma enumeração de conteúdo positivo, para discriminar os casos em que o devedor ficava exonerado de responsabilidade: esses casos eram os de o obrigado ter sido impedido de cumprir por facto do credor, por força maior ou por caso fortuito.
O novo Código usa, pelo contrário, uma fórmula de recorte negativo (não ser a causa de impossibilidade da prestação imputável ao devedor), semelhante à dos Códigos italiano, alemão, suíço e grego. É mais ampla do que a do Código anterior, pois abrange o caso de a impossibilidade ser imputável a terceiro ou à própria lei, que a outra não abarcava no seu texto, além de tocar directamente as duas notas fundamentais (impossibilidade da prestação, por um lado; e não imputabilidade da causa ao devedor, por outro) justificativas da exoneração da responsabilidade doobrigado»-- sublinhado nosso.
Cremos, portanto, que o conceito de caso de força maior deve estar em correlação com a norma do nº 1 do citado artigo 790º. E assim sendo, parece poder concluir-se que, para que se verificasse a justificação (legal) para os réus não realizarem as obras a que legalmente estavam obrigados (reforço da cobertura do prédio, etc.....), bastava que, por facto que lhes não fosse imputável, se tenhatornado impossível para eles tal realização.
Escreveu-se no Ac. do STJ de 28.07.1981, publicado no Bol. M. J., nº 309º, pág. 336, que na definição ou descrição do caso de força maior «há a considerar um elemento objectivo, acontecimento humano ou natural previsível ou previsto, e um elemento subjectivo, a inevitabilidade por parte do devedor» Na doutrina, ver Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, pág. 311).
Um tanto diferentemente da posição supra, que sustentamos - e que se socorre do artº 790º, nº1, do CC para aferir dos casos em que há “força maior”--, é a que o Prof. Antunes Varela sustenta na Rev. de Leg. e Jur., ano 119º, pág. 275, ligando tal noção a uma simples razão atendível, justificável, compreensível.
Não concordamos com esta posição-- salvo o elevado respeito que nos merece-- sob pena de se converter a força maior - que é uma força superior e insuperável-- numa simples razão atendível, justificável, compreensível!
O que teria relevo se víssemos a questão na perspectiva da idade do prédio de que faz parte o arrendado e seu natural estado de degradação. Então - seguindo tal perspectiva - poderíamos ser levados a aceitar a vetustez do prédio como justificação da não realização das obras por banda dos réus/senhorios, tornando isso numa “razão atendível, justificável, compreensível”!
O que de forma alguma poderemos aceitar, dado, desde logo, os expressos comandos legais. E até porque o legislador português já há muito que cortou as asas ao arbítrio judicial, ostensivamente impedindo uma “prudente” mediação do julgador na concretização, v.g., dos casos de resolução pelo senhorio -- Pires de Lima falava no “direito certo” - (ver, v.g., J. Baptista Machado, Resolução do Contrato de Arrendamento Comercial/Colectânea, IX, 2, 28).
Como vimos, o conceito de força maior acaba por se traduzir - quer à luz do vetusto Código de Seabra, quer do actualmente vigente CC (artº 790º, nº1)-- numa situação de impossibilidade (objectiva) de cumprimento por causa não imputável ao devedor (senhorios)-- nunca se esquecendo que a força maior é sempre umaforça superior e insuperável.
Ora, estando tão só em causa obras de conservação do prédio, por forma a torná-lo seguro, a fim de que as chuvas ou fortes vendavais não levassem ao “parcial aluimento do telhado”, é claro que estamos em face de situação perfeitamente controlável pelo homem (in casu pelos réus/senhorios, sobre quem caía o ónus de fazer tais obras).
Por outro lado, refira-se que a impossibilidade subjectiva só releva quanto à prestação de facto infungível. A não realização das obras de reparação ou manutenção do prédio, v.g., por dificuldades económicas do senhorio (ou do arrendatário) ou da sua insolvência constituirá, ou uma simples dificultas proestandi ou uma impossibilidade meramente subjectiva, insusceptíveis deintegrar força maior.
A facti species legal forma um conceito - de “força maior”-- objectivamente delimitado como uma impossibilidade, não uma simples dificultas proestandis, e não ainda uma causa de justificação ou de não exigibilidade.
Também o Professor Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, II, 9ª ed., 1306, ensina que para haver força maior teríamos de estar em face de um facto ou situação imprevisível e não querida pelos réus que os “impossibilitassem absolutamente de agir segundo as resoluções de vontade própria, quer paralisando-a”, quer transformando-os em “cego instrumento de forças externas irresistíveis.”
É este o entendimento de equilíbrio que resulta, quer da lei, quer da posição que vem sendo sufragada pela doutrina e jurisprudência, segundo pensamos, mais avalizada - assim se fazendo uma construção e aplicação do conceito de força maior em obediência à lei e numa linha de justo equilíbrio dos interesses contratantes.
A jurisprudência tem-se pronunciado sobre a situação em que o tecto do prédio ameaça ruína, pondo em perigo a integridade física do(s) (candidatos a) morador(es), sustentando que, ainda assim, se não está em face de caso de força maior, mas tão só perante uma situação de não cumprimento do contrato (cfr. Ac. Rel. do Porto de 16.01.1992, Col. Jur., XVII, 1, 226 - ver, ainda, a anotação de Pais de Sousa [relator do douto acórdão], nas suas Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano, 1994, 3ª ed., pág. 186, nota 46).
Assim como a falta de realização de obras, pelo senhorio, não pode ser considerada como excepção de contrato não cumprido, por não ter, como correspectivo, o direito dos arrendatários em abandonar o locado, enquanto aquele as não fizer, mas os procedimentos previstos nos arts. 14º a 16º do RAU (cfr. o Ac. da Relação, de 11.4.94, in Col. Jur., XIX, 2, 209), também, não pode o senhorio recusar-se a fazer as obras que por lei são da sua responsabilidade com a justificação de que o prédio está em adiantado estado de degradação e, como tal, ... não se justificam as mesmas.
Ver, ainda, o Ac. da Rel. de Coimbra de 22.10.1991, Col. Jur. XVI, 4, 118.
Ora, do exposto logo se vê, portanto, o justo pendor da jurisprudência que reluta em considerar como caso de força maior a degradação por vetustez não cuidada pelo senhorio.
Que foi o que no caso sub judice ocorreu: os réus/senhorios deixaram de realizar no prédio “quaisquer obras de conservação de relevo”, sendo a tal comportamento omissivo que se devem “pelo menos parte das infiltrações verificadas no arrendado”.
De forma alguma, a não realização das obras se deveu a situação integrável no conceito de força maior, entendido como uma impossibilidade objectiva e não imputável aos réus/senhorios. Nada os impediu de fazer atempadamente as obras e de forma a evitar as infiltrações na cobertura do telhado.
Aliás, nem, sequer, se sabe quais os “materiais” que caíram do prédio vizinho, por forma a se poder aferir do seu maior ou menor impacto e propensão para provocar danos...! Danos estes que certamente não teriam ocorrido se o telhado tivesse sido (atempadamente) beneficiado com as obras de que manifestamente necessitava. Pois que, como provado ficou, “os sinais visíveis de degradação [...] já se verificavam há mais de 10 anos!
Não vemos, assim, como desculpar ou justificar a inércia dos réus e consequente obrigação de ressarcir a autora pelos prejuízos que - seguramente resultantes dessa mesma inércia - lhe advieram e se provaram.
DOS DANOS INDEMNIZÁVEIS:
Face ao explanado e factualidade apurada, temos que assiste à autora o direito a exigir dos réus os seguintes valores indemnizatórios:
579.360$00 (2.889,83 €), pela reparação da maquinaria, equipamento informático e mobiliário;
Valor não concretamente apurado correspondente ao material de decoração de bolos de noiva que se encontrava na vitrine (que ficou danificado);
937.872$00 (4.678,08 €), pelas reparações efectuadas no locado em termos de pintura, tectos falsos e parte eléctrica;
Valor, não concretamente apurado, correspondente a vencimentos pagos pela autora ao seu pessoal durante o período de tempo necessário à realização das obras;
Valor, não concretamente apurado, correspondente aos valores que deixou de receber durante a paralisação da sua actividade;
3.240.000$00 (16.161,05 €) correspondentes à quebra de facturação da autora resultante da quebra de actividade determinada pela perda parcial de clientela, referente aos meses de Maio a Julho de 2001;
Quanto ao peticionado reembolso da renda referente ao “período de paralisação necessário para a realização das obras” (artº 28º da p.i.), não obstante se ter provado que nesse hiato temporal a autora pagou a renda (ponto 18 da relação de factos provados), o certo é que não faz sentido condenar os réus ao seu reembolso uma vez que a autora peticionou, com ganho de causa, os valores que deixou de receber durante a paralisação da sua actividade, bem assim os danos correspondentes à quebra de facturação que teve como resultado da quebra de actividade. Pelo que condenar os réus a devolver as rendas, no referido contexto, seria permitir à autora um não pagamento da renda pela utilização do arrendado sem fundada justificação.
Quanto aos valores ainda não concretamente apurados-- referidos nosantecedentes nºs 2. 4.e 5. -, aqui apenas se condena no que vier a ser liquidado no respectivo incidente (cfr. arts. 661º, nº2 e 378º e segs. do CPC).
Sobre os aludidos montantes já determinados incidirão juros de mora, desde a citação, à taxa legal (ut arts. 804º, 805º e 559º, do CC).
Porém, no que tange aos montantes ainda não liquidados – antecedentes nºs 2. 4. e 5. –os juros serão apenas devidos, à taxa legal, a partir da oposição ao incidente da liquidação.
Anote-se que já antes das alterações ao nº 2 do artº 661º e arts. 378º ss, do CPC, emergentes do Dec.-Lei nº 38/03, de 08.03, se entendia que tratando-se de responsabilidade contratual e sendo ilíquido o crédito dos autores sobre os réus que se vier a liquidar em execução de sentença, os juros nesta parte somente podiam ser arbitrados desde a citação na acção executiva por força do estatuído no artº 805º CC (cfr. Acs. STJ, de 23.11.1994, Col. STJ, Ano III, T. 3, a pág. 297 r de 28.01.1997, mesma Col., Ano V, Tomo 5, a pág. 83).
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III. B) - DO AGRAVO:
Dado que a sentença não foi confirmada, e porque pode eventualmente entender-se que o agravo poderá ter alguma relevância para a decisão da causa, aprecia-se o agravo interposto a fls. 271 do despacho de fls. 239, na parte em que indeferiu o requerido a fls. 234 (pedido de notificação da autora para “apresentar todos os objectos que alega estarem danificados a fim de os mesmos serem avaliados por peritos a designar pelo Tribunal- artº 568º do CPC).
Não vemos que censura deva ser feita ao despacho recorrido.
Antes de mais, não se deve olvidar o que reza o artº 388º do CPC, no que tange ao objecto da prova pericial: “A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Por outro lado, há que atentar que “a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal” (artº 389º CC) - o que significa que o tribunal não está vinculado a quaisquer regras ou critérios legais (RE, Ac. de 18.05.89, Bol. M.J., nº387º-680).
Ora, no caso sub judice, o que a autora alegou - e foi levado à base instrutória - foi que as infiltrações de água no arrendado lhe causaram danos, designadamente, na maquinaria existente no estabelecimento comercial para o exercício da sua actividade e no mobiliário também ali existente.
Ora, não se vê que por via da prova testemunhal não se logre fazer a apreciação e valoração dos aludidos danos, sem necessidade de recurso a peritos - aliás, as testemunhas também podem dispor de conhecimentos especiais para tal.
Por outro lado, não se vê o que pretendem os réus quando solicitam que a autora apresente todos os objectos, para serem avaliados por perito.
Mas apresentar como e/ou onde? Se no tribunal, não se vê que tal ónus se apresente justificável à autora, pois, atenta a natureza (v.g., dimensão) dos equipamentos e mobiliário, naturalmente que os mesmos só muito dificilmente poderiam ser apresentados no tribunal para o efeito pretendido pela autora.
Como quer que seja, incidindo sobre a autora o ónus da prova dos aludidos danos, obviamente só a ela interessava fazer a prova dos aludidos danos, sob pena de ver cair a sua pretensão (ut artº 342º-1 CC). Por isso apresentou os meios de prova que entendeu bastantes. E aos réus/agravantes ficou assegurado o contraditório, de forma a inviabilizar que a autora lograsse fazer a aludida prova.
Portanto, a autora - que, repete-se, tinha o aludido ónus probatório - arrolou prova testemunhal e pericial (cfr. relatório de fls. 231/232). E, ao requerer esta, não só sempre podiam os ora agravantes pronunciar-se sobre o objecto proposto pela autora, a ele aderindo “ou ampliando-o a outras questões” que entendessem necessárias ao apuramento da verdade (artº 578º-a2 CPC), como, também, o tribunal teve larga margem de manobra para controlar e apreciar a prova arrolada-- podendo, ainda, caso dúvidas tivesse, deslocar-se mesmo ao local (estabelecimento) a fim de ver e apreciar in loco os alegados danos e ajuizar do seu valor.
Mas se o exposto não bastasse, o certo é que também nos parece que os agravantes, ao requerem a aludida perícia, não lograram cumprir o estatuído no artº 577º do CPC: indicar “logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões de facto que” pretendiam “ver esclarecidas através da diligência” - sublinhado nosso--, obviamente, por referência à factualidade controvertida vertida na base instrutória.
Pelo que bem andou o Mmº Juiz a quo em logo indeferir o requerido.
Claudicam, assim, as conclusões da alegação dos agravantes.
CONCLUINDO:
No domínio da relação locatícia, sob o império da nossa ordem jurídica, há um dever geral de boa fé a impor um dever geral e recíproco de cooperação entre senhorio e arrendatário no desenvolvimento da relação contratual.
Ao locatário não cumpre reparar as deteriorações inerentes a uma prudente utilização em conformidade com os fins do contrato; ao senhorio também as não cumpre reparar, salvo até onde fique coberto pelo seu dever de “assegurar ogozo” do prédio ao inquilino para os fins a que se destina.
A lei ao falar em “deteriorações” (do latim, deter= pior) do arrendado a reparar pelo arrendatário, refere-se, em primeira mão, àquelas que são provocadas por acção do locatário. O que, desde logo, faz ressalvar aquelas que são decorrentes da simples usura do tempo, ou vetustez.
Por outro lado, a responsabilidade do arrendatário está sempre ligada a um comportamento negligente, culposo, sendo de rejeitar a ideia de uma espécie de responsabilidade objectiva do locatário.
O princípio contido no nº 1 do artº 790º do CC deveria ser suficiente para aferir das situações de extinção da obrigação (em geral), sem necessidade de recurso aos (obsoletos) conceitos de força maior e de caso fortuito.
O legislador, porém, entendeu, em casos pontuais, fazer expressa referência a tais conceitos (v.g. nos artsº 64º, nº2, al. a) e 72º, nº2, do RAU).
Porém, o alcance do conceito de força maior deve sempre compreender as hipóteses tradicionalmente apresentadas como ilustrações do mesmo conceito, mas modeladas como uma impossibilidade que seja objectiva e não imputável ao arrendatário ou ao senhorio, conforme o caso a apreciar, e não como meras situações em que apenas seria compreensível, aceitável ou perfeitamente explicável a actuação destes.
IV. DECISÃO:
Termos em que acordam os Juizes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em:
I- Negar provimento ao agravo, confirmando o despacho recorrido.
II- Julgar parcialmente procedente a apelação da Autora B.........., L.da, e, por consequência, em revogar a sentença recorrida, alterando a decisão da matéria de facto nos sobreditos termos (quesito 21º) e condenando os réus C......... e mulher D..........., E.......... e marido F........., e G........... e mulher H.........., a pagar à autora os seguintes montantes indemnizatórios:
a). 579.360$00 (2.889,83 €), pela reparação da maquinaria, equipamento informático e mobiliário;
b). 937.872$00 ( 4.678,08 €), pelas reparações efectuadas no locado em termos de pintura, tectos falsos e parte eléctrica;
c). 3.240.000$00 (16.161,05 €) pela quebra de facturação da autora resultante da quebra de actividade determinada pela perda parcial de clientela, referente aos meses de Maio a Julho de 2001;
d). Os montantes que vierem a ser liquidados correspondentes: ao material de decoração de bolos de noiva que se encontrava na vitrine da Autora e que ficou danificado; aos vencimentos pagos pela autora ao seu pessoal durante o período de tempo necessário à realização das obras, bem como aos valores que a Autora deixou de receber durante a paralisação da sua actividade,
incidindo sobre os aludidos aludidos montantes indemnizatórios juros de mora, à taxa legal, sendo devidos desde a citação para esta acção relativamente aos valores referenciados nas als. a) a c) e a partir da oposição ao incidente da liquidação no que tange aos valores referenciados na al. d) – por ainda não liquidados.
As custas do agravo ficam a cargo dos agravantes e as da apelação serão pagas na proporção do decaimento - sendo as relativas aos valores a liquidar, em conformidade com o resultado da liquidação.
Porto, 30 de Junho de 2005
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Raínho Ataíde das Neves