Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
PRAZO
RENOVAÇÃO
CADUCIDADE
Sumário
I. Resulta do nº 4 do art. 1110.º do Cód. Civil que, salvo as partes tenham previsto a não renovação do contrato no seu termo, o contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais tem sempre uma duração mínima de cinco anos, ainda que tenha sido estipulado um prazo de duração inferior. II. Tal preceito não pode ser interpretado no sentido de que o legislador quis fixar um prazo de duração mínima de cinco anos para os contratos de arrendamento para fins não habitacionais. III. Não tendo sido contratualizada qualquer cláusula de renovação automática pelas partes (pelo contrário, o que foi acordado foi que o contrato não será objecto de qualquer renovação automática, cessando imediatamente no final do prazo estipulado), a estipulação no contrato do referido prazo de vigência de 4 anos e 4 meses não é nula – cf. art. 280, nº 1, do Cód. Civil.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório.
X – Imobiliária Lda. intentou a presente acção contra F. J. Unipessoal, Lda. no Juízo de Competência Genérica da Póvoa de Lanhoso, Tribunal Judicial da Comarca de Braga, pedindo que a presente acção seja julgada provada e procedente e, em consequência:
- Ser a ré condenada a reconhecer a extinção do contrato de arrendamento operada no seu termo, de 30 de Junho de 2019;
- Ser a ré condenada a entregar o imóvel objecto da presente acção à autora, livre e devoluto de pessoas e bens e em normal estado de conservação;
- Ser a ré condenada a pagar a quantia de €100,00 por cada dia de atraso na restituição do imóvel, a título de sanção pecuniária compulsória, desde a citação até à efectiva entrega do mesmo à autora;
- Ser a ré condenada a pagar à autora a título de indemnização pela ocupação do imóvel, a quantia vencida de € 3.000,00 referente aos meses de Julho de 2019 a Dezembro de 2019;
- Ser a ré condenada a pagar à autora a título de indemnização pela ocupação do imóvel, a quantia vencida de € 1.600,00 referente aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2020, acrescida da que vencer até efectiva entrega, calculada à razão de € 800,00 por mês.
Para tanto invocou factos que, a resultarem provados, levariam à procedência da acção.
Devidamente citada, contestou a ré, invocando a nulidade da cláusula que prevê a duração do contrato de arrendamento pelo prazo de 4 anos e 4 meses, por violação do disposto pelo art. 1110.º, n.º 4 do Código Civil, razão pela qual o contrato que foi celebrado em 01.03.2015 teria, imperativamente, de vigorar até 29.02.2020, data em que se renovou automaticamente por força do art. 1054.º e ss. do Código Civil. Mais impugnou a factualidade alegada na petição inicial, pugnando pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador. Mais se identificou o objecto do litígio e os temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “III. A DECISÃO Pelo exposto, julgando a ação parcialmente procedente: - Declaro extinto por caducidade o contrato de arrendamento celebrado entre A. e R. pelo decurso do prazo, fixando a data da extinção a 30 de junho de 2019. - Condeno a R. na imediata restituição à A. do pavilhão B identificado nos articulados e objeto do aludido contrato de arrendamento, livre e devoluto. - Condeno a R. a pagar à A. a quantia de € 3.000,00 (três mil euros) a título de indemnização devida pela não restituição do pavilhão entre julho de 2019 (inclusive) e dezembro (inclusive) de 2019. - Condeno a R. a pagar à A, a quantia de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros) a título de indemnização devida pela não restituição do pavilhão nos meses de janeiro de 2020 e fevereiro de 2020. - Condeno a R. a pagar à A. a quantia mensal de € 800,00 (oitocentos euros) a título de indemnização devida pela não restituição do pavilhão relativas ao mês de março de 2020 e a cada um dos meses subsequentes até à sua entrega efetiva.
*
Custas pela a (1/10) e R. (9/10). Registe. Notifique.”.
*
Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a ré, a qual a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem: “C – CONCLUSÕES:
I. A prova produzida em sede de audiência de julgamento foi coerente, precisa, concludente, espontânea e detalhada, não deixando margem para dúvida que o contrato de arrendamento se encontra válido, fruto da sua renovação. II. A R. e A. assinaram um contrato de arrendamento com uma duração inicial contrária à lei, por ficar aquém daquilo que se encontra estipulado. III. Assim, decidiu mal o Tribunal a quo ao declarar que o contrato terminou no dia 30/06/2019, condenando a R. a indemnizar a A. Termos em que, e com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve dar-se provimento ao presente recurso, em conformidade com as conclusões acabadas de alinhar e com todas as legais consequências. Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs, como se espera, a habitual JUSTIÇA!”
*
Contra-alegou a autora, pugnando pela rejeição do recurso, ou pela sua improcedência.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II. Objecto do recurso.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC - ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
1 - da impugnação da matéria de facto;
2 - se deve a sentença apelada ser revogada/alterada, em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo – no seguimento da impugnação da ré/apelante.
*
III. Fundamentação de facto.
Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes: “ 1º A A. é dona e legítima possuidora de um prédio urbano composto de dois pavilhões com as letras “A” e “B”, destinados à indústria, com uma área coberta de 3.400 m2, sito no Lugar ..., freguesia de …, concelho da Póvoa de Lanhoso, descrito na Conservatória do Registo Predial de... sob o n.º …/310589, da referida freguesia e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo …, com Alvará de Licença de Utilização n.º 985/94, emitido em 26/10/94, pela câmara Municipal da …. 2º A R. é uma sociedade por quotas que se dedica reiteradamente e com intuito lucrativo, ao comércio de peças, acessórios de veículos automóveis ligeiros e à manutenção e reparação de veículos automóveis. 3º Em 01 de Março de 2015, a A. celebrou com a R. um contrato de arrendamento nos termos do qual aquela deu de arrendamento a esta o pavilhão B identificado no artigo 1º supra. 4º Por via desse contrato a A. transmitiu à R. os poderes de uso e fruição sobre o referido pavilhão, destinando-o, desde o início, a armazém ou indústria para o exercício do seu objeto social. 5º O referido arrendamento foi celebrado pelo prazo de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses com início em 1 de março de 2015 e termo em 30 de junho de 2019, não renovável, cessando imediatamente no final do prazo estipulado, sem necessidade de qualquer notificação entre as partes. 6º Obrigou-se a R. ao pagamento de uma renda de € 400,00 mensais com vencimento no primeiro dia do mês a que respeitar e pagável no local arrendado. 7º A A. enviou à R. uma carta, a 3 junho de 2019, a informar que o contrato iria cessar os seus efeitos no dia 30 de junho de 2019, pelo que, nessa carta, foi comunicado à R. para proceder à entrega do locado no dia 1 de julho de 2019 pelas 17:00h através da entrega das respetivas chaves ao legal representante da A. 8º No dia 1 de julho de 2019, a R. não entregou o locado à A. situação que ainda se mantém. 9º A A. enviou à R. uma missiva datada de 10 de janeiro de 2020 e recebida a 13 de janeiro de 2020 com o seguinte teor: “(…) Nos termos da N/ missiva de 03 de Junho de 2019, o contrato de arrendamento celebrado entre a minha constituinte e V.Exas, no dia 02 de Março de 2015, cessou no dia 30 de Junho de 2019. Contudo, por força da aludida cessação do contrato de arrendamento, deveriam V.Exas. ter entregado o imóvel à minha constituinte, livre de pessoas e bens, em igual estado ao que se encontrava aquando da sua entrega. Sucede que, até à presente data, V. Exa. não procedeu à entrega do imóvel nos termos convencionados, não obstante ter sido interpelada para o efeito. Assim, concedemos-lhe o prazo de 8 dias para a entrega do pavilhão supra referenciado, fixando-se, para o efeito e desde já, o dia 21 de Janeiro de 2020, pelas 17:30 horas, para proceder à restituição do imóvel através da entrega das respectivas chaves ao legal representante da minha cliente e efectuar um visita inspectiva por forma a verificar da conformidade do mesmo.(…)” 10º Por sua vez, a R. enviou à A. uma carta, datada de 20 janeiro de 2020, mas por esta recebida em 21 de janeiro de 2020, pela qual comunicou o seguinte: “Em resposta à vossa carta datada de 10-01-2020 praz-nos disser o seguinte: A missiva que enviaram a 3 de junho de 2019 não fez qualquer sentido pois estava e foi negociável novo contrato de arrendamento, com novos termos e prazos. Porém quando nos foi apresentado novo contrato a 11 de Julho 2019, vinha ferido de verdade em função do acordo celebrado, com a pessoa a que se fez representar pela empresa X, Imobiliária, Lda. Termos esses que levaram nossa renúncia na sua aceitação, por não ser o combinado. Não obstante continuamos a pagar como sempre fizemos a renda que estava estabelecida. Pese embora o objecto do arrendamento, não ter condições mínimas exigidas para qualquer tipo de laboração, e de nos terem sempre prometido que iriam tratar do assunto. O mesmo não tem luz, água, saneamento e etc. (…)” 11º A A., após a data de 1 de julho de 2019, não aceitou receber da R., por razões relacionadas com interpretações divergentes do aludido contrato, a quantia mensal de € 400,00. 12º A R., após a data de 1 de julho de 2019, começou a realizar depósitos autónomos à ordem de tribunal, no valor mensal de € 400,00, “ao abrigo do disposto no art. 18º do NRAU /Dec. Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro)” com a designação “Depósito Posterior” e com o motivo “desacordo no contrato de arrendamento”, depósitos esses efetuados, ininterruptamente, até, pelo menos, dezembro de 2021. 13º A falta de entrega pela R. à A. do aludido pavilhão tem privado a A. do seu uso e fruição e bem assim de dele retirar proveito e vantagem económica.”.
*
Quanto aos factos não provados e irrelevantes, consignou-se o seguinte: “Não se provaram todos os demais factos alegados nos articulados, quer por sobre eles não ter sido produzida prova bastante (cf. infra – A CONVICÇÃO DO TRIBUNAL) quer por estarem em oposição ou em contradição com os factos provados, sendo que outros, finalmente, se mostram irrelevantes para a decisão (para a qual se remete, pois só assim se conclui pela sua relevância/irrelevância), factos esses constantes dos pontos I./2./2.1. e I./2./2.2. supra e que se dão por reproduzidos (com exclusão dos dados como provados, como é evidente).”.
*
IV. Do objecto do recurso.
Delimitadas que estão, sob o n.º IV, as questões a decidir, é o momento de as apreciar.
1. Da impugnação da matéria de facto.
Como é consabido, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente.
Com efeito, resulta do disposto pelo nº 1 do art. 639º do CPC que, quando o apelante interpõe recurso de uma decisão passível de apelação autónoma fica vinculado à observância de dois ónus, a saber:
- o ónus de alegação; e
- o ónus de finalizar as suas alegações de recurso com a formulação sintética de conclusões, onde resuma os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal superior modifique ou revogue a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância.
Acresce que, preceitua o artigo 640º do CPC:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
…”
Deste normativo decorre que o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, tem que delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende ver reapreciados pelo tribunal ad quem.
Ora, lidas as alegações apresentadas, desde logo se verifica que não foi cumprido esse ónus de especificação dos concretos pontos de facto que a apelante considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal de 1ª instância, já que nas suas conclusões nenhuma referência lhes é feita.
Pese embora a lei processual civil aparentemente não consagre norma expressa sobre a necessidade de inclusão nas conclusões do recurso, da especificação dos concretos pontos de facto que os apelantes consideram terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal de 1ª instância, o facto é que, tem sido entendido maioritariamente pela jurisprudência que, constituindo a especificação dos concretos pontos de facto um factor de delimitação do objecto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões, por força do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugadamente com o art.º 640.º, n.º 1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente o preceituado no n.º 1 do art.º 639.º, todos do CPC (cfr. neste sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 19.02.2015, da Relação do Porto de 13.10.2015 e de 18.11.2018 e da Relação de Lisboa de 23.04.2015 todos disponíveis em www.dgsi.pt)
Na doutrina, também neste sentido se pronuncia Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 584.
Igualmente neste sentido Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, pág. 158, onde afirma que “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º nº 4, e 641º nº 2 al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º nº 1 al.a)).”
Com efeito, como nos diz o mesmo autor em anotação (anotações 261 e 262, ob. cit. pág. 158), a síntese final desempenha a importante função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de alguma dúvida sobre o que realmente pretende o recorrente, e, ainda que não tenha sido utilizada no art. 640º uma enunciação paralela à que consta do nº 2 do art. 639º, ambos do CPC, sobre os recursos em matéria de direito, a especificação nas conclusões dos pontos de facto a que respeita a impugnação serve para delimitar o objecto do recurso.
Ou seja, as conclusões têm a importante função de definir e delimitar o objecto do recurso e, desta forma, circunscrever o campo de intervenção do tribunal superior.
Assim, sendo a impugnação de matéria de facto uma questão fundamental, susceptível de conduzir a decisão diferente, deve ela ser incluída nas conclusões das alegações, de forma sintética, mas com indicação precisa dos pontos de facto impugnados.
Nessa medida, entende-se que para uma correta impugnação da matéria de facto, se exige a inclusão da concretização dos pontos de facto ou matéria impugnada, nas conclusões, sob pena de rejeição do recurso, inclusão essa que, no caso dos autos, não se verificou, o que implica a rejeição, nessa parte, do recurso, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento (cfr. neste sentido, praticamente unânime quer na doutrina, quer na jurisprudência, por todos, Lopes do Rego, ob. citada, vol. I, pág. 585 e Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, pág. 62; e os acórdãos do STJ de 9.02.2012 e 15.09.2011, da Relação de Lisboa de 13.03.2014 e desta Relação de Guimarães de 12.06.2014, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Concluindo, perante o evidenciado incumprimento da alegante de tal ónus, nenhuma alteração se poderá introduzir na matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada e não provada.
A apelação terá, por conseguinte, de improceder nessa parte.
*
Sendo rejeitada a impugnação da matéria de facto, cabe agora verificar se a solução alcançada na sentença recorrida é de manter.
Entende a apelante que autora e ré assinaram um contrato de arrendamento com uma duração inicial contrária à lei, por ficar aquém daquilo que se encontra estipulado no art. 1110º nº 4 do Cód. Civil, razão pela qual decidiu mal o Tribunal a quo ao declarar que o contrato terminou no dia 30.06.2019, condenando a ré a indemnizar a autora.
Não lhe cabe razão.
Como bem se escreveu na decisão apelada: “Os contraentes são livres de fixarem ao arrendamento o prazo que melhor sirva os seus interesses – cf. art. 1110, nº 1, 1ª parte, do C. Civil. A lei não impõe, por conseguinte, um prazo mínimo de cinco anos (como defende a R.) de duração dos contratos para fins não habitacionais, o que bem se compreende pois não se vislumbra que interesse de qualquer dos contraentes a lei estaria a proteger com um prazo imperativo (basta pensar no caso de o interesse do arrendatário – um comerciante ou empresário – passar por um arrendamento por um ou dois anos; neste caso, por que razão teria que ter o contrato o prazo mínimo imperativo de cinco anos?) O que a lei prevê é um prazo supletivo de cinco anos de duração do contrato. Na verdade, na falta de estipulação em contrário, e para fugir à complexa tarefa da interpretação (extrajudicial ou judicial) do contrato, caso a caso, é razoável que seja a lei a fixar a sua duração (partindo a lei também do pressuposto que o prazo supletivo acaba, na maior parte das vezes em que o contrato é omisso quanto à sua duração, por ser o próprio prazo querido pelos contraentes por terem precisamente conhecimento dessa norma supletiva). Em princípio, esgotado o prazo fixado para a sua duração, o contrato extingue-se por caducidade salvo se estabelecida uma cláusula de renovação automática (ou novo arrendamento). Os contraentes são livres de estipularem no arrendamento celebrado com prazo certo uma cláusula de renovação automática. Também se compreende que assim seja. Se existe um interesse dos contraentes aquando da celebração do contrato em acautelar a sua manutenção sem novas negociações, a solução mais simples e eficaz é a de prever a sua renovação automática (desde que suficientemente acautelados os mecanismos de oposição à renovação por ambos os contraentes). Claro que é sempre conjeturável que em matéria tão sensível como o arrendamento o legislador possa estabelecer um regime imperativo para a duração do(s) período(s) sucessivo(s). A lei optou recentemente (cf. nota 1 supra) por fixar a duração mínima desse(s) período(s) sucessivo(s) em 5 anos (não cabendo, aqui, naturalmente, apreciar-se a justeza desta solução). Assim, tendo sido estipulada uma cláusula de renovação automática, um contrato de arrendamento celebrado pelo período de três anos com uma cláusula de renovação automática pelo período de dois anos, por exemplo, é renovável automaticamente pelo período de 5 anos (salvo, naturalmente, se outra for a vontade do arrendatário). Além disso, no caso do arrendamento para fins não habitacionais, a lei estabelece ainda: “Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação” – Cf. art. 1110, nº 4 do C. Civil. Assim, dilatou-se, via restrição ao exercício do direito de oposição à renovação por parte do senhorio, a própria duração inicial do contrato, tutelando-se o interesse do arrendatário (interesse que pode surgir, ou fortalecer-se, já na vigência do contrato por fatores imprevisíveis aquando da celebração). Na verdade, mesmo que o contrato tenha sido celebrado, por ex., por três anos, e tenha sido estipulada uma cláusula de renovação automática de dois anos, o senhorio não pode opor-se à renovação nos cinco primeiros anos (o contrato passa a ter a duração inicial de 5 anos) e a renovação será pelo período de 5 anos (salvo, mais uma vez, se outra for a vontade do arrendatário). Com este enquadramento legal e interpretativo, temos que o que se verifica é que a R. confunde o prazo de duração fixado (4 anos e 4 meses) com os efeitos (naquele prazo contratual) de uma cláusula de renovação automática que não foi contratualizada (pelo contrário, o que foi acordado foi que o contrato não será “… será objeto de qualquer renovação automática, cessando imediatamente no final do prazo estipulado …”). Daqui resulta, desde logo, que a estipulação, perfeitamente legal, no contrato do referido prazo de vigência de 4 anos e 4 meses não é nula – cf. art. 280, nº 1, do C. Civil. Tendo sido fixado validamente entre as partes esse prazo e estipulado, como já se referiu, que o contrato não “… será objeto de qualquer renovação automática, cessando imediatamente no final do prazo estipulado …”, temos que o contrato de arrendamento celebrado entre A. e R. caducou no dia 30 de junho de 2019”.
Concordamos inteiramente com tal entendimento.
Tal como se entendeu na decisão apelada, julgamos ser de aplicar aos contratos em curso a nova redacção do art. 1110º do Cód. Civil trazida pela lei 13/2019, de 12.02.
E isto porque, não contendo tal lei qualquer norma de direito transitório no que concerne à aplicação da nova redacção do art. 1110º do Cód. Civil aos contratos em curso, a solução terá de ser obtida por recurso ao princípio geral de aplicação das leis no tempo constante do art. 12º do mesmo do Cód. Civil.
Dispõe tal norma o seguinte: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Do nº 1 do art. 12º extrai-se o princípio geral da não retroactividade da lei, no sentido de que as leis só se aplicam para o futuro.
Já o nº 2 do artigo 12.º do CC “distingue dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Js [situações jurídicas]) constituídas antes da LN mas subsistentes ou em curso à data do seu início de vigência” (Baptista Machado; Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 233).
Nesta medida, e dispondo a nova redacção do art. 1110º, do Cód. Civil, (introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2), sobre o conteúdo da relação jurídica de arrendamento, e abstraindo a mesma do facto que lhe deu origem, somos a concluir que a situação se enquadra na 2ª parte do art. 12º do Cód.Civil, sendo a nova redacção aplicável às relações já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor (cfr. neste sentido Maria Olinda Garcia, in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Revista Julgar Online, Março 2019 e Ac. desta Relação de Guimarães de 11.02.2021, relatora Raquel Baptista Tavares e 08.04.2021, relatora Rosália Cunha, ambos disponíveis in www.dgsi.pt).
A Lei 13/2019 trouxe uma grande alteração quanto à oposição à renovação deduzida pelo senhorio.
De facto, foi introduzido o nº 4 ao art. 1110.º do Cód. Civil, onde se passou a prever que, “nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação”.
Dessa nova norma resulta que, salvo as partes tenham previsto a não renovação do contrato no seu termo, o contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais tem sempre uma duração mínima de cinco anos, ainda que tenha sido estipulado um prazo de duração inferior.
Entendemos contudo que tal preceito não pode ser interpretado no sentido de que o legislador quis fixar um prazo de duração mínima de cinco anos para os contratos de arrendamento para fins não habitacionais, “pois se assim fosse, o legislador teria ab initio legislado nesse sentido, o que não se verificou, sendo certo que de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 9.º “na fixação do sentido e alcance da lei o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cfr. Amadeu Colaço, Guia Prático do Arrendamento, p. 366).
A tal acresce que, “se fosse essa a intenção do legislador, teria este também proibido a estipulação de contratos de duração inferior a cinco anos não renováveis no seu termo, o que, de acordo com a letra da lei, é atualmente permitido” (cfr. Revista electrónica de Direito, Fevereiro de 2020 in https://cije.up.pt/).
Ora, temos como provado no ponto 5 dos factos dados como provados que: “O referido arrendamento foi celebrado pelo prazo de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses com início em 1 de março de 2015 e termo em 30 de junho de 2019, não renovável, cessando imediatamente no final do prazo estipulado, sem necessidade de qualquer notificação entre as partes”.
Daqui resulta que as partes previram a não renovação do contrato no seu termo.
Não impondo a lei, como se disse já, um prazo mínimo de cinco anos de duração dos contratos para fins não habitacionais e tendo as partes previsto a não renovação do contrato no seu termo, temos que, o que se verifica é que a ré/apelante, confunde o prazo de duração fixado (4 anos e 4 meses) com os efeitos (naquele prazo contratual) de uma cláusula de renovação automática.
De facto, se tivesse sido estipulada uma cláusula de renovação automática no contrato dos autos (que não foi), o senhorio não poderia opor-se à renovação nos cinco primeiros anos (cfr. art. 1110º nº 4 do Cód.Civil) passando o contrato a ter a duração inicial de 5 anos e a renovação seria pelo período de 5 anos (salvo se outra fosse a vontade do arrendatário).
Com tal alteração da citada norma, trazida pela Lei13/2019, dilatou-se, através darestrição ao exercício do direito de oposição à renovação por parte do senhorio, a própria duração inicial do contrato, tutelando-se o interesse do arrendatário.
Ora, tal cláusula de renovação automática não foi contratualizada pelas partes(pelo contrário, o que foi acordado foi que o contrato não será objecto de qualquer renovação automática, cessando imediatamente no final do prazo estipulado), donde resulta que a estipulação no contrato do referido prazo de vigência de 4 anos e 4 meses não é nula – cf. art. 280, nº 1, do Cód. Civil.
Improcede, pois, a apelação.
*
V. Decisão.
Perante o exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação e em consequência confirmam a sentença recorrida.
Custas do recurso pela apelante.