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CONTRATO A TERMO CERTO
NECESSIDADE OCASIONAL E TEMPORÁRIA
ÓNUS DE PROVA
Sumário
I - A mera celebração, entre o empregador e um terceiro, de um contrato de prestação de serviços com natureza temporária não justifica, por si só, que a contratação a termo do trabalhador vise satisfazer uma necessidade temporária do empregador. II - Assim a celebração, entre uma terceira entidade (entidades gestoras dos aeroportos responsáveis pela assistência a PMR’s - passageiros de mobilidade reduzida) e a Ré/empregadora (entidade com quem aquela acordou a prestação daqueles serviços), contrato esse que é de um ano, renovável e que pode ser revogado a qualquer momento, não basta para fundamentar a contratação a termo do Autor/trabalhador, com base na satisfação de necessidades temporárias do empregador. III – Até porque, como decorre da análise do Regulamento (CE) n.o 1107/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, (relativo aos direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida no transporte aéreo (JO L 204 de 26.7.2006, p. 1-9), transposto para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei n.º 241/2008, de 17 de dezembro publicado no Diário da República n.º 243/2008, Série I de 2008-12-17, páginas 8877 – 8880), o serviço de PMRs a prestar pelas entidades gestoras dos aeroportos responsáveis pela assistência àquelas pessoas (a quem em primeira linha cabe a sua execução ou os terceiros com quem aquelas acordem a sua prestação) não configura a satisfação de necessidades temporárias, mas, sim serviços de carácter duradouro. IV - Assim e, como é o caso, na celebração de contratos de prestação de serviços temporários, no contexto de uma empresa que se dedica à prestação de serviços a terceiros, por natureza temporários, tem o empregador que demonstrar a razão porque, no âmbito dessa sua actividade, aquela concreta prestação de serviços representa uma necessidade ocasional, temporária, da sua actividade a justificar a necessidade, para a sua satisfação, da contratação a termo certo do trabalhador.
Texto Integral
Proc. n° 4622/20.5T8MTS.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 3
Recorrente: P..., S.A.
Recorridos: AA e BB
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
Os AA., AA, portador do NIF ..., residente Praceta ...., ... e BB, portador do NIF ..., residente na Rua ..., ..., ..., intentaram acção declarativa, com processo comum, contra P..., S.A., com o NIPC ... e sede no ..., Rua ..., Aeroporto ..., em Lisboa, peticionando que deve esta ser julgada procedente e, em consequência, reconhecer-se que eram sem termo os contratos de trabalho celebrados entre os AA. e a Ré e serem declarados ilícitos os despedimentos dos AA., na sequência da comunicação da caducidade de um termo nulo e, em consequência, ser a ré condenada a reintegrar os AA. e a pagar todas as retribuições que se vençam até ao trânsito em julgado da decisão.
Fundamentam os seus pedidos alegando, em síntese, terem celebrado contratos de trabalho temporário com a sociedade M..., Lda. e prestaram seu trabalho na ré, ao abrigo do contrato de utilização que estas duas empresas haviam celebrado, sem que, contudo, se verifique qualquer situação em que legalmente seja admissível o uso de tal modalidade de contrato de trabalho.
Mais, alegam que, imediatamente após, celebraram contratos de trabalho a termo incerto com a ré, com fundamentos inválidos já que as necessidades da ré eram permanentes.
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Realizada audiência de partes, nos termos documentados na acta junta a fls. 26, frustrou-se a conciliação daquelas, tendo a ré sido notificada para contestar, o que fez, nos termos e com os fundamentos que constam a fls. 28 e ss., invocando a prescrição de créditos laborais decorrentes da cessação dos contratos de trabalho temporário por ter decorrido mais de um ano desde a sua cessação até à citação da ré; e afirmando que o recurso a contratação por trabalho temporário ou contratos de trabalho a termo incerto se justifica atendendo à natureza da atividade da ré.
Subsidiariamente, para o caso da procedência dos pedidos formulados, deduz a ré pedido reconvencional de condenação dos autores na restituição das quantias recebidas a título de compensação pela cessação dos contratos de trabalho.
Conclui que “DEVE:
I - A EXCEÇÃO PERENTÓRIA DE PRESCRIÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE E CONSEQUENTEMENTE O DIREITO DOS AUTORES CONSIDERADOS EXTINTOS, ABSOLVENDO-SE A RÉ DOS PEDIDOS REFERENTES ATÉ, PELO MENOS, 31.05.2016 E 30.09.2017, RESPETIVAMENTE QUANTO AO 1.º E 2.º AUTOR;
II – QUANTO AOS DEMAIS PEDIDOS DEVERÃO OS MESMOS SER JULGADOS TOTALMENTE IMPROCEDENTES, POR NÃO PROVADOS, E, CONSEQUENTEMENTE SER A RÉ ABSOLVIDA DOS MESMOS COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS;
DEVERÁ A PRESENTE AÇÃO SER JULGADA TOTALMENTE IMPROCEDENTE E NÃO PROVADA, DEVENDO A RÉ SER ABSOLVIDA DE TODOS OS PEDIDOS DOS AUTORES, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DAÍ DECORRENTES.
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, O QUE NÃO SE CONCEDE E POR MERO DEVER DE PATROCÍNIO SE EQUACIONA, E, POR ISSO, SUBSIDIARIAMENTE, DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO RECONVENCIONAL DA RÉ, CONDENANDO-SE OS AUTORES A RESTITUIR À RÉ AS QUANTIAS RECEBIDAS A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO PELA CESSAÇÃO E CADUCIDADE DOS RESPETIVOS CONTRATOS DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO, ACRESCIDO DOS JUROS DE MORA À TAXA LEGAL VENCIDOS E VINCENDOS CONTADOS DESDE A DATA DO PAGAMENTO DA RÉ AOS AUTORES;”.
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Nos termos que constam do despacho de 04.05.2021, foi fixado “em €13.357,33 o valor global das ações”, proferido despacho saneador tabelar e dispensada a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
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Realizada a audiência de julgamento, nos termos documentados nas actas de 14.10 e 16.12.2021, conclusos os autos, foi proferida sentença que, terminou com a seguinte decisão:
«Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo procedente os pedidos formulados nos autos pelos autores e procedente a reconvenção e, em consequência: a) declaro a nulidade do termo aposto nos contratos de trabalho celebrados entre cada um dos autores e a ré P..., Lda., e a consequente convolação dos mesmos a contratos de trabalho sem termo; b) declaro ilícito o despedimento de cada um dos autores, promovido pela ré a 7/4/2020, e em consequência: - condeno a ré a reintegrar cada um do autores no seu posto de trabalho e funções. - condeno a ré a pagar a cada um dos autor as retribuições mensais base, à razão de €650,00, acrescidas dos subsídios de turno devidos a cada um dos autores, desde 17/9/2020 e até ao trânsito em julgado da decisão final deste processo, a liquidar posteriormente (e que até 17/2/2022 ascendeu a 17 meses de retribuição, acrescida dos subsídios de férias e de natal), descontado do valor correspondente ao montante das retribuições que os autores tenham obtido com a cessação do contrato e não obteriam sem esta (nomeadamente a retribuição de €1.600,50 auferida pelo autor BB, referida no ponto 36. dos factos) e dos montantes já recebidos e a receber pelos autores a título de subsídio de desemprego, conforme o referido em 38. dos factos (e que a ré fica obrigada a reembolsar à Segurança Social), nos termos do disposto no art. 390.º do Código do Trabalho. - neste seguimento, condeno o autor AA a reembolsar à ré, ou ver compensado nos valores a receber, a quantia de €2.966,32, e condeno igualmente o autor BB a reembolsar à ré, ou ver compensado nos valores a receber, a quantia de €2.491,01, a que se referem os pontos 33. e 34. dos factos, respetivamente. Custas da lide principal a cargo da ré e da lide reconvencional a cargo dos autores na proporção do decaimento. Notifique. Registe.».
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Inconformada com a sentença a R.,nos termos das alegações juntas, interpôs recurso, finalizando com as seguintes CONCLUSÕES:
“1. Com o devido respeito e consideração pelo Tribunal a quo, que é muita, a Recorrente considera que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo e aqui posta em crise tem um entendimento exacerbadamente restritivo no que diz respeito ao erro quanto à falta ou insuficiência da fundamentação dos contratos de trabalho a termo dos Recorridos, sem prejuízo de se considerar que andou bem o Tribunal a quo ao considerar que pelos Recorridos, não foi apresentado nenhum pedido de declaração de nulidade do contrato de utilização;
2. Com efeito, da conjugação dos factos n.° 8, 9,17, 18, 28, 30 e 31 dados por provados, dúvidas parecem não existir de que os motivos que levaram à contratação dos Recorridos por parte da Recorrente estão intrinsecamente ligados com as obrigações - diga-se, temporárias - assumidas pela Recorrente perante a A... S.A., nos termos do Contrato de Prestação de Serviços entre a R. e A... (junto nos presentes autos), o que, motivou e sustentou a contratação a termo incerto por parte da Recorrente;
3. Neste sentido, os motivos justificativos apostos nos contratos de trabalho dos Recorridos contêm elementos mais do que suficientes para permitir a um qualquer declaratário colocado na posição do trabalhador perceber de facto a situação real e concreta em questão (nomeadamente a relação entre a atividade da R. e o Contrato de Prestação de Serviços entre a R. e a A...), assim como, tinha o Tribunal a quo todos os elementos para fiscalizar e apurar a precariedade da atividade da Recorrente e as necessidades temporárias que se encontraram subjacentes à contratação de cada um dos Recorridos (e que também se encontram adequadamente descritas nos respetivos contratos de trabalho a termo dos AA...);
4. E, assim, por demais notório que, in casu, o Tribunal a quo incorreu num erro quanto à interpretação do disposto na alínea h) do n.° 2 do artigo 140.° e da alínea c) do n.° 1 do artigo 147.° do Código do Trabalho, pelo que, andou mal o Tribunal a quo, que apresentando um entendimento excessivamente restritivo quanto à verificação dos requisitos de enunciação previstos nos termos das referidas disposições legais, que a se manter, automaticamente, invalida todo e qualquer contrato que seja sujeito à sua apreciação judicial, impondo-se a revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo e a sua substituição por outra que considere os contratos celebrados entre a Recorrente e os Recorridos como validamente celebrados para todos os devidos efeitos legais.
5. Conforme resulta da alínea h) do artigo 140." do Código do Trabalho, a execução de uma atividade definida e temporária, objetivamente definidas pela entidade empregadora, permitirão a contratação a termo, podendo, smo, na inclusão desta norma incluir-se os contratos de prestação de serviços que, no fundo, consubstanciam, precisamente, a execução de uma atividade definida e temporária.
6. Ora, tendo presente que a necessidade da Ré se fundamenta numa atividade temporária (desde logo porque a sua existência é diretamente dependente da vigência do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a A... S.A.), outra não poderia, como não pode, ser a interpretação do caráter temporário, definido no tempo, relativamente à Assistência a PMR's, e nem se diga, como parece resultar da sentença de que ora se recorre, que a execução de um serviço intrinsecamente ligado a um contrato de prestação de serviços de duração limitada e que não faz parte da atividade principal da empresa (como o é no caso dos autos) não constitui motivo bastante para a celebração de um contrato de trabalho a termo resolutivo, quando resulta claro o fundamento e o respetivo nexo causal com a respetiva duração ser temporária.
7. De facto, parece que o Ilustre Tribunal a quo, para decidir no sentido em que decidiu, ignorou a conjuntura legal referente à contratação a termo, prevista no art. 140° do CT, tendo apenas conferido relevância ao caráter constante da atividade na esfera da A... S.A., olvidando-se de que esta incumbiu a P..., aqui entidade empregadora, temporariamente, da referida atividade, sendo que uma e outra são entidades jurídicas distintas com objetos sociais distintos também.
8. Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, sendo a P... a entidade empregadora, incumbida temporariamente da referida atividade, poderia esta recorrer à contratação a termo, motivada pela sua necessidade temporária, objetivamente definida, nos termos do art. 140° do CT, por devido a uma atividade que, não sendo originariamente da sua responsabilidade, lhe foi incumbida pela entidade gestora do aeroporto, por um período temporal concreto;
9. Ainda que se admita a possibilidade de a Assistência a PMR's ser uma atividade constante, porquanto sempre será desenvolvida pela entidade gestora aeroportuária ou por outra Empresa com quem essa celebre um Contrato de Prestação de Serviços, tal caracterização não será relevante para o caso em apreço, uma vez que a contratação a termo se fundamenta nas necessidades objetivas da Empresa contratante, aqui Recorrente, não se podendo olvidar o carácter temporal daquele outro contrato [de prestação de serviços];
10. Face a tudo o quanto se vem de expor, não se pode concordar quando referido pelo Douto Tribunal a quo que "(...) o mesmo é dizer que a rescisão do contrato a termo, assim celebrado, pela entidade patronal, equivale ao despedimento sem justa causa de um contrato sem prazo. O despedimento então efetuado é nulo, com todas as consequências legais, a favor do trabalhador (...)" [página 19 da decisão ora posta em crise], pois a situação excecional vivida à data em que tal se verificou (abril de 2020), nomeadamente a pandemia mundial Covid-19, teve um impacto sem precedentes na circulação aérea, que viu a sua atividade praticamente paralisada, pelo que as necessidades da Recorrente se vieram a modificar, o que justificou a cessação dos contratos de trabalho dos Recorridos por caducidade, tanto mais que da Cláusula Segunda dos Contratos de Trabalho em apreço resulta que, "o contrato de trabalho (...) durará pelo tempo que se mantiver em vigor o Contrato de Prestação de Serviços identificado nos Considerandos supra, sem prejuízo da possibilidade de cessação anterior, em virtude da redução dos trabalhos de assistência a passageiros de mobilidade reduzida [factos n.°s 9 e 18 dados como provados] (sublinhado nosso).
11. Outro não poderá, assim, ser o entendimento se não o de que a cessação do Contrato de Trabalho de cada um dos Autores, conforme celebrado com a Recorrente, motivada pela respetiva caducidade, foi, legítima, válida, em virtude de a necessidade temporária que inicialmente motivou a contratação, ter cessado, devendo, em conformidade, ser revogada a sentença proferida, substituindo-se a decisão por outra que declare a licitude do termo aposto aos Contratos de Trabalho, assim como lícitas as cessações dos contratos de trabalho que vigoraram entre as partes, absolvendo a Recorrente de todo o peticionado.
NESTES TERMOS:
E nos mais de Direito aplicáveis
a) Deve o presente recurso ser admitido e, em consequência,
b) Deve a decisão em crise ser revogada e substituída por Douto Acórdão que considere que os contratos entre a recorrente e os recorridos encontram-se devidamente justificados em motivos válidos e legítimos e cuja verificação ficou integralmente demonstrada nos presentes autos, e que absolva a recorrente de todos os pedidos formulados pelos FAZENDO ASSIM A COSTUMADA JUSTIÇA!”.
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Os AA. apresentaram resposta, nos termos das contra-alegações juntas que finalizaram com as seguintes CONCLUSÕES:
“1 - Não se compreende o recurso da P..., S.A., uma vez que, para além da sentença ser imaculada nos factos e na aplicação do Direito, a recorrente é “grande litigante” no tema dos contratos a termo incerto exactamente idênticos aos dos autos, onde tem sido unanime a jurisprudência dos tribunais superiores, considerando nulos os termos.
2 - Os AA., cuja reintegração foi a escolha, mantém-se completamente inactivos a aguardar que o empregador se digne cumprir o que os tribunais têm decidido recorrentemente, terminando a dolosa violação do seu direito de ocupação efectiva.
3 - No sentido alegado, o Acórdão do TRL de 13/10/2021, no Proc. 9999/20.0T8LSB: V – A celebração, entre a Ré e terceira entidade de um contrato de prestação de serviços a PMR’s (passageiros de mobilidade reduzida, designado MyWay), contrato esse que é de um ano, renovável e que pode ser revogado a qualquer momento, não basta para fundamentar a contratação a termo do Autor, com base na satisfação de necessidades temporárias do empregador. VI – Tais serviços assumem caráter duradouro, resultam do imposto pelo Regulamento (CE) 1107/2006, do preconizado pela ECAC (European Civil Aviation Conference), cabendo a sua execução, em primeira linha àquela entidade, mas que por via da contratação com a Ré passou, duradouramente, a caber a esta enquanto o dito contrato se mantiver - contrato esse, aliás, que se tem mantido desde 2008”
4 - Ainda, o no Acórdão do TRP de 24/09/2012, Proc. 222/11.9TTGMR.P1
“Assim, se, por hipótese, o empregador tem como actividade a prestação de serviços que são por natureza ou por regra temporários, afigura-se-nos que a natureza temporária dos serviços que presta não justifica, só por si, a contratação a termo”
5 - Mais, o Acórdão do TRP de 11/01/2010, Proc. 52/08.5TTNVG.P: III - Não satisfaz os requisitos legalmente exigidos, o contrato de trabalho celebrado entre as parte indicando como fundamento da contratação a termo que o mesmo “é celebrado ao abrigo da al. f), do n.º 2 do art. 129º da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, devido a acréscimo excepcional da actividade da empresa por adjudicação de novos serviços de duração temporária do cliente ..”. IV - Deste modo, uma vez que no contrato em causa não consta, nos moldes exigidos, a indicação do motivo justificativo, de acordo com o art. 131º, n.º 4, “considera-se contrato sem termo”.
6 - O contrato de trabalho celebrado entre as partes, assumiu a forma de contrato de trabalho a termo incerto, tendo tido como fundamento legal o disposto no art.º 140.º n.ºs 1 e 2, alínea g), e n.º 3, do Código do Trabalho “1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades. 2 - Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa: (…) g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”
7 – Resulta dos contratos de trabalho dos recorridos, que a Ré fundamentou a sua contratação, com base no contrato de prestação de serviços que celebrou com a A... – Aeroportos de P..., S.A., por via do qual a mesma presta serviço de PMR’s (a passageiros de mobilidade reduzida), contrato esse que é de um ano, renovável e que pode (alegadamente) ser revogado por aquela entidade a qualquer momento.
8 - Essa situação não legitima a contratação a termo, sabido assumir esta caráter excepcional, apenas se aplicando a situações exemplificativamente elencadas, mas que se traduzam, como se disse, na “satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades” - art.º 140.º n.º 1.
9 - O serviço de PMRs, não traduz a satisfação de necessidades temporárias da Ré, visto que o mesmo é duradouro, resultando do imposto pelo Regulamento (CE) 1107/2006, e do preconizado pela ECAC (European Civil Aviation Conference), cuja execução cabe, em primeira linha à A..., mas que por via da contratação com a Ré passou, duradouramente, a caber a esta.
10 - Aliás, esse contrato tem-se mantido desde 2008, como resulta da factualidade provada, sendo que a P... é participada no seu capital social pela A..., como é publico e notório e consta do respectivo cadastro comercial e dos sites institucionais de ambas as empresas.
11 - Na outorga de contratos de prestação de serviços temporários, no contexto de uma empresa que se dedica à prestação de serviços a terceiros, por natureza temporários, tem o empregador que demonstrar (uma vez que lhe incumbe o ónus da prova – art.º 130.º, n.º 1) por que razão, no âmbito dessa sua actividade, aquela concreta prestação de serviços representa uma necessidade ocasional, temporária, da sua actividade a justificar a necessidade, para a sua satisfação, da contratação a termo certo do trabalhador.
12 - No mesmo sentido, o Ac. do STJ de 06-02-2013, proc.154/11.0TTVNF.P1.S1.:
“I – O contrato de trabalho a termo (resolutivo) é um contrato de trabalho especial, de uso excepcional, sujeito a forma escrita, que exige sempre a verificação de um fundamento objectivo, com o motivo justificativo do termo aposto devidamente circunstanciado no documento. II – Vocacionado, por regra, para acorrer a necessidades temporárias da empresa, deve ser celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades. III – A aferição da limitação temporal das necessidades da empresa equaciona-se aquando da celebração do contrato, na consideração do contexto de facto então existente, por referência necessária ao prazo-regra da sua duração (três anos). IV – Não constitui justificação válida da aposição do termo a indicação de que se trata da execução de um serviço determinado e não duradouro, apenas porque a actividade contratada se insere no âmbito de um contrato de prestação de serviço, com duração previsível de cinco anos, outorgado entre a sociedade empregadora e um terceiro.”
13 - Para além disso, citando Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, pág. 629 “a «tarefa ocasional» reporta-se a uma actuação que não corresponda às atribuições normais ou regulares da empresa: corresponde como que a uma flutuação qualitativa» (…); o «serviço determinado precisamente definido e não duradouro», implica antes uma tónica na transitoriedade – independentemente, pois, do seu conteúdo material – devendo ser definido com precisão; assim, são ocasionais as tarefas que, normalmente, não tenham lugar em certa empresa e não duradouras aquelas que se possam dar por concluídas em razoável lapso de tempo”.
14 - O Senhor Conselheiro e Professor Júlio Gomes (in, Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, Coimbra Editora, pág. 596.) sublinha que a referência ao carácter não duradouro, quando está em causa uma necessidade temporária, reforça a ideia de que se tem de tratar de um serviço de duração limitada no tempo.
15 - Finalmente, o saudoso Prof. Jorge Leite (in, Contrato de trabalho a prazo: direito português e direito comunitário, Questões laborais Ano XIII- 2006, pág. 12, remata que a temporalidade do serviço e a sua autonomia são essenciais a esta modalidade de contrato a termo.
16 - Não provou, pois, a Ré como lhe competia, factos que justificassem a celebração de contrato de trabalho a termo incerto (art.º 140.º, n.º 5), sendo assim andou bem a Mma Juiz “a quo” ao concluir pela nulidade do termo, considerando os contratos de trabalho celebrados entre os AA. e a Ré, como contratos de trabalho sem termo, nos termos do disposto no art.º 140,º n.º 1 e 2, alínea g) e n.º 3 e no art.º 147.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código do Trabalho.
17 – Nestes termos, a carta enviada pela Ré aos Autores a comunicar-lhe a caducidade dos contratos, traduz-se num despedimento ilícito dos mesmos por não ter este sido antecedido de procedimento disciplinar, nem ocorrer justa causa (artigos 351.º e 381.º do Código do Trabalho).
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso improceder, sendo confirmada a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!”.
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O recurso foi devidamente admitido e ordenada a sua subida a esta Relação, nos próprios autos.
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O Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, no essencial, por considerar ser patente a falta ou insuficiência, nos contratos de trabalho em causa nos autos, das referências ao termo e ao motivo justificativo e a necessária relação que deverá estabelecer-se entre estes.
Notificadas deste veio a R., pronunciar-se, refutando o sentido daquele e reafirmando que o recurso deve ter o necessário provimento e a sentença recorrida revogada.
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Dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT).
Assim, as questões suscitadas e a apreciar consistem em saber:
- se o Tribunal “a quo” errou na decisão e deve, ela, ser revogada, como defende a recorrente, por o termo aposto nos contratos de trabalho dos Autores ser válido.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS:
- A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
“1. Com data de 4 de abril de 2014 o autor AA celebrou com a sociedade M..., Lda. um “contrato de formação 2014”, promovida por esta empresa e “realizada pela P... com o fim de proporcionar a aquisição de conhecimentos, capacidades práticas, atitudes e formas de comportamento requeridas para o exercício de funções na área de passageiros”, com uma duração de 206 horas (entre os dia 4 de abril e 21 de maio de 2014) e com direito ao autor beneficiar, entre o mais, do recebimento da quantia diária de €8,15 por cada dia de formação teórica e €325,00 por 30 dias de formação on-job training, no caso de concluir com aproveitamento a ação de formação objeto de tal contrato.
2. Com data de 26 de junho de 2014, e para vigorar até 30 de junho de 2014 o autor AA celebrou com a sociedade M..., Lda. um “contrato de trabalho temporário”, ali constando na cláusula 1ª que “tem por motivo justificativo o disposto na al. a) do n.º 2 do art. 140º e n.º 1 do art. 175º do CT, particularmente por substituição do colaborador CC que se encontra ausente por motivo de baixa médica”.
3. Quanto à atividade contratada, consta da cláusula 2ª do mesmo o trabalhador tem a “qualificação de Ass.Passageiro Mob.Reduz e irá exercer as funções de acolher e encaminhar os Passageiros de Mobilidade Reduzida (PMR); prestar auxílio na mobilidade do PMR; acompanhar e prestar apoio ao PMR na sua deslocação e durante o trajeto de e para a aeronave; conduzir veículos de apoio ao transporte de PMR’s; manusear equipamentos de apoio à mobilidade do PRM’s; acompanhar o PMR, sempre que solicitado pelo mesmo, às várias áreas/serviços do Aeroporto; proceder, se solicitado, ao transporte de bagagem dos PMR’s; auxiliar o PMR noutras tarefas, sempre que solicitado para tal.”
4. Com data de 1 de julho e duração até 31 de julho de 2014 o autor AA celebrou com a sociedade M..., Lda. Um “contrato de trabalho temporário”, na alínea g) do n.º 2 do art. 140º da Lei n.º 7/2009, de 21 de fevereiro (Código do Trabalho) aplicável por força do vertido na alínea d) do n.º 1 do art. 175º do mesmo diploma e fundamenta-se na prestação e manutenção, da atividade e projeto, para assistência a pessoas com mobilidade reduzida (PMR’s), no Aeroporto do Porto, que se consubstancia na necessidade de mão de obra para a realização de um projeto com caráter temporal definido de acordo com o contratado entre a A... S.A. e a P..., S.A.
5. O descritivo da atividade contratada consta da cláusula 2ª com o mesmo teor da supra descrita em 3. e a cláusula 6ª prevê a sua renovação automática, salvo aviso de rescisão nos prazos revistos no art. 344º do Código do Trabalho.
6. Com data de 1 de março e duração até 31 de março de 2015 o autor AA celebrou com a sociedade M..., Lda. um “contrato de trabalho temporário”, constando da cláusula 1ª que o mesmo “é celebrado ao abrigo da alínea g) do n.º 2 do art. 140º da Lei n.º 7/2009, de 21 de fevereiro (Código do Trabalho) aplicável por força do vertido na alínea d) do n.º 1 do art. 175º do mesmo diploma e fundamenta-se na prestação e manutenção, da atividade e projeto, para assistência a pessoas com mobilidade reduzida (PMR’s), no Aeroporto do Porto, que se consubstancia na necessidade de mão de obra para a realização de um projeto com caráter temporal definido de acordo com o contratado entre a A... S.A. e a P..., S.A.”
7. O descritivo da atividade contratada consta da cláusula 2ª com o mesmo teor da supra descrita em 3. e a cláusula 6ª prevê a sua renovação automática, salvo aviso de rescisão nos prazos revistos no art. 344º do Código do Trabalho.
8. Com data de 1 de junho de 2016 o autor AA e a ré celebraram contrato de trabalho que intitularam de “a termo incerto e tempo parcial”, para o desempenho das funções correspondentes à atividade de Assistente de Pessoas com Mobilidade Reduzida de constando dos respetivos considerandos que:
“A) A P... é uma sociedade de handling licenciada para prestar serviços de assistência em escala a Companhias Aéreas em Portugal; B) À data da celebração do presente contrato, a Primeira Contraente depara-se com a necessidade de recrutar pessoal, designadamente, Assistentes a Passageiros de Mobilidade Reduzida, em virtude das obrigações assumidas pela Primeira Contraente perante a A... S.A. nos termos do Contrato de Prestação de Serviços, assinado a 13/5/2010, para a prestação de serviços de assistência a pessoas com mobilidade reduzida (PMR’s); C) O Contrato de Prestação de Serviços identificado em b) tem a duração de 1 (um) ano, podendo ser renovado por igual período. D) O referido Contrato de Prestação de Serviços prevê, contudo, a possibilidade de a A... S.A. poder revogar unilateralmente o contrato a todo o momento; E) A prestação de serviço de assistência a pessoas com mobilidade reduzida (PMR’s) constitui tarefa de duração necessariamente limitada sendo apenas necessária pelo estrito período em que se mantiver em vigor o Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Primeira Contraente e a A... S.A..”
9. De acordo com a cláusula 2ª de tal contrato o mesmo iniciou-se a 1 de junho de 2016 “e durará pelo tempo que se mantiver em vigor o Contrato de Prestação de Serviços identificado nos considerandos supra, sem prejuízo da possibilidade de cessação anterior, em virtude da redução dos trabalhos de assistência a passageiros de mobilidade reduzida”, com fundamento nos termos do n.º 1, da al. h) do n.º 2 e do n.º 3 do art. 140º do Código do Trabalho.
10. Foi acordado um horário de trabalho semanal de 12 horas, com a possibilidade de um eventual aumento do seu período normal de trabalho até ao limite de 40 horas semanais, em qualquer momento da execução do contrato e durante o período de tempo que a ré considerasse necessário (cláusula 4ª), mediante o pagamento da retribuição mensal ilíquida de €185,10 (cláusula 5ª).
11. Com data de 1 de junho e duração até 30 de junho de 2016 o autor BB celebrou com a sociedade M..., Lda. um “contrato de trabalho temporário”, constando da cláusula 1ª que o mesmo “é celebrado ao abrigo da alínea g) do n.º 2 do art. 140º da Lei n.º 7/2009, de 21 de fevereiro (Código do Trabalho) aplicável por força do vertido na alínea d) do n.º 1 do art. 175º do mesmo diploma e fundamenta-se na prestação e manutenção, da atividade e projeto, para assistência a pessoas com mobilidade reduzida (PMR’s), no Aeroporto do Porto, que se consubstancia na necessidade de mão de obra para a realização de um projeto com caráter temporal definido de acordo com o contratado entre a A... S.A. e a P..., S.A.”
12. O descritivo da atividade contratada consta da cláusula 2ª com o mesmo teor da supra descrita em 3. e a cláusula 6ª prevê a sua renovação automática, salvo aviso de rescisão nos prazos revistos no art. 344º do Código do Trabalho.
13. Com data de 13/10/2016 a sociedade M..., Lda. comunicou a este autor que este contrato cessaria a 31 de outubro de 2016.
14. Com data de 1 de novembro e duração até 30 de novembro de 2016 o autor BB celebrou com a sociedade M..., Lda. um “contrato de trabalho temporário”, constando da cláusula 1ª que o mesmo é celebrado com fundamento em “Aumento excecional de atividade – n.º 1 e alínea f) do n.º 2 do art. 140º do Código do Trabalho, devido ao crescimento do n.º de voos operados pelas companhias aéreas no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no seu conjunto, uma vez que a assistência a passageiros de mobilidade reduzida tem como exclusivo prestador de serviços a P..., tendo-se por referência período homólogo no ano transato.”
15. O descritivo da atividade contratada consta da cláusula 2ª com o mesmo teor da supra descrita em 3. e a cláusula 6ª prevê a sua renovação automática, salvo aviso de rescisão nos prazos revistos no art. 344º do Código do Trabalho.
16. Com data de 14/9/2017 a sociedade M..., Lda. comunicou a este autor que este contrato cessaria a 30 de setembro de 2017.
17. Com data de 29 de setembro de 2017 o autor BB e a ré celebraram contrato de trabalho que intitularam de “a termo incerto”, para o desempenho das funções correspondentes à atividade de Assistente de Pessoas com Mobilidade Reduzida de constando dos respetivos considerandos que:
“A) A P... é uma sociedade de handling licenciada para prestar serviços de assistência em escala a Companhias Aéreas em Portugal; B) À data da celebração do presente contrato, a Primeira Contraente depara-se com a necessidade de recrutar pessoal, designadamente, Assistentes a Passageiros de Mobilidade Reduzida, em virtude das obrigações assumidas pela Primeira Contraente perante a A... S.A. nos termos do Contrato de Prestação de Serviços, assinado a 13/5/2010, para a prestação de serviços de assistência a pessoas com mobilidade reduzida (PMR’s); C) O Contrato de Prestação de Serviços identificado em b) tem a duração de 1 (um) ano, podendo ser renovado por igual período. D) O referido Contrato de Prestação de Serviços prevê, contudo, a possibilidade de a A... S.A. poder revogar unilateralmente o contrato a todo o momento; E) A prestação de serviço de assistência a pessoas com mobilidade reduzida (PMR’s) constitui tarefa de duração necessariamente limitada sendo apenas necessária pelo estrito período em que se mantiver em vigor o Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Primeira Contraente e a A... S.A..”
18. De acordo com a cláusula 2ª de tal contrato o mesmo iniciou-se a 1 de junho de 2016 “e durará pelo tempo que se mantiver em vigor o Contrato de Prestação de Serviços identificado nos considerandos supra, sem prejuízo da possibilidade de cessação anterior, em virtude da redução dos trabalhos de assistência a passageiros de mobilidade reduzida”, com fundamento nos termos do n.º 1, da al. h) do n.º 2 e do n.º 3 do art. 140º do Código do Trabalho.
19. Foi acordado um horário de trabalho semanal de 40 horas (cláusula 4ª), mediante o pagamento da retribuição mensal ilíquida de €617,00 (cláusula 5ª).
20. Quando os autores celebraram os contratos referidos em 2. e 11., o contrato entre a A... e a ré durava já havia, pelo menos, quatro e seis anos, respetivamente.
21. Durante a vigência dos contratos supra descritos, os autores mantiveram-se a exercer sempre as mesmas funções de Assistentes de Passageiros de Mobilidade Reduzida para as quais foram inicialmente contratados.
22. Aquando da celebração dos contratos descritos em 8. e 17, e durante a sua vigência, os autores mantiveram o mesmo vencimento, o mesmo horário de trabalho, os mesmos turnos, a mesma equipa e o mesmo local de trabalho.
23. Através de cartas datadas de 6 de abril de 2020 enviadas aos autores pela ré, esta comunica-lhes a caducidade dos contratos de trabalho, com efeitos a partir de 7 de abril de 2020.
24. Os autores prestaram a sua atividade à ré, nas mesmas funções, desde a data de celebração dos primeiros contratos de trabalho temporário.
25. Com data de 1 de agosto de 2020 e duração até 31 de outubro de 2020 o autor BB celebrou com a sociedade M..., Lda. um “contrato de trabalho temporário”, constando da cláusula 1ª que o mesmo é celebrado com o seguinte fundamento: “(…) A Empresa Utilizadora vê-se, na presente data, compelida a ter de reforçar a sua equipa do Contrato de Prestação de Prestação de Serviços de Assistência a Pessoas com Mobilidade Reduzida – Aeroporto Francisco Sá Carneiro (Porto), no Aeroporto do Porto, a qual é composta 24 efetivos, em virtude do levantamento de algumas restrições que haviam sido impostas ao setor aeroportuário, ao abrigo da situação epidemiológica provocada pela COVID-19, o que se estima venha a permitir um crescimento da atividade da Empresa Utilizadora em cerca de 207% (OPO) - o que se reflete num aumento de Agosto até Outubro, prevendo-se um decréscimo a partir de Outubro, à semelhança do que sucedeu em anos anteriores, razão pela qual não se justifica a contratação de recursos humanos permanentes. A Empresa Utilizadora irá, assim, necessitar de um trabalhador temporário que desempenha as funções de Assistente de Passageiros de Mobilidade Reduzida, na equipa afeta ao Serviço Denominado Myway, para que possa dar resposta às suas necessidades e fazer face ao crescimento excecional dos próximos 3 meses, assegurando, desta forma os serviços e qualidade ao seu cliente - o gestor aeroportuário. O presente contrato é, assim, celebrado pelo prazo de três meses, tendo início em um de agosto de 2020 e termo em trinta e um de outubro de 2020, estabelecendo-se este prazo certo atendendo ao atrás referido quanto à previsão de decréscimo de atividade. O presente contrato de utilização de trabalho temporário é, pois, legitimado pelo disposto n.º 1 do artigo 175.º, conjugado com a alínea f) do n.º 2, do artigo 140.º, todos do Código do Trabalho, para satisfação de um acréscimo excecional e temporário de atividade da empresa utilizadora, nos termos atrás indicados”.
26. O descritivo da atividade contratada consta da cláusula 2ª com o mesmo teor da supra descrita em 3..
27. A Ré é uma sociedade anónima cujo objeto principal é a assistência em escala (vulgo “handling”) a aeronaves e passageiros nos aeroportos de Lisboa, Porto, Faro e Funchal, por licenciamento da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), para o desenvolvimento das seguintes atividades:
- Assistência a passageiros;
- Assistência a bagagem;
- Assistência a carga e correio;
- Assistência de operações na pista;
- Assistência de limpeza e serviço do avião; e
- Assistência de operações aéreas e gestão de tripulações
28. A estrutura de recursos humanos que a empresa necessita para dar resposta ao mesmo, encontra-se intrinsecamente ligada ao número de voos/passageiros/carga que se encontra afeto a cada aeroporto no qual a Ré opera.
29. A Ré possui 2 sectores distintos de atividade:
a) O Handling – prestação de serviços de assistência em escala que corresponde à atividade principal e ao “core business” da empresa; e
b) A Prestação de outros serviços a terceiros, atividade secundária, na qual se integra a Assistência a Passageiros com Mobilidade Reduzida (adiante “PMR´s”).
30. A responsabilidade geral pela garantia dos direitos dos passageiros com mobilidade reduzida foi atribuída às entidades gestoras dos aeroportos – que em Portugal, por concessão e enquanto esta vigorar, corresponde à A... – Aeroportos de P..., S.A..
31. A duração inicial/período de vigência dos contratos de prestação de serviços é limitada a 12 meses, se não for denunciado por qualquer das partes com a antecedência de 90 dias para o termo do prazo de duração inicial ou revogação.
32. A A... – Aeroportos de P..., S.A., no âmbito do contrato de prestação de serviços de assistência a pessoas com mobilidade reduzida, relativamente aos vários aeroportos e, no caso que nos releva, no Aeroporto do Porto, remeteu à ré no dia 20 de março de 2020 a seguinte comunicação:
“Desta forma, verificando-se uma acentuada e justificada diminuição de atividade aeroportuária, motivada por caso de força maior (em concreto, a pandemia mundialmente decretada), não resta outra alternativa à “A...”, que não seja a de, ao abrigo do disposto no art. 437.º do C. Civil, reduzir os serviços contratualizados com a “P...” no “Contrato”, uma vez prever-se uma diminuição de mais de 95% das assistências em abril em todos os aeroportos onde a P... (…)”
33. Aquando da cessação do contrato de trabalho a termo incerto a ré pagou ao autor AA a quantia de €1.573,00 a título de indemnização por falta de aviso prévio e a quantia de €1.393,32 a título de compensação por não renovação contrato.
34. Aquando da cessação do contrato de trabalho a termo incerto a ré pagou ao autor BB a quantia de €1.508,00 a título de indemnização por falta de aviso prévio e a quantia de €983,01 a título de compensação por não renovação contrato.
35. Em março de 2020 o autor AA auferia a retribuição base de €650,00, acrescida de subsídio de turno no montante de €136,50, de subsídio de alimentação no valor de €8,21 por cada dia de prestação efetiva de trabalho e da quantia de €45,40 a título de abono de transporte.
36. Em março de 2020 o autor BB auferia a retribuição base de €650,00, acrescida de subsídio de turno no montante de €104,00, de subsídio de alimentação no valor de €8,21 por cada dia de prestação efetiva de trabalho e da quantia de €45,40 a título de abono de transporte.
37. Ao serviço da sociedade M..., Lda. o autor BB auferiu a título de retribuição no mês de setembro de 2020 a quantia ilíquida de €1.122,37, no mês de outubro a quantia ilíquida de €1.114,14, e no mês de novembro a quantia ilíquida de €511,45, num total de €2.747,96.
38. Em maio de 2021 o autor AA auferia subsídio de desemprego no montante de €618,40, com termo provável em 23/11/2021, e o autor BB auferia subsídio de desemprego no montante de €642,68, com termo provável em 15/7/2022.
39. O trabalhador da ré CC esteve em situação de incapacidade absoluta para o trabalho pelo menos no período de tempo compreendido entre 8 e 30 de junho de 2014.
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De resto não se provou que:
a) que os autores sempre prestaram pelos menos 40 horas semanais de trabalho;
b) que no ano de 2020 o número exato de assistências prestadas pela ré a passageiros de mobilidade reduzida tenha sido o constante dos artigos 54º, 94º a 102º da contestação.”.
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B) O Direito
A questão a apreciar, no presente recurso, resume-se a saber, se o termo aposto nos contratos de trabalho dos Autores é válido como considera a recorrente.
O Tribunal “a quo” considerou que o termo aposto nos contratos de trabalho dos Autores é inválido com os seguintes fundamentos: «(…)
Na situação em apreço é certo que a ré é uma empresa que presta serviços de assistência em escala a aeronaves epassageiros nos aeroportos, ainda que a prestação de serviços a terceiros seja a sua atividade secundária.
Sucede que, à semelhança do propugnado pela jurisprudência, na perspetiva da validade material da celebração de um contrato a termo, certo ou incerto, justificado, apenas, com fundamento na natureza temporária do contrato de prestação de serviços celebrado entre o empregador e as empresas cedentes, entendemos que tal não constitui motivo bastante do recurso à contratação a termo, na falta de qualquer outro elemento ou facto adicional.
“Ou seja, a mera celebração, entre o empregador e um terceiro, de um contrato de prestação de serviço/s com natureza temporária – como bem se ponderou oportunamente – não justifica, por si só, que a contratação a termo do trabalhador vise satisfazer uma necessidade temporária do empregador; (Estranho/enganoso seria, também a nosso ver, que a celebração de contratos de prestação de serviço/s (temporários), no contexto de uma empresa que se dedica à prestação de serviços a terceiros, (…que por natureza sempre serão mais ou menos temporários), dispensasse o empregador de demonstrar por que razão, no âmbito dessa sua actividade, aquela concreta prestação de serviços representa uma necessidade ocasional, temporária, da sua actividade, e assim viabilizasse, sem mais, o recurso à sistemática vinculação precária) – cfr. Acórdão do STJ de 06-02-2013 (processo 154/11.0TTVNF.P1.S1, in www.dgsi.pt).
Já anteriormente a Relação do Porto se havia pronunciado de igual modo, por acórdão de 24/9/2012 (processo 222/11.9TTGMR.P1, in www.dge.mj.pt), ao afirmar: “se por hipótese, o empregador tem como actividade a prestação de serviços que são por natureza ou por regra temporários, afigura-se-nos que a natureza temporária dos serviços que presta não justifica, só por si, a contratação a termo (cfr. Ac. RP de 11.01.2010, Proc. 52/08.5TTNVG.P1). A necessidade temporária da empresa que justifica a contratação a termo exige algo mais do que a simples natureza temporária do negócio entre o empregador e o terceiro. Se assim se não entendesse, teríamos como consequência que todas as empresas que tivessem por objecto a prestação de serviços a terceiros, estas por regra sempre temporárias, poderiam, sem qualquer limitação, recorrer apenas à contratação a termo. Não nos parece que seja essa a intenção do legislador, que não criou nenhum regime excepcional para tais empresas. Ou seja, a mera celebração, entre o empregador e um terceiro, de um contrato de prestação de serviços com natureza temporária não justifica, por si só, que a contratação a termo do trabalhador vise satisfazer uma necessidade temporária do empregador. Na celebração de contratos de prestação de serviços temporários, no contexto de uma empresa que se dedica à prestação de serviços a terceiros, por natureza temporários, tem o empregador que demonstrar (uma vez que lhe incumbe o ónus da prova – art.º 130.º, n.º 1) por que razão, no âmbito dessa sua actividade, aquela concreta prestação de serviços representa uma necessidade ocasional, temporária, da sua actividade a justificar a necessidade, para a sua satisfação, da contratação a termo certo do trabalhador”
Numa situação em tudo idêntica à dos autos, o Tribunal da Relação de Lisboa afirmou expressamente (no âmbito do acórdão de 13/10/2021 (processo 9999/20.0T8LSB.L1-4) que “o serviço de PMRs, não traduz a satisfação de necessidades temporárias da Ré, visto que o mesmo é duradouro, resultando do imposto pelo Regulamento (CE) 1107/2006, e do preconizado pela ECAC (European Civil Aviation Conference), cuja execução cabe, em primeira linha à (…), mas que por via da contratação com a Ré passou, duradouramente, a caber a esta enquanto tal contrato se mantiver.” Deste modo, ponderando as considerações supra tecidas, e na ausência de qualquer outra justificação para a celebração de contrato a termo resolutivo, não se pode concluir pela necessidade da contratação a termo». (Fim de citação)
Como se disse, desta discorda a apelante/Ré defendendo a validade do termo aposto nos contratos de trabalho, argumentando o seguinte:
“da conjugação dos factos n.° 8, 9,17, 18, 28, 30 e 31 dados por provados, dúvidas parecem não existir de que os motivos que levaram à contratação dos Recorridos por parte da Recorrente estão intrinsecamente ligados com as obrigações - diga-se, temporárias - assumidas pela Recorrente perante a A... S.A., nos termos do Contrato de Prestação de Serviços entre a R. e A... (junto nos presentes autos), o que, motivou e sustentou a contratação a termo incerto por parte da Recorrente; Ora, tendo presente que a necessidade da Ré se fundamenta numa atividade temporária (desde logo porque a sua existência é diretamente dependente da vigência do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a A... S.A.), outra não poderia, como não pode, ser a interpretação do caráter temporário, definido no tempo, relativamente à Assistência a PMR's, e nem se diga, como parece resultar da sentença de que ora se recorre, que a execução de um serviço intrinsecamente ligado a um contrato de prestação de serviços de duração limitada e que não faz parte da atividade principal da empresa (como o é no caso dos autos) não constitui motivo bastante para a celebração de um contrato de trabalho a termo resolutivo, quando resulta claro o fundamento e o respetivo nexo causal com a respetiva duração ser temporária. De facto, parece que o Ilustre Tribunal a quo, para decidir no sentido em que decidiu, ignorou a conjuntura legal referente à contratação a termo, prevista no art. 140° do CT, tendo apenas conferido relevância ao caráter constante da atividade na esfera da A... S.A., olvidando-se de que esta incumbiu a P..., aqui entidade empregadora, temporariamente, da referida atividade, sendo que uma e outra são entidades jurídicas distintas com objetos sociais distintos também. Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, sendo a P... a entidade empregadora, incumbida temporariamente da referida atividade, poderia esta recorrer à contratação a termo, motivada pela sua necessidade temporária, objetivamente definida, nos termos do art. 140° do CT, por devido a uma atividade que, não sendo originariamente da sua responsabilidade, lhe foi incumbida pela entidade gestora do aeroporto, por um período temporal concreto;
Face a tudo o quanto se vem de expor, não se pode concordar quando referido pelo Douto Tribunal a quo que "(...) o mesmo é dizer que a rescisão do contrato a termo, assim celebrado, pela entidade patronal, equivale ao despedimento sem justa causa de um contrato sem prazo. O despedimento então efetuado é nulo, com todas as consequências legais, a favor do trabalhador (...)" [página 19 da decisão ora posta em crise], pois a situação excecional vivida à data em que tal se verificou (abril de 2020), nomeadamente a pandemia mundial Covid-19, teve um impacto sem precedentes na circulação aérea, que viu a sua atividade praticamente paralisada, pelo que as necessidades da Recorrente se vieram a modificar, o que justificou a cessação dos contratos de trabalho dos Recorridos por caducidade, tanto mais que da Cláusula Segunda dos Contratos de Trabalho em apreço resulta que, "o contrato de trabalho (...) durará pelo tempo que se mantiver em vigor o Contrato de Prestação de Serviços identificado nos Considerandos supra, sem prejuízo da possibilidade de cessação anterior, em virtude da redução dos trabalhos de assistência a passageiros de mobilidade reduzida [factos n.°s 9 e 18 dados como provados] (sublinhado nosso).
Que dizer?
Desde logo, pese embora, o devido respeito, que a recorrente não tem razão.
Pois, concordamos com o entendimento que ficou expresso na decisão recorrida de que, a celebração de contrato de prestação de serviços – em regra, de natureza temporária – não constitui razão, nem pode fundamentar, por si só, a contratação a termo do trabalhador.
Se assim fosse entendido, então, a Ré, encontraria justificação para, apenas, celebrar contratos de trabalho a termo certo ficando, deste modo, dispensada de celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado, o que, e salvo o devido respeito, constitui fraude à lei, concretamente às disposições que regem a contratação por tempo indeterminado, e viola o direito à segurança no emprego consagrado no art. 53º da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, e em face da matéria provada, resulta que a Ré recorreu à contratação a termo para satisfazer os seus serviços «concretamente definidos nos contratos de prestação de serviços», que executa, com o fundamento de que eles não são duradouros. Só que esses mesmos serviços, que ela diz não serem duradouros, constituem o seu escopo social – facto 27 – a sua atividade, que de nada tem de precário, a não ser que ela, Ré, seja extinta.
E, esta conclusão não é abalada pelo facto de a atividade contratada - a Assistência a Passageiros com Mobilidade Reduzida – ser qualificada pela Ré como secundária – facto 29 – na medida em que, a mesma, não deixa de fazer parte do objeto social da aqui apelante, ou seja, a atividade de assistência em escala (vulgo “handling”) a aeronaves e passageiros.
No sentido aqui defendido é o recente (Acórdão da Secção Social do TRL de 13.10.2020, Proc. nº 9999/20.0T8LSB.L1-4 in www.dgsi.pt), em cujo sumário, se lê o seguinte: “A celebração, entre a Ré e terceira entidade de um contrato de prestação de serviços a PMR’s (passageiros de mobilidade reduzida, designado MyWay), contrato esse que é de um ano, renovável e que pode ser revogado a qualquer momento, não basta para fundamentar a contratação a termo do Autor, com base na satisfação de necessidades temporárias do empregador.
Tais serviços assumem caráter duradouro, resultam do imposto pelo Regulamento (CE) 1107/2006, do preconizado pela ECAC (European Civil Aviation Conference), cabendo a sua execução, em primeira linha àquela entidade, mas que por via da contratação com a Ré passou, duradouramente, a caber a esta enquanto o dito contrato se mantiver”.
Pelo que, ponderando as considerações supra tecidas, e na ausência de qualquer outra justificação para a celebração de contrato a termo resolutivo, não se pode concluir pela necessidade da contratação a termo.
E deste modo, sem necessidade de outras considerações, resta confirmar a decisão recorrida, na medida em que nela se fez a adequada subsunção jurídica da factualidade apurada, devidamente fundamentada em doutrina e jurisprudência que acompanhamos.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III - DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta secção, da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
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Porto, 3 de Outubro de 2022
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão