Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
REFORMATIO IN PEJUS
Sumário
I–O instituto da proibição da reformatio in pejus previsto no art. 409.º do Cód. Proc. Penal, tem em vista “obstar a que o arguido veja alterada a sentença penal, em seu prejuízo, quando só a defesa recorreu ou mesmo quando também o MP recorreu, mas no exclusivo interesse do arguido”.
II–Tem-se por consensual que a mesma abrange, em termos de medida, tanto as penas como as medidas de segurança, com a excepção da prevenida quanto à quantia fixada por cada dia de multa, nos termos do respectivo n.º 2.
III–Ainda assim, porque não será escopo da referida norma excluir do seu âmbito aplicativo, leia-se, da sua protecção, as penas de substituição como a da suspensão da execução da pena, e porque esta assume a categoria de uma verdadeira pena autónoma, também em relação a ela deverá funcionar a ideia de que o arguido não pode ser condenado numa pena mais severa do que aquela que lhe havia sido aplicada antes da anulação, ou ser confrontado com uma situação de gravame sancionatório com o qual não contava e que condiciona claramente o seu direito ao recurso.
IV–Assim, tendo aquele sido condenado em anterior sentença na pena de dois anos de prisão que se entendeu considerar suspensa por igual período, de que apenas ele próprio recorreu, e havendo esta Relação a anulado parcialmente, para se apurarem apenas “os factos em falta relativos às condições pessoais, personalidade e situação económica do arguido e, posteriormente, em face deles, novamente determinar a medida da pena aplicável e a adequação das várias penas de substituição legalmente admissíveis”, não podia o Tribunal a quo, na sequência desse apuramento, que entre uma mais, trouxe ao conhecimento duas condenações entretanto por aquele sofridas, afastar agora tal suspensão, por envolver violação do princípio supra aludido.
(Sumariado pelo relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:
I–Relatório:
I–1.)-Na sequência do douto acórdão proferido em 26 de Outubro de 2021, nestes autos, pela presente Relação, que na parcial procedência do recurso interposto pelo Arguido NT declarou verificado o vício de insuficiência da matéria de facto provada, e nessa conformidade, anulou parcialmente a sentença então produzida, ordenando-se “a remessa do processo ao Tribunal a quo, afim de aí, com intervenção do mesmo Tribunal, se reabrir a audiência para apurar apenas(sublinhado no original) dos factos em falta relativos às condições pessoais, personalidade e situação económica do arguido e, posteriormente, em face deles, novamente determinar a medida da pena aplicável e a adequação das várias penas de substituição legalmente admissíveis”, veio a ser proferida uma nova, que o condenou pela prática, como autor material, do já apontado crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 21.º, n.º1 e 25.º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22/01, de que se mostrava acusado, na mesma pena de 2 (dois) anos de prisão, mas agora com cumprimento efectivo.
Uma vez mais inconformado, recorreu o Arguido NT para este Tribunal, apresentando na síntese das razões da sua discordância, as seguintes conclusões:
1.ª–Nos presentes autos por Douta Sentença proferida em 10 de maio de 2021 arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução.
2.ª–O arguido não compareceu em julgamento, o que não permitiu o Tribunal apurar devidamente os factos; Pois,
3.ª–Dada a quantidade de produto estupefaciente, a qualidade do mesmo atestada pela perícia ao produto que revelou uma baixa percentagem do princípio ativo, a falta de prova quanto à questão da cedência mas essencialmente a falta de conhecimento pelo Tribunal das condições sociais do arguido, por ausência de Relatório Social, ou de declarações do arguido quanto às suas condições sociais, o que motivou a defesa em recorrer, pois tais elementos deveriam ser esclarecidos.
4.ª–O que seria essencial para aferir se estaríamos perante um crime de consumo de estupefacientes ou de tráfico de menor gravidade.
5.ª–Assim o arguido foi condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
6.ª–Razão pela qual entendeu recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa.
7.ª–O Tribunal da Relação de Lisboa, pronunciou-se dizendo que: “Nestes termos, acordam os Juízes da 5.ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso pelo arguido NT interposto e, em consequência declaram verificado o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e anulam parcialmente a sentença, ordenando a remessa do processo ao Tribunal a quo, a fim de aí, com intervenção do mesmo Tribunal, se reabrir a audiência para apurar apenas dos factos em falta relativos às condições pessoais, personalidade e situação económica do arguido e, posteriormente, em face deles, novamente determinar a medida da pena aplicável e a adequação das várias penas de substituição legalmente admissíveis”.
8.ª–Assim, e nesse sentido o Tribunal de Primeira Instância agendou nova sessão de julgamento, onde pode ouvir o arguido nos termos em que o Tribunal da Relação de Lisboa ordenou, e proferiu nova Sentença.
9.ª–Contudo, a nova Sentença proferida em 28 de março de 2022, veio a condenar o arguido na pena de 2 anos de prisão a cumprir de forma efetiva, violando desde logo o disposto no artigo 409.º, n.º 1, do Código do Processo Penal, que proíbe a figura da reformatio in pejus, pois, como se sabe, não pode o arguido ser condenado numa pena mais severa do que aquela que lhe havia sido aplicada antes da anulação da primeira decisão, o que veio claramente a ocorrer, pois o arguido na primeira decisão iria cumprir a pena de 2 anos de forma suspensa, e passou a ter de a cumprir de forma efetiva.
10.ª–Alteração que teve a ver com o registo criminal do arguido, pois o mesmo praticou crimes posteriores à data da prática dos factos aqui em causa.
11.ª–Tal como se sabe, tal não pode ser ponderado nesses termos, pois deve ser atendida, como se sabe, a situação do arguido à data dos factos aqui em causa, e não fazer juízos de prognose após outras condenações posteriores aos factos aqui em causa.
12.ª–O arguido não pode ficar prejudicado por tais ilícitos nesta nova decisão.
13.ª–Pois como se disse, está vedado ao Tribunal agravar a decisão anterior no âmbito do recurso do arguido interposto no “exclusivo interesse daquele”.
14.ª–Recordemos que o Ministério Público não recorreu da decisão.
15.ª–Podemos ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5-07-2007,que: “Anulada uma decisão em recurso da defesa, na subsequente decisão a proferir pelo tribunal recorrido, não pode o arguido ser condenado numa pena mais severa do que aquela que lhe havia sido aplicada antes dessa anulação.”
16.ª–Ainda no mesmo Acórdão que: “Decorre do princípio da proibição da reformatio in pejus que, se em recurso só trazido pelo arguido, for ordenada a devolução do processo, não poderá a instância vir a condenar o recorrente em pena mais grave do que a infligida anteriormente. (2)- Tal compreensão daquele princípio integra o processo justo, o processo equitativo, tributário da estrutura acusatória do processo, consagrada constitucionalmente e do princípio da acusação, que impõe que nos casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido, ou no seu interesse exclusivo, fiquem limitados os parâmetros da decisão e condicionado no processo o poder de decisão à não alteração em desfavor do arguido. (3) - O recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente, mesmo se o arguido tenha pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, por se postularem as mesmas razões, sendo que a solução contrária se traduziria em atribuir ao tribunal do reenvio (ou do novo julgamento ou da devolução) poderes que não estavam cometidos ao tribunal de recurso. (4)- Se o Supremo Tribunal de Justiça, depois de alterar em recurso a qualificação jurídica efectuada nas instâncias, reenvia o processo para a determinação da medida concreta da pena, por admitir como possível a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução, a nova decisão a proferir não só não poderá agravar a medida da pena, como só poderá manter a pena inicial fazendo a demonstração cabal de que tal se impõe no caso. (5)- Mas terá de respeitar as considerações em que se fundou o STJ para alterar a qualificação jurídica, quer na ponderação dos graus de culpa e ilicitude, quer na ponderação das circunstâncias que levaram aquele tribunal a reenviar para determinação da nova pena e a não a fixar de imediato.» (Ac. de 8.7.03, proc. n.º 2616/03-5, de 27.11.03, proc. n.º 3393/03-5 e de 17.2.05, proc. n.º 4324/05-5)”
17.ª–No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-02-2012 diz-nos que: “Declarada, pelo Tribunal de Recurso, a nulidade da sentença do Tribunal de 1ª Instância, determinando que aí se proceda à elaboração de nova decisão final, no caso de só o arguido ter interposto recurso desta decisão, por força do princípio da proibição de reformatio in pejus, as penas (principal e acessória) em que o arguido venha a ser condenado na nova sentença não podem ultrapassar os limites já fixados na sentença agora anulada”.
18.ª–(Repetição da anterior)
19.ª–Assim não deve o arguido ser prejudicado, e ser punido mais severamente do que se não tivesse recorrido.
20.ª–Entendemos que estamos claramente numa situação que deve ser corrigida, pois;
21.ª–Por força do princípio da proibição de reformatio in pejus, não pode o tribunal recorrido agravar a condenação do arguido com pena mais severa do que aquela que lhe havia sido aplicada antes dessa anulação, assim;
Tendo em conta o exposto, e por força do princípio da proibição de reformatio in pejus, nos termos do n.º1 do artigo 409.º do Código do Processo Penal não pode o tribunal recorrido agravar a condenação do arguido com pena mais severa do que aquela que lhe havia sido aplicada antes dessa anulação, assim deve a primeira decisão ser mantida, nomeadamente a condenação do arguido na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução, caso não entenda o Tribunal alterar para menos severa, a pena a aplicar ao arguido, pois só dessa forma se fará JUSTIÇA !
I–2.)-Respondendo ao recurso interposto, a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal a quo concluiu por seu turno:
1.ª-O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nestes autos, a qual condenou o arguido pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 25.º, al. a) e 21.º, ambos do Decreto – Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 anos de prisão.
2.º-Vem o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 409.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, afirmar que o Tribunal a quonão lhe podia ter aplicado pena mais grave que aquela aplicada anteriormente ao reenvio do processo por esse Venerando Tribunal para apreciação da personalidade, condições pessoais e económicas do arguido, a saber a pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período.
3.º-Não concordamos com o arguido.
4.º-Com efeito, apesar de o artigo 409.º, n.º 1 do cit. diploma proibir a reformatioin pejus, ou seja, o impedimento do Tribunal (apenas) de modificar na sua espécie ou medida as sanções constantes da decisão recorrida em prejuízo do arguido quando o recurso for interposto somente pelo arguido, pelo Ministério Público no exclusivo interesse do arguido ou simultaneamente pelo Ministério Público e pelo arguido no exclusivo interesse deste,
5.º-Mas não está já limitado quando haja sido interposto recurso pelo Ministério Público e este formule pedido nesse sentido, ou quanto esteja em causa o modo de cumprimento/execução dessa pena, que é o que sucede no caso subjudice.
6.º-A pena manteve-se a mesma na sua espécie e medida – 2 anos de prisão – tendo alterado apenas o seu modo de cumprimento, deixando de ser uma pena de prisão suspensa na sua execução para passar a ser uma pena de prisão a cumprir de modo efectivo.
7.º-Com efeito, em face das diversas condenações então sofridas pelo arguido, ainda que após a prática dos factos destes autos, é algo a que o Tribunal a quonão pode ficar indiferente, tendo entendido por isso sancionar a conduta do arguido com aquela nova forma de cumprimento.
8.º-A pena de 2 anos de prisão fixada, mostra-se adequada e proporcional à culpa do agente e às finalidades de prevenção geral e especial que tal pena visa atingir.
Tudo visto, cremos que julgando totalmente improcedente o recurso interposto e mantendo a decisão recorrida in totum, V. Ex.ªs farão a costumada e habitual Justiça.
II–Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer sustentado a verificação da violação do aludido princípio da proibição da reformatio in pejus,para além do que, na sua perspectiva, concorrerá ainda o vício de excesso de pronúncia, uma vez que o TRL não mandou apurar os antecedentes criminais do arguido.
*
No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
*
Teve lugar a conferência.
*
Cumpre apreciar e decidir:
III–1.)-De harmonia com as conclusões apresentadas, a questão essencial suscitada pelo recurso interposto pelo Arguido NT, convoca a eventual violação do princípio acima já repetidamente aludido, materializado na sua condenação em prisão efectiva, quando antes o tinha sido em pena que embora assumindo a mesma medida, determinava a suspensão da respectiva execução.
III–2.)-Comecemos por revisitar a matéria de facto que se mostra definida:
Factos provados:
1.–Em data que não se logrou apurar, anterior a 21.02.2020, NT gizou plano para venda de haxixe a consumidores, com vista à realização de lucro. 2.–Actividade que decidiu manter na Rua ..... ....., na zona do Miradouro ..... ....., em L____, ciente de que diariamente ali acorriam inúmeros indivíduos que pretendiam adquirir produto estupefaciente para seu consumo. 3.–Assim, no dia 21.02.2020, pelas 18h, o arguido NT encontrava-se na via pública, na Rua ..... ....., em L_____. 4.–Nessas circunstâncias, o arguido abordava os indivíduos que por ali circulavam, propondo a venda de haxixe. 5.–Trazia na mão direita várias folhas de jornal dobradas, ocultando um maço de tabaco que acondicionava, envoltas em papel higiénico e embrulhadas em plástico, 10 (dez) embalagens contendo haxixe. 6.–Tal produto foi identificado como cannabis (resina), com peso líquido de 6,499 gramas. 7.–O arguido NT guardava ainda consigo a quantia de €130,00 (cento e trinta euros), divididos em notas com valor facial de €20,00 (vinte euros) e €10,00 (dez euros). 8.–A quantia que o arguido tinha consigo era provento das vendas de cannabis já concretizadas. 9.–O arguido conhecia a natureza e características do produto estupefaciente que trazia, destinando-o à venda a terceiros, bem sabendo que tal conduta o fazia incorrer em responsabilidade criminal. 10.–Actuou com o fito de obter vantagem económica. 11.–O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.
12.–Do relatório social elaborado pela DGRSP resulta que: “Oarguidoé naturaldeCabo Verdee veioparaPortugalcomcinco anosdeidadecomosirmãoseosavósmaternos,parasejuntaremaosprogenitoresquejácáresidiamhaviaquatroanos,sendooarguidooterceirodeumafratriadequatroelementos.OagregadofixouresidênciaemA____-C____easituaçãofinanceiraédescritapeloarguidocomotendosidoestável,sendoosustentoassentenosrendimentosauferidospelosprogenitoresnoâmbitodassuasatividadesprofissionais,opainaconstruçãocivileamãecomoempregadadelimpezaemcasasparticulares.Oarguidorecordaumperíododeinfânciaeadolescênciacomopositivoepautadoporumbomrelacionamentointrafamiliarnãoobstanteoshábitosdeconsumoexcessivodebebidasalcoólicasporpartedopaiembora,deacordocomoarguido,semimpactonegativorelevantenadinâmicadoagregado.Opercursoescolardoarguidocaracterizou-sepordesinteresseeabsentismo,queculminouemváriasreprovações,umano2ºetrêsvezesno7ºanodeescolaridade,acabandoporabandonaroprocessodeensino/aprendizagemaos16anos,apenascomo6ºanocompleto.Privilegiavaocontactoeoconvíviocomogrupodeparesemdetrimentodosestudos,permanecendocomosamigosnocaféousalãodejogos,eterásidonessecontextoqueiniciouconsumosdesubstânciasestupefacientes–haxixe–aos13anosdeidade.Entreos16 eos 18anosdeidade,NT residiuemFrança,noagregadofamiliardaprogenitora,havendoregistosnodossiê de utentedaDGRSPdequeteráregressadoaPortugalapósexpulsão.Teráintegradooagregadodaavómaterna,residenteemCarnaxide,masposteriormentearrendouumquartoaumamigonaRua..... .....,nº...,..-Dto.,....-...-A____-C_____,onderesidiaemperíodoprévioàreclusão.Amoradaconstantenospresentesautoscorrespondeà habitação dospais,aqualseencontraatualmentearrendadaaumatia.Profissionalmente,encontrava-sedesempregadosendoasuaexperiênciaquasenula.TrabalhoupontualmentenoMacDonald’senaconstruçãociviljuntodeumtio.Mantinhacontactopontualcomafamília,residenteemFrança,referindobeneficiardealgumaajudafinanceiraporpartedospais.Mantinhaumarelaçãodenamorohaviaalgunsmesescomumaestudanteuniversitária,de18anosdeidade,aqualseconstituiatualmenteoúnicosuportedoarguidonoestabelecimentoprisional.NT encontrava-seemacompanhamentoporestesserviçosdaDGRSP,noâmbitodeduasmedidasprobatóriasdeexecuçãonacomunidadenomeadamenteosprocesssos9952/20.8T8LSB,noqualfoicondenadonumapenade1anoe7 mesesdeprisão, suspensanasuaexecuçãopeloperíodode2anos,pelocrimedetráficodemenor gravidade,sentençatransitadaemjulgadoem08/01/2021;303/19.0PCLSB,noqualfoi condenadonumapenade8mesesdeprisãosuspensanasuaexecuçãopeloperíodode1 ano,pelocrimedetráficodemenorgravidade,sentençatransitadaemjulgadoem 23/06/2021.Oarguidodemonstrouumaposturarelativamentecolaboranteemrelaçãoaestesserviçosemboraoperíododeacompanhamentotenhasidocurtoacabandoporserpresoemdezembrode2021.Dessemodo,NT deuentradanoEstabelecimentoPrisionaldoLinhóem16/12/2021tendosidotransferidoparaoEstabelecimentoPrisionaldeCaxiasem06/01/2022,ondeseencontraatualmente.Encontra-seàordemdoprocesso33/20.0PJSNT,quedecorrenoTribunalJudicialdaComarcadeLisboaOeste–Sintra–JuízodeInstruçãoCriminal,Juiz1,noâmbitodoqualaguardajulgamento,indiciadodocrimedetráfico deestupefacientes. Tempendentesoutros dois processos nosquais aguarda igualmentejulgamento:processo650/20.9PEAMD,quedecorrenoTribunalJudicialdaComarcadeLisboaOeste–Amadora–JuízoLocalCriminal,Juiz1,indiciadodocrimedetráficodemenorgravidade;processo555/19.1PELSB,quedecorrenoTribunal JudicialdaComarcadeLisboa–Lisboa–JuízodePequenaCriminalidade,Juiz5,indiciadodocrimedetráficodeestupefacientes.Emtermosdecaracterísticaspessoais, o arguidorevelaalgumasdificuldades ao nível da capacidade críticaereflexiva acercadesiedoseucomportamento,numquadrodealgumaimaturidadeeimpulsividade, características quefavorecemumagirpoucorefletidoecomdificuldadesemgerir adequadamentesituações–problema. Nãoseencontraintegradoemqualqueratividadeescolar,formativae/oulaborale,emtermosdisciplinares, registaumasançãoem22/02/2022de13diasdepermanênciaobrigatórianoalojamento(POA)porpossedeobjetos/valoresproibidos(telemóvelecarregador).Recebeapenasvisitasdanamoradareferindoaguardarvisitadosavós.”
13.–O arguido foi condenado: a.-No processo n.º 19952/20.8T8LSB, por sentença transitada em julgado a 08.01.2021, pela prática, a 27.06.2019, de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão suspensa por 2 anos, acompanhada de regime de prova. b.-No processo n.º 303/19.0PCLSB, por sentença transitada em julgado a 23.06.2021, pela prática, a 13.01.2019, de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 8 meses de prisão suspensa por 1 ano, acompanhada de regime de prova.
Factos não provados:
Não ficaram por provar quaisquer factos com relevância para a boa decisão da causa.
III–3.1.)-Tal como decorre do acima sumariado, a questão que se mostra colocada nos presentes autos convoca para primeiro plano da discussão, a circunstância de o modo de cumprimento da pena, ou se se quiser, a suspensão da execução da pena de prisão, se conterem, ou não, no âmbito da proibição da reformatio in pejus estabelecida no art. 409.º do Cód. Proc. Penal, problemática que, tanto quanto alcançamos, não foi equacionada na sentença recorrida.
De harmonia com o preceituado em tal normativo:
1-Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes. 2-A proibição estabelecida no número anterior não se aplica à agravação da quantia fixada para cada dia de multa, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível.
Posto que a razão desta proibição não alcance uma justificação muito consensual (nesse sentido cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2.ª Edição, 2000, pág.ªs 336/7), na esteira do defendido por Maia Gonçalves, no seu Código de Processo Penal, Anotado, Almedina, 16.ª Ed, 2007, pág.ª 870, pode dizer-se que a razão de ser de tal instituto, “é o de obstar a que o arguido veja alterada a sentença penal, em seu prejuízo, quando só a defesa recorreu ou mesmo quando também o MP recorreu, mas no exclusivo interesse do arguido”.
Numa outra leitura mais próxima da situação que temos presente, refere-se mais longamente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/09/2011, no processo n.º 138/08.6TALRA.C1.S1TJ:
4.–Enquanto circunscrito ao direito ao recurso interposto pelo arguido no seu exclusivo interesse ou pelo M.º P.º no mesmo sentido, o princípio, ou seja a proibição de “reformatio“ denominada nesta modalidade de directa, é fortemente limitativa do poder decisório do tribunal; porém concebido, embora com controvérsia, como um princípio geral de direito de processo penal, enquanto direito de defesa , consagrado no art.º 32.º n.º 1 , da CRP, o princípio , em nome do direito a um processo justo, “ due process of law”, actua com maior latitude, e, assim, no caso de anulação ou reenvio do processo para novo julgamento, em 1.ª instância, o princípio não se esvai - é a apelidada “reformatio” indirecta-, limitando, igualmente, o poder decisório do tribunal inferior, que não pode em tal caso agravar a situação do arguido.
O tribunal inferior, diz-se, não há-de ter poderes mais amplos do que o tribunal superior; a proibição de “reformatio” se limita o tribunal superior por maioria de razão há-de limitar o inferior, atenta a cadeia hierárquica que se estabelece entre ambos e a íntima conexão entre o decidido nas instâncias, dada a decorrência lógica entre a solução a alcança.
Aliás sempre que o titular da acção penal não manifesta discordância não se concebe que o Estado, através dos seus órgãos de administração da justiça, sobrepondo-se ao arguido, lhe possa impor uma reacção penal mais severa do que a cominada do antecedente. 5.–E quando se alude à controvérsia gerada na matéria defendem uns que o princípio tende a negar qualquer eficácia retroactiva para além da impugnação.
Assim aquando da anulação já nada subsiste do anulado; a decisão de 1.ª instância desaparece; o arguido tem, forçosamente, de aceitar as consequências da anulação, devendo admitir como possível nova decisão sobre a prova e emissão de um juízo decisório novo, não estando este condicionado ou pré-determinado pela decisão do anterior julgamento, esta a argumentação desenvolvida maioritariamente no Ac. deste STJ, de 9.4.2003 / P.º n.º 4628/02 -3:ª Sec., com voto de vencido em defesa da tese contrária e de 17.3.2004, P.º 4415/04 - 3.ª Sec. 6.–A argumentação em sentido oposto defende que o princípio da proibição da “reformatio” deve ser conformado como uma importante componente do direito ao processo justo e equitativo, marcado pela estrutura acusatória do processo e pelo direito ao recurso.
Sempre que a acusação pública se conforma com a decisão ou o M.º P.º recorre no interesse da defesa ocorre uma vinculação processual; os parâmetros decisórios pelo tribunal de recurso ficam intraprocessualmente condicionados por este instrumento de defesa.
A extensão desse parâmetro decisório atinge, em nome da coerência, em novo julgamento, por anulação ou reenvio, o poder cognitivo deste último tribunal, ou seja todas as instância incluídas no “iter” decisório nenhuma razão havendo para distinguir entre “reformatio” directa ou indirecta, como se escreveu naquele voto de vencido, e se sentenciou nos Acs. deste STJ, de 8.7.2003, P.º n.º 2616/03-5.ª Sec., de 17.2.2005, P.º 04P4324, de 17.2.2005, P.º n.º 565 /05 -5 .º Sec., 2.3.2006, P.º 550/06 -5.ª Sec., 29.4.2003, P.º 768 /03-5.ª e 5.7.2007, in CJ, STJ, Ano XV, II, 2007, pág. 239.
Na doutrina, cfr., ainda, Jorge Dias Duarte, in Proibição de Reformatio in Pejus, Consequências Processuais, Revista Maiajuridica, Ano I, n.º 2 , Julho-Dezembro de 2003, pág . 205, em comentário favorável ao Ac. citado de 9.4.2003. 7.–Dos art.ºs 6 .º, da CEDH, 14.º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a da jurisprudência do TEDH, também resulta que, em respeito por um processo equitativo estruturado em princípios como os da lealdade processual, contraditório e igualdade de armas, se adoptem posições de equilíbrio, e assim que quando o recurso só é usado pela defesa, em nome do princípio da proibição da “reformatio”, se imporá que o arguido não seja surpreendido em recurso e nas suas consequências com uma situação de gravame .
O TC no seu Ac. n.º 236 /2007, de 30.3.2007, P.º n.º 201/4, veio a julgar inconstitucional a norma do art.º 409.º n.º 1, do CPP, por violação do art.º 32.º n.º 1, da CRP, quando interpretada no sentido de não proibir o agravamento da condenação em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado em consequência de recurso apenas interposto pelo arguido”.
III–3.2.)-Tem-se hoje por consensual, que tal proibição abrange, em termos de medida, tanto as penas como as medidas de segurança.
Sendo que a única excepção que a esse título se mostra legalmente contemplada, é a que decorre da “agravação da quantia fixada para cada dia de multa, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível”, hipótese que não se verifica nestes autos.
Mas pergunta-se: a pena de substituição deve beneficiar dessa mesma protecção?
Posto que a situação não se mostre expressamente prevista no normativo acima deixado citado, julgamos que não será escopo da respectiva norma excluir do seu âmbito aplicativo, leia-se, da sua protecção, aquele tipo de penas.
Tenha-se em conta, com efeito, que conforme entendimento tido por prevalecente, “a pena de suspensão assume a categoria de pena autónoma, apartando-se da ideia de que se possa constituir como “[…] um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição” - (Cfr. Figueiredo Dias “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas - Editorial Noticias, 1993, 90) [in acórdão da Rel. de Coimbra de 04/06/2008, no processo n.º 63/96.1TBVLF.C1].
No fundo, também em relação a ela funciona a ideia de que o arguido não pode ser condenado numa pena mais severa do que aquela que lhe havia sido aplicada antes da anulação, ou ser confrontado com uma situação de gravame sancionatório com o qual não contava e que condiciona claramente o seu direito ao recurso.
III–3.3.)-Na situação dos autos, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta não deixa de encarecer um outro aspecto que com aquele conflui: O do eventual excesso de pronúncia traduzido na consideração dos antecedentes criminais do ora Recorrente, matéria que este Tribunal não havia determinado que fosse averiguada.
Neste particular, tendo-se usado da metodologia de reproduzir o teor do relatório social elaborado, não vemos que exista dificuldade insuperável nessa circunstância.
O retrato pessoal do Arguido, não deixa de, por essa forma, se mostrar mais completo ou conforme com a realidade material.
E havendo que funcionar a já mencionada proibição da reformatio in pejus,sempre a mesma prevalecerá sobre tal aspecto, ficando claro que a suspensão de execução da pena decretada não decorre propriamente da verificação dos pressupostos do art. 50.º do Cód. Penal, mas daquele instituto.
Nesta conformidade:
IV–Decisão:
Nos termos e com os fundamentos indicados, na procedência do recurso interposto pelo Arguido NT, acorda-se em revogar a sentença agora proferida na parte em que determina o cumprimento efectivo da pena de 2 (dois) anos de prisão que lhe foi aplicada, pelo que em função da já apontada proibição da reformatio in pejus,a mesma deverá ser considerada suspensa na sua execução, por igual período, nos termos constantes da sentença inicialmente proferida.
Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário
Lisboa, 11 de Outubro de 2022
Luís Almeida Gominho José Vieira Lamim Jorge Gonçalves