OFENSAS CORPORAIS GRAVES
DANO BIOLÓGICO
COMPENSAÇÃO
Sumário

É irrisória e desajustada à gravidade dos prejuízos sofridos e não cumpre a função sancionatória da compensação por danos não patrimoniais a quantia de € 60.000,00 fixada a um lesado com apenas 21 anos que, por ter sido gravemente agredido a tiro, num primeiro momento e, de seguida, a murros e pontapés desferidos de forma indiscriminada por diversas partes do seu corpo, ficou privado do pé e da perna direitos até à zona do joelho, por ter sido amputado, em resultado dessas agressões.
O conceito de dano biológico, como um dano existencial, reflecte a multiplicidade e a diversidade dos níveis de protecção que a personalidade humana reclama, sendo um verdadeiro «dano primário», na medida em que, enquanto dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (que daquele são consequência), tanto de natureza patrimonial, como de natureza não patrimonial.
A compensação por danos não patrimoniais tem também um carácter eminentemente sancionatório que deve assumir e que,   face ao modo de execução do crime e às circunstâncias em que foram causadas as lesões, assume particular acuidade e relevância, dada a intensidade dolosa com que foram causadas e a extrema censurabilidade  do comportamento  do arguido.
A determinação do montante indemnizatório  não pode  ignorar a gravidade das lesões e respetivas sequelas o  impacto futuro das mesmas   na saúde física e mental do lesado, no enorme prejuízo de afirmação pessoal que representa para um jovem de 21 anos ver-lhe amputada a perna direita, até à zona do joelho, o sofrimento psicológico e emocional que terá de vivenciar, as enormes limitações na sua vida pessoal e profissional e ao nível da sua inserção e convívio sociais, atividades desportivas e lúdicas .

Texto Integral

Acordam em conferência os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido em 8 de Abril de 2022, no Processo Comum Colectivo  n° 901/19.2PBOER Juízo Central Criminal de Loures - Juiz 3 Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte foi decidido:
Julgar a acusação procedente, por provada, e, em consequência, condenar o arguido JM_____ pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada pelos arts. 132° n° 2 al. e), 143°, 144°, als. a), b), e c) e 145° n°s 1 al. c) e 2 do CP, em conjugação com o art. 86° n°s 3 e 4, da Lei n° 5/2006, 23-02, na pena de cinco anos e três meses de prisão.
Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização formulado pela demandante cível RM____ , e, em consequência, condenar o demandado JM_____ pagar-lhe:
€ 60 000 (sessenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa anual de 4%, desde a presente data até integral e efectivo pagamento;
A quantia a liquidar em execução de sentença, relativamente a danos futuros decorrentes da prática factos em apreciação;
Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização formulado pela demandante cível "Escala Vila Franca - Sociedade Gestora do Estabelecimento, SA”, e, em consequência, condenar o demandado JM_____ pagar-lhe a quantia de € 268,58 (duzentos e sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa anual de 4%, desde a presente data até integral e efectivo pagamento.
Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização formulado pela demandante cível "Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, SA”, e, em consequência, condenar o demandado JM_____ pagar-lhe a quantia de € 112,07 (cento e doze euros e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa anual de 4%, desde a presente data até integral e efectivo pagamento.
O assistente RM____  interpôs recurso do acórdão, tendo, para tal efeito, formulado as seguintes conclusões:
1.a O Arguido foi condenado a indemnizar o ora Recorrente no valor de € 60.000, 00 (sessenta mil euros), o que não se concede.
Isto porque,
2.a O referido valor é desproporcional e desadequado em face da gravidade do crime de ofensa à integridade física grave qualificada e dos danos sofridos pelo Recorrente.
3.a O Recorrente é um jovem que à data dos factos tinha apenas 21 (vinte e um) anos, tendo pela frente a sua vida inteira que será agora vivida sem uma perna.
4.a A indemnização a atribuir terá de proporcionar uma compensação moral pelos prejuízos causados, nomeadamente as dores físicas, os vexames, complexos de ordem estética, desgostos, limitação da liberdade, degradação da saúde e bem-estar, incapacidade durante o resto da vida.
5.a O arguido agiu com culpa acentuada por um alto grau de censurabilidade, na medida em que não existiu qualquer facto que motivasse o arguido a disparar contra uma pessoa sozinha e desarmada de forma gratuita.
6.a O Recorrente sofreu danos morais irreparáveis, tornando-se numa pessoa inquieta, nervosa, frustrada e a viver num estado emocional de angústia e tristeza a contrario da pessoa feliz, divertida e ativa que era antes dos factos em causa.
7.a O Recorrente tem dificuldades em dormir e em relacionar- se com pessoas devido à frustração de ver o seu futuro retirado por um terceiro e devido aos complexos que sente pelas marcas físicas visíveis com que ficou.
8.a Para o resto da sua vida o Recorrente irá ser provado de inúmeras atividades e as que conseguir fazer serão sempre condicionadas e dificultadas.
9.a O Recorrente, considerando a esperança média de vida de 78 (setenta e oito) anos, tem 57 (cinquenta e sete) anos de vida sem uma perna, o que corresponde a uma indemnização arbitrada de cerca de € 1.053,00 (mil e cinquenta e três euros) por cada ano de vida para poder viver com os inúmeros obstáculos, privações, sofrimento, dores e todas as consequências que advêm de perder um membro essencial.
Destarte,
10.a Salvo por melhor douta opinião contrária e com mui douto respeito que merece o Tribunal a quo somos de crer que o Acórdão ora requerido violou o direito do ora Recorrente à indemnização integral dos danos que sofreu, desrespeitando o art.496.° CC, pelo que pedido a titulo danos não patrimoniais deve ser julgado procedente;
Assim, a decisão ora recorrida violou, entre outras, as seguintes estatuições legais:
Da Constituição da República -Art. 32.°
Do Código Civil - Art. 9.° e 496.°
Assim nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Exas deve ser dado provimento às presentes alegações e, em consequência ser revogada a decisão ora recorrida com as legais consequências.
Admitido o recurso, apenas o Mº. Pº. apresentou resposta, na qual concluiu:
Nada tem a apontar à decisão recorrida, não merecendo a mesma qualquer reparo, pois, o Tribunal a quo procedeu a uma adequada valoração da prova e, em consequência, procedeu a uma correcta decisão condenatória na sua globalidade.
Afigura-se-nos que, nenhum preceito legal, in casu, foi violado.
Logo, não foram violados os artigos 9° e 496°, ambos do Código Civil, assim como não foi violado o artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.
Pelo exposto, nenhum reparo se nos afigura tecer à decisão do Tribunal a quo, porque correcta, fundamentada e conforme à Lei.
Nesta conformidade, deve ser mantida a sentença recorrida na sua integralidade.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto emitiu parecer, no sentido da manutenção integral da decisão recorrida com fundamento na argumentação aduzida na resposta do Mº. Pº. ao recurso.
Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não foram apresentadas respostas.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, nos termos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre, então decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
(...)
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Antes da apreciação do mérito do recurso, importa considerar a factualidade provada e não provada exarada no acórdão recorrido.
Da mesma consta, a seguinte decisão de facto (transcrição): 
1. No dia 06-10-2019, por volta das 00 horas e 30 minutos, o ofendido RM____  dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado "Brako Shisha Al Bar", localizado na Rua Vaz Monteiro, n° 65 a 67, Carregado, área desta comarca de Loures, acompanhado pelas suas amigas de nome ______.
2. Por volta das 06 horas e 00 minutos, após ter saído do mencionado estabelecimento comercial, em circunstâncias não concretamente apuradas, o ofendido RM____  foi atingido na via pública, com um murro na face desferido por um indivíduo de identidade não apurada, que se encontrava integrado num grupo de amigos.
3. Acto contínuo, os demais elementos desse grupo começaram a desferir-lhe pontapés.
4. Nesse circunstancialismo, um dos indivíduos que integrava esse grupo retirou uma arma de fogo que detinha oculta, ergueu a mão para cima e efectuou um disparo para o ar.
5. Nesse instante, o ofendido RM____  procurou afastar-se do indivíduo que tinha realizado o disparo para o ar e dos outros indivíduos que integravam esse grupo.
6. Nesse instante, o indivíduo que tinha realizado o disparo para o ar avançou na direcção do ofendido RM____  e, a uma distância aproximada de 2 metros, sem que nada o fizesse prever, realizou um disparo em direcção da região abaixo dos joelhos.
7. Todavia, não logrou atingi-lo, por o ofendido RM____  ter saltado.
8. Nesse instante, o arguido JM_____ aproximou-se do ofendido RM____  e, munido de uma arma de fogo, que detinha em seu poder, sem qualquer motivo justificativo, disparou na perna direita deste último.
9. A munição entrou ao nível da face externa da coxa direita do ofendido RM____  (terço inferior) e saiu ao nível da face interna da perna.
10. Pese embora tenha sido atingido pelo mencionado disparo, o ofendido RM____  começou a correr, com o intuito de fugir do local, mas diversos indivíduos desse grupo, cuja identidade não foi possível apurar, foram atrás de si.
11. A dado momento, devido ao ferimento sofrido, acabou por cair ao chão, altura em que esses indivíduos de identidade não apurada lhe desferiram murros e pontapés.
12. Essas agressões só cessaram quando outras pessoas vieram em auxílio do ofendido RM____ , incluindo o dono do mencionado bar.
13. Entretanto, a testemunha ___ foi buscar a sua viatura automóvel e dirigiu-se para o local onde o ofendido RM____  estava caído.
14. De imediato, colocou o ofendido RM____  no interior do veículo automóvel e, de seguida, seguiram para o Hospital de Vila Franca de Xira.
15. O ofendido RM____  foi assistido no Hospital de Vila Franca de Xira, mas, devido à gravidade das lesões sofridas, foi encaminhado para o Hospital de Santa Maria e, deste, para o Hospital de São Francisco Xavier, onde foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, na sequência da qual lhe foi amputada a perna direita do joelho para baixo.
16. Os cuidados de saúde prestados pelo Hospital de Vila Franca de Xira, ao ofendido RM____ , importaram em € 268,58.
17. Por seu turno, os cuidados de saúde prestados pelo Hospital de Santa Maria - Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, EPE importaram em € 112,07.
18. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido JM_____  , o ofendido RM____  sofreu:
 a) fortes dores;
b) extenso hematoma da região gemelar quente;
c) terço inferior da perna e pé frios, sem mobilidade, sem sensibilidade, pulso tibial não palpável;
d) ausência de fluxo arterial abaixo do escavado poplíteo, sem extravasamento de contraste;
e) pulso femoral amplo, sem poplíteo ou distais, pé frio com cianose fixa e deficit motor e sensitivo completos;
f) rigidez da articulação tibiotársica, palpação gemelar pétrea;
g) hematoma do terço médio da face posterior da perna direita ao nível do gémeo interno com 95*90 mm;
h) hematoma com 33*25 mm na proximidade dos vasos poplíteos;
19. Como consequência da conduta do arguido JM_____  , o ofendido RM____  viu ser-lhe amputada a perna direita do joelho para baixo e esteve internado no Hospital de São Francisco Xavier, entre os dias 07-10-2019 e 22-10-2019.
20. Após ter tido alta hospital, o ofendido RM____  necessitou de ser seguido em consultas externas e necessitou de realizar fisioterapia de reabilitação.
21. A consolidação médico-legal das lesões sofridas ocorreu no dia 26-11-2019.
22. As lesões sofridas determinaram para o ofendido RM____  um período de 51 dias de doença, 30 dos quais com a afectação da capacidade de trabalho geral.
23. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido JM_____ , o ofendido RM____ apresenta também cicatriz interoposterior, eucrómica, horizontalizada, com cerca de 15 centímetros de comprimento, e, devido à amputação da perna direita do joelho para baixo, a sua marcha ficou condicionada, claudicando, bem como desloca-se com o recurso a ajudas técnicas (duas canadianas).
24. A actuação do arguido JM_____  , determinou consequências permanentes que afectam de maneira grave e irreversível a possibilidade do ofendido RM____  utilizar o seu corpo e que lhe causaram doença permanente.
25. O arguido JM_____ dirigiu-se ao mencionado bar localizado no Carregado, acompanhado de um grupo de amigos, munido de uma arma de fogo.
26. O arguido JM_____ agiu com o propósito de disparar para a perna do ofendido RM____  e de o atingir no seu corpo, bem sabendo que, devido à distância em que realizou o disparo, lhe podia causar doença grave, o que aconteceu.
27. O arguido JM_____ quis provocar lesões no corpo e na saúde do ofendido RM____ , bem assim pretendeu provocar-lhe doença permanente e afectar-lhe de modo grave a possibilidade de a vítima utilizar o seu corpo.
28. À data dos factos, o arguido JM_____ não era titular de qualquer licença que o habilitasse a transportar, a deter ou a utilizar uma arma de fogo.
29. O arguido JM_____ conhecia as características da arma de fogo que empunhou e com a qual realizou o disparo, assim como que esta podia causar graves lesões na saúde ou até mesmo a morte das pessoas contra as quais fosse utilizada.
30. Não obstante, o arguido JM_____ quis disparar a mencionada arma contra a vítima, ainda que soubesse que o ofendido RM____  nada tinha feito contra si, que estivesse sozinho e que estivesse desarmado.
31. O arguido JM_____ actuou de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punida pela lei penal.
32. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido JM_____  , o ofendido RM____  ficou impossibilitado de realizar diversas actividades com a sua família e com os seus amigos, como jogar futebol, passear e correr.
 33. As actividades que consegue realizar implicam, para si, dificuldades acrescidas.
34. Desde que perdeu a perna, o ofendido RM____  tem sentido angústia, tristeza, inquietude, frustração e nervosismo, ao contrário do que antes acontecia.
35. Tem passado noites sem dormir, devido às dores e à frustração que sente.
36. O arguido JM_____ abandonou a escola após ter concluído o 8° ano, com reprovações no 5° e 6° ano devido a absentismo, posteriormente frequentou um curso de formação profissional de cozinha e de pastelaria, patrocinado pela Associação de Cozinheiros de Portugal, que lhe deu a equivalência ao 9° ano de escolaridade.
37. Mais tarde, frequentou um curso de serralharia civil ministrado pelo Centro de Formação Profissional da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica.
38. Com 22 anos de idade, o arguido JM_____ começou a trabalhar, inicialmente sem vínculos laborais, na área da construção civil.
39. À data da prática dos factos, o arguido JM_____ exercia a actividade profissional de operador de armazém, com contratos renováveis, auferindo, por tal desempenho, o vencimento líquido mensal aproximado de € 650.
40. Integra o agregado familiar de origem com a mãe e dois irmãos.
41. Por decisão proferida no dia 04-01-2013, transitada em julgado no mesmo dia, o arguido JM_____ foi condenado no âmbito do Processo Sumaríssimo n° 195/12.0PALRS do Juízo de Pequena Criminalidade de Loures, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de € 5.
42. Por decisão proferida no dia 21-11-2019, transitada em julgado no dia 14-02-2020, o arguido JM_____ foi condenado no âmbito do Processo Abreviado n.° 668/19.4PSLSB do Juízo de Pequena Criminalidade de Lisboa, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 300 dias de multa, à razão diária de € 7.
Para além dos que ficaram descritos, não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a discussão da causa, designadamente, não se provou que:
--um conhecido do ofendido RM____  estivesse a discutir em tom exaltado com outros indivíduos ou que ele tenha decidido ir junto dele acalmá-lo.
--o ofendido RM____  e o seu amigo B___ se tenham dirigido em direcção do posto de combustível sempre de frente para os indivíduos.
--o arguido JM_____ tenha avançado para o ofendido RM____  quando este se encontrava a meio da estrada.
--o arguido JM_____ e os outros indivíduos que faziam parte integrante do grupo se tenham colocado em fuga, apeada, do local acima mencionado.
--o amigo E____ tenha colocado o ofendido RM____  no veículo automóvel com vista a ser transportado para o Hospital de Vila Franca de Xira.
--o arguido JM_____ se tenha deslocado ao bar munido de uma arma de fogo com o intuito de armar confusão e de amedrontar os locais.
--o arguido JM_____ tenha trazido a arma desde sua casa.
--até ao presente momento, o ofendido RM____  tenha gasto a quantia de € 8 500, com tratamentos, com consultas e com a prótese.
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO  
O presente recurso versa exclusivamente sobre a fixação do montante indemnizatório referente aos danos sofridos pelo assistente RM____ .
O art. 129º do Código Penal determina que a indemnização por perdas e danos, de qualquer natureza, que emergem da prática de um crime é regulada quantitativamente e nos seus pressupostos pela lei civil.
Esta remissão é feita, exclusivamente, para os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, pois só estes são coincidentes com os que justificam a responsabilidade criminal (v., por todos, o Assento nº 7/99 de 17.06.99, publicado no D.R., Série I-A de 03.08.99, hoje com o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência e, no mesmo sentido, os acórdãos do STJ de fixação de jurisprudência nº 3/2002 de 17.01.2002, Proc. 342/2001, DR  Série I-A, nº 54 de 2002-03-05, de fixação de jurisprudência n° 1/2013 de 15.11.2012, DR Série I, nº 4 de 07.01.2013, de fixação de jurisprudência n° 5/2018 de 26 de Setembro de 2018, Diário da República n.º 209/2018, Série I de 30.10.2018, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, 17ª edição – 2009, p. 220, nota 3 e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal III, 2ª ed., pág. 128).
Assim, o direito que o lesado pretenda fazer valer contra o responsável civil, em pedido cível deduzido de harmonia com o princípio da adesão contido no art. 71º do CPP, inscreve-se no domínio da responsabilidade civil extracontratual, pelo que a imposição da obrigação de indemnizar depende da verificação cumulativa dos pressupostos enunciados no art. 483º do C.C. e são os seguintes: facto voluntário do agente, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre esse dano e a conduta do lesante.
O art. 562º do mesmo código prevê que aquele que estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que impõe tal reparação.  
A obrigação de indemnização, consistindo no dever de reparar os prejuízos, reconstruindo a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento danoso, cumpre-se, pois, pela reconstituição natural, sempre que possível, embora não tenha, necessariamente, o sentido de repor com exactidão a situação anterior.
Trata-se, em suma, de reconstruir a situação hipotética em que o lesado se encontraria, se não tivesse sofrido quaisquer danos na sua esfera jurídica.
Em todo o caso, no âmbito da reparação de danos em direito civil, a reconstituição «in natura» tem a primazia (cfr., nesse sentido, por todos, Menezes Leitão, Direito Das Obrigações, Volume I, pág. 377 e 378; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, pág. 715; Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, edição AAFDL 1980, 2.º vol, págs. 399/400).
Só quando não se consegue resolver satisfatoriamente a questão da reparação do dano recorrendo ao princípio da reconstituição «in natura», por esta se mostrar impossível, inadequada ou insuficiente, é que o art. 566º do CC permite, nesses casos e apenas nesses casos, a fixação da indemnização em dinheiro.
Consagrou-se, neste preceito, a teoria da diferença que tem como corolário lógico o princípio da actualidade.
Nestas condições, a indemnização por equivalente será calculada a partir da diferença entre a situação real do património do lesado e aquela em que se encontraria, se não se tivesse verificado o evento gerador dos danos, tomando-se em conta, para esse efeito, a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal.
Num caso ou noutro, a indemnização abrange, quer as lesões nos interesses, bens ou direitos que o lesado efectivamente suportou, em consequência do evento danoso (danos emergentes), quer a frustração das suas expectativas de ganho (lucros cessantes), nos termos do art. 564º do CC.
Na fixação da indemnização, atender-se-á, também aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito - art. 496º nº 1 do citado diploma.
«Danos não patrimoniais – são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização» (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, volume I, p. 571).
O acórdão recorrido, fixou ao assistente, a título de compensação por danos não patrimoniais a quantia de € 60.000,00.
O recorrente colocou o foco da sua divergência na desproporção, por defeito, entre o valor da compensação fixada e a gravidade dos prejuízos que sofreu, em consequência do crime de ofensa à integridade física grave qualificada de que foi vítima e que foi cometido pelo arguido JM_____  .
No apuramento do valor da compensação, o acórdão recorrido deixou consignado o seguinte texto (transcrição parcial):
«Estabelecida a obrigação de indemnizar, importa fixar o seu quantum indemnizatório.
«Os danos não patrimoniais abrangem os prejuízos (como as dores físicas, os desgostos, morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética), que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização (cfr. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 2ª Edição, págs. 480 e ss.).
«Na sua fixação, havendo nele uma reparação, uma atribuição de uma soma pecuniária que se julga adequada a compensar e a reparar danos e sofrimentos, através do proporcionar de um certo número de alegrias e satisfações que os minorem ou os façam esquecer, o montante dessa reparação deve ser calculado em qualquer caso segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica do lesante e do titular da indemnização, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc. (Antunes Varela, ob. cit., pág. 488).
«Assim, no caso sub judice, considerando a inequívoca gravidade das lesões infringidas ao demandante cível RM____  (amputação do membro inferior direito abaixo do joelho), a intervenção cirúrgica a que teve de ser sujeito, o período de internamento hospitalar, o período de doença com incapacidade para o trabalho (51 dias de doença, 30 dos quais com afectação da capacidade de trabalho geral), a impossibilidade permanente de utilizar o corpo de modo pleno, as fortes dores que sentiu, as cicatrizes com que ficou e os naturais incómodos, frustrações, angústias e tristeza causados por esta situação, bem como a situação económica do demandado/arguido JM_____  , nos termos do disposto no n.° 3 do art. 496.° do CC, o tribunal reputa adequada e proporcional a atribuição de uma quantia de € 60 000 (sessenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, decorrentes da prática do crime em referência nestes autos.
«Já quanto a danos patrimoniais deverá falecer a pretensão indemnizatória formulada pelo demandante cível RM____ , com excepção de danos patrimoniais futuros, (v.g. relacionados com a aquisição de uma prótese), na medida em que nada demonstrou a respeito a gastos que tenha tido com tratamentos, com consultas ou com medicamentos.»
Da análise deste excerto impõe-se extrair duas conclusões:
A primeira, de que o Tribunal recorrido não levou em conta o carácter eminentemente sancionatório que a compensação por danos não patrimoniais também deve assumir e que, no caso vertente, face ao modo de execução do crime e às circunstâncias em que foram causadas as lesões, assume particular acuidade e relevância;
A segunda, de que as lesões sofridas pelo assistente não foram valoradas em todas as manifestações em que o dano biológico deve ser atendido, particularmente, como um prejuízo em si mesmo, e, por isso mesmo, esse prejuízo acabou por não ser adequadamente repercutido no cômputo da compensação.
O único requisito de que o art. 496º do Código Civil faz depender a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais é a sua gravidade.
A gravidade do dano não patrimonial é um conceito vago e relativamente indeterminado, que terá de ser preenchido valorativamente, de forma individualizada, caso a caso, de acordo com o concreto acervo factual adquirido.
Em atenção a tal exigência, só serão indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas excluindo-se, tanto quanto possível, a subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado (neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 7.ª edição, p. 600 (e 10.ª edição, p. 606); Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, p. 115; Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 459, Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 2003, volume I, p. 491; Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1980, p. 268).
«Como ponto de partida, a “gravidade” não deve ter a ver com o montante: apenas com a seriedade – ou melhor: a juridicidade – da situação. Na presença de um direito de personalidade, tal “gravidade” tem-se como consubstanciada: a indemnização deve ser arbitrada» (Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo III, Pessoas, Almedina 2004, p. 112).
O montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (artigo 496º nº 4, primeira parte, do Código Civil).
As circunstâncias a que, em qualquer caso, o artigo 496º nº 4, manda atender são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Ao contrário do que sucede com os danos patrimoniais em que impera o princípio da reconstituição natural e, subsidiariamente, o da indemnização por equivalente, como forma de repor a esfera jurídica do lesado, no estado em que estaria, se não fosse a verificação dos danos, quando estes têm natureza não patrimonial, do que se trata é de mitigar o sofrimento provocado, de proporcionar ao lesado determinadas satisfações que contrabalancem as dores e os desgostos causados pela lesão, porque atingem bens como a saúde, o bem-estar, liberdade, beleza, perfeição física, honra, etc., que não integram o seu património.
Daqui resulta a sua natureza essencialmente compensatória.
Mas, a fixação do montante da compensação não prescinde também da ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente causadora dos prejuízos, sendo, de resto, nesta vertente sancionatória que deverá ser atendido o grau de culpa do lesante (Galvão Telles, em Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4.ª edição, 1982, págs. 304 e 305 e nota 1; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, 2006, págs. 604 e 605; Meneses Cordeiro, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, 1997, p. 481. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 12.03.2015, Proc. 1988/05, e acessível in Sumários, Mar./2015, p. 23; de 25.10.2018, proc. 2416/16.1T8BRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt).
No cálculo do montante da compensação, é essencial o recurso a juízos de equidade, conforme dispõe o art. 496º do C.C., em que sejam tidas em conta circunstâncias como a extensão e gravidade dos danos, a idade, sexo, sensibilidade do indemnizando, o sofrimento por ele suportado, a sua situação sócio-económica, a natureza das suas actividades e expectativas ou possibilidades de melhoramento ou de reclassificação ao nível académico ou profissional, o grau de culpa do agente e a situação sócio-económica deste, assim como a todas as outras circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, já que a equidade é justamente o critério reparador adequado a neutralizar, quer o risco de que a quantia da compensação seja de tal modo elevada que redunde no enriquecimento injusto e despropositado do lesado, quer o de que esse quantitativo seja a tal ponto irrisório, que acabe por ser meramente simbólico (Menezes Cordeiro, «A Decisão Segundo a Equidade», in «O Direito», Ano 122º, 1990, II (Abril-Junho), pág. 261 segs. e Carneiro da Frada, «A equidade (ou a justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade», in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pp.140-141).     
Trata-se, em bom rigor, de concretizar e fazer incidir no montante pecuniário da compensação, as «regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida» (Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I Vol., 9 ª ed., Almedina, pág. 628).
Em se tratando de dano biológico, como sucede no caso vertente, independentemente da sua qualificação como dano patrimonial, como dano não patrimonial, como um «tertium genus», ou realidade híbrida que conjuga aspectos da indemnização por danos patrimoniais e da compensação por danos não patrimoniais, do que não há qualquer dúvida, é de que a sua ocorrência envolve, desde logo, a violação de um direito fundamental inerente à personalidade e à dignidade humanas e dotado de protecção constitucional, que é o direito à saúde e à integridade física e psíquica de cada indivíduo, por referência ao índice psicossomático pleno, tal como consagrado nos arts. 25º nº 1 da CRP e no art. 70º nº 1 do Código Civil e susceptível de avaliação médico-legal e pecuniária.
«Parece (…) importante começar por distinguir os problemas da ressarcibilidade do dano biológico e do seu enquadramento ou qualificação jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano moral – ou eventualmente como «tertium genus», como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afectação da saúde e plena integridade física do lesado: é que, qualquer que seja o enquadramento jurídico que, no caso, se entenda reflectir mais adequadamente a natureza das coisas, é indiscutível que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui seguramente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da «teoria da diferença»; ou, não sendo perspectiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, a penosidade acrescida no exercício das tarefas profissionais e do dia a dia constitui seguramente um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito» (Ac. do STJ de 13.07.2017, proc. 3214/11.4TBVIS.C1.S1, in http://www.dgsi.pt).
«O dano biológico, também chamado “corporal” é difícil de enquadrar na classificação dogmática de danos, mas, não obstante, é indemnizável em si, pela violação da integridade física e psíquica do ser humano que o sofre, ficando, a partir de então, limitado no seu todo, pelo que poderá assumir ou um cariz mais patrimonial [enquanto dano patrimonial futuro], quando limitar a capacidade de ganho, ou se configurar apenas na sua vertente não patrimonial por “somente” afectar, como afecta sempre, a integridade do indivíduo» (Ac. do STJ de 18.10.2018, proc. 3643/13.9TBSTB.E1.S1, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 20.01.2010, proc. 203/99.9TBVRL.P1.S1, de 20.05.2010, proc. 103/2002.L1.S1, de 21.03.2013, processo nº 565/10.9TBVL.S1, de 20.11.2014, proc. 5572/05.0TVLSB.L1.S1, de 05.12.2017, proc. 1452/13.4TBAMT.P1.S1, de 14.12.2017, proc. 589/13.4TBFLG.P1.S1, de 23.10.2018, proc. 902/14.7TBVCT.G1.S1, de 20.01.2019, proc. 499/13.5TBVVD.G1.S2, de 17.12.2019, proc. 2224/17.2T8BRG.G1.S1, de 21.04.2022, proc. 96/18.9T8PVZ.P1.S1 in http://www.dgsi.pt, Álvaro Dias, in Dano Corporal. Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Almedina, 2001, pág. 272 e Maria da Graça Trigo – in Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. VI, C. Editora, 2012, p. 653, Luísa Monteiro de Queiroz, Do dano biológico, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 75.º (2015), págs. 183-222, e José Carlos Brandão Proença, A responsabilidade civil extracontratual nos 50 anos de vigência do Código Civil: um olhar à luz do direito contemporâneo, in Elsa Vaz de Sequeira/Fernando Oliveira e Sá (coord.), Edição comemorativa do cinquentenário do Código Civil, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, págs. 313-388 (esp. nas págs. 368-371).
O conceito de dano biológico, como um dano existencial, reflecte, pois, a multiplicidade e a diversidade dos níveis de protecção que a personalidade humana reclama, permitindo compreender «o impacto da lesão que a pessoa sofreu na sua integridade física na sua realidade mais global», que transcende o «nível meramente biológico, o nível daquilo que é passível de uma averiguação ou testificação médica, para nos situarmos no plano dinâmico da vida da pessoa e das suas condições concretas (atingida que foi por uma lesão da saúde)» (Carneiro da Frada, “Nos 40 anos do Código Civil Português – Tutela da Personalidade e Dano Existencial”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 289 e s.).
É, por conseguinte, um verdadeiro «dano primário», na medida em que, enquanto dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (que daquele são consequência), tanto de natureza patrimonial, como de natureza não patrimonial.
Na vertente patrimonial, o dano biológico pode e deve ser analisado na modalidade de danos emergentes, na qual avultam, por exemplo, as perdas salariais, durante o tempo de doença e de incapacidade para o trabalho necessários para a cura ou consolidação das lesões sofridas e, na modalidade de dano patrimonial futuro, que engloba a perda ou diminuição da capacidade de trabalho e a perda ou diminuição da capacidade de ganho, de natureza temporária ou definitiva, que resulta para o ofendido do facto de ter sofrido uma dada lesão, impeditiva da obtenção normal de determinados proventos certos em contrapartida do uso da sua força de trabalho e também não pode deixar de englobar as perdas de oportunidades de inserção laboral que o lesado teria se não fossem as lesões e as sequelas de que tenha ficado portador. Estas perdas da capacidade de trabalho e da capacidade de ganho são sempre caracterizadas como prejuízos patrimoniais, mesmo que delas não resulte efectiva perda de vencimentos.
«O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial» (Ac. do STJ de 20.05.2010, proc. nº 103/2002.L1.S1, in http://www.dgsi.pt).
«A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial» (Ac. do STJ de 27.10.2009, proc. p 560/09.0YFLSB - 1.ª. No mesmo sentido, Ac. do STJ de 20.01.2010, proc. 203/99.9TBVRL.P1.S1, in http://www.dgsi.pt).
«A compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
   Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais».
Assim, «nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal». (Ac. do STJ de 10.10.2012, processo nº 632/2001.G1.S1, in http://www.dgsi.pt).
«A este propósito podem projetar-se em duas vertentes:
 - por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
 - por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual». Ac. do STJ de 02.06.2016, proc. 3987/10.1TBVFR.P1.S1 in http://www.dgsi.pt).
«Havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afectação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efectiva utilidade do seu corpo ao nível de actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo. E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização» (Ac. do STJ de 26.01.2017, proc. 1862/13.7TBGDM.P1.S1, in http://www.dgsi.pt).
«O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis». (Ac. do STJ de 07.12.2017, proc. 1509/13.1TVLSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt).
No entanto, para que sejam ressarcíveis em sede de indemnização por danos patrimoniais futuros, impõe-se que essa diminuição ou essa perda das capacidades de ganho ou de trabalho, impliquem esforços ou penosidade acrescidos para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão, de harmonia com o princípio da ressarcibilidade do dano decorrente da afetação funcional ao nível físico, psíquico ou intelectual (Vaz Serra, in “RLJ, ano 102 – 296”; o prof. A. Varela, in “Obrigações, Almedina, Vol. I, pág. 910, Sinde Monteiro, Estudos sobre a Responsabilidade Civil, página 248; Álvaro Dias, Dano Corporal - Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, págs. 255 a 265).
De outro modo, «não sendo perspectiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, a penosidade acrescida no exercício das tarefas profissionais e do dia a dia constitui seguramente um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito» (Ac. do STJ de 20.05.2010, proc.  103/2002.L1.S1., in http://www.dgsi.pt).
«I - Devendo o dano biológico ser entendido como uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, tal dano existe em qualquer situação de lesão dessa integridade, mesma que sem rebate profissional e sem perda do rendimento do trabalho, já que, havendo uma incapacidade permanente, dela sempre resultará uma afetação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que, de futuro, terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo.
«II - O dano biológico não se pode reduzir aos danos de natureza não patrimonial na medida em que nestes estão apenas em causa prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária e naquele estão também em causa prejuízos de natureza patrimonial provenientes das consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado» (Ac. do STJ de 26.01.2017, proc. 1862/13.7TBGDM.P1.S1. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 13.04.2011, proc. 843/07.4TBETR.C1, de 07.06.2011, proc. 3042/06.9TBPNF.P1.S1, de 20.10.2011, proc. 428/07.5TBFAF.G1-S1, de 21.03.2013, proc. 565/10.9TBPVL.S1, de 02.12.2013, proc. 1110/07.9TVLSB.L1.S1, de 20.11.2014, Proc. 5572/05.0TVLSB.L1.S1, de 03.11.2016, proc. 1971/12.0TBLLE.E1.S1, de  15.09.2016, proc. 1737/04.0TBSXL.L1.S1, de 13.07.2017, proc. n.º 3214/11.4TBVIS.C1.S1., de 19.04.2018, Proc. 196/11.6TCGMR.G2.S2, de 25.10.2018, proc. 2416/16.1T8BRG.G1.S1, de 20.01.2019, proc. 499/13.5TBVVD.G1.S2, de 28.03.2019, Proc. 1120/12.4TBPTL.G1.S1, de 1.10.2019, Proc. 89/14.5TBLRA.C2.S1 e de 23.04.2020, proc. 1456/16.5T8VCT.G1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Na vertente não patrimonial, o dano biológico importa a consideração do quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, o «dano estético», traduzido no prejuízo anatómico e funcional, associado às deformações e aleijões que permaneceram após o processo de tratamento e recuperação da vítima, o «prejuízo de afirmação social», dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado nas suas múltiplas vertentes, familiar, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica, o «prejuízo da saúde geral e da longevidade», aqui avultando o dano da dor e o défice de bem-estar e de qualidade de vida em geral, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e a eventual diminuição da sua expectativa de vida, o impacto das lesões e respectivas sequelas na qualidade de vida, na saúde, no equilíbrio psicológico e no bem estar emocional do lesado, a sua capacidade existencial de lidar com o seu quadro clínico resultante dessas lesões, para além de outros especificidades emergentes das circunstâncias concretas de cada caso (cfr. neste sentido, Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, 2005, p. 42; Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro de 1992, nº 1, p. 19; Sousa Dinis, «Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJ, Acs. do STJ, Tomo I, 2001, p. 7).
É importante distinguir, no âmbito dos danos não patrimoniais, mas é igualmente importante incluir no cômputo da compensação todas as «diversas vertentes, parâmetros ou modos de expressão, entre eles avultando, pelo seu significado ou relevância, o quantum doloris — que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária —, o ‘dano estético’ — que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima —, o ‘prejuízo de afirmação social’ — dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural e cívica) —, o ‘prejuízo da saúde geral e da longevidade’ – aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e corte na expectativa da vida – e, por fim, o ‘pretium juventutis’ – que realça a especificidade da frustração do viver a vida em plenitude, dispondo e usufruindo de todas as possibilidades que o índice psicossomático 100 é apto a providenciar, tanto ao nível de actividades desportivas, de lazer e culturais como em termos de percurso académico e de inserção no mercado de trabalho, no âmbito do estabelecimento de relações de amizade, de relacionamentos afectivos, em suma, de inserção social.
«A conceptualização do dano não patrimonial, a partir da concreta situação em que se encontra a pessoa lesada, conduz ao reconhecimento de várias subcategorias consoante o aspecto da vida ou da personalidade que ficou afectado: o dano existencial (afecta toda a vida relacional da pessoa lesada com a sua família e a esfera intima da pessoa); o dano estético (afecta o aspecto físico e a beleza corporal, envolvendo a avaliação personalizada da imagem em relação a própria pessoa e perante os outros); o dano biológico (traduz-se na diminuição psicossomática da pessoa, compreendendo factores susceptíveis de afectar as actividades laborais, recreativas, sociais, a vida sexual e sentimental, assumindo um caracter dinâmico, na medida em que tende a agravar-se com o avançar da idade da pessoa lesada, produzindo consequências na mensuração do dano não patrimonial e/ou dano patrimonial); o dano de perda de autonomia (afecta a liberdade de iniciativa, a auto-realização e a auto-estima); o dano da perda da alegria de viver (que altera a forma como a pessoa vê e sente o mundo no seu quotidiano); o dano da afirmação pessoal (que altera a forma como a pessoa se insere no mundo e se sente a si mesma perante os outros); o dano da incapacidade laboral (que, para além da perda de rendimentos, enquanto dano patrimonial futuro, retira à pessoa a sensação de utilidade e de produtividade, acarretando a perda de auto-estima e do sentido da vida; o dano da perda de esperança de vida ou de diminuição da longevidade; o dano da perda de possibilidade de gozar os anos da juventude» (Ac. do STJ de 12.03.2015, proc. 1988/05, in Sumários, Mar./2015, p. 23. No mesmo sentido, Cfr. ainda Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2011, proc. 2169/08.7TBVCT.G1.S1, de 11.12.2012, Proc. 857/09.0TJVNF.P1.S1, de 21.01.2016, proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1, de 26.01.2017, Proc. 662/15.4T8VRL.G1.S1, de 27.04.2017, proc. 1343/13.9TJVNF.G1.S1, de 18.09.2018, proc. 181/12.0TBPTG.E1.S1, de 25.10.2018, proc. 2416/16.1T8BRG.G1.S1, de 28.03.2019, proc. 1589/13.0TVLSB.L1.S1., de 20.11.2019, proc. 107/17.5T8MMV.C1.S1, de 29.10.2020, proc. 2631/17.0T8LRA.C1.S1, de 16.12.2020, proc. 6295/15.8T8SNT.L1.S1, de 12.11.2020, proc. 317/12.1TBCPV.P1.S1, de 12.01.2021, proc. 1307/14.5T8PDL.L1.S1, de 26.05.2021, proc. 763/17.4T8GRD.C1.S1, de 30.06.2021, proc. 3133/08.1TBVCT.G1.S1, in http://www.dgsi.pt).
A compensação pelo dano biológico, quando avaliado na vertente não patrimonial deve, pois, à semelhança de qualquer compensação por danos não patrimoniais, possibilitar ao lesado uma quantia monetária que, de algum modo, lhe amenize as dores, angústias, perda de qualidade de vida e de bem estar psicológico e emocional, através de algumas alegrias e prazeres, materializando-se numa contrapartida monetária justa que contrabalance o mal sofrido, no limite do possível.
Por isso, não pode assumir feição meramente simbólica, muito menos, miserabilista.
Pelo contrário.
A quantia em que se traduzir, deve exprimir com adequação, suficiência e proporcionalidade, o respeito que em concreto é devido às vítimas e ao seu sofrimento e deve traduzir a importância dos valores e direitos colocados em crise pelo comportamento ilícito, culposo e gerador dos danos, em estreita conexão com o princípio axiológico da dignidade da pessoa humana, anunciado como tal, no art. 1º da Constituição da República Portuguesa, do qual o direito à saúde e à integridade física e mental é decorrência, como direito fundamental e como direito de personalidade.
Precisamente porque a compensação a arbitrar não corresponde a um cálculo preciso, de valor determinado, como sucede, por exemplo, com a reconstituição natural, em matéria de danos patrimoniais, pois que, nesta sede, os bens jurídicos a proteger e os prejuízos a ressarcir são insusceptíveis de quantificação exacta, logo, de avaliação pecuniária, é imperioso o recurso a juízos de equidade na valoração do dano biológico, quando o que está em causa é a sua vertente não patrimonial.
Não obstante a importância fulcral das circunstâncias concretas de cada caso, na quantificação dos danos não patrimoniais, os princípios da proporcionalidade, da igualdade (e/ou de justiça relativa) e da segurança jurídica na aplicação do direito que inspiram toda a ordem jurídica não podem tolerar a arbitrariedade ou a aleatoriedade na quantificação dos danos não patrimoniais, nem decerto, juízos meramente intuitivos, ou convicções pessoais discricionárias do julgador que não sejam objectiváveis em critérios de bom senso e razoabilidade.
Por isso, o peso das circunstâncias concretas do caso inerente aos juízos de equidade terá de ser devidamente balanceado com os critérios jurisprudenciais usados na fixação judicial das indemnizações em casos semelhantes.
Apesar das menores preocupações sistemáticas e do predomínio de um certo empirismo e intuição, «o recurso à analogia na equidade mostra, portanto, a suscetibilidade de generalização do critério de decisão que também possui a sentença de equidade» (Carneiro da Frada, A equidade (ou a justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pp.140-141).
«Os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição» (Ac. do STJ de 31.01.2013, proc. 875/05.7TBILH.C1.S1. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 21.01.2016, proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1, de 11.04.2019, proc. 5686/15.9T8VIS.C1.S1 de 16.12.2020, proc. 6295/15.8T8SNT.L1.S1, de 14.01.2021, proc. 644/12.8TBCTX.L1.S1, de 26.01.2021 proc. 688/18.6T8PVZ.P1.S1, de 10.02.2022, proc. 12213/15.6T8LSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt).
«A decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Uma solução individualizadora que assuma todas as circunstâncias do caso concreto não pode encontrar-se sem a comparação de hipóteses» (Ac. do STJ de 12.02.2021, proc. 1307/14.5T8PDL.L1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Esta exigência está, de resto, expressamente consagrada no art. 8º nº 3, do CC ao prever que, «nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».
Feita esta resenha acerca dos critérios gerais em matéria de valorização do dano biológico, especialmente, na vertente não patrimonial que é a que está em apreciação no presente recurso, afigura-se totalmente irrisória a quantia de € 60.000,00 para ressarcir os danos sofridos pelo assistente, quando comparada com as circunstâncias gravíssimas e muitíssimo censuráveis em que as lesões lhe foram provocadas, com a natureza e extensão das lesões sofridas e respectivas sequelas e com os critérios de valoração e com os padrões que vêm sendo adoptados em situações análogas ou equiparáveis, na jurisprudência mais actual.
Percorrendo o iter cronológico sequencial dos factos descritos em 1. a 12. da matéria de facto provada é notória a extrema brutalidade, violência e crueldade usadas, quer pelo arguido, quer pelos outros indivíduos que o acompanhavam, na forma como agrediram e dispararam sobre o corpo do assistente e o atingiram.
Concretamente, quando o assistente pretendia afastar-se do grupo de pessoas que o estava a agredir e mesmo depois de outro indivíduo já ter disparado sem sucesso, na direcção das pernas do assistente, o arguido efectuou um segundo disparo, sem qualquer motivo, quando RM____  se encontrava sozinho e sem qualquer possibilidade de reacção ou defesa, em desvantagem numérica e a ser maltratado no seu corpo e saúde, sem que haja notícia de que o assistente tenha tido seja que tipo de interacção com o arguido, pois que, segundo o que consta da motivação da decisão de facto, o arguido e o assistente nem sequer se conheciam.
Este conjunto de circunstâncias revela características muito desvaliosas, na personalidade do arguido, a começar pelo total desrespeito pela vida humana, pelo grande à vontade e naturalidade com que usa de violência e armas de fogo contra os seus concidadãos, por razão nenhuma e sem qualquer contexto (de resto, só a circunstância de alguém que sai à noite, supostamente, para se divertir e conviver com amigos, se fazer acompanhar na sua posse de uma arma de fogo, é já bem sintomática de uma predisposição para a violência).
O modo como o arguido executou o crime de ofensa à integridade física grave qualificada na pessoa do assistente, é também ilustrativa de uma grande dose de cobardia, de tão evidente a desproporção e o desequilíbrio de posições entre uma pessoa que como o assistente, apenas tenta escapar de agressões físicas que lhe estão a ser infligidas por um conjunto de indivíduos e foge ou se afasta pacificamente da presença dessas pessoas e uma outra que, como o arguido, sem qualquer razão, apenas porque lhe ocorre efectuar disparos com armas de fogo na direcção do corpo de outrem, disparando como se estivesse a praticar tiro ao alvo, vem a atingir o assistente pela forma como o arguido o fez, descrita nos factos provados 1 a 12.
 O grau de ilicitude, de violação dos deveres impostos e a intensidade do dolo e as razões de prevenção geral e especial são muitos acentuados e, além de terem justificado a imposição de uma pena de prisão necessariamente mais consentânea com a censurabilidade e a gravidade dos factos e do seu desfecho para a vítima, se o tribunal recorrido assim tivesse entendido, ou se o competente recurso da medida da pena tivesse sido interposto, não podem deixar de ser agora considerados em toda a sua real dimensão, na componente sancionatória da compensação por danos não patrimoniais, o que só por si, já deveria ter determinado a fixação da compensação, no presente processo, num valor muito superior àquele que veio a ser arbitrado, na decisão recorrida.
Mas como o recorrente invocou e muito bem, no seu recurso, o montante de 60,000,00 que lhe foi fixado para ressarcir os prejuízos que sofreu também não é minimamente ajustado à gravidade das lesões e sequelas que sofreu, sofre e sofrerá de forma irreversível e para o resto da sua ainda jovem vida.
Neste conspecto, cumpre dizer, antes de mais, que a decisão recorrida não considerou um facto importantíssimo que havia sido alegado no artigo 2º pedido cível – o de que o assistente nasceu em 24 de Dezembro de 1997.
Com efeito, nem no elenco dos factos provados, nem no dos não provados se vislumbra no texto do acórdão qualquer menção a este facto.
O art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal, estabelece a possibilidade de o recurso se fundamentar na insuficiência da matéria de facto provada para a decisão; na contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, ou no erro notório na apreciação da prova, «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito».
Trata-se de vícios estruturais cuja apreciação não envolve nem pode envolver qualquer sindicância à prova produzida, no Tribunal de primeira instância, porque só o texto da decisão recorrida os pode evidenciar. Referem-se apenas à forma como a decisão se encontra redigida, pelo que a indagação da sua existência faz-se, exclusivamente, a partir da análise do respectivo texto, na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, ainda que constem do processo, com excepção das regras de experiência comum.
Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Vícios da decisão, não do julgamento (Maria João Antunes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).
A insuficiência da matéria de facto para a decisão, verifica-se sempre que a conclusão extravase as premissas, em virtude de a matéria de facto provada e não provada ser insuficiente para fundamentar decisão, segundo as diversas soluções de direito potencialmente aplicáveis e de essa insuficiência ser resultante da inobservância dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, ou seja, quando após o julgamento e por não se encontrarem esgotadas todas as possibilidades de investigação dos factos relevantes para a decisão final, persista uma incerteza sobre se os factos que resultaram exarados no texto da decisão preenchem ou não a descrição típica de um crime, ou de uma circunstância modificativa agravante ou atenuante, de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, de circunstâncias relevantes para a escolha e determinação concreta da pena, ou antes, se alicerçam um estado de dúvida gerador de uma absolvição, por aplicação do princípio in dubio pro reo (que assenta na insuficiência da prova produzida, mas não da actividade de investigação e recolha dessa prova, pois que pressupõe a plena observância do princípio da descoberta da verdade material quanto aos factos que integram o objecto do processo, logo, a realização de todas as diligências probatórias pertinentes e admissíveis).
«Ao tribunal compete efectivamente realizar todas as diligências de prova que tiver por necessárias para o apuramento da verdade dos factos constantes da acusação, ao abrigo do disposto no citado art.º 340º, afigurando-se relevante desde logo neste caso a audição do arguido para habilitar o julgador a uma decisão justa, cuja presença havia sido dispensada no início da audiência, por se considerar não ser a sua presença desde o início imprescindível para a descoberta da verdade (art.º 333º, nº 1, do CPP).
«O Tribunal a quo ao assim não ter procedido violou o princípio de investigação oficiosa no processo penal, nos termos do citado art. 340º, incorrendo assim a sentença no vício previsto no art. 410º, nº 2, al. a), do CPP- de  insuficiência para a decisão da matéria de facto provada- tendo o Tribunal partido erradamente para a integração dos factos imputados ao arguido num outro tipo legal de crime, sem antes realizar todas as diligências tidas por necessárias para o apuramento da verdade dos factos constantes da acusação.» (Ac. da Relação de Lisboa de 15.07.2020, processo 189/17.0PAAMD.L1-3. No mesmo sentido, Acs. da Relação de Lisboa de 20.02.2021, processo 18/17.4PESXL.L1.-3 e de 03.03.2021, processo 257/18.0GCMTJ.L1-3, todos, in http://www.dgsi.pt).
É certo que o nascimento se demonstra através da respectiva certidão do assento de nascimento que, sendo o documento autêntico que comprova o nascimento e a idade de qualquer pessoa, envolve, por regra, a proibição de demonstração por outros meios probatórios, nos termos dos arts. 393º e 394º do CC e 607º nº 5 do CPC, este último, ex vi do art. 4º do CPP.
Mas não sendo a data de nascimento do assistente a questão a decidir, nem sendo facto determinante para a mesma, apenas constituindo um dos factores ou índices a considerar, no juízo de equidade pertinente à quantificação monetária dos danos não patrimoniais e estando expressamente exarado em outros documentos com força probatória especial, como é o caso do relatório de perícia médico-legal de avaliação do dano corporal junto ao processo em 30 de Novembro de 2020, bem como em outros documentos (v.g. ofícios como o de 10.07.2020, com a referência Citius 145245113, e os boletins clínicos referentes à assistência hospitalar prestada ao assistente juntos em 7 de Agosto de 2020, dos quais consta expressamente que o assistente nasceu em 24 de Dezembro de 1997), nada obsta a que possa extrair-se tal facto desse relatório pericial e desses documentos.
E não tendo sido impugnado, nem havendo razões para considerar duvidosa ou incerta a data de nascimento do assistente, tal como alegada no art. 2º do pedido cível e considerando, por fim, o preceituado nos arts. 410º, 426º e 431º al. a) do CPP, porque se trata de vício facilmente superável, mediante o simples aditamento da data de nascimento do assistente à matéria de facto provada, não será caso de anulação do acórdão recorrido, com fundamento no referido vício decisório.
Assim e em suma, será aditado à matéria de facto, o seguinte:
O assistente RM____  nasceu em 24 de Dezembro de 1997.
Feito este ponto de ordem, cumpre prosseguir na análise dos danos sofridos e na apresentação das razões pelas quais, como acima se afirmou, a compensação de € 60.000,00 é desajustada à gravidade dos prejuízos sofridos por RM____ .    
Tal como resulta dos factos descritos em 8 e 9, o arguido JM_____ aproximou-se do ofendido RM____  e, munido de uma arma de fogo, que detinha em seu poder, sem qualquer motivo justificativo, disparou na perna direita deste último, tendo a munição entrado ao nível da face externa da coxa direita do ofendido RM____  (terço inferior) e saiu ao nível da face interna da perna.
Apurou-se também que o ofendido RM____  foi assistido no Hospital de Vila Franca de Xira, mas, devido à gravidade das lesões sofridas, foi encaminhado para o Hospital de Santa Maria e, deste, para o Hospital de São Francisco Xavier, onde foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, na sequência da qual lhe foi amputada a perna direita do joelho para baixo e que como consequência directa e necessária da conduta do arguido JM_____ , o ofendido RM____  sofreu:
a) fortes dores;
b) extenso hematoma da região gemelar quente;
c) terço inferior da perna e pé frios, sem mobilidade, sem sensibilidade, pulso tibial não palpável;
d) ausência de fluxo arterial abaixo do escavado poplíteo, sem extravasamento de contraste;
e) pulso femoral amplo, sem poplíteo ou distais, pé frio com cianose fixa e deficit motor e sensitivo completos;
f) rigidez da articulação tibiotársica, palpação gemelar pétrea;
g) hematoma do terço médio da face posterior da perna direita ao nível do gémeo interno com 95*90 mm;
h) hematoma com 33*25 mm na proximidade dos vasos poplíteos.
Como consequência da conduta do arguido JM_____  , o ofendido RM____  viu ser-lhe amputada a perna direita do joelho para baixo e esteve internado no Hospital de São Francisco Xavier, entre os dias 07-10-2019 e 22-10-2019.
Após ter tido alta hospital, o ofendido RM____  necessitou de ser seguido em consultas externas e necessitou de realizar fisioterapia de reabilitação.
A consolidação médico-legal das lesões sofridas ocorreu no dia 26-11-2019.
As lesões sofridas determinaram para o ofendido RM____  um período de 51 dias de doença, 30 dos quais com a afectação da capacidade de trabalho geral.
Como consequência directa e necessária da conduta do arguido JM_____, o ofendido RM____ apresenta também cicatriz interoposterior, eucrómica, horizontalizada, com cerca de 15 centímetros de comprimento, e, devido à amputação da perna direita do joelho para baixo, a sua marcha ficou condicionada, claudicando, bem como desloca-se com o recurso a ajudas técnicas (duas canadianas).
Mais se provou que a actuação do arguido JM_____  , determinou consequências permanentes que afectam de maneira grave e irreversível a possibilidade do ofendido RM____  utilizar o seu corpo e que lhe causaram doença permanente e que foi em resultado do crime de ofensa à integridade física grave qualificada, cometido pelo arguido JM_____  , que o ofendido RM____  ficou impossibilitado de realizar diversas actividades com a sua família e com os seus amigos, como jogar futebol, passear e correr e que as actividades que consegue realizar implicam, para si, dificuldades acrescidas.
Desde que perdeu a perna, o ofendido RM____  tem sentido angústia, tristeza, inquietude, frustração e nervosismo, ao contrário do que antes acontecia.
Tem passado noites sem dormir, devido às dores e à frustração que sente.
Considerando a data dos factos, a idade do assistente e esta matéria de facto, não é difícil perceber e aceitar que sendo um jovem com apenas 21 anos de idade, só a amputação da metade da perna direita teve, tem e terá um impacto fortíssimo no bem estar psicológico e emocional deste jovem, para além das dores físicas.
A esperança média de vida em Portugal é, actualmente, de 80,7 anos, sendo de 77,7 anos para os homens e de 83,4 anos para as mulheres (https://www.pordata.pt/Portugal/Esperan%C3%A7a+de+vida+%C3%A0+nascen%C3%A7a+total+e+por+sexo+(base+tri%C3%A9nio+a+partir+de+2001)-418
O crime de que resultaram as lesões e subsequentes prejuízos sofridos pelo assistente foi cometido há cerca de três anos e sete meses.
O assistente tinha apenas 21 anos de idade, quando os factos geradores do seu actual estado de saúde se verificaram.
Este dado estatístico mencionado a título meramente indicativo, com um dos factores a ponderar, na fixação da compensação, conjugado com a inexistente expectativa de alguma melhoria do estado de saúde do assistente, pelo contrário, com a previsão do seu agravamento, fixa, no mínimo, em mais cerca de sessenta anos, o período de sofrimento físico e emocional, de desgosto, de afirmação pessoal que terá de suportar.
A tendência natural com a idade, será o aumento das queixas de dor, bem assim uma crescente limitação da capacidade de locomoção, ou pelo menos, maior penosidade no desempenho de tarefas básicas e indiferenciadas da vida quotidiana, como sejam, simplesmente, caminhar ou tomar um banho sozinho.
A amputação parcial da perna que teve de suportar irá entre muitos outros prejuízos, impedi-lo de desempenhar sozinho e com a utilização apenas do seu próprio corpo, actividades tão básicas, essenciais à vida humana quotidiana e comuns à generalidade dos cidadãos, como caminhar, tomar um banho, ou permanecer de pé por determinados períodos de tempo e, consequentemente, redundarão num sem número de limitações e constrangimentos, a começar pela impossibilidade de praticar qualquer tipo de desporto (a não ser adaptado), ou de ter algum tipo de função laboral que envolva esforços físicos mínimos, ou permanecer de pé.
Sopesados estes factores, mostra-se adequado e proporcional à gravidade das lesões e respectivas sequelas e ao impacto que as mesmas irão ter, garantidamente, na saúde física e mental do lesado, no enorme prejuízo de afirmação pessoal que representa para um jovem de 21 anos ver-lhe amputada a perna direita, até à zona do joelho e todo sofrimento psicológico e emocional que terá de vivenciar durante décadas e por toda a sua vida em virtude das enormes limitações na sua vida pessoal e profissional e ao nível da sua inserção e convívio sociais, actividades desportivas e lúdicas que a privação de parte substancial da perna direita necessariamente lhe sobrevieram e sobrevirão durante a sua existência, fixar a compensação no montante peticionado de € 300.000,00.
Fazendo ainda apelo aos critérios jurisprudenciais em matéria de valoração e quantificação pecuniária do dano biológico, nos seus diversos subtipos que integram a componente não patrimonial, várias decisões do STJ têm fixado compensações de € 60.000,00, como é o caso, por exemplo, dos Acs. do STJ de 21.01./2016, proc.  1021/11.3TBABT.E1.S1, de 28.01.2016, proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, de 7.04.2016, proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1, de 25.05.2017, proc. 868/10.2TBALR.E1.S1, de  12.07.2018 Col. Jur., ASTJ, Tomo II, p. 183, de 10.12.2019, proc. 32714.1TBMTR.G1.S1, de 5.02.2020, proc. 10529/17, de 29.10.2020, proc.  2631/17.0T8LRA.C1.S1, de 14.01.2021, proc. 644/12.8TBCTX.L1.S1 de 12.01.2021, proc. 1307/14.5T8PDL.L1.S1 de 10.02.2022, proc. 12213/15.6T8LSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt.
Não obstante a gravidade das lesões determinantes da fixação da compensação por danos não patrimoniais e do seu impacto ao nível do prejuízo estético, quantum doloris, prejuízo de afirmação pessoal e impacto no equilíbrio emocional dos lesados, com afectação permanente e degenerativa das suas faculdades de locomoção, com marcha claudicante, encurtamento dos membros inferiores, a verdade é que em nenhuma delas se vislumbra que algum dos lesados tenha ficado privado de uma parte importantíssima do seu corpo como é uma perna, do mesmo modo que em todas essas situações, os prejuízos foram causados em contexto de acidente de viação, logo de forma meramente negligente e não com o acentuadíssimo grau de culpa, com que o arguido nestes autos, agrediu de forma totalmente fútil, brutal e gratuita o assistente.
A única semelhança que se encontra entre o estado físico actual do assistente e os lesados naqueles acórdãos são as dificuldades e limitações substanciais na capacidade de locomoção, mas o que é facto é que sempre será substancialmente mais grave, mais limitativo e gerador de sofrimento físico e psicológico ficar amputado do que ficar com marcha claudicante, ainda que com encurtamento dos membros, mas, apesar de tudo, sem qualquer privação de uma parte do corpo tão fundamental, como são os membros inferiores.
 Em todo o caso, não pode deixar de se referir que já em 2008, portanto há cerca de catorze anos, o Supremo Tribunal de Justiça fixou uma compensação por danos não patrimoniais de € 250.000,00 a uma jovem de 17 anos que em resultado de um atropelamento de que foi vítima, sofreu, as seguintes lesões e consequências:
«Encurtamento dos membros inferiores com um processo de cura incompleto e imperfeito verificado ao nível dos membros inferiores; lesões e sequelas funcionais consequência das lesões anatómicas limitaram a ofendida à mecânica articular dos membros inferiores afectando-lhe de forma violenta o seu estado psíquico, lesões e sequelas estéticas nomeadamente cicatrizes; assimetrias, coxeadura no membro inferior direito; afectação da beleza e da auto-estima, com o dano estético de 6 numa escala de 7; tristeza, depressão, desespero, apatia, isolamento, lesões extra-corpóreas, com repercussão na sua auto-estima, a alegria de viver e não consegue ainda hoje reconstruir a sua imagem, abandono da formação académica, a interrupção da sua relação com o namorado, nos tratamentos médicos das lesões sofridas e na necessidade de ajuda de terceiros, com incapacidade total e imparcial e I.P.P. de 45%, com 5% de dano futuro 5%; Dezenas de cirurgias e dezenas de anestesias gerais; As lesões só se consolidaram médico-legal das lesões em 26/01/06, mais de 5 anos passados sobre a data do acidente, sabendo que ainda terá necessariamente de ser reoperada; internamentos sucessivos nesse período; quantum doloris de grau 6. Deixou de poder descer e subir escadas sozinha, deixou de poder tomar banho sozinha tendo inicialmente de abdicar de tabus educacionais pois era o pai que a pegava ao colo para a por na sanita, era o pai que a segurava para a mãe lhe dar banho; Na vida afectiva e social a BB perdeu o relacionamento com o seu grupo de amigos, deixou de poder frequentar a praia, deixou de poder sair de casa, de ir a discoteca, pois para tudo necessitava da ajuda de terceiros e por vezes de cadeira de rodas ou de canadianas. No presente a BB lida com ansiedade e depressão clínica ou seja, de forma muito emocionada com a auto imagem, dadas as mazelas que são evidentes nos membros inferiores. Nomeadamente, a perna direita da BB tem de usar umas sapatilhas especiais, não podendo usar chinelos, sandálias da moda ou uns sapatos mais senhoris, objectos tão apetecíveis em jovens da sua idade.
«A BB suporta um luto no seu corpo, dado que se apresenta com sinais menos atractivos do ponto de vista estético, para além das alterações graves ao nível da marcha e da necessidade que, no presente tem apoio externo bilateral.
«A BB sofreu graves perdas de cabelo, necessitando de acompanhamento dermatológico, sofreu e sofre no ritmo e qualidade do sono, não tem auto-estima e não consegue reconstruir a sua auto imagem, sentindo por via disso um enorme vazio por esta perda irreparável, uma profunda tristeza e desgosto, levando-a a um estado de grande apatia e isolamento.
«Na sequência do supra aludido acidente resultaram para a BB lesões e sequelas anatómicas que lhe afectaram tecidos, encurtamento de membros inferiores com um processo de cura incompleto e imperfeito verificado ao nível dos membros inferiores, afectando a sua anatomia.
«Resultaram lesões e sequelas funcionais consequências das lesões anatómicas, que limitaram na ofendida a mecânica articular dos membros inferiores e bacia e que lhe afectaram de forma violenta a sua esfera de vida psíquica.
«Resultaram lesões e sequelas estéticas nomeadamente, cicatrizes, assimetrias, coxeadura no membro inferior direito, lesões de tal forma graves que lhe afectaram a beleza e auto estima.
«Resultaram lesões ou sequelas de âmbito moral, na medida em que as lesões corporais se repercutiram na esfera psíquica da ofendida BB, infligindo-lhe uma dor moral que se manifestou na tristeza, na depressão, no desespero, na apatia e no isolamento.
«Resultaram lesões ou sequelas extra-corpóreas, na medida em que existem inúmeros danos materiais que transcendem o próprio corpo da ofendida BB e se repercutiram sobre o abandono da formação académica, a interrupção da sua relação com o namorado, nos tratamentos médicos das lesões sofridas e na necessidade de terceira pessoa para ajuda nas tarefas mais elementares da sua vida diária». (Ac. do STJ de 29.10.2008, proc. 08P3380, in http://www.dgsi.pt).
Em 2013, o STJ fixou € 150.000,00 a compensação pelo impacto da amputação pelo terço proximal do fémur a um lesado com 58 anos de idade, que em resultado de um acidente de viação, teve de ser sujeito a tal amputação com «gravíssimas sequelas, quer ao nível da capacidade de movimentação e autonomia, quer ao nível psíquico, consubstanciadas em depressão pós amputação;  afetação relevante e irremediável do futuro padrão de vida de sinistrado com 58 anos de idade e qualidade de vida, até então, perfeitamente satisfatória, associada, desde logo, ao grau de incapacidade fixado (IPG fixada em 50%, suscetível de, no futuro alcançar mais 3 pontos), com repercussões concretas extremamente gravosas ao nível da vida pessoal do lesado, já que tais sequelas, além de serem totalmente impeditivas do exercício de qualquer actividade profissional compatível com as aptidões do lesado, inviabilizam plenamente qualquer autonomia pessoal, carecendo consequentemente de ajuda permanente de terceiros para realização das actividades domésticas e de higiene pessoal; para além do dano estético e funcional decorrente da amputação, suportou a lesada internamentos e tratamentos médico-cirúrgicos muito prolongados, com imobilização do doente e envolvendo dores e sofrimentos intensos (quantum doloris em grau 6, numa escala de 7)» (Ac. do STJ de 12.12.2013, citado no Ac. do STJ de 09.01.2018, proc. 275/13.5TBTVR.E1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Em 2018, o STJ fixou uma compensação por dano biológico na vertente não patrimonial de € 125.000,00 a um lesado de 41 anos a quem, também em resultado de um  acidente de viação, foi amputada parte de uma perna, tendo o lesado sofrido, para além da amputação do membro e da respetiva intervenção cirúrgica, uma outra intervenção cirúrgica, internamento hospitalar, dano estético permanente de grau 6 (numa escala de 7), quantum doloris de grau 6 (numa escala de 7), e vários outros danos somáticos e psíquicos, nomeadamente stress pós-traumático crónico e quadro depressivo, inclusivamente com ideação suicida (Ac. do STJ de 09.01.2018, proc. 275/13.5TBTVR.E1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Mais recentemente, em 2022, o STJ valorou em € 500.000,00 os danos não patrimoniais emergentes de dano biológico, igualmente resultante de acidente de viação, a um homem de 26 anos que ficou a sofrer de tretraparesia que conduz a uma plegia abaixo da C6, com mobilidade dos membros superiores, sendo pessoa fisicamente bem constituída e saudável, praticando regularmente musculação no ginásio, mas que,  devido às referidas sequelas de que ficou a padecer, passou a deslocar-se em cadeira de rodas, ficando ainda a padecer de bexiga neurogénica, com necessidade esvaziamento de urina, de 4 em 4 horas, utilizando cateteres urinários estéreis lubrificados com saco acoplado e perdas de urina, o que lhe provoca reiteradas infeções urinárias.
Devido a tais sequelas, o autor passou a necessitar de ajuda de terceira, pessoa para as actividades da vida diária, durante, pelo menos, 4 (quatro) horas por dia, pois que não se consegue lavar na metade inferior do corpo, nomeadamente na zona do períneo e na parte de baixo das pernas, sem ajuda de terceira pessoa, nem conseguindo ainda abotoar-se, calçar as meias ou sapatos sem esse apoio, bem como preparar as suas refeições, cortar os alimentos e fazer a lide doméstica; com dificuldades de ereção, o que se repercute negativamente na sua atividade sexual fixável num grau 5, numa escala crescente de 1 a 7; com um dano estético no seu corpo fixável num grau 6, numa escala crescente de 1 a 7; devido a tal quadro clínico em que ficou, em termos de sequelas, o A. sentiu-se frustrado nas suas expectativas futuras, nomeadamente ao nível social, laboral, sexual e de constituição de família e de entretenimento físico, sentindo-se profundamente desgostoso com a sua situação, o que lhe despoletou, pelo menos, uma crise de ansiedade, bem como estados de tristeza, apreensão, raiva, vergonha e medo no seu dia a dia e quanto ao seu futuro e em consequência das lesões sofridas com o acidente e dos subsequentes tratamentos, sofreu dores de grau 7, numa escala crescente de 1 a 7 (Ac. do STJ de 21.06.2022, proc. 1633/18.4T8GMR.G1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Considerando a importância dos danos biológicos sofridos pelo assistente, nestes autos, o impacto dos mesmos, em termos de quantum doloris, dano estético, prejuízo de afirmação pessoal e degradação progressiva do seu estado de saúde física e mental, com o passar do tempo e o acumular da angústia e da frustração por se ver dependente de próteses e/ou canadianas, assim como a circunstância mais do que certa de ficar dependente para o resto da sua vida, de terceiras pessoas que o ajudem nas tarefas mais básicas e indiferenciadas da vida de todos os dias, por efeito das regras de experiência comum e dos conhecimentos básicos e de cultura geral em medicina, considerando a expectativa de longevidade do assistente, face à sua jovem idade e à esperança média de vida em Portugal para a população masculina, estas circunstâncias concretas guardam grande similitude com o estado clínico e psíquico, danos estético e de perda de qualidade de vida que determinaram a fixação da compensação por danos não patrimoniais, respectivamente em € 250.000,00 e € 500.000,00, nos referidos Acs. do STJ de 29.10.2008 e de 21.06.2022 e muito pouca proximidade com aquelas outras em que a compensação foi arbitrada em € 60.000,00 e acima também citadas.
Por fim, também carece de fundamento legal o segmento da decisão sobre o pedido cível que fixou «a quantia a liquidar em execução de sentença, relativamente a danos futuros decorrentes da prática factos em apreciação».
O acórdão recorrido não esclareceu a que danos se refere - se patrimoniais ou não patrimoniais.
Não está em causa serem mais do que previsíveis danos patrimoniais futuros emergentes da amputação da sua perna direita, do joelho para baixo, com que o assistente irá ter de se confrontar e debater para conseguir adquirir competências técnicas ou qualificação académica e uma inserção no mercado de trabalho que lhe permita desenvolver uma actividade remunerada por conta própria ou de outrem.
Trata-se de um facto notório, à luz de elementares conhecimentos de medicina e de regras de experiência.
Mas essa é matéria pertinente à incapacidade geral e/ou profissional permanente acerca da qual o assistente nem alegou factos, nem formulou pedido algum, pelo que, por efeito, dos princípios do dispositivo e do limite da condenação à natureza e ao valor do pedido, nos termos dos arts. 3º nº 1, 5º, 264º, 265º, 607º nº 4, 609º nº 1 e 615º nº 1 als. d) e e) do CPC. Essas serão questões a apreciar, porventura, numa outra acção, que não nesta instância.
Com efeito, o pedido cível cingiu a vertente patrimonial dos danos ao custo da prótese, que o Tribunal do julgamento deu como não provado, decisão essa, que não foi impugnada e, consequentemente, o pedido cível foi julgado improcedente, nessa parte.  
Por conseguinte, parece que os danos futuros a que o acórdão recorrido faz alusão, só poderão ser os não patrimoniais.
Porém, o arbitramento da reparação desses mais do que previsíveis danos está sujeito ao regime jurídico previsto nos arts. 496º nº 4 e 494º, 564º nº 2 primeira parte e 566º nº 3 do Código Civil, ou seja, o quantitativo correspondente aos enfocados danos tem de ser fixado segundo critérios de equidade, devendo atender-se às circunstâncias enunciadas no citado art. 494º e, designadamente, a determinados elementos de referência ou índices que vem sendo de tratamento jurisprudencial, a que já se fez referência.
Nada há, por conseguinte, a liquidar em futuro incidente, dada a previsibilidade da persistência e intensificação dos danos não patrimoniais demonstrados e o facto de que o cálculo da compensação para prejuízos desta natureza já é feito de forma actualizada, por referência à data em que a decisão é proferida (Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002).
Tudo para concluir pela procedência do presente recurso.

III – DECISÃO
Termos em que julgam o recurso totalmente procedente e, e consequência:
Determinam o aditamento à matéria de facto provada, no acórdão recorrido, do seguinte facto:
O assistente RM____  nasceu em 24 de Dezembro de 1997;
Revogam o acórdão recorrido, no seguinte excerto do dispositivo:
«Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização formulado pela demandante cível RM____ , e, em consequência, condenar o demandado JM_____ pagar-lhe:
«€ 60 000 (sessenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa anual de 4%, desde a presente data até integral e efectivo pagamento;
«A quantia a liquidar em execução de sentença, relativamente a danos futuros decorrentes da prática factos em apreciação»;
Julgam o pedido cível deduzido pelo lesado RM____  parcialmente provado e procedente e, em consequência, condenam o responsável civil JM_____ pagar-lhe € 300.000,00 (trezentos mil euros), a título de compensação danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa anual de 4%, desde a data em que foi proferido o acórdão recorrido até integral e efectivo pagamento.
Custas pelo responsável civil, JM_____ – art. 523º do CPP.
Notifique.
      
Tribunal da Relação de Lisboa, 7 de Setembro de 2022
Cristina Almeida e Sousa
Alfredo Costa
Rosa Vasconcelos