Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PENHORA
QUOTA SOCIAL
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário
I - Tudo o que juridicamente não é considerado bem imóvel é coisa móvel. II - A penhora de quotas socais de sociedade civil ou comercial, incide sobre bem móvel, enquadrando-se na penhora de direitos. III - Penhorada uma quota social deve um credor ser admitido a reclamar o seu crédito sobre o devedor titular de tais quotas, se detiver como garantia de tal crédito privilégio mobiliário geral.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., inconformado com o despacho que rejeitou liminarmente a reclamação de créditos por si deduzida contra o executado B.........., daquele interpôs recurso de agravo.
Na respectiva minuta formulou as seguintes conclusões:
1. O agravante procedeu à reclamação dos seus créditos na execução ordinária supra identificada no montante de 13.684,98 €, relativa às contribuições dos meses de Novembro/1995 a Fevereiro/1996, Agosto/1999 a Agosto/2004 e respectivos juros de mora no valor de 4.657,70 € perfazendo o montante global de 18.342,68 €, conforme se pode constatar pela reclamação de créditos a fls. 3 a 6 dos autos,
2. Tal reclamação teve por fundamento, a citação feita pelo Tribunal em 11/10/2004 ao agravante.
3. Nos autos executivos encontram-se penhoradas as quotas sociais do executado B.......... nas sociedades “C.........., Lda.” e “D.........., Lda.” no valor de 3.491,59 € e 399.038,31 €, respectivamente.
4. Deverá ser dado sem efeito o despacho de indeferimento pelo Tribunal de 1ª Instância a fls. 67 do Apenso A e em consequência proferido despacho a admitir a presente reclamação de créditos, pois o Código Civil em vigor dispõe no seu art.º 204º, que são consideradas coisas imóveis os prédios rústicos e urbanos, as águas, as árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solos, os direitos inerentes aos imóveis mencionados nas alíneas anteriores e as parte integrantes dos prédios rústicos e urbanos.
5. No art.º 205 do referido diploma considera-se que são coisas móveis “todas as coisas não compreendidas no artigo anterior”.
6. O legislador não formula o conceito de coisas imóveis e móveis, limita-se a fazer, no art.º 204º, uma enumeração das coisas que engloba na primeira categoria, considerando como bens móveis, por contraposição ou por via negativa, todas as demais, isto é, aquelas que não estão compreendidas no art.º 205º.
7. De acordo com o estipulado nos art.º 204º e 205º do Código Civil, constata-se que o que não é configurado no art.º 204º é classificado necessariamente, por força do art.º 205º, como um bem móvel.
8. Esta forma de enumeração das coisas, decorrem e encontram-se expostas nos trabalhos preparatórios do próprio Código Civil.
9. Ora, para Antunes Varela e Pires de Lima, existe uma categoria de coisas que estes autores consideram móveis como são, a electricidade, o vapor e a energia nuclear, considerando Abílio Neto que nesse rol também se podem incluir as quotas sociais, pois têm as mesmas características destes bens e assumem assim, a qualidade de um bem móvel.
10. Esta inserção sistemática das quotas sociais na categoria dos bens móveis encontra a sua justificação na lei, bem como nas características destes bens, pois estes, além de serem coisas incorpóreas, não deixam por esse facto, de não poderem ser integrados no conceito de coisa móvel e consequentemente no art.º 205º do Código Civil.
11. Não encontra o agravante qualquer fundamento legal que impeça que as quotas sociais, possam ser insusceptíveis de serem consideradas como bens móveis, pois o que resulta da lei, e concretamente do art.º 205º, não deixa razão para dúvidas.
12. Aliás, se fosse essa a intenção do legislador, este poderia sempre socorrer-se de um novo normativo e criar um regime específico para as coisas incorpóreas, clarificando de uma vez por todas esta controvérsia.
13. De acordo com o disposto no art.º 9º n.º 3 do Código Civil, considera-se que em sede de fixação do sentido e alcance da lei, “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
14. Deste modo, o legislador não consagrou qualquer regime de excepção para as quotas sociais, pelo que a estas é-lhes aplicável o regime constante dos art.º 204º e 205º do C.C.
15. Considera o agravante que o legislador não pretendeu com os normativos em causa (art.º 204º e 205º do C.C.), excepcionar as quotas sociais deste regime, pois se o pretendesse, o teria dito expressamente e em termos adequados.
Pelo que, entende o agravante de acordo com a argumentação supra exposta, deverá ser admitida a reclamação de créditos do agravante, pois as quotas sociais deverão ser consideradas pelo Tribunal de 1.ª instância, como bem móvel e em consequência incidirem sobre os mesmos privilégios mobiliários gerais
*
O Mmº Juiz “a quo”, sustentou o despacho recorrido.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
*
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – CPC= 684º, nº 3 e 690º, nº.s 1 e 3 (Diploma a que pertencem as normas a seguir mencionadas sem indicação de origem)
Emerge, assim, como questão a decidir a de saber se as quotas sociais são bens móveis, incidindo sobre elas os privilégios mobiliários gerais.
É o seguinte, o pertinente quadro factual:
O agravante, citado nos termos do artº. 865º, reclamou os seus créditos (contra o executado B.......... e relativos a contribuições que este deixou de pagar, como trabalhador independente) na execução nº .../02, do .. J., do T.J. da C. de .........., socorrendo-se do privilégio mobiliário geral (para além do privilégio imobiliário), de que gozam tais créditos, nos termos dos DL.s nº.s 103/80, de 9/) e 512/76, de 03/07; execução onde foram penhoradas, além do mais, quotas sociais daquele executado em duas sociedades; a reclamação, como já se adiantou, foi rejeitada liminarmente, com o argumento de que o credor reclamante/ora agravante não tem qualquer preferência na venda dos bens penhorados, não sendo admissível que invoque um privilégio mobiliário geral neste caso em que o bem penhorado é uma quota social, ou seja, um bem incorpóreo, quando tal privilégio apenas incide sobre bens (corpóreos) móveis.
Vejamos o direito.
Diremos, desde já, que (tal como o Recorrente) não vemos razão legal que obste a que as quotas sociais possam ser equiparadas a bem móvel, para efeito do crédito do agravante poder gozar de garantia real sobre o bem penhorado, garantia consistente em privilégio mobiliário geral, a qual, como é sabido, abrange “…o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente;” – CC=735º, nº 2.
Na verdade, tudo o que pode ser objecto de relações jurídicas é uma coisa, seja ela corpórea ou incorpórea ou mesmo um direito – CC=202º, nº 1.
São qualificadas como móveis todas as coisas não compreendidas no artº. 204º, do C.C..
Tudo o que não é imóvel é coisa móvel – CC=205º, nº 1.
Estão incluídas nas coisas móveis - como observam P.L. e A.V. in CC/Anot. / I / 3ª ed./ 198 – as forças ou energias naturais, como a electricidade, o gás, o vapor, a energia nuclear e os direitos não abrangidos na al. d), do nº 1, do artº 204º.
A. Neto, acrescenta-lhes, precisamente, as quotas sociais - CC/Anot/ 14ª ed. / 2004 / pág. 109.
Acresce que, a penhora de quota em sociedade civil ou comercial se enquadra na penhora de direitos (artº. 862º, nº 6), podendo abranger duas realidades:
- penhora do direito ao produto da liquidação de quota em sociedade de pessoas (que constitui penhora de bem indiviso) e penhora do direito ao lucro (que tem o tratamento dos direitos de crédito) – v. L. Freitas in A Acção Executiva - depois da reforma – 4ª ed., pág. 253 e artº. 239º, do C.S.C..
Sendo assim, como é, tem razão o Recorrente quando afirma que “…o legislador não consagrou qualquer regime de excepção para as quotas sociais, pelo que a estas é-lhes aplicável o regime constante dos artº.s 204º e 205º, do C.C.”
Em resumo, as quotas sociais penhoradas devem ser consideradas coisa móvel, para os fins do artº. 865º e artº. 735º, nº 2, do CC.
Procedem, destarte, as conclusões do Recorrente.
*
DECISÃO.
Pelo exposto, concede-se provimento ao agravo e revoga-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que admita a reclamação de créditos do agravante.
Sem custas.
*
Porto, 7 de Julho de 2005
José Rafael dos Santos Arranja
Jorge Manuel Vilaça Nunes
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho