ACIDENTE DE VIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
EQUIDADE
DOBRO DA TAXA DE JURO
AUSÊNCIA DE PROPOSTA
Sumário


I - Tendo em atenção as lesões que a Autora sofreu em consequência do acidente, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, bem como os tratamentos a que teve de se submeter, tendo estado impedida de realizar durante vários meses autonomamente as tarefas normais do dia-a-dia, tais como cuidar da sua higiene e alimentação e do seu filho mais novo com sete meses, que amamentava, tendo estado para tal dependente do auxilio de terceiros, sendo o Défice Funcional Temporário Parcial fixável entre 316 e 322 dias, considerando ainda as sequelas de que ficou a padecer, e tendo em atenção que fruto dessas sequelas ficou com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 13 pontos, Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável entre o grau 1 e o grau 2, e Repercussão Permanente na Atividade Sexual fixável no grau 2, considera-se adequado o montante de €40. 000,00 para a compensar dos danos não patrimoniais sofridos.
II - Tendo a Autora, à data do acidente 36 anos de idade, e tendo ficado afetada por Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 13 pontos, compatível embora com a atividade profissional habitual de caixa de supermercado, mas implicando esforços suplementares, sentindo também dificuldade em exercer tarefas do quotidiano, não conseguindo estender roupa numa corda mais alta e carregar/levantar compras mais pesadas com o braço esquerdo, conseguindo conduzir em circuitos pequenos mas com agravamento álgico quando tem de conduzir maiores distancias, traduzindo-se tais limitações em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mas sendo também suscetíveis de influir negativamente na possibilidade de exercer atividades económicas alternativas, o que se prevê que perdure ao longo da vida expetável, e atendendo aos valores que vêm sendo atribuídos pela jurisprudência para casos similares, entende-se como justo e adequado atribuir à Autora, a título de indemnização pelo dano biológico, na sua dimensão patrimonial, a quantia de €50.0000,00.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

C. V. veio propor a presente ação de processo comum contra X - Companhia de seguros, S.A. pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €250.000,00, referente ao défice físico-psíquico, ou dano biológico, de que ficou a padecer, de €100.000.00, referente aos danos não patrimoniais e de €126.511,66, referente aos danos patrimoniais; e ainda a indemnizá-la dos danos patrimoniais e não patrimoniais, previsíveis (danos futuros), que fossem consequência direta do acidente, a liquidar em execução de sentença ou incidente de liquidação e a pagar-lhe, em dobro, os juros de mora, calculados à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação até pagamento.
Para tanto, alegou em síntese que era passageira de um veículo automóvel, seguro na Ré, quando o seu condutor causou um acidente de viação, do qual foi o único culpado e que, em consequência, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.
Regularmente citada a Ré veio contestar invocando a litigância de má-fé da Autora, confessando parte da factualidade relativa à ocorrência do sinistro e impugnando grande parte da factualidade referente aos danos.
Mais alegou ter dúvidas sobre a legitimidade da Autora para pedir o pagamento das perdas salariais tidas pela sua mãe, e que aquela nunca lhe apresentou qualquer pedido de indemnização, tendo, ainda assim, solicitado o envio de documentação, para lhe apesentar uma proposta de indemnização, ao que a Autora não deu satisfação, razões pelas quais, não chegou a apresentar-lhe proposta de indemnização, não sendo devidos juros de mora ao dobro da taxa legal, como pretendido pela Autora.
A Autora respondeu pugnando pela improcedência da litigância de má-fé e da ilegitimidade, invocadas pela Ré.
Foi proferido despacho saneador e despacho a identificar o objecto do processo e a enunciar os temas da prova.
Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência:
a) Condeno a R. a pagar à A., a quantia de € 71.859,66 (setenta e um mil oitocentos e cinquenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos);
b) Condeno ainda a R., a pagar à A., juros de mora, à taxa legal, contados sobre a quantia de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), desde a data da presente decisão até integral pagamento e, contados sobre a quantia remanescente de 6.859,66 (seis mil oitocentos e cinquenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos), desde a citação da R. até integral pagamento;
c) Mais condeno a R. a pagar à A., a quantia ilíquida, relativa ao que a mesma gastar com a aquisição de analgésicos;
d) Absolvo a R. do demais peticionado;
e) E absolvo a A. da pretendia condenação como litigante de má fé.
Custas a cargo de A. e R., na proporção dos respetivos decaimentos (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza a A.) - art. 527º, do C.P.C.
Reduzo o pagamento do remanescente da taxa de justiça em 90% (noventa por cento) - havendo a pagar apenas 10% - , por se verificarem os pressupostos aludidos no art. 6º, n º 7, do RCP, que tal redução justificam (não dispenso, porém, o pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça porquanto, tal não pagamento está previsto para as situações em que o processo termine antes de concluída a fase de instrução - art. 6º, n º 8, do R.C.P., situação que tem que ser distinguida daquela em que, terminada a fase de instrução, foi proferida sentença, pois que, nesta situação, houve um acréscimo significativo de serviço prestado às partes, que justifica então, um pagamento acrescido; sob pena de assim não sendo, se poder estar a violar o princípio constitucional da igualdade que, se impõe que situações iguais ou idênticas sejam objeto de igual ou idêntico tratamento, também impõe que, situações significativamente distintas sejam objeto de distinto tratamento - como são aquelas em que, um processo termina antes de acabar a fase da instrução e aquele em que terminada a instrução, é proferida uma sentença, peça processual que implica um acréscimo significativo de serviço).
Registe - art. 153º, n º 4, do C.P.C.
Notifique - art. 220º, n º 1, do C.P.C.”

Inconformada, apelou a Autora da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1ª: Com o Presente Recurso, pretende a Recorrente o reexame das questões referentes aos montantes fixados a título de dano biológico ou défice permanente da integridade físico-psíquica, a título de danos não patrimoniais e aos juros de mora.

Do défice permanente da integridade físico-psíquica ou dano biológico:
2ª: Conforme vem sendo entendido pela Jurisprudência, a determinação da indemnização pelo dano biológico ou défice permanente da integridade físico-psíquica, na sua vertente patrimonial e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum.
3ª: Os casos mais frequentes em que o Tribunal tem de atender aos danos futuros são aqueles em que o lesado perde ou vê diminuída, em consequência do facto lesivo, a sua capacidade laboral, como sucede no caso sub judice, porquanto se encontra provado que a Autora/Recorrente ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos e que as sequelas, sendo, embora, compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, implicam esforços suplementares.
4ª: Para além do acabado de referir, releva que à Autora advieram, também, em consequência do referido défice, dificuldades na execução de certas tarefas quotidianas, que lhe são hoje mais penosas, tem necessidade permanente de recorrer a medicação regular analgésica, o que naturalmente, lhe afeta, de forma permanente, o exercício da sua atividade profissional, bem como, ainda, o desempenho das restantes tarefas do seu dia-a-dia, como sejam as domésticas.
5ª: Para efeitos de fixação da indemnização a este título, considerou o Tribunal a quo ser de atender, para além do grau de afetação fixado (13 pontos) e da repercussão permanente na sua atividade laboral (exigência de esforços acrescidos), à idade da Autora (36 anos à data do acidente).
6ª: No que concerne à esperança de vida, considerou o Exmo. Tribunal, conforme resulta da alínea f) do 4º parágrafo da página 22 da douta sentença, que se deve ter preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma.
7ª: Porém, quando se socorreu de fórmulas ou tabelas para efetuar o cálculo da indemnização a atribuir à Autora a este título, mormente usando a fórmula do Exmo. Sr. Conselheiro Sousa Dinis, o Tribunal a quo atendeu, aos 70 anos de idade, como constituindo o limite habitualmente considerado da idade ativa.
8ª: Atendendo a que a Autora, à data do acidente tinha 36 anos de idade, considerou o Tribunal que a repercussão do défice funcional permanente de que ficara a padecer - 13 pontos - se iria fazer sentir durante cerca de 34 anos (70-36), pelo que, tendo por base estes critérios, e a fórmula acima mencionada, chegou ao montante de €43.625,40.
9ª: Usando a mesma fórmula, se ao invés de considerar os 70 anos de idade ativa, o Exmo. Tribunal tomasse por referência os 83, que correspondem à esperança média de vida, para as mulheres em Portugal, como começara por referir, teria concluído que o défice permanente de que a Autora ficou portadora se iria manifestar durante cerca de 47 anos (83-36) e não apenas de 34, e, por conseguinte, teria chegado ao valor de €60.305,70.
10ª: Ao montante apurado, entendeu o Tribunal a quo, ser de descontar 15%, pela antecipação do pagamento, atento o longo período de adiantamento que haverá e porque o mesmo é sempre propiciador de possíveis rentabilizações, que de outro modo não poderiam ocorrer, tendo assim, chegado ao valor de €37.081,59, que a final, por equidade, fixou no montante global de €40.000,00.
11ª: Com o devido respeito, que é muito, por diferente e melhor opinião, considera a Autora/Recorrente que o Tribunal não sopesou, devidamente, todas as circunstâncias do caso concreto, relevantes para o apuramento da indemnização a título de dano biológico.
12ª: Na verdade e como bem referiu, deverá relevar a maior dificuldade que a Autora tem, agora, em arranjar emprego, atentas as limitações de que ficou a padecer, como de resto, tem tido, pois continua sem arranjar trabalho, numa região altamente carenciada de empregos, muito mais de empregos que não exijam um braço esquerdo plenamente funcional, como a Autora não tem e, quando é sabido que, a generalidade dos empregadores, não se dispõe a empregar alguém com limitações, quando pode ter alguém que não tem essas limitações.
13ª: Encontra-se suficientemente demostrado, pelos factos dados como provados nos autos, o aumento da penosidade e esforço da Autora para desenvolver as mesmas tarefas profissionais ou quaisquer outras, compatíveis com as suas qualificações e competências, pelo que as lesões sofridas tiveram significativa repercussão negativa sobre o desempenho da sua profissão habitual ou de outras similares, lesões essas decorrentes de um acidente, por cuja ocorrência foi exclusivamente responsável o segurado da Ré e para o qual a Autora em nada contribuiu.
14ª: Por outro lado, considera a Autora que para o apuramento do capital produtor do rendimento, que se extinguirá no termo do período da sua vida, que entende dever ser determinado com base na esperança média de vida (até aos 83 anos), dever-se-á, também, ter em conta, a taxa de crescimento dos salários, a taxa da inflação e a taxa de juro média, praticada no mercado financeiro para as aplicações sem risco.
15ª: Vejamos que desde o ano de 2014, até à presente data, o salário mínimo nacional passou de €485,00 para €705,00, sendo expectável, que o mesmo venha a aumentar, consideravelmente, nos próximos anos.
16ª: As taxas de juro, por seu turno, têm-se mantido, nos produtos mais clássicos, sem risco de capital, a longo ou médio prazo, como sendo os depósitos a prazo, certificados de aforro e outros, em valores muito baixos, próximos dos 1 ou 2%, não existindo, pelo menos a curto ou médio prazo, expectativa de que venham a aumentar de forma significativa.
17ª: Ao referido, acresce, ainda, ser de considerar o valor da inflação, que nos últimos anos e mais concretamente nos últimos meses, tem feito com que o capital perca valor real e efetivo, de forma muito acentuada, pelo que, efetuar uma dedução por antecipação do capital, nestas concretas circunstâncias, de 15% do valor apurado, não se afigura justo e adequado.
18ª: É certo que o Tribunal, após a referida dedução, considerou mais justo e equilibrado fixar em €40.000,00, o montante destinado a reparar o dano em causa, todavia, considerando toda a factualidade dada como provada, mormente os pontos 37, 38 e 41 a 46 dos Factos Provados, deverá atender-se para apuramento deste dano, também, ao facto de a Autora ter ficado a sofrer de dores, dificuldades em executar determinadas tarefas do seu quotidiano, tais como cozinhar, fazer limpezas, cuidar da sua roupa e da dos filhos, o que faz à custa de maior esforço e sacrifício, carregar as compras do supermercado, estender roupa, conduzir por períodos mais longos, pelo que o défice de que fica a padecer para além de afetar a capacidade de trabalho profissional da Autora, limita, também, a sua capacidade de trabalho geral, mormente de execução das tarefas domésticas.
19ª: Por tudo quanto fica exposto, não deixando de enfatizar que a Autora/Recorrente considera que os cálculos se deverão efetuar por referência à idade média de vida (83 anos) e não de vida ativa (70 anos), bem como, ainda, que se deverá levar em linha de conta, a taxa de crescimento dos salários, a taxa de juro média para as aplicações financeiras sem risco e, ainda, a taxa de inflação, afigura-se à Autora mais justo e adequado para compensar este dano decorrente do défice funcional permanente da atividade físico-psíquica, ou dano biológico, - quer na vertente do caso, quer na ótica da justiça comparativa – a quantia de €60.000,00 (sessenta mil euros).
20ª: Veja-se que, em Acordão proferido recentemente pelo STJ, da Exma. Relatora Maria da Graça Trigo, datado de 24.02.2022, proferido no âmbito do Proc. n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1, foi atribuído a um lesado, do sexo masculino (a esperança média de vida para os homens em Portugal situa-se nos 78 anos idade), com 34 anos à data do acidente, 9 pontos de défice funcional permanente e salário anual de €7.798,00, a quantia de €50.000,00, a título indemnização pelo dano biológico.
21ª: Igualmente em recente Acordão, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 28-04-2022, da Exma. Sra. Relatora Maria Cristina Cerdeira, no âmbito do Proc. n.º 330/17.2T8BRG.G1 foi atribuído, a um lesado com 34 anos à data do acidente, que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, a indemnização de €38.000,00, a título de dano biológico.

Do dano não patrimonial:
22ª: No que toca ao dano não patrimonial, o Tribunal a quo fixou a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), sendo que, também, aqui, entende a Autora/Recorrente que a condenação peca por defeito.
23ª: Atendendo à matéria dada como provada, mormente a constante dos pontos 11 a 77, que, por brevidade, aqui se dispensa de reproduzir, a Autora/Recorrente considera manifestamente insuficiente a referida quantia, para ressarcimento dos danos morais por si sofridos, em consequência do acidente.
24ª: Na ponderação que se impõe, face a um juízo de equidade (artigos 496º n.º 3 e 494º do CC), considerando, designadamente, a idade da Recorrente à data do acidente - 36 anos - o período de défice funcional temporário parcial de 316 a 322 dias; a natureza dos ferimentos e da repercussão dos mesmos no dia-a-dia da Recorrente; as consultas, tratamentos de hidroterapia, fisioterapia e fisiatria a que foi submetida e que se prolongaram por vários meses; a necessidade de auxílio de terceira pessoa para a execução das tarefas domésticas, de higiene pessoal e para auxílio na amamentação do seu filho de sete meses, concretamente para o colocar e retirar do colo da Autora, que ocorreu durante vários meses; o período de imobilização do braço e ombro lesados; as atividades de lazer das quais ficou privada durante meses, tais como caminhadas, natação e bicicleta; as dores que sentiu, continua a sentir e sentirá no futuro;
25ª: e considerando, ainda, o grau 4 de quantum doloris que lhe foi fixado; o grau de 1/2 de repercussão nas atividades desportivas e de lazer; a repercussão permanente na atividade sexual, de grau 2; a circunstância de a mesma ficar a carecer em permanência de medicação regular analgésica; a baixa de autoestima e os sentimentos de tristeza e amargura que vivenciou por não poder desempenhar as tarefas normais, que a fez sentir-se inútil; bem como, ainda, a situação económica da Recorrente (operadora de caixa de supermercado, com três filhos menores) e a circunstância de em nada ter contribuído para a ocorrência do acidente, considera mais justa e adequada para reparar ou compensar os danos não patrimoniais por si sofridos, até por comparação com os valores que vêm sendo consideradas pela Jurisprudência, em situações algo semelhantes, a atribuição da quantia de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros).

Dos juros de mora:
26ª: A Autora/Recorrente peticionou, ainda, a condenação da Ré no dobro da taxa de juro, por considerar que a mesma violou o disposto nos artigos 37º n.º 1als. a) e b), 38º n.º 1 e 2 e 39º n.º 1 e 2 do DL. 291/2007 de 21-08, tendo o Tribunal a quo entendido não lhe assistir razão, porquanto, pese embora tenha dado como provado que os serviços clínicos da Ré concluíram que a Autora estava afetada de incapacidade permanente geral de 7%, com alta reportada a 09-07-2019 e não remeteu à Autora qualquer proposta de indemnização, a condenação no dobro da taxa de juro, pressupõe que a Autora tivesse apresentado um pedido indemnizatório à Ré, sendo que a Autora/Recorrente, com o devido respeito, não concorda com este entendimento.
27ª: No caso de sinistros que envolvam danos corporais, há que atender às normas especiais correspondentes aos artigos 37º e 39º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, referentes, a primeira, à diligência e prontidão da seguradora na regularização de sinistros, e a segunda à proposta razoável.
28ª: O n.º 1 do artigo 39º remete para o artigo 37º n.º 1 c) que dispõe que a seguradora tem o prazo de 45 dias a contar da data do pedido de indemnização para comunicar a assunção ou não da responsabilidade no caso de entretanto haver sido emitido o relatório da alta clínica e o dano ser totalmente quantificável, informando, por escrito ou por documento eletrónico, daquele facto o tomador ou o segurado e o terceiro lesado. Remete igualmente para o artigo 37º n.º 2 b), nos termos do qual, sempre que neste prazo de 45 dias não tenha sido emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável, deve formular proposta indemnizatória e, no caso desta ser aceite, deve assumir a responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar do conhecimento pela seguradora do relatório da alta clínica ou da data a partir da qual o dano deva considerar-se como totalmente quantificável, se posterior.
29ª: Assim, no caso de assunção de responsabilidade e o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte, esta posição consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização (artigo 39º n.º 1 e 6).
30ª: O agravamento dos juros previsto no artigo 39º n.º 2, pressupõe que a responsabilidade não seja objeto de controvérsia, que o dano seja quantificável, no todo ou em parte e que a quantia constante da proposta apresentada seja razoável e não manifestamente insuficiente.
31ª: No caso sub judice, a Ré assumiu a responsabilidade, tratou clinicamente a Autora, através dos serviços médicos consigo protocolados, que lhe atribuíram a respetiva alta, indemnizou-a de certos danos patrimoniais, conforme resulta dos autos, procedeu à avaliação dos danos corporais, mormente das sequelas definitivas e irreversíveis, tendo, inclusive, concluído que a mesma se encontrava afetada de uma incapacidade permanente geral de 7%, mas não apresentou à Autora qualquer proposta de indemnização, embora estivesse na posse dos elementos que lhe permitiam tê-lo feito. Veja-se que, entre a data da alta atribuída pelos serviços da Ré e a propositura da presente ação, decorreram vários meses.
32ª: É certo que o Tribunal deu como provado que a Ré solicitou à Autora o envio de documentação com vista à apresentação de proposta extrajudicial e que a Autora não lha remeteu, todavia, como acima se alega, a Ré estava na posse de todos os elementos necessários, mormente a avaliação do dano corporal, que lhe permitam a apresentação da proposta razoável, tendo, de resto, o Tribunal dado como não provado que a Ré tenha, em 27-07-2019, enviado à Autora, o relatório de avaliação do dano, conforme alegara.
33ª: Considera, assim, a Autora, que com o devido respeito por diferente e melhor opinião, se encontram verificados os necessários pressupostos, para que a Ré seja condenada no dobro da taxa de juro, conforme fora peticionado.
34ª: A douta sentença recorrida violou, nomeadamente, conforme conclusões supra, o disposto nos art.º s 483º, 496º, 562º, 564º, n.º 1 e 566º do Código Civil e 38º n.º 2 e 39º n.º 1 e 2 do DL.291/2007 de 21-08”.
Pugna a Autora pela revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que arbitre à Autora os valores por ela indicados.

A Ré veio também apelar da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“I. A Recorrente “X – Companhia de Seguros, S.A.” intentou o presente recurso, visando, desde logo, a reapreciação da prova gravada, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 638.º do Código de Processo Civil, por entender que a resposta positiva dada aos pontos 49, 50 e 51 da matéria de facto dada como provada não tem suporte na prova testemunhal produzida nos autos e, bem assim, na prova documental junta aos autos, impondo-se, por essa razão, a sua reanálise e alteração nos termos constantes da presente alegação.
II. A Recorrente interpõe ainda o presente recurso por não concordar com o teor da sentença recorrida, uma vez que a mesma, salvo o devido respeito, não consubstancia a rigorosa aplicação do direito, razão pela qual não concorda com as conclusões retiradas e a decisão proferida, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que faça uma correta aplicação do direito.
III. Da análise da prova carreada para os autos, designadamente o depoimento das testemunhas O. Q. e J. E., das declarações da Autora e da prova documental, é manifesto que o Tribunal a quo julgou mal quando considerou como provados os pontos 32 a 36, devendo tal matéria de facto ser considerada como não provada.
IV. Os depoimentos conjugados das testemunhas J. E. e O. Q. da Autora, não são sequer coincidentes entre si.
V. Atente-se às declarações da Autora C. V. e no depoimento das testemunhas J. E. e O. Q..
VI. Antes de mais, há que salientar que os depoimentos em causa e nos quais o Tribunal a quo se alicerça para concluir pela matéria de facto dada como provada pertencem desde logo à própria Autora, ao companheiro (J. E.) e mãe da Autora (O. Q.).
VII. As testemunhas e a Recorrida salientam que, na altura em que se deu o acidente, a Recorrida se encontrava em licença de maternidade, o que não corresponde, desde logo, à verdade, por manifestamente contrariado pela prova documental junta aos autos (cfr. documento com a referência Citius 36709404).
VIII. A Recorrida não tinha qualquer atividade remunerada desde maio de 2018, data em que cessou, por iniciativa da própria Recorrida, o contrato de trabalho que a mesma tinha com a “G. A. Hipermercados, Lda.” (Y de Celorico de Basto).
IX. Atente-se ainda que, ao contrário do que a Recorrente quis fazer crer, o contrato de trabalho em causa não cessou em virtude do nascimento do seu filho ou por qualquer outra causa, a não ser por escolha da mesma (cfr. documento com a referencia Citius 36709404), pelo que só se pode concluir que, a partir de maio de 2018, a Recorrida se encontrava desempregada por opção da própria.
X. O Tribunal a quo errou ao dar como provada a a matéria de facto dada como provada nos pontos 32 a 36, devendo julgar a mesma como não provada.
XI. Não pode a Recorrente aceitar o valor de indemnização de € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais, por manifestamente exagerado.
XII. Após detalhada análise da Jurisprudência proferida em acidentes similares ao que se encontra em apreço nos autos, entende a Recorrente que a decisão proferida propendeu para uma flagrante situação de enriquecimento despropositado da lesada.
XIII. Com efeito, embora se encontre prevista a indemnização por danos não patrimoniais, não pode o valor indemnizatório ser fixado de forma arbitrária e injusta, traduzindo um manifesto enriquecimento ilícito da lesada à custa do património da responsável.
XIV. De facto, na fixação do quantum indemnizatório, em sede de responsabilidade civil por atos ilícitos, será conveniente ter-se particular com vista ao cumprimento de um regime jurisprudencial de segurança, igualdade e equidade na realização da justiça, na perspetiva dos danos não patrimoniais.
XV. Entende a Recorrente que, e sempre com o respeito que a situação em apreço lhe merece, que os valores constantes na sentença são manifestamente excessivos e, nessa medida, terão de ser reduzidos de acordo com as concretas circunstâncias apuradas e com a prática jurisprudencial atual.
XVI. A Recorrida sofreu ferimentos, designadamente, traumatismos vários e fratura no terço superior do úmero esquerdo, Défice Temporário Parcial entre 316 e 322 dias, e sequelas que resultaram num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos.
XVII. Da matéria de facto apurada, em conjugação com os critérios jurisprudenciais, decorre que o montante indemnizatório fixado a este propósito é arbitrário e assente em critérios subjetivos do juiz de 1.ª instância, que contrariamente ao pretendido, não analisou corretamente as circunstâncias apuradas e não apuradas neste sentido.
XVIII. Desta forma, mal andou a Juiz de 1.ª instância ao arbitrar uma indemnização de € 25.000,00, a qual, no caso concreto, é manifestamente desproporcionada e violadora do princípio da igualdade e da equidade, impondo-se a sua redução para valor não superior a € 15.000,00, o que desde já se peticiona, com todas as consequências legais.
XIX. A equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo atender-se à gravidade e extensão dos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica do lesado e às demais circunstâncias do caso que se justifique atender, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 496.º do Código Civil.
XX. Nesta medida, recorrendo ao método comparativo ao nível dos critérios usados na determinação da indemnização por danos não patrimoniais, encontramos diversas decisões, ao nível da jurisprudência, que entendemos pertinente considerar.
XXI. Assim, atente-se por exemplo, nas decisões proferidas pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Maio de 2014, processo n.º 1040/11.4TBVNG.P1.S1, e no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 1057/3.0T2STC.E1
XXII. Da análise, colhe-se que a orientação da indemnização pelos danos não patrimoniais sem que exista qualquer sequela e sem atribuição de Incapacidade Permanente Geral se situa, em regra, em valores que oscilam entre os € 12.000,00 e os € 15.000,00.
XXIII. Nesta conformidade, entende a Recorrente que o valor indemnizatório decorrente dos danos não patrimoniais pelo Tribunal de 1.ª instância em €25.000,00 é, no caso concreto, desadequado, desajustado e desapropriado, e extravasou a margem de liberdade consentida pelo recurso à equidade.
XXIV. E, em consequência, deve ser substancialmente reduzida, considerando as circunstâncias do apuradas nos autos, os critérios estatuídos no artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil, e, bem assim, os critérios orientadores da mais recente jurisprudência, para valor não superior a € 15.000,00.
XXV. Na sentença ora proferida, o Tribunal fixou o valor de € 40.000,00 a título de dano biológico, o que, mais uma vez, apelando aos critérios jurisprudenciais na fixação destes valores, encontra-se manifestamente desajustado.
XXVI. Os critérios e os valores fixados na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 23 de Agosto, apesar de não serem vinculativos para os tribunais, poderão ser tidos em consideração pelo julgador, designadamente, em se tratando da determinação, com recurso à equidade, de montantes indemnizatórios.
XXVII. Ora, também aqui devemos atender aos valores fixados jurisprudencialmente, para uma determinação do valor, pelo que atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de março de 2014, processo n.º 404/11.3TJVNF.S1, no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 21 de fevereiro de 2013, processo n.º 2044/06.0TJVNF.P1.S1, e ainda na decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em 10 de outubro de 2012, processo n.º 388/08.9TCGMR.G1.S1.
XXVIII. Nesta conformidade, entende a Recorrente que o valor indemnizatório decorrente do dano biológico da Recorrida fixado pelo Tribunal da 1.ª Instância em € 40.000,00 é, no caso concreto, desadequado, desajustado e desapropriado, e extravasou a margem de liberdade consentida pelo recurso à equidade, tanto mais que, a Recorrida, à data, não exercia qualquer atividade profissional.
XXIX. E, em consequência, deve ser substancialmente reduzida, considerando as circunstâncias do apuradas nos autos, os critérios estatuídos no artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil, e, bem assim, os critérios orientadores da mais recente jurisprudência, para valor não superior a € 25.000,00.
XXX. Atenta a alteração da matéria de facto pugnada no presente articulado, deixa de ter qualquer razão de ser a condenação da ora Recorrente no valor de € 6.520,00, referente a lucros cessantes.
XXXI. Ficou demonstrado que à data do acidente, a Recorrida encontrava-se desempregada, por iniciativa própria, bem como que já não se encontrava a gozar de qualquer licença parental, atento que já detinha qualquer vínculo contratual com nenhuma entidade empregadora.
XXXII. Assim, não pode o Tribunal a quo concluir que a Recorrida poderia ter trabalhado cerca de 11 meses e que o deixou de poder fazer em virtude do acidente de viação, pelo que também por aqui deve ser revogada a sentença proferida e absolver a Recorrente nessa parte do pedido.
XXXIII. Pelo exposto, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que deve a sentença proferida ser revogada e, em consequência, ser substituída por outra que, embora condenada a Ré, ora Recorrente, o faça de forma mais justa e equitativa e conforme as circunstâncias apuradas e a prática jurisprudência, com todas as consequências legais”.
A Autora e a Ré apresentaram contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelas Recorrentes, são as seguintes:

A) Recurso da Autora
1 - Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano futuro (dano biológico) e de danos não patrimoniais;
2 – Saber se a Ré deve ser condenada no pagamento do dobro da taxa de juro;

Recurso da Ré
1 - Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto;
2 - Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano futuro (dano biológico) e de danos não patrimoniais;
3 - Saber se deve ser fixada indemnização a título de lucros cessantes.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:
1 - No dia - de agosto de 2018, pelas 12.00 horas, na estrada municipal n º …-1, que liga Mondim de Basto a Vila Real, na localidade de …, freguesia de …, concelho de Mondim de Basto, ocorreu um embate entre dois veículos.
2 - Foram intervenientes nesse embate, os seguintes veículos:
a) Ligeiro de passageiros, de marca Peugeot, modelo 308, com a matrícula EH, conduzido por A. B., “pertencente” a J. E., que circulava no sentido de trânsito Vila Real - Mondim de Basto, pela hemi-faixa direita;
b) Ligeiro de passageiros, de marca Ford, modelo WA6, com a matrícula DA, “pertencente” a M. J. e por si conduzido, que circulava em sentido oposto, ou seja, no sentido de trânsito Mondim de Basto - Vila Real, pela hemi-faixa direita.
3 - A A. seguia como passageira, sentada no lugar traseiro, do lado esquerdo, no veículo de matrícula EH.
4- A via, no local onde ocorreu o embate entre os veículos, constitui uma curva à esquerda, com inclinação descendente, atento o sentido de marcha do veículo de matrícula EH.
5 - O piso era de asfalto, não tinha buracos ou irregularidades e encontrava-se seco.
6 - Era de dia, estava sol e havia boa visibilidade.
7 - Ao chegar ao local mencionado supra em 1, quando veículo de matrícula EH se aprestava para abordar a curva que, no local, se desenha para a sua esquerda, o seu condutor perdeu o controlo da viatura, que saiu da sua mão de trânsito e foi invadir a hemi-faixa contrária à sua, por onde seguia o veículo de matrícula DA.
8 - Em consequência, deu-se a colisão/embate entre a parte frontal esquerda do veículo de matrícula EH e a parte frontal esquerda do veículo de matrícula DA, que ocorreu dentro da hemi-faixa de trânsito reservada ao sentido de trânsito Mondim de Basto - Vila Real.
9 - A Ré assumiu a responsabilidade pela produção do acidente, tendo prestado à A. serviços clínicos tendentes à sua recuperação, tendo-lhe assegurado, durante um certo período temporal, a assistência de terceira pessoa, reembolsando-a, ainda, de algumas despesas de transporte e outras, por si suportadas até à data da alta clínica, atribuída pelos seus serviços clínicos.
10 - Mediante contrato de seguro, titulado pela apólice n º ….., estava transferida para a R., a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula EH.
11 - Em consequência do acidente, a A. ficou ferida, tendo, por essa razão, sido transportada ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Trás os Montes e Alto Douro, em Vila Real.
12 - Após a realização de vários exames radiográficos, foi-lhe diagnosticado, em consequência direta e necessária da colisão: traumatismo do braço e ombro esquerdos, com fratura no terço superior do úmero esquerdo.
13 - Em consequência, foi-lhe efetuada a imobilização do referido membro superior, com ligaduras tipo gerdy, recolhendo a casa, nesse mesmo dia.
14 - Foi-lhe ministrada medicação, para toma oral e intravenosa.
15 - Posteriormente, passou a ser acompanhada nos serviços clínicos protocolados com a R., no Hospital ..., em Amarante, onde, por diversas vezes, foi consultada e submetida a exames.
16 - Por indicação da R., a A. deslocou-se ao Hospital ..., no Porto, onde efetuou exames,
17 - Tendo-lhe, aí, sido indicada a realização de hidroterapia;
18 - Que efetuou no Hospital ..., na Santa Casa da Misericórdia, a expensas da R., onde se deslocou, para o efeito, três vezes por semana, para sessões de trinta minutos cada e, durante cerca de três meses;
19 - Bem como lhe foi indicada a realização de fisioterapia;
20 - Que realizou, entre fevereiro e junho de 2019, deslocando-se, para o efeito, inicialmente, a casa da A., um fisioterapeuta da Clínica de …, para sessões diárias, de uma hora cada;
21 - E, posteriormente, a A. passou a ser submetida às sessões de fisioterapia, na própria clínica, onde passou a dirigir-se para o efeito, três vezes por semana, durante cerca de dois meses, até junho de 2019, tendo sido submetida a um total de 50 tratamentos, que ocorreram diariamente.
22 - A A. continuou em consultas, no Hospital ..., no Porto, numa cadência mensal, para acompanhamento da sua situação clínica, altura em realizou sempre exames, tais como, TAC e radiografias.
23 - Por permanecer com dores e por não esta esclarecida se deveria, ou não, ser operada, a A. solicitou acompanhamento, na especialidade de ortopedia, no Centro Hospitalar Universitário do..., E.P.E, Unidade Hospitalar de ..., onde passou a ser seguida na referida especialidade e na qual manteve acompanhamento em consulta externa.
24 - No dia 23 de dezembro de 2018, a A. deslocou-se ao Hospital de ..., no Porto, onde realizou TAC e RX e foi consultada, na especialidade de ortopedia, pelo Dr. R. C.;
25 - Que concluiu pela necessidade de cruentação do foco de psudartrose e osteossíntese com placa.
26 - A A. continuou a efetuar os tratamentos de hidroterapia e fisioterapia, indo, também, às consultas de fisiatria, ao Hospital ... e ao Hospital ..., em Vila Real, em ambos se constatando que, não poderiam ser alterados os tratamentos, por não haver consolidação da lesão.
27 - Findos os tratamentos, a A. foi submetida a uma última consulta e uma primeira avaliação médica, quando estava ainda em tratamentos, tendo sido submetida a uma segunda consulta, na qual lhe atribuíram alta definitiva, o que ocorreu no dia 9 de Julho de 2019.
28 - A tomografia axial computorizada realizada ao ombro e braço esquerdos da A., no Hospital de ... do Porto, em 15 de Janeiro de 2020, revelava: a) Sinais de fratura cominutiva da diáfise do úmero, atingindo o colo cirúrgico, existindo sinais de impactação e desalinhamento valorizável dos topos ósseos; b) Obtém-se angulação dos topos ósseos diafisários de aproximadamente 28 graus; c) Há sinais de formação de calo ósseo, traduzindo consolidação; d) A cabeça umeral encontra-se centrada na cavidade glenóide; e) Amplitude articular gleno-umeral preservada; f) Corpos musculares da coifa dos rotadores com volume preservado; g) Sem derrame articular gleno-umeral.
29 - Em 15-01-2021, a A. apresentava, no membro superior esquerdo: tumefação dolorosa a nível da face anterior do 1/3 proximal do braço, palpável, mas não visível a distância social; arco de mobilidade ativo; flexão anterior 0-90º; abdulação 0-80º; rotação externa a 60º; rotação interna L3; sem atrofia aparente do deltoide; atrfia muscular do braço de 1,5 cm (medida 10 cm abaixo do acrómio-esq-26 cm; direito 27,5 cm; em dismetria do braço (29 cm bilateral, medida do acrómio até ao epicôndilo lateral); sem défice de mobilidade do cotovelo esquerdo, com ângulo de carga mantido.
30 - Em 22-06-2021, a A. apresentava dor à palpação da face anterolateral do braço esquerdo, principalmente no seu terço médio, com tumefação dura palpável. Em termos de mobilidade articular, conseguia levantar a mão ao ombro contralateral, tendo dificuldade em levar a mão à região cervical, não a conseguindo levar à região lombar. Flexão 0º-90º (vs. 0º-180º à direita), extensão 0º-30º (vs. 0º-60º à direita), abdução 0º-70º (vs. 0º-180º à direita) e rotação interna e externa 0º-60º (vs. 0º-80º à direita). Diminuição da força muscular do membro superior esquerdo (grau 4+/5). Atrofia muscular do braço de 1 cm: 28 cm a esquerda e 29 cm a direita (medidos a 10 cm do olecrânio).
31 - À data do embate, a A. não estava a trabalhar.
32 - Mas imediatamente anteriormente ao nascimento do seu filho, que ocorrera no dia 28 de dezembro de 2017, exercia funções de operadora de caixa, a tempo parcial, no Supermercado Y.
33 - Auferindo um montante irregular, rondando, em média, os €400,00 mensais.
34 - Era intenção da A. voltar a trabalhar, o que pretendia fazer, após o verão de 2018.
35 - E havia-lhe sido garantido, pela sua anterior entidade patronal que, após o verão, ou seja, a partir do início do mês de setembro, se encontrava para si disponível, a função de operadora de caixa, que havia exercido anteriormente, mediante o pagamento do salário mínimo.
36 - A A. ficou impedida de trabalhar durante vários meses, pelo menos até julho de 2019, não tendo, consequentemente, ido trabalhar para o Y e, não tendo, consequentemente, auferido o respetivo salário.
37 - E apesar de lhe terem surgido oportunidades de emprego, não as aceitou, por se sentir incapaz para as executar, por causa das lesões decorrentes do embate.
38 - Entretanto, frequentou um curso de formação.
39 - Tendo auferido uma bolsa de formação mensal de € 148,52, durante o ano de 2020, bolsa esta que auferiu, pelo menos, entre dezembro de 2019 e junho de 2020.
40 - A A. teve um défice funcional temporário parcial situado entre de 316 e 322 dias.
41 - E ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos.
42 - As sequelas que lhe advieram, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual de caixa de supermercado, embora impliquem esforços suplementares.
43 - A A. nasceu no dia - de agosto de 1982.
44 - A A. sente dificuldade em exercer tarefas do seu quotidiano, tais como cozinhar, fazer limpezas, cuidar da sua roupa e dos filhos, o que faz à custa de maior esforço e sacrifício.
45 - E não consegue estender a roupa numa corda mais alta e carregar/levantar compras mais pesadas, com o braço esquerdo.
46 - Consegue conduzir, em circuitos pequenos, com agravamento álgico quando tem de conduzir maiores distâncias.
47 - Em virtude das lesões que sofreu, esteve impedida de realizar autonomamente, as tarefas normais do seu dia-a-dia, durante vários meses, designadamente, de cuidar da sua higiene pessoal e da sua alimentação, em especial de tomar banho, vestir-se e calçar-se;
48 - Bem como, de conduzir, de transportar as compras do supermercado, de cuidar da limpeza e arrumação da casa, de confecionar as refeições e de prestar regular acompanhamento aos seus filhos menores, mormente ao seu filho mais novo, que tinha apenas sete meses de idade à data da colisão, e que a A. amamentava.
49 - As dores e incómodos decorrentes das lesões sofridas, impediram-na, nos meses seguintes à ocorrência do embate, de conseguir no leito uma posição que lhe permitisse um sono descansado, só tendo conseguido fazê-lo, à custa de medicação analgésica para o efeito.
50 - Sofreu de perturbações do sono, acordando durante a noite, não conseguindo a qualidade de sono que tinha antes do embate.
51 - Viu-se obrigada a repouso absoluto e esteve dependente da ajuda de terceira pessoa, para as tarefas normais da sua vida, designadamente, para cuidar da sua higiene pessoal e alimentação, para apoiar os filhos menores, para cuidar do vestuário, da limpeza e asseio da casa e para prestar os cuidados ao seu filho de apenas sete meses, concretamente, para o colocar e retirar do colo, aquando da amamentação, para lhe mudar as fraldas, lhe assegurar as refeições e dar o banho diário.
52 - Logo após o ocorrido, a mãe da A. auxiliou a sua filha e o seu agregado familiar, o que se prolongou até quase ao final do mês de outubro, e depois, auxiliou-a também, durante cerca de 15 dias, no mês de dezembro, por altura do Natal.
53 - Entre novembro de 2018 e março de 2019, a R. foi auxiliada por terceira pessoa, durante quatro horas diárias, por cada dia útil da semana.
54 - A A. careceu do sobredito auxílio para as tarefas normais do seu dia-a-dia, cuja execução, ficou privada de assegurar, mormente, a tarefa de amamentação do seu bebé e demais cuidados a prestar-lhe;
55 - Bem como, ainda, para tomar banho, vestir-se e calçar-se, cozinhar, efetuar tarefas de limpeza e asseio da casa, cuidar do vestuário de todos os membros do agregado familiar, transportar as compras do supermercado, bem como para outras tarefas inerentes ao seu quotidiano.
56 - Para prestar à A. os cuidados de que a mesma necessitou, a sua mãe deixou de trabalhar em Lisboa, onde exercia funções de empregada doméstica;
57 - Em consequência do que, deixou de auferir dois meses de salários, num total de € 800,00.
58 - Após o regresso da sua mãe a Lisboa, a A. passou a contar também com o auxílio da mãe e da irmã do seu companheiro, que a passaram a ajudar na execução das suas tarefas.
59 - Ocasionalmente, a A. fazia natação, na piscina e, andava de bicicleta.
60 - E costumava fazer caminhadas.
61 - Mercê do ocorrido, durante meses, deixou de fazer caminhadas, assim como deixou de nadar e de andar de bicicleta, por não poder fazê-lo.
62 - Sentiu ansiedade, sentiu-se diminuída, sofreu abatimento físico e psíquico e desequilíbrio emocional.
63 - Sentiu-se deprimida e desgostosa e perdeu alegria de viver, durante meses.
64 - Sentiu, e continua a sentir, dores, para as quais necessitou e, continuará a necessitar, de medicação/analgésicos.
65 - As lesões sofridas pela A., foram também fortemente condicionadoras da sua atividade sexual, durante cerca de sete/oito meses;
66 - O que contribuiu para alguma frustração da sua relação amorosa e concorreu também para a tristeza emocional que sofreu.
67 - Com muito pesar, sentiu e sente, o facto de ter ficado impedida de pegar ao colo o seu filho mais novo.
68 - Viu-se obrigada a permanecer com o braço esquerdo totalmente imobilizado, durante vários meses, numa primeira fase com recurso a gesso e posteriormente a um imobilizador.
69 - Foi submetida a vários exames radiográficos e consultas.
70 - Era dinâmica, alegre, trabalhadora e sociável.
71 - Sofreu uma baixa de autoestima, não se sentindo bem em convívios sociais e familiares, pelas dores que sofreu em consequência do ocorrido.
72 - O facto de ter dificuldade em realizar alguns afazeres e estar impossibilitada de realizar outros, fá-la sentir-se inútil, causando-lhe tristeza e amargura.
73 - Passou a ser uma pessoa mais triste, fechada e revoltada com a sua situação.
74 - Sofreu um quantum doloris de grau 4;
75 - E uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer entre o grau 1 e o grau 2;
76 - E uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 2.
77 - Em consequência das lesões sofridas, viu-se obrigada a deslocar-se para diversas consultas, exames e tratamentos.
78 - Porque não se sentia curada e para se esclarecer se deveria, ou não, ser operada, recorreu aos serviços de ortopedia do Hospital de ..., despendendo, em transportes em viatura própria (percorrendo cerca de 100 kms para cada lado), alimentação, portagens e estacionamento, a quantia de € 150,00.
79 - Em serviços postais, para enviar documentação à R., mormente comprovativos de despesas para o competente reembolso, a A. gastou a quantia de € 24,75.
80 - Com a aquisição de equipamento para o exercício de hidroterapia, que lhe foi prescrito, gastou a quantia de € 39,91.
81 - Em consequência da colisão havida, ficaram destruídas umas calças e uma blusa da A., nos valores, respetivamente, de € 50,00 e € 25,00.
82 - A A. gastou € 50,00 em medicação para as dores.
83 - Os serviços clínicos da R. concluíram que, a A. estava afetada de incapacidade permanente geral de 7%, com alta reportada a 09-07-2019.
84 - Apesar de saber que havia sido dada alta clínica à A. e de que lhe advieram sequelas, a R. não lhe remeteu qualquer proposta de indemnização.
85 - Por carta datada de 22-07-2019, que a R. enviou à A., comunicou-lhe que, junto lhe enviava relatório médico referente à avaliação clínica a que fora submetida.
86 - Por comunicação datada de 22-07-2019, a R. solicitou à A., o envio de documentação, com vista à apresentação de proposta extrajudicial.
87 - Por comunicação datada de 18-09-2019, a R. insistiu pelo envio da documentação solicitada.
88 - A A. não remeteu essa documentação à R.
89 - E não lhe apresentou pedido de indemnização.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:

1 - Das lesões sofridas em consequência do sinistro, resultaram para a A. outras sequelas definitivas e irreversíveis que não as que constam dos factos provados.
2 - A mãe da A., prestou auxílio à A., desde a data do embate até final de dezembro de 2018.
3 - A mãe da A. trabalhava uma média de oito horas por dia, mediante a retribuição de € 7,00 à hora.
4 - A mãe da A. deixou de ganhar a quantia de € 5.152,00 (€ 7,00 x 8 horas por dia x 92 dias úteis);
5 - Montante que a A. lhe irá pagar, assim que receba da R.
6 - Os rendimentos da A., tinham por base o salário mínimo nacional, acrescido do respetivo subsídio de alimentação.
7 - A A. ficou com incapacidade total para o exercício da sua atividade profissional habitual de operadora de caixa de supermercado ou de qualquer outra compreendida na sua área de preparação técnica, concretamente de auxiliar de ação educativa, para a qual recebeu formação ou outras compatíveis com a sua preparação, que impliquem a utilização do braço esquerdo.
8 - Ainda hoje não consegue trabalhar, em consequência das sequelas de que ficou a padecer.
9 - Carecerá, ao longo da sua vida, de contratar os serviços de uma pessoa, pelo menos, durante 10 horas por semana, para lavar, estender e engomar a roupa e efetuar os trabalhos mais profundos de limpeza e asseio da casa, que a mesma não consegue, nem conseguirá, realizar.
10 - O preço/hora cobrado na região é de € 5,00.
11 - A A. ainda hoje sofre de perturbações do sono e ainda hoje sente dificuldade em encontrar no leito uma posição que lhe permita um sono descansado.
12 - A A. recorreu a ajuda de um psicólogo.
13 - A A. deverá ser, no futuro, intervencionada, para cruentação do foco da pseudartrose e osteossíntese com placa.
14 - Virá a ser submetida a exames e tratamentos, o que lhe demandará novos períodos de internamento, incapacidade para o trabalho, sofrimento físico e psicológico e perdas salariais.
15 - Em termos de défice permanente da integridade físico-psíquica, a A. virá a padecer, a curto/médio prazo, de um défice da integridade físico-psíquica de 32 pontos.
16 - Em 27-07-2019, a R. enviou à A., o relatório de avaliação do dano corporal.
***
3.2. Da modificabilidade da decisão de facto

Iremos começar por apreciar o recurso interposto pela Ré uma vez que o recurso da Autora se restringe à matéria de direito e, por razões de coerência lógica, entendemos que se impõe apreciar em primeiro lugar a questão da alteração da decisão de facto e só posteriormente se deverá apreciar a pretendida alteração da decisão quanto aos montantes indemnizatórios atribuídos a título de dano futuro (dano biológico) e de danos não patrimoniais, à atribuição de indemnização por lucros cessantes, e aos juros de mora, sendo que o conhecimento daquela é necessariamente prévio ao conhecimento destas.
Vejamos.
Decorre do n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
No caso concreto, a Ré/Recorrente cumpriu satisfatoriamente o ónus de impugnação da matéria de facto relativamente aos pontos 32) a 36) dos factos provados, cuja matéria de facto entende que deve ser julgada não provada.
Importa referir que a Ré no inicio das suas alegações, em vez de referir os pontos 32) a 36) dos factos provados, refere os pontos 49), 50) e 52), o que reitera na Conclusão I; tanto quanto julgamos perceber trata-se de lapso manifesto, uma vez que na apreciação que faz da questão a Ré se refere expressamente aos pontos 32) a 36), sendo apenas quanto a estes que fundamenta a sua discordância e indica os meios de prova, designadamente testemunhal e documental, que em seu entender justificam que a matéria seja julgada não provada.
Entendemos, por isso, que a Ré apenas pretende impugnar a decisão da matéria de facto quanto aos referidos pontos 32) e 36); contudo, ainda que assim não fosse (e estamos convictos que é), sempre a mesma não respeitaria os ónus decorrentes do preceituado no artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o que sempre determinaria, nessa parte, a rejeição do recurso.
Analisemos então se lhe assiste razão.

Os pontos 32) a 36) dos factos provados têm a seguinte redação:
“32 - Mas imediatamente anteriormente ao nascimento do seu filho, que ocorrera no dia 28 de dezembro de 2017, exercia funções de operadora de caixa, a tempo parcial, no Supermercado Y.
33 - Auferindo um montante irregular, rondando, em média, os €400,00 mensais.
34 - Era intenção da A. voltar a trabalhar, o que pretendia fazer, após o verão de 2018.
35 - E havia-lhe sido garantido, pela sua anterior entidade patronal que, após o verão, ou seja, a partir do início do mês de setembro, se encontrava para si disponível, a função de operadora de caixa, que havia exercido anteriormente, mediante o pagamento do salário mínimo.
36 - A A. ficou impedida de trabalhar durante vários meses, pelo menos até julho de 2019, não tendo, consequentemente, ido trabalhar para o Y e, não tendo, consequentemente, auferido o respetivo salário”.

A este propósito pronunciou-se o tribunal a quo nos seguintes termos:
A factualidade de 31 a 39, decorre essencialmente da prova documental de fls. 28 verso, 29 e 36, conjugada com a confissão feita por parte da A. na p.i. quanto à matéria da 2ª parte de 39, as declarações de parte da A., o depoimento das testemunhas J. E., F. M. e O. Q., conjugadas também com a prova pericial, analisados todos esses meios de prova, à luz da normalidade das coisas, em circunstâncias idênticas às em causa nos presentes autos.
Importa tecer breves considerações relativamente à factualidade de 35, para dizermos, por um lado, tratar-se de matéria que, foi relatada, no todo ou em parte, pela A., nas suas declarações de parte e pelas testemunhas J. E. e O. Q..
E não temos elementos que nos permitam duvidar seriamente da veracidade do relatado a este respeito pela A. e testemunhas supra referidas.
Acresce, não termos detetado, nas declarações da A. e nos depoimentos das testemunhas em causa, indícios de inveracidade dos mesmos. Aliás, aqui e ali, relataram factos que não eram os mais favoráveis à A., o que indicia essa mesma seriedade de declarações/depoimentos. A título de exemplo: a A. disse que o Y, no último tempo que lá trabalhou, só lhe pagava cerca de € 400,00 mensais, quando poderia ter dito que lhe pagava o valor do salário mínimo; a mãe da A. disse que, apenas perdeu os vencimentos de 2 meses, num total de € 800,00, quando poderia ter dito que perdera os salários de 2 meses, num valor superior ou que até perdera outros valores. E outros exemplos se poderiam dar.
Neste contexto, não vemos porque haveria a A., e as referidas testemunhas, de relatar este facto que não fosse verdadeiro, quando, relativamente aos demais factos, prestaram declarações e depoimentos, nos quais não detetámos sinais de inveracidade.
Aliás, seria também normal que, tendo a A. trabalhado no Y, tendo deixado de lá trabalhar devido ao nascimento do seu filho, pudesse voltar a lá trabalhar depois de ter o seu filho.
Apresenta-se também como normal que, a A. não tivesse regressado ao Y antes de setembro, por causa do seu filho, concretamente, por não ter arranjado creche para o mesmo antes dessa data, como referiu a A. e a sua mãe, sabido como é da carência de creches para todas as crianças e da dificuldade em conseguir uma creche em abril/maio/junho.
Assim, embora, a este respeito, não se houvesse produzido uma prova que aportasse uma certeza inequívoca quanto à sua veracidade, a prova produzida permitiu-nos formar convicção da probabilidade da sua veracidade, o que é bastante para que a considerássemos (e pudéssemos considerar) provada.”
Sustenta a Recorrente que os depoimentos nos quais o tribunal a quo se suporta pertencem à Autora, ao companheiro desta, a testemunha J. E., e à mãe, a testemunha O. Q. e que, por isso, se encontram obviamente inquinados, que nem sequer são coincidentes entre si, e que parte dos depoimentos é contrariado pela informação prestada pela “G. A. HIPERMERCADOS, LDA”, que foi entidade patronal da Autora.
Vejamos.
Importa começar por esclarecer que, em tese geral, nada impede o facto de o tribunal formar a sua convicção no depoimento da própria Autora e no depoimento de testemunhas que são próximas da mesma, como é o caso da mãe e do companheiro; aliás, as declarações de parte são um meio de prova expressamente admitido pelo artigo 466º do Código de Processo Civil, não se prevendo qualquer impedimento na audição como testemunha dos ascendentes ou de namorado/companheiro do autor, não obstante os ascendentes e quem conviver em união de facto em condições análogas às dos cônjuges poderem recusar-se a depor como testemunhas (artigo 497º n.º 1 do Código de Processo Civil).
Assim, a credibilidade das testemunhas que têm uma especial ligação ao autor, designadamente familiar, deverá aferir-se casuisticamente, em cada caso concreto, em função dos depoimentos que prestam e no confronto de toda a prova produzida.
E, no caso concreto, ouvidos os depoimentos em causa, não vemos que se mostre errada a convicção formada pelo tribunal a quo e a conclusão da inexistência de elementos que permitam duvidar seriamente da veracidade do relatado pela Autora e pelas testemunhas quanto à intenção da Autora voltar a trabalhar após o verão de 2018 e de que lhe havia sido garantido, pela sua anterior entidade patronal, que a partir do início do mês de setembro, se encontrava para si disponível, a função de operadora de caixa, que havia exercido anteriormente, mediante o pagamento do salário mínimo, até porque “relataram factos que não eram os mais favoráveis à A., o que indicia essa mesma seriedade de declarações/depoimentos”.
A intenção de voltar a trabalhar a partir de setembro de 2018, quando o filho (que nasceu em dezembro de 2017) já teria vaga na creche, e a possibilidade de o fazer na anterior entidade patronal, com as mesmas funções de operadora de caixa, mostram-se ainda conformes com as regras de experiência comum e da normalidade do acontecer.
E, quanto à alegada prova documental a que se refere a Recorrente, trata-se de informação prestada pela anterior entidade patronal em 25 de março de 2022 onde consta o seguinte: “em resposta ao vosso ofício relativamente às questões colocadas, aquilo que temos nos nossos registos de cadastro de funcionários é a rescisão de contrato de trabalho com a funcionária a 25-05-2018 por iniciativa da própria conforme cópia da carta anexa. Depois da saída da mesma da empresa (25-05-2018) não temos mais nada registado, nem em mente uma vez que já passou demasiado tempo”.
Tal informação é solicitada pelo tribunal a quo na sequência da reabertura da audiência, por força exatamente da questão a que se refere o ponto 35) dos factos provados, e do despacho proferido em 08 de março de 2002 com o seguinte teor:
“Não nos consideramos totalmente esclarecidos quanto a saber se: a sociedade G. A. Hipermercados, Lda., havia sido garantido à A. que, a partir de início do mês de setembro de 2018, se encontrava disponível para ela, a função de operadora de caixa, que havia anteriormente exercido no Y de Celorico de Basto, mediante o pagamento do salário mínimo.
E afigura-se-nos ser fácil esclarecer totalmente esta questão, que é muito relevante, para a decisão de facto e de direito a proferir.

Assim sendo, ao abrigo do disposto nos arts. 411º e 607º, n º 1, do C.P.C., ordenamos a reabertura da audiência, assim como a realização da seguinte diligência, que se nos afigura necessária:

Notifique a sociedade G. A. Hipermercados, Lda., para que, em 5 dias, (sob pena de não o fazendo poder ser condenada em multa), se digne informar-nos:

a) Se essa sociedade havia prometido ou garantido a C. V., residente em Mondim de Basto que, a partir de início do mês de setembro de 2018, se encontrava disponível para ela, a função de operadora de caixa, que havia anteriormente exercido no Y de Celorico de Basto, mediante o pagamento do salário mínimo;
b) Se a resposta for afirmativa, porque razão é que C. V., a partir de início do mês de setembro de 2018, não foi exercer a função de operadora de caixa, no Y de Celorico de Basto.

Analisando a informação prestada não vemos que a mesma contrarie a matéria constante dos pontos 34) e 35) pois a entidade patronal, questionada expressamente se havia prometido ou garantido à Autora que, a partir de início do mês de setembro de 2018, se encontrava disponível para ela, a função de operadora de caixa, que havia anteriormente exercido no Y de Celorico de Basto, mediante o pagamento do salário mínimo, não o negou, respondendo apenas que depois da saída da Autora em 25/05/2018 não tinha mais nada registado, nem em mente uma vez que já passara demasiado tempo.
Por outro lado, o facto da Autora ter saído por sua iniciativa em 25/05/2018, o que terá ocorrido aproximadamente no fim da licença de maternidade (se o bebé nasceu em 28 de dezembro como referido e a Autora tiver optado por uma licença de maternidade de 150 dias, esta terminaria por volta da referida data), também não se mostra contrario ao declarado pela Autora relativamente a não ter onde deixar o bebé por não ter ainda arranjado vaga, e que a inscrição estava prevista para setembro; de facto, finda a licença de maternidade a Autora teria de se apresentar ao trabalho e, não o podendo fazer por causa do bebé, não deixa de ser verosímil que acordasse com a entidade patronal cessar a relação laboral em maio e voltar a trabalhar a partir de setembro.
A matéria constante do ponto 36) é a consequência decorrente do acidente e dos danos sofridos pela Autora que ficou impedida de trabalhar, pelo menos até julho de 2019, data da alta definitiva.
Inexiste, por isso, fundamento para decidir de forma distinta da 1ª Instância quanto aos pontos 33), 34), 35) e 36) da matéria de facto provada.

Relativamente ao ponto 32), considerando a prova produzida nos autos e de forma que fique mais conforme com a mesma, deverá alterar-se a sua redação para que passe a constar:
32 – A Autora trabalhou no Supermercado Y até 25/05/2018, exercendo funções de operadora de caixa, a tempo parcial, tendo estado de licença de maternidade face ao nascimento do seu filho no dia - de dezembro de 2017”.
***
3.3. Reapreciação da decisão de mérito da acção

Importa agora apreciar se deve manter-se a decisão jurídica da causa, analisando os demais fundamentos constantes da apelação da Ré e os da apelação da Autora.
Começamos salientando que não vem questionada no presente recurso a responsabilidade da Ré pelo pagamento da indemnização devida à Autora, em consequência do acidente dos autos, mas tão só, e por ambas as partes, o valor dessa indemnização.
Tendo em atenção que ambas as Recorrentes vieram questionar o valor da indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais e de dano patrimonial futuro, iremos começar por apreciar esta questão.

Assim, por razões de coerência, lógica e economia processual, as questões de um e outro recurso serão apreciadas conjuntamente e pela ordem seguinte:

- Em primeiro lugar as questões respeitantes à determinação dos montantes indemnizatórios:
a) Quanto ao montante devido a título de danos não patrimoniais;
b) Quanto ao montante devido a título de dano futuro (dano biológico);
- Em segundo lugar, a questão suscitada pela Ré da indemnização a título de lucros cessantes;
- Em terceiro lugar a questão suscitada no recurso da Autora quanto à condenação da Ré no pagamento do dobro da taxa de juro.
*
3.3.1. Do montante da indemnização devida a título de danos não patrimoniais

O Tribunal a quo fixou em €25.000,00 a indemnização a atribuir à Autora pelos danos não patrimoniais.
A Autora entende que o valor peca por defeito, considerando mais justo e adequado o valor de €45.000,00.
A Ré não aceita o valor por manifestamente exagerado em face da jurisprudência proferida em casos similares e sustenta, por isso, que a indemnização a atribuir à Autora a título de danos não patrimoniais deve ser reduzida para €15.000,00.
Vejamos se lhes assiste razão.
No que toca aos danos não patrimoniais o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (cfr. artigo 496º n.º 3 do Código Civil).
Estabelece-se, pois, um critério de mera equidade, que deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, designadamente a gravidade e a extensão da lesão.
Assim, o montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Relativamente a tais danos, o prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano (vide Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, n.º 1, 1.º ano, APADAC, p. 20).
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/04/2022 (Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1) “os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis: não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização. Não se trata, portanto (como já ensinava o saudoso professor Mota Pinto), de atribuir ao lesado um “preço de dor” ou um “preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal”.

Quanto à fixação da indemnização por danos não patrimoniais, relevam no caso concreto, e no essencial, os seguintes factos provados:

- Em consequência do acidente, a Autora ficou ferida e foi transportada ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real;
- Após a realização de vários exames radiográficos, foi-lhe diagnosticado, em consequência direta e necessária da colisão: traumatismo do braço e ombro esquerdos, com fratura no terço superior do úmero esquerdo;
- Em consequência, foi-lhe efetuada a imobilização do referido membro superior, com ligaduras tipo gerdy, recolhendo a casa, nesse mesmo dia; foi-lhe ministrada medicação, para toma oral e intravenosa.
- Efetuou hidroterapia, deslocando-se três vezes por semana, para sessões de trinta minutos cada, durante cerca de três meses;
- Realizou fisioterapia entre fevereiro e junho de 2019, deslocando-se, para o efeito, inicialmente, a casa da Autora, um fisioterapeuta para sessões diárias, de uma hora cada, e, posteriormente, a Autora passou a ser submetida às sessões de fisioterapia, em clínica, onde passou a dirigir-se para o efeito, três vezes por semana, durante cerca de dois meses, até junho de 2019, tendo sido submetida a um total de 50 tratamentos, que ocorreram diariamente;
- A Autora continuou em consultas, no Hospital ..., no Porto, numa cadência mensal, para acompanhamento da sua situação clínica, altura em realizou sempre exames, tais como, TAC e radiografias.
- Por permanecer com dores e por não estar esclarecida se deveria, ou não, ser operada, solicitou acompanhamento, na especialidade de ortopedia, no Centro Hospitalar Universitário do..., E.P.E, Unidade Hospitalar de ..., onde passou a ser seguida na referida especialidade e na qual manteve acompanhamento em consulta externa;
- A Autora continuou a efetuar os tratamentos de hidroterapia e fisioterapia, indo, também, às consultas de fisiatria, ao Hospital ... e ao Hospital ..., em Vila Real, em ambos se constatando que, não poderiam ser alterados os tratamentos, por não haver consolidação da lesão;
- Teve alta definitiva no dia 9 de julho de 2019;
- Teve um défice funcional temporário parcial situado entre de 316 e 322 dias e ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos;
- Sente dificuldade em exercer tarefas do seu quotidiano, tais como cozinhar, fazer limpezas, cuidar da sua roupa e dos filhos, o que faz à custa de maior esforço e sacrifício, não conseguindo estender a roupa numa corda mais alta e carregar/levantar compras mais pesadas, com o braço esquerdo;
- Consegue conduzir, em circuitos pequenos, com agravamento álgico quando tem de conduzir maiores distâncias;
- Em virtude das lesões que sofreu, esteve impedida de realizar autonomamente, as tarefas normais do seu dia-a-dia, durante vários meses, designadamente, de cuidar da sua higiene pessoal e da sua alimentação, em especial de tomar banho, vestir-se e calçar-se;
- Bem como, de conduzir, de transportar as compras do supermercado, de cuidar da limpeza e arrumação da casa, de confecionar as refeições e de prestar regular acompanhamento aos seus filhos menores, mormente ao seu filho mais novo, que tinha apenas sete meses de idade à data da colisão, e que a Autora amamentava;
- As dores e incómodos decorrentes das lesões sofridas, impediram-na, nos meses seguintes à ocorrência do embate, de conseguir no leito uma posição que lhe permitisse um sono descansado, só tendo conseguido fazê-lo, à custa de medicação analgésica para o efeito;
- Sofreu de perturbações do sono, acordando durante a noite, não conseguindo a qualidade de sono que tinha antes do embate;
- Viu-se obrigada a repouso absoluto e esteve dependente da ajuda de terceira pessoa, para as tarefas normais da sua vida, designadamente, para cuidar da sua higiene pessoal e alimentação, para apoiar os filhos menores, para cuidar do vestuário, da limpeza e asseio da casa e para prestar os cuidados ao seu filho de apenas sete meses, concretamente, para o colocar e retirar do colo, aquando da amamentação, para lhe mudar as fraldas, lhe assegurar as refeições e dar o banho diário;
- Entre novembro de 2018 e março de 2019, foi auxiliada por terceira pessoa, durante quatro horas diárias, por cada dia útil da semana;
- Mercê do ocorrido, durante meses, deixou de fazer caminhadas, assim como deixou de nadar e de andar de bicicleta, por não poder fazê-lo;
- Sentiu ansiedade, sentiu-se diminuída, sofreu abatimento físico e psíquico e desequilíbrio emocional, sentiu-se deprimida e desgostosa e perdeu alegria de viver, durante meses.
- Sentiu, e continua a sentir, dores, para as quais necessitou e, continuará a necessitar, de medicação/analgésicos.
- As lesões sofridas pela Autora, foram também fortemente condicionadoras da sua atividade sexual, durante cerca de sete/oito meses, o que contribuiu para alguma frustração da sua relação amorosa e concorreu também para a tristeza emocional que sofreu;
- Com muito pesar, sentiu e sente, o facto de ter ficado impedida de pegar ao colo o seu filho mais novo.
- Viu-se obrigada a permanecer com o braço esquerdo totalmente imobilizado, durante vários meses, numa primeira fase com recurso a gesso e posteriormente a um imobilizador;
- Foi submetida a vários exames radiográficos e consultas;
- Era dinâmica, alegre, trabalhadora e sociável e passou a ser uma pessoa mais triste, fechada e revoltada com a sua situação, sofreu uma baixa de autoestima, não se sentindo bem em convívios sociais e familiares, pelas dores que sofreu em consequência do ocorrido;
- O facto de ter dificuldade em realizar alguns afazeres e estar impossibilitada de realizar outros, fá-la sentir-se inútil, causando-lhe tristeza e amargura;
- Sofreu um quantum doloris de grau 4, uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer entre o grau 1 e o grau 2 e uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 2.

Tendo em conta esta factualidade, considerando as lesões sofridas e os tratamentos a que a Autora foi sujeita, com particular destaque para o longo período temporal em que esteve afetada, bem como as sequelas de que ficou a padecer, tendo ainda em atenção que fruto dessas sequelas ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos, uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer entre o grau 1 e o grau 2 e uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 2, consideramos que, ao contrário do que sustenta a Ré, nunca seria de reduzir o montante indemnizatório fixado pela 1ª Instância a título de danos não patrimoniais.
Pelo contrário, atendendo à factualidade suprarreferida, formulando o necessário o juízo de equidade e considerando os valores que vêm sendo definidos pela jurisprudência para casos similares, julgamos adequado para compensar os danos não patrimoniais fixar a indemnização em €40.000,00, em vez dos €25.000,00 arbitrados pelo tribunal a quo, valor já reportado à presente data e que se mostra enquadrado nos valores indemnizatórios fixados a título de danos não patrimoniais pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.

A este propósito podemos aqui citar os seguintes acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt):
- do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2017 (Relatora Maria da Graça Trigo), onde, num caso em que atentas “as lesões que a autora sofreu em consequência do acidente, em concreto traumatismo da coluna cervical, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que teve de se submeter e bem assim as sequelas de que ficou a padecer”, ficando a padecer de um índice de incapacidade geral permanente de 2 pontos, se considerou “ser de manter o montante indemnizatório fixado pela Relação por danos não patrimoniais no montante de € 15 000”.
- o Acórdão por nós relatado em 26 de novembro de 2020, no Processo n.º 1804/17.0T8BRG.G1, num caso em que o lesado realizou sessões de tratamentos de reabilitação, ficou a padecer de défice funcional permanente de integridade físico-psíquica correspondente a 2 pontos (por quadro de cervicalgia, sem lesão óssea ou disco-ligamentar documentada), tendo de fazer esforços suplementares no exercício das suas funções laborais, a submissão aos tratamentos, consultas médicas e exames trouxeram-lhe sofrimento, angústia e incómodo, tendo o quantum doloris (deste a data do evento até à data da cura) sido de grau 3 numa escala de 1 a 7, tendo após o embate e até aos tratamentos que realizou, deixado de conviver com os seus amigos e passado por períodos de silêncio e de isolamento, mostrando-se apático e triste, nervoso e ansioso, e em que foi mantido o valor indemnizatório fixado pela 1ª Instância em €15.000,00.
- do Supremo Tribunal de Justiça de 26/05/2021 (Processo n.º 763/17.4T8GRD.C1.S1, Relator Conselheiro Pinto de Almeida) onde se decidiu que “I - Ponderando que a autora: na sequência desse acidente, para o qual não contribuiu, foi submetida a internamento hospitalar (12 dias); foi longo o período com tratamentos e deles continua a necessitar (fisioterapia); teve de usar, durante 6 meses, colete dorso lombar e vai ter necessidade de o continuar a utilizar (nos períodos de trabalho, de esforços físicos e na condução); as sequelas permanentes que apresenta são graves, com os inerentes e graves reflexos físicos e psíquicos (a carecer de acompanhamento psiquiátrico) e afetam não só a sua capacidade funcional, mas também a sua qualidade de vida, dificultando-lhe a realização atividades comuns da sua vida diária, com relevante prejuízo de afirmação pessoal sofreu dores muito intensas e irá sofrer dores (grau 4/7), só atenuadas com medicação, de que depende permanentemente, é ajustado, para compensar o da não patrimonial sofrido, o montante de € 35.000,00”.
- do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2021 (Processo n.º 2601/19.4T8BRG.G1.S1, Relator Conselheiro Manuel Capelo) que considerou respeitar “os imperativos de equidade uma indemnização por danos morais no montante de €45 000,00, de acordo com a jurisprudência e seu sentido evolutivo, que atendeu à circunstância de o autor, de 44 anos de idade, pessoa saudável, que por força do acidente esteve dois anos de baixa médica dos quais 22 dias em internamento hospitalar contínuo, sofreu dores quantificáveis no grau 5, que ao nível do pé/tornozelo direito se manterão para o resto da vida , um dano estético quantificado no grau 3, e ficou com um défice funcional permanente de 15 pontos não mais deixando de claudicar”;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 11/05/2022 (Processo n.º 33/14.0T8MCN.P1.S1, Relatora Conselheira Maria Clara Sottomayor, disponível em www.dgsi.pt, bem como todos os demais que se irão citar) onde se julgou adequada uma indemnização de 60.000,00 euros para compensar os danos não patrimoniais sofridos por um jovem de 17 anos, que esteve 48 dias internado, sofreu quatro cirurgias, das quais três na zona da cabeça, padeceu de um quantum doloris de 6/7, um dano estético de 4/7, um índice de repercussão permanente nas atividades desportivas de 4/7 e DFTP (Défice Funcional Temporário Parcial) de 1984 dias.
Não podemos ainda deixar de referir, a propósito da jurisprudência citada pela Ré, que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a que se refere, e onde foi fixada a indemnização de €15.000,00, foi já proferido em maio de 2014, isto é há oito anos; ora, a jurisprudência dos tribunais superiores deve ser considerada num sentido atualista e evolutivo, sendo que no âmbito do quantum indemnizatório, designadamente quanto aos danos não patrimoniais, se mostra efetivamente em constante evolução.
Assim, em face do exposto, julgamos adequado fixar a indemnização a título de danos não patrimoniais em €40.000,00, valor já reportado à presente data, o que determina, nesta parte, a parcial procedência do recurso da Autora e a improcedência do recurso da Ré, bem como a alteração, em conformidade, da sentença recorrida.
*
3.3.2. Do montante da indemnização devida a título de dano patrimonial futuro

As Recorrentes questionam também o valor da indemnização arbitrada pelo tribunal a quo a título de dano patrimonial futuro, a qual foi fixada em €40.000,00.
Sustenta a Autora que o valor a fixar deve ser de €60.000,00, e pretende a Ré que seja fixado em €25.000,00.
Vejamos se aqui lhes assiste razão.
Conforme resulta do preceituado no artigo 564º n.º 2 do Código Civil, na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.
Ao referir-se a danos futuros previsíveis tem a lei em vista aqueles que não estando verificados no momento em que se opera o cálculo da indemnização podem vir a verificar-se depois (ou seja, aqueles que devem ser havidos como certos ou suficientemente prováveis, dentro do mecanismo do nexo causal; cfr. Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª edição, p. 393 e 394).
Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/03/2018 (Processo n.º 773/07.0TBALR.E1.S1, Relatora Conselheira Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt): “a afetação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, compreendendo-se na primeira categoria a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afetação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras atividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos materiais”.
Também neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/04/2020 (Processo n.º 1456/16.5T8VCT.G1.S1, Relatora Conselheira Catarina Serra,
https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1456.16.5T8VCT.G1.S1/) em cujo sumário consta que “(…) II. O dano biológico é concebido como um dano com duas dimensões ou vertentes: patrimonial ou não patrimonial, consoante se materialize ou não em perdas de natureza económica. III. A ressarcibilidade do dano biológico na sua vertente patrimonial (também designado “dano patrimonial futuro”) não depende da comprovada perda de rendimentos do lesado, podendo e devendo o julgador ponderar, designadamente, os constrangimentos a que o lesado fica sujeito no exercício da sua atividade profissional corrente e na consideração de oportunidades profissionais futuras”.

A sentença recorrida considerou o seguinte:
“(…) Em ordem a imprimir uma maior objetividade na fixação dos montantes indemnizatórios, dando execução a um imperativo de uma tendencial aplicação uniforme do direito - art. 8º, n º 3, do C.C., a jurisprudência tem-se mostrado favorável a que o montante indemnizatório deva começar por ser procurado com recurso a fórmulas matemáticas, cálculos financeiros e aplicação de tabelas.
As fórmulas talvez mais usadas serão as do Ac. do STJ de 05-05-1994, na CJ, Tomo II, pag. 86, e a do Ac. do STJ de 04-12-2007, em www.dgsi.pt. e a do Sr. Conselheiro Sousa Dinis, no Dano Corporal Em Acidentes de Viação, na CJ, Ano IX, Tomo I, pag. 5.
E para aplicação das referidas fórmulas, cálculos e tabelas, releva a idade da Autora à data do acidente, com 36 anos de idade. Assim, até atingir a reforma, atualmente aos 66 anos e alguns meses de idade e com clara tendência para aumentar, decorreriam mais cerca de 30 anos e alguns meses.
Porém, o critério que, na portaria n º 377/2008, de 26-05, e genericamente na jurisprudência, de que são exemplos os Ac. do STJ de 12-01-2010, 27-05-2010, 22-06-2010, 24-06-2010, 11-11-2010, 25-11-2010, 09-02-2011, 12-07-2011, 06-10-2011, 16-02-2012, 24-05-2012, 10-07-2012, 16-10-2012, 11-12-2012, em www.dgsi.pt, vem sendo seguido, para se proceder aos referidos cálculos, não é o da idade da reforma, mas antes o do limite da idade ativa, que vem sendo situado nos 70 anos de idade, sendo que, a própria idade da reforma, a médio prazo, atingirá uma idade próxima daquela.
Assim sendo, importa ter em conta os cerca de 34 anos que, separam os 36 anos da A. à data do acidente, dos 70 anos que constituem o limite habitualmente considerado da sua idade ativa.
Depois, importa ter também em conta o rendimento anual auferido pela A. que, inexistindo, implica que, no concreto caso dos autos, tendo em conta que a aspiração normal da A. seria/será auferir um vencimento próximo do salário mínimo, é este que importa ter em conta.
Importa também atentar na incapacidade da A. para o trabalho e o facto de o capital lhe ser adiantadamente pago de uma só vez, em vez de o ser, como seria normal, ao longo dos anos, o que pode importar que deva ser feito um desconto à quantia a pagar-lhe.

Usando-se a fórmula mais simples do Sr. Conselheiro Sousa Dinis, obteríamos então o seguinte:
€ 705,00 x 14 meses = € 9.870,00 x 34 anos x 13 % incapacidade = € 43.625,40.
No que diz respeito ao desconto a ter lugar, devido ao adiantamento do pagamento, no Ac. do STJ de 23-10-2018, na dgsi, relativamente a um lesado que à data do acidente tinha 54 anos, decidiu-se que: “A dedução de que acima se falou, cuja finalidade é evitar o enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia, não deve atingir os valores de outrora (…). Pensamos que hoje, sendo muito baixos os valores das remunerações resultantes da aplicação do capital, essa dedução, considerando os anos por que durará a perda do rendimento refletida na prestação anual, não deverá ultrapassar 10% do capital a receber”.
No que ao concreto caso dos autos diz respeito, atento o longo período de adiantamento que haverá e porque esse adiantamento é sempre propiciador de possíveis rentabilizações que, de outro modo não poderiam ocorrer, mas atentas também aquelas que são as baixíssimas taxas de juros das aplicações financeiras sem risco e o valor do desconto feito no Ac. do STJ de 23-10-2018 (e tendo em conta que, o adiantamento à A. vai ser por um período superior ao que ocorreu naquele acórdão), entendemos dever haver lugar um desconto de 15%, pela antecipação de pagamento.
Ficamos assim com um total de € 37.081,59.
Importa agora ter em conta a equidade, dando relevância a um conjunto de fatores que, as referidas fórmulas não contemplam, alguns deles referidos no citado Ac. do STJ de 04-12-2007, e de que destacaremos apenas três: 1) a esperança média de vida, que nas mulheres vai já muito para além dos 80 anos de idade, 2) o mais que previsível “significativo” aumento anual do salário mínimo, ao longo dos próximos anos (que constitui inclusivamente um desígnio político-governamental), 3) a maior dificuldade em a A., com as limitações que tem, poder arranjar um emprego (como tem tido, pois continua sem arranjar trabalho), numa região altamente carenciada de empregos, muito mais de empregos que não exijam um braço esquerdo plenamente funcional (como a A. não tem) e, quando é sabido que, a generalidade dos empregadores, não se dispõe a empregar alguém com limitações, quando pode ter alguém que não tem essas limitações.
A este último propósito, importa citar Maria da Graça Trigo, na Julgar n º 46, na pag. 268, onde diz: “… de uma forma geral, quanto mais a atividade profissional ou as atividades económicas alternativas do lesado estiverem dependentes da força, destreza ou habilidade físicas, mais elevado deverá ser o montante indemnizatório”.
Assim, a equidade aconselha, a nosso ver, a fixação de uma indemnização em quantitativo superior ao acima referido, parecendo-nos adequado/equitativo fixá-lo em € 40.000,00”.
Analisando os factos concretos temos que a Autora, que nasceu no dia 04/08/1982, tinha à data do acidente (21/08/2018) 36 anos de idade e ficou afetada por um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 13 pontos, e, apesar de na data do embate não estar a trabalhar, tinha trabalhado até maio de 2018 no Supermercado Y, exercendo funções de operadora de caixa, a tempo parcial, auferindo um montante irregular, rondando, em média, os €400,00 mensais, tencionando após o verão de 2018 continuar a exercer tais funções mediante o pagamento do salário mínimo.
Deverá ainda atender-se à idade que corresponde à esperança média de vida, sendo que para as mulheres que, como a Autora, nasceram em 1982 a mesma é de 76 anos (cfr. www.pordata.pt), sem esquecer a evolução da esperança média de vida à nascença em Portugal, a qual foi estimada, de acordo com os dados estatísticos revelados pelo INE foi, no triénio 2018/2020, em 81,06 anos, sendo 78,07 anos para os homens e 83,67 anos para as mulheres.
Importa precisar que, independentemente da utilização como ponto de partida de uma qualquer fórmula, o que está efetivamente em causa é a fixação de uma indemnização com recurso a um critério de equidade, a qual se deverá enquadrar dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.
Não está em causa recorrer simplesmente a uma qualquer fórmula ou cálculo matemático, antes deve fazer-se um juízo de equidade, ponderando-se todas as circunstâncias do caso; neste sentido entre vários o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/05/2018, relatado pelo Conselheiro Olindo Geraldes em cujo sumário se pode ler que “I. O cálculo da indemnização do dano futuro, podendo embora aproveitar a aplicação de fórmulas matemáticas, é determinado pelo critério da equidade, nos termos do disposto no art. 566.º, n.º 3, do Código Civil” e também o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/03/2018 onde se afirma que a “fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566º,2 do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566º,3 do CC)”.

Podemos sintetizar dizendo que a indemnização pela afetação da capacidade geral ou funcional, sendo indeterminável, deve ser fixada com recurso à equidade e em função dos seguintes fatores:
(i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente);
(ii) o seu grau de incapacidade geral permanente;
(iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências;
(iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências) (v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2022, Processo n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1, Relatora Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, importa em cada caso concreto considerar casuisticamente todos os elementos objetivos que decorrem da matéria de facto apurada, analisados sob o prisma da equidade e à luz das regras da experiência, tendo ainda em consideração os valores que vêm sendo atribuídos em casos similares pelos Tribunais Superiores.

Tendo em vista aferir dos padrões definidos pela jurisprudência podemos aqui citar a título de exemplo os seguintes acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt):
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/06/2016 (relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes), onde se decidiu que tendo a Autora 40 anos à data da consolidação das sequelas, “e permanecendo com uma incapacidade genérica de 6%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas não conseguindo realizar ou só executando com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como costureira, sendo ainda tais limitações suscetíveis de reduzir o leque de possibilidades de exercer outra atividade económica similar, alternativa ou complementar, e de se traduzir em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mormente das lides domésticas, o que se prevê que perdure e até se agrave ao longo do período de vida expetável, mostra-se ajustada a indemnização de €25.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2017 (relatado pela Conselheira Graça Trigo) em que a uma lesada com um défice funcional de 2 pontos e 31 anos de idade, operária fabril que apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flete para a esquerda e para a direita, sempre que a flete no sentido ante-posterior, foi atribuída pela perda da capacidade de ganho o montante de €20.000,00;
- Acórdão da Relação de Coimbra de 14/03/2017 (relatado pelo Desembargador Vítor Amaral) em que se considerou adequado o montante indemnizatório atualizado de €30.000,00 pelo dano biológico, traduzido numa IPP de 6 pontos, com possível agravamento futuro, limitando de forma significativa o uso de um dos membros inferiores do lesado, com 39 anos de idade ao tempo do acidente (ocorrido já em fevereiro de 2013), o que o obriga a esforços suplementares no exercício da sua profissão de guarda prisional, impedindo-lhe a realização de certas tarefas com maior exigência física, para além de constituir limite permanente na sua vida extraprofissional;
- Acórdão desta Relação de 12/09/2019 (relatado pelo Desembargador Ramos Lopes) em que se considerou justa, equilibrada e ponderada a indemnização de €20.000,00 para indemnizar o dano patrimonial sofrido por lesada que exercia profissão não qualificada e que com 41 anos ao tempo do embate ficou a padecer, em consequência das lesões sofridas, de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de sete pontos, que sendo compatível com o exercício da atividade profissional habitual lhe implica esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5 kgs, que se expande e repercute (ainda que em grau correspondente ao défice de sete pontos de que ficou afetada, mas com previsível agravamento futuro) pelas várias tarefas e atividades desempenhadas, limitando-a no respetivo exercício (e refletindo-se até na frustração do desempenho de quaisquer outras atividades de cariz económico-profissional);
- Acórdão da Relação de Coimbra de 22/01/2019 (relatado pelo Desembargador Moreira do Carmo) em que se considerou que “no que respeita ao dano biológico, provado que a A. ficou com sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual, que implicam esforços suplementares, e tendo-se em conta a idade da mesma, de 33 anos, a incapacidade geral permanente de 7 pontos, a mediana gravidade das lesões e sequelas físicas (com perspectiva de agravamento futuro) e psíquicas do acidente, a longevidade de vida previsível, estimada em 83 anos para as mulheres, é adequado e ajustado a indemnização de 30.000 €”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2021 (relatado pela Conselheira Rosa Tching) em que a um lesado, à data do acidente com 32 anos de idade, que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando ligeiros esforços suplementares nomeadamente nas tarefas que obriguem à permanência em pé durante períodos prolongados, quer parado quer em marcha ou a subir e descer muitas escadas, se considerou “justa e equitativa a quantia de €20.000,00 fixada no acórdão recorrido como valor indemnizatório pela perda da capacidade geral do lesado”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/11/2021 (Processo n.º 730/17.8T8PVZ.P1.S1, Relator Conselheiro Abrantes Geraldes) que considerou que “II. Num caso em que a lesada, engenheira civil, com 38 anos de idade, sofreu lesões na cervical de que ficaram sequelas que importaram num déficit psicofísico de 4 pontos, com interferência na atividade profissional e na vida pessoal, em lugar da indemnização de € 15.000,00 fixada pela Relação, é ajustada a indemnização de € 58.000,00 que foi atribuída pela 1ª instância”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2021 (Processo n.º 2787/15.7T8BRG.G1.S1, Relatora Conselheira Maria João Vaz Tomé) onde se considerou relevar “a idade do lesado ao tempo do acidente (25 anos), a esperança média de vida (que, para os indivíduos de sexo masculino nascidos em 1987, segundo dados disponibilizados pelo INE, se situará em 70,30 anos), o índice de incapacidade geral permanente (3 pontos), assim como a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional (maquinista de máquinas de perfuração) exercida pelo Autor lesado. Não pode deixar de se reconhecer o “ombro doloroso” de que ficou a padecer terá, muito provavelmente, repercussões negativas na capacidade de trabalho do Autor, tanto no exercício da profissão habitual como no exercício da atividades profissionais alternativas, compatíveis com as suas competências” e ser "justo e adequado atribuir ao Autor CC a quantia de € 40.0000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros (dano biológico na sua dimensão patrimonial)”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2022 (já citado) em que se decidiu que “No caso dos autos: (i) tendo o lesado 34 anos à data do sinistro; (ii) tendo-lhe sido fixado um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos; (iii) tendo apenas sido feita prova do seu rendimento anual ao tempo do acidente (€ 7.798,00); (iv) e resultando da factualidade dada como provada que, com elevada probabilidade, as lesões por ele sofridas terão significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro cujo exercício exige um elevado nível de força e de destreza físicas ao nível dos membros superiores (atingidos pelas lesões); conclui-se ser mais justo e adequado o quantum indemnizatório de €50.000,00 atribuído pela 1.ª instância do que o montante de €30.000,00 atribuído pelo acórdão recorrido”;
- Acórdão desta Relação de 28/04/2022 (Processo n.º 330/17.2T8BRG.G1, relatado pela Desembargadora Maria Cristina Cerdeira, subscrito pela aqui Relatora como 1ª Adjunta e pelo aqui 2º Adjunto) em que se considerou que “Tendo o lesado, à data do acidente, 34 anos de idade, ficado a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, sendo as sequelas em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, mas implicando esforços suplementares e que, no futuro, necessitará de medicação analgésica a prescrever por médico assistente e de sessões de fisioterapia a prescrever por médico fisiatra, em duas consultas anuais, considera-se justa e equitativa a quantia de € 38.000,00 a título de dano biológico”.

Assim, em face da já referida factualidade, e considerando os valores que vêm sendo definidos pela jurisprudência, afigura-se-nos que não deve ser reduzida a indemnização arbitrada a este título pelo tribunal a quo, improcedendo também nesta parte o recurso da Ré.
Não podemos deixar de reiterar que a jurisprudência deve ser considerada com um sentido atualista e evolutivo, sendo certo que a jurisprudência citada pela Ré nas suas alegações data de 2012, 2013 e 2014.
In casu, tendo a Autora ficado afetada por um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 13 pontos, compatível embora com a atividade profissional habitual de caixa de supermercado, mas implicando esforços suplementares, sentindo também dificuldade em exercer tarefas do quotidiano, não conseguindo estender roupa numa corda mais alta e carregar/levantar compras mais pesadas com o braço esquerdo, conseguindo conduzir em circuitos pequenos mas com agravamento álgico quando tem de conduzir maiores distancias, traduzindo-se tais limitações em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mas sendo também suscetíveis de influir negativamente na possibilidade de exercer atividades económicas alternativas, o que se prevê que perdure ao longo da vida expetável, e atendendo aos valores que vêm sendo atribuídos pela jurisprudência para casos similares, entende-se como justo e adequado atribuir à Autora, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros (dano biológico na sua dimensão patrimonial), a quantia de €50.0000,00, valor já reportado à presente data, em vez dos €40.000,00 arbitrados pelo tribunal a quo, o que determina, também nesta parte, a parcial procedência do recurso da Autora, e a alteração, em conformidade, da sentença recorrida.
*
3.3.3. Da indemnização devida a título de lucros cessantes

A Ré veio ainda sustentar que em face da alteração da matéria de facto por si pugnada deixa de ter razão de ser a sua condenação no pagamento da quantia de €6.520,00 referente a lucros cessantes.
Contudo, e conforme já decidido, não viu a Ré ser procedente essa sua pretensão, tendo-se mantido a decisão da 1ª Instância quanto aos pontos 33), 34), 35) e 36) da matéria de facto provada; a alteração introduzida na redação do ponto 32), nada releva para a pretensão da Autora, improcedendo também nesta parte o recurso da Ré.
*
3.3.4. Da condenação da Ré no pagamento do dobro da taxa de juro

A Autora peticionou a condenação da Ré no dobro da taxa de juro por considerar que a mesma violou o disposto nos artigos 37º n.º 1, alíneas a) e b), 38º n.º 1 e 2 e 39º, n.º 1 e 2 do Decreto-lei n.º 291/2007 de 21/08.
Pelo tribunal a quo foi entendido que, fazendo-se depender a comunicação da assunção ou não assunção da responsabilidade e a regularização dos danos corporais, da apresentação de um pedido nesse sentido, por parte do lesado e não tendo a Autora alegado/demonstrado que tivesse formulado à Ré um pedido de indemnização, nem sequer se havia iniciado um prazo para a Ré dever comunicar à Autora a assunção ou não assunção da responsabilidade ou apresentação de uma proposta, considerando não se poder ter por incumpridos os deveres fixados no artigo 37º n.º 1, c) ou n.º 2, b), razão pela qual, não tem aplicação o disposto no artigo 38º, n.º 2 e 3, por força do disposto no artigo 39º n.º 2.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 38º do Decreto-lei n.º 291/2007 de 21 de agosto cumpre à seguradora proceder à comunicação da assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo referidos na alínea e) do n.º 2 e n.º 5 do artigo 36º do mesmo diploma, estipulando o seu n.º 3 que “Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial”; sendo que como “proposta razoável” deve ser entendida “aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado” (n.º 4 do referido preceito).
Já o artigo 39º do mesmo diploma prevê que a posição prevista na alínea c) do n.º 1 ou na alínea b) do n.º 2 do artigo 37º se consubstancia numa proposta razoável de indemnização no caso da responsabilidade não ser contestada e do dano sofrido ser quantificável no todo ou em parte; e o nº 1 do artigo 37º (para o qual remete o nº 1 do artigo 39º), e que respeita aos deveres da empresa de seguros quanto à regularização dos danos corporais sempre que lhe seja comunicada a ocorrência de um sinistro automóvel que envolva danos corporais e esteja coberto por um contrato de seguro, dispõe que aquela deve comunicar a assunção ou a não assunção da responsabilidade no prazo de 45 dias a contar da data do pedido de indemnização, caso tenha sido entretanto emitido o relatório de alta clínica e o dano seja totalmente quantificável (alínea c) mas se no referido prazo não seja emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável a assunção da responsabilidade assume a forma de “proposta provisória” (alínea a) do nº 2) e se tal proposta tiver sido aceite a empresa de seguros deve efetuar a assunção da responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar do conhecimento pela empresa de seguros do relatório da alta clínica ou da data a partir da qual o dano deva considerar-se como totalmente quantificável se posterior.
No que toca à questão dos juros o n.º 3 do referido artigo 39º prevê ainda que quando a proposta de seguros tiver sido efetuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil os juros previstos no número anterior são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial e relativamente aos danos não patrimoniais a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos.
No caso em apreço, a questão que a Autora coloca não é a da razoabilidade de proposta apresentada, mas a ausência da apresentação de uma proposta.
Segundo refere a Autora, a Ré, que assumiu a responsabilidade e tratou clinicamente a Autora, indemnizando-a de alguns danos, não apresentou proposta de indemnização, tendo decorrido vários meses entre a data da alta atribuída e a propositura da presente ação.
É inequívoco nos autos que a Ré, que efetivamente assumiu a responsabilidade, prestou serviços clínicos à Autora e indemnizou-a de alguns danos (v. ponto 9 dos factos provados) não apresentou uma proposta concreta de indemnização.
Mas, deverá a Ré ser sancionada, no caso concreto, com o agravamento dos juros previsto no referido artigo 38º do Decreto-lei n.º 291/2007?
Analisada a matéria de facto provada resulta ainda demonstrado que por carta datada de 22/07/2019, que a Ré enviou à Autora, comunicou-lhe que enviava relatório médico referente à avaliação clínica a que fora submetida e que, por comunicação enviada na mesma data, a Ré solicitou à Autora o envio de documentação, com vista à apresentação de proposta extrajudicial, o que insistiu por comunicação datada de 18/09/2019, não tendo a Autora remetido essa documentação à Ré e nem apresentado pedido de indemnização.
Decorre, por isso, dos autos, que a Ré assumiu a responsabilidade e prestou assistência clínica à Autora, assegurou-lhe ainda a assistência de terceira pessoa durante um certo período temporal e reembolsou-a de despesas suportadas até à data da alta clínica atribuída pelos serviços da Ré e, quando lhe enviou o relatório médico referente à avaliação clínica a que fora submetida, solicitou-lhe o envio de documentação tendo em vista apresentar-lhe a proposta de indemnização.
Da análise do documento em causa (junto a fls. 81 vº) constatamos que no assunto consta “Pagamento de despesas e/ou de Períodos de Incapacidade – “Proposta provisória” e que os elementos solicitados respeitam à situação profissional da Autora, vencimento e eventual recebimento de subsídio de doença.
De salientar que, ao contrário de que vem referido nas alegações da Autora, não consta da matéria de facto apurada que a Ré estivesse já na posse dos elementos que solicitou na referida comunicação.
Não tendo a Autora enviado à Ré os elementos solicitados, e nem dado qualquer resposta (designadamente justificativa do não envio), julgamos legitima a posição da Ré que ficou a aguardar o seu envio para apresentar uma proposta concreta, impondo-se, por isso, concluir como na decisão recorrida de que não existe fundamento para penalizar a Ré com o agravamento dos juros, improcedendo nesta parte a pretensão da Autora.
*
Em face de todo o exposto, improcede integralmente a apelação da Ré e na parcial procedência da apelação da Autora, deve a sentença ser alterada e a Ré condenada no pagamento à Autora da quantia de €40.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais e da quantia de €50.000,00 pelo dano patrimonial futuro (dano biológico na sua vertente patrimonial), acrescida do valor correspondente aos juros moratórios, à taxa de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.
As custas do recurso da Autora e da ação são da responsabilidade da Autora (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia) e da Ré na proporção do respetivo decaimento e as custas do recurso da Ré são da sua inteira responsabilidade, em face do seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º nº. 7 do Código do Processo Civil):

I - Tendo em atenção as lesões que a Autora sofreu em consequência do acidente, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, bem como os tratamentos a que teve de se submeter, tendo estado impedida de realizar durante vários meses autonomamente as tarefas normais do dia-a-dia, tais como cuidar da sua higiene e alimentação e do seu filho mais novo com sete meses, que amamentava, tendo estado para tal dependente do auxilio de terceiros, sendo o Défice Funcional Temporário Parcial fixável entre 316 e 322 dias, considerando ainda as sequelas de que ficou a padecer, e tendo em atenção que fruto dessas sequelas ficou com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 13 pontos, Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável entre o grau 1 e o grau 2, e Repercussão Permanente na Atividade Sexual fixável no grau 2, considera-se adequado o montante de €40. 000,00 para a compensar dos danos não patrimoniais sofridos.
II - Tendo a Autora, à data do acidente 36 anos de idade, e tendo ficado afetada por Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 13 pontos, compatível embora com a atividade profissional habitual de caixa de supermercado, mas implicando esforços suplementares, sentindo também dificuldade em exercer tarefas do quotidiano, não conseguindo estender roupa numa corda mais alta e carregar/levantar compras mais pesadas com o braço esquerdo, conseguindo conduzir em circuitos pequenos mas com agravamento álgico quando tem de conduzir maiores distancias, traduzindo-se tais limitações em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mas sendo também suscetíveis de influir negativamente na possibilidade de exercer atividades económicas alternativas, o que se prevê que perdure ao longo da vida expetável, e atendendo aos valores que vêm sendo atribuídos pela jurisprudência para casos similares, entende-se como justo e adequado atribuir à Autora, a título de indemnização pelo dano biológico, na sua dimensão patrimonial, a quantia de €50.0000,00.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em:

1) Julgar totalmente improcedente o recurso da Ré contra X-Companhia de seguros, S.A.;
2) Julgar parcialmente procedente o recurso da Autora C. V. e, consequentemente, revogar parcialmente a sentença recorrida condenando a Ré X-Companhia de seguros, S.A. a pagar à Autora C. V.:
2.1) A quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, contados desde a presente data;
2.2) A quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de dano patrimonial futuro (dano biológico na sua dimensão patrimonial), acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 4%, contados desde a presente data;
3) Confirmar no mais a sentença recorrida.

As custas do recurso da Autora e da ação são da responsabilidade da Autora (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia) e da Ré na proporção do respetivo decaimento e as custas do recurso da Ré são integralmente da responsabilidade desta (artigo 527º do Código de Processo Civil).
Guimarães, 29 de setembro de 2022
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)