IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS NÃO PROVADOS
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
REIVINDICAÇÃO
USUCAPIÃO
Sumário


I – Na acção de impugnação de justificação notarial o autor pode também pedir o reconhecimento do seu direito sobre o prédio, por contraposição à declaração de inexistência do direito do réu, bem como a reivindicação do prédio, caso em que a causa de pedir engloba, igualmente, a existência do direito do autor e a violação desse direito por banda do réu.
II – Nesta situação, continua a recair sobre o Réu o ónus de alegar e de provar os factos constitutivos do direito que pretendeu justificar através da escritura de justificação notarial, mais concretamente, se for o caso, os factos que integram a aquisição originária do direito por via da usucapião.
III – Na parte em que peticiona, pela positiva, a declaração do seu direito de propriedade (reivindicação), compete ao autor o ónus de alegação e prova dos respectivos pressupostos do direito que pretende ver reconhecido.

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

M. P., na qualidade de herdeira de seus pais, J. B. e M. A., intentou, no Juízo de Competência Genérica de Macedo de Cavaleiros do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra F. C., pedindo que se declare que “a autora, o réu e os chamados seus irmãos são, actualmente, os únicos e universais herdeiros de J. B. e mulher, M. A., e que, nessa qualidade, são proprietários dos prédios rústicos descritos no supra artigo supra 9º e que é ineficaz a escritura de justificação notarial da posse aludida em 20º, exarada de folhas seis a folhas oito verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas número ..-L do Cartório do Notário L. G., em Ovar, ordenando-se o cancelamento do eventual registo da aquisição desses prédios a favor do R. e eventuais registos subsequentes”.
Para tanto alegou, em síntese, que a autora e réu são filhos de J. B. e M. A., entretanto falecidos e que, ambos e os demais herdeiros, aceitaram as heranças respetivas e na posse das mesmas se achando; que correu termos o processo de inventário por cada um dos pais, sem que por óbito do pai tivessem sido partilhados todos os bens comuns do casal (pais dos autores e réu); que do património comum do casal, então falecido, fazem parte além de outros, quatro prédios rústicos, todos sitos na freguesia de ..., Concelho de Vila Flor; que todos estes prédios foram pertença de J. P. e M. I., tios da mãe dos autores e do réu que, em 1957, lhes vendeu verbalmente; que desde 1957 até à morte do marido, em 2001, os pais dos autores e réu retiveram e fruíram os prédios descritos como coisas inteiramente suas, praticando todos os atos de posse, à vista de todos e sem oposição de ninguém, convencidos de que exerciam um direito próprio; que por usucapião radicou na esfera patrimonial dos pais das aqui partes um verdadeiro direito de domínio sobre tais prédios; que após a morte do pai, a sua mulher deu continuidade aos atos de posse identificados na p.i. e após a morte da sua mãe foram os seus filhos que deram tal continuidade, nomeadamente o aqui réu, embora na qualidade de herdeiro e de cabeça de casal; em 03-02-2020 o réu outorgou uma escritura pública de justificação notarial, através da qual, justificou a posse daqueles prédios, declarando que comprou em 1979 a J. P. e Mulher M. I.; mais declarou o réu na referida escritura notarial que os seus pais lhe venderam um outro prédio rústico sito, também, em ... e ..., Vila Flor, o que jamais fora vendido, designadamente por falta de consentimento dos outros filhos; conclui que todos os factos são falsos e a escritura é ineficaz e nulo o registo de aquisição do direito de propriedade; concluiu pela improcedência da ação e consequente absolvição do réu dos pedidos contra ele formulados.
Mais foi requerida a intervenção principal provocada de A. B., N. M., M. V., R. J. e C. C. para, na qualidade de herdeiros de seus pais J. B. e M. A., assumirem a posição de autores.

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Citado, contestou o Réu F. C., por impugnação, pugnando pela improcedência da ação e consequente manutenção do acto notarial nos termos exarados.
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Por despacho de 23-09-2020 foi admitida a requerida intervenção principal provocada.
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Citados, nos termos e para os efeitos do art. 319.º do Código de Processo Civil, os terceiros chamados nada disseram. Juntaram procuração forense outorgada a favor de mandatário forense.
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A Autora apresentou réplica, concluindo como na petição inicial e pedindo a condenação do réu, por litigância de má fé, em multa e em indemnização.
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Realizada audiência prévia nela foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e a regularidade da instância; de seguida, procedeu-se à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova.
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Foi realizada a audiência de discussão e julgamento (ref.ª 23802717 e 23876212).
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença, nos termos da qual, julgando a ação totalmente procedente, decidiu:

«- Declarar que a autora M. P., o réu F. C. e os intervenientes principais A. B., N. M., M. V., R. J., C. C. são os únicos e universais herdeiros da falecida M. A.;
- Declarar a ineficácia da escritura pública de justificação notarial, celebrada em 03-02-2020, no Cartório Notarial do Dr. L. G., em Ovar, constante de folhas 6 a 8 verso, do Livro de Notas para Escrituras Diversas 2-L; unicamente quanto aos prédios melhor identificados em 8.
- Declarar que a herança aberta por óbito de M. A. é dona e legítima proprietária dos seguintes imóveis:
- terra para centeio, sita em ..., a confrontar de norte com G. N., sul A. B., nascente A. J. e poente J. V., inscrito na matriz respetiva sob o artigo … e anteriormente inscrito na matriz predial rústica da extinta freguesia de ... sob o artigo …;
- terra para centeio, sita em ..., a confrontar de norte com S. C., sul M. J., nascente A. J. e poente H. C., inscrito na matriz respetiva sob o artigo … e anteriormente inscrito na matriz predial rústica da extinta freguesia de ... sob o artigo …;
- terra para centeio, sita em ..., a confrontar de norte e nascente com J. T., sul A. A. e poente J. G., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ... e anteriormente inscrito na matriz predial rústica da extinta freguesia de ... sob o artigo ...; e
- terra de centeio e terra de pasto para gado, sita em ..., a confrontar de norte com H. C., sul J. J., nascente Maria e poente L. G., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ... e anteriormente inscrito na matriz predial rústica da extinta freguesia de ... sob o artigo .... Declara-se nula a partilha extrajudicial e determina-se o cancelamento das inscrições a que deram origem, mormente as que resultam das apresentações n.º 2337 de 2018/02/07 e n.º 2517 de 2018/02/07».
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Inconformado, o Réu F. C. interpôs recurso da sentença e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«A) Os presentes autos não integravam uma acção de simples apreciação negativa, outrossim ao peticionar, pela positiva, que fosse declarado que esta, Réu e os chamados a intervir, seus irmãos, “são”, actualmente, e por sucessão hereditária de J. B. e cônjuge, M. A., proprietários dos prédios rústicos atrás identificados, passou a estar sujeita a todos os ónus de alegação e prova dos pressupostos do direito que pretendia ver reconhecido, alegando e provando a aquisição originária e demais elementos conducentes à usucapião!
B) A contrariu do entendimento do Tribunal a quo, a autora e seus irmãos intervenientes não deram cumprimento ao ónus que lhe estava imposto, tendo o Réu dado cumprimento cabal.
C) A prova da Autora foi alegadamente produzida, ou melhor, “não produzida” com as suas declarações de parte, assim como demais irmãos intervenientes, todos desavindos com o Recorrente há pelo menos 20 (vinte) anos, nem sequer falando com o mesmo.
D) Foi feita partilha judicial por óbito do pai da Autora que tramitou sob o número 14/07.0TBVFL no Tribunal a quo, e declarado pela cabeça de casal que os quatro bens reclamados para a herança aberta por óbito de sua mãe, M. A., não lhes pertenciam, aliás não pertenciam à herança a partilhar! – Pertencendo ao tio J. P. e cônjuge, I. P., falecidos, e consequentemente aos herdeiros destes!
E) Declaração feita por requerimento de 01/07/2008, cuja certidão judicial extraída, foi junta aos autos na data de 16/06/2021 com referência Citius 1802755, exibida à Autora e irmãos nas sua declarações de parte e que o Tribunal a quo não apreciou na sentença ora recorrida.
F) Impondo-se que o facto 5.º dado como provado na sentença recorrida, a saber:
“O processo de inventário nº 14/07.0TBVFL encontra-se findo embora não tenham sido partilhados todos os bens comuns do casal, pais da autora e réu.” seja considerado como não provado,
G) E pelos mesmos fundamentos que se dão por integralmente reproduzidos, declarado provado o facto : “g) Os prédios id. em 8. não foram indicados na relação de bens e relação adicional debens, como pertencentes à herança indivisa e aberta a partilhar, não integrando, como nunca integraram o património da M. A. e J. B..
H) O tribunal a quo entendeu que o simples facto de os pais da Autora e intervenientes, assim como do Réu, exerciam direito próprio de fruição igual ao de um verdadeiro proprietário sem título de aquisição, pelo facto de recolherem lenha.
I) Lenha que N. M. e C. M. não recolhem, já não se deslocam aos terrenos desde 1999, assim como M. P. desde 1996 ou 1997, A. B. e J. F. pelo menos há 45 anos; C. C. diz deslocar-se à aldeia com frequência mas não se desloca aos terrenos, apenas os visualiza por acesso ao parcelário.
J) Autora e irmãos declaram desconhecer se o Réu lavrava ou cuidava dos terrenos.
K) Não podendo as suas declarações ser consideradas pelo Tribunal a quo honestas, desinteressadas, sinceras e merecendo fé! – Aliás na gravação audio é manifesta a animosidade, quiçá raiva, que demonstram pelo irmão Réu e qui recorrente, mormente quando inquiridas pela ora subscritora, sua mandatária.
L) Factos demonstrados por N. M. ao minuto 00.30:11, e 00.30:22, M. P. aos minutos 00.21:28 e 00.21:37, A. B. aos minutos 00.26:32 e 00.26:48 e J. F. aos minutos 00.24:49, 00.24:59!
M) Os prédios reclamados e objecto da presente acção estão a monte, há largas décadas a monte, que significa ao abandono por parte dos seus pais e de seus irmãos e em tempo algum pode tal conduta ser reflexo de exercício de direitos de propriedade praticados por quem actua com animus de direito próprio;
N) A posse dos pais da Autora, nos poucos anos que foi exercida foi a título precário, alicerçada num empréstimo, num consentimento dos seus titulares ausentes no Brasil de deixar cultivar… nada mais que isto!
O) Impõe-se alterar a materiaridade dos factos dados como provados da seguinte forma:
Facto 9. Os prédios melhor identificados em 8. Foram pertença de J. P. e de sua mulher, M. I., tios da mãe da Autora e Réu que, em data não concretamente apurada, mas seguramente depois de 1963, aquando da sua emigração para o Brasil, e por acordo meramente verbal, aqueles primeiros cederam a disponibilidade, utilização e fruição a título de empréstimo para que deles cuidassem, e não definitivo.
Facto 10. Considerado não provado por inexistir prova produzida quanto à continuidade da posse entre 1963 e 2001
Facto 11. Considerado como não provado, porquanto, a par da não continuidade da posse, ficou provado que os prédios estavam “a monte”, e mesmo que, por hipótese meramente académica fossem buscar lenha, esta não se cultiva!
Facto 12. Considerado como não provado, pelo atrás alegado,
Facto 13. Considerado como não provado, porquanto ficou absolutamente claro, pelas próprias declarações da Autora e seus irmãos intervenientes, o abandono de todos os prédios, aos quais já não se deslocavam há mais de duas décadas, não podendo considerar o Tribunal a quo, como considerou, que a instauração da presente acção é manifestação da defesa da sua posse,
P) O Tribunal a quo, sustenta-se no facto de existir um requerimento apresentado pelo Réu aos autos de inventário sob o número 14/07.0TBVFL reclamando a omissão dos bens objecto do presente litígio e que “este comportamento do Réu é relevante para aferir do animus com que o réu actuava sobre aqueles prédios”; sucede que o Recorrente o fez, para garantir a não oposição da sua família e também ele legalizar as propriedades
Q) Em resposta a esse requerimento, a cabeça de casal afirmou não fazerem parte do acervo hereditário a partilhar por óbito de J. B. e mais tarde os reclama!
R) A prova testemunhal produzida pelo Recorrente logrou localizar os prédios, descrever as culturas de sequeiro que os caracterizavam, a falta de água, muita pedra e o cultivo de cereal e principalmente a prática de actos de posse pelo Réu pelo menos entre 15 a 20 anos, que a Autora e seus irmãos até ponderaram existir pois não tinham contacto com ele, não andavam atrás dele, não iam aos terrenos há décadas e não sabiam se os praticava ou não.
S) Ficou provada a prática dos direitos e deveres correspondentes ao direito de propriedade do Réu, de actos materiais de uso e aproveitamento agrícola, sempre com o ânimo de que exercida direito próprio e de forma pública.
T) Impondo-se desta forma que os factos não provados elencados como c), d) e e) da sentença recorrida integrem os factos provados em toda a sua plenitude.
U) A escritura de justificação por usucapião, cuja ineficácia foi peticionada e declarada, teve por objecto cinco prédios, os quatro já descritos e um quinto denominado “C.”, inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., que o Réu alegou ter comprado a seus pais, J. B. e M. A., também no ano de 1979, não tenha sido reclamado pela Autora e seus irmãos.
V) Os factos de que a Autora e irmãos fizeram prova, foi sim deste mera detenção da posse a título empréstimo como já foi expresso, nunca quaisquer outros actos de posse, e mesmo que a tivessem fruido perderam-na por abandono, recordando expressão “está tudo a monte”, pois desde há décadas que não manifestavam qualquer animus que se impunha.
Termos em que, na procedência das presentes alegações do recorrente deverão V.ªs Ex.ªs dar provimento à apelação, alterando a materialidade factual provada e não provada em conformidade com o exposto, doutamente decidindo pela revogação da sentença e substituindo-a por outra que julgue a ação totalmente improcedente.
´Fazendo-se assim, a habitual e necessária JUSTIÇA!».
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Não consta que os Autores tenham apresentado contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, por ordem lógica da sua apreciação, apresentam-se as seguintes questões a decidir:
i) - Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
ii) - Saber se o Réu demonstrou ter adquirido, por usucapião, os prédios objeto da escritura de justificação notarial em crise nestes autos, nos termos declarados na escritura outorgada em 2/02/2020.
iii) Da (im)procedência do pedido de reivindicação.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A - A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. A autora M. P., o réu F. C. e os intervenientes principais A. B., N. M., M. V., R. J., C. C. são filhos de J. B. e de M. A., falecidos, respetivamente, em 01-08-2001 e em 12-08-2015.
2. A autora, o réu e restantes intervenientes principais aceitaram as heranças respetivas, na posse das mesmas se achando.
3. Corre atualmente termos processo judicial de inventário no cartório da notária C. V., em Mirandela, com vista à partilha dos bens deixados por M. A. – Processo de Inventário nº 5001/15 – no qual foi o réu nomeado cabeça de casal.
4. Para partilha dos bens deixados por J. B., correu termos, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Flor, o Processo de Inventário nº 14/07.0TBVFL.
5. O processo de inventário nº 14/07.0TBVFL encontra-se findo embora não tenham sido partilhados todos os bens comuns do casal, pais da autora e réu.
6. Neste processo de inventário judicial, foram indicados como herdeiros de J. B. a sua mulher M. A., com quem era casado no regime da comunhão geral de bens, e os seus filhos F. C., aqui réu, A. B., N. M., M. V., R. J., C. C. e M. P., aqui autora, todos tendo sido citados sem que ninguém tivesse impugnado a legitimidade de qualquer deles.
7. No processo de inventário n.º 5001/15, foram indicados como herdeiros de M. A. todos os seus sete filhos, que são os mesmos de J. B., identificados em 6. que foram citados sem que, da mesma forma, tivesse sido impugnada a legitimidade de qualquer deles.
8. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica, no serviço de finanças de Vila Flor, a favor da herança aberta por óbito de M. A. os seguintes prédios rústicos
- terra para centeio, sita em ..., a confrontar de norte com G. N., sul A. B., nascente A. J. e poente J. V., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ... e anteriormente inscrito na matriz predial rústica da extinta freguesia de ... sob o artigo ...;
- terra para centeio, sita em ..., a confrontar de norte com S. C., sul M. J., nascente A. J. e poente H. C., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ... e anteriormente inscrito na matriz predial rústica da extinta freguesia de ... sob o artigo ...;
- terra para centeio, sita em ..., a confrontar de norte e nascente com J. T., sul A. A. e poente J. G., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ... e anteriormente inscrito na matriz predial rústica da extinta freguesia de ... sob o artigo ...; e
- terra de centeio e terra de pasto para gado, sita em ..., a confrontar de norte com H. C., sul J. J., nascente Maria e poente L. G., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ... e anteriormente inscrito na matriz predial rústica da extinta freguesia de ... sob o artigo ....
9. Os prédios melhor identificados em 8. foram pertença de J. P. e de sua mulher, M. I., tios da mãe da autora e réu que, em data não concretamente apurada, mas seguramente depois de 1963, aquando da sua emigração para o Brasil, e por acordo meramente verbal, aqueles primeiros cederam a disponibilidade, utilização e fruição, a título definitivo aos segundos.
10. Desde data não concretamente, mas seguramente depois de 1963 até 2001, ano do falecimento do pai da autora e do réu, J. B. e M. A. retiveram e fruíram dos prédios descritos em 8. como coisas inteiramente suas, ininterruptamente, à vista de toda a gente e com o conhecimento da generalidade dos vizinhos, sem oposição de ninguém, convencidos, desde sempre, que exerciam direito próprio e ignorando lesarem direito alheio.
11. Até ao falecimento de J. B., os pais da autora e do réu semearam, plantaram, cultivaram e colheram os frutos dos prédios identificados em 8., nomeadamente centeio e, do prédio do ... eram cortadas árvores para madeira, retirando dos identificados prédios, em exclusivo benefício próprio, as faculdades e os rendimentos facultados pelos mesmos, defendendo-os, conservando-os e pagando as respetivas contribuições.
12. Após o decesso de J. B., a sua mulher deu continuidade aos atos de posse nomeadamente à recolha de lenhas e madeiras, tendo abandonado o cultivo de cereais.
13. Depois do finamento de M. A., em 12-08-2015, a autora e os intervenientes principais praticaram atos destinados a garantir a disponibilidade, uso e fruição dos identificados prédios.
14. Por escritura pública datada de 03-02-2020, outorgada no Cartório Notarial do Dr. L. G., em Ovar, constante de folhas 6 a 8 verso, do Livro de Notas para Escrituras Diversas 2-L, em que é primeiro outorgante o aqui réu F. C., onde declarou que
“Com exclusão de outrem, é dono e legítimo possuidor dos seguintes prédios, todos da união de freguesias de ... e ..., concelho de Vila Flor:
“UM – RÚSTICO, sito em ..., composto de terra composto de terra para centeio, como a área total de dezasseis mil e duzentos metros quadrados, que confronto do NORTE com G. N., do SUL com A. B., do NASCENTE com A. J. e do POENTE com J. V..
Não está descrito na competente Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ..., que proveio do artigo ... da extinta freguesia de ..., com o valor patrimonial tributável de € 216,19.
DOIS - RÚSTICO, sito em ..., composto de terra para centeio, com a área total de treze mil e oitocentos metros quadrados, que confronta do NORTE com S. C., do SUL com M. J., do NASCENTE com A. J. e do POENTE com H. C..
Não está descrito na competente Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ..., que proveio do artigo ... da extinta freguesia de ..., com o valor patrimonial tributável de € 427,95.
TRÊS - RÚSTICO, sito em ..., composto de terra para centeio, com a área total de três mil e trezentos metros quadrados, que confronta do NORTE e NASCENTE com J. T., do SUL com A. A. e do POENTE com J. G..
Não está descrito na competente Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ..., que proveio do artigo ... da extinta freguesia de ..., com o valor patrimonial tributável € 96,82.
QUATRO – RÚSTICO sito em …, composto de terra para centeio coa oliveiras, com a área total de dois mil cento e oitenta metros quadrados, que confronta do NORTE com Ribeiro, do SUL com M. M., do NASCENTE com A. G. e do POENTE com S. A..
Não está descrito na competente Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ..., que proveio do artigo 2962 da extinta freguesia de ..., com o valor patrimonial tributável de € 101,24.
CINCO – RÚSTICO, sito em ..., composto de terra para centeio e terra de pasto para gado, com a área total de dez mil e trezentos metros quadrados, que confronta do NORTE com H. C., do SUL com J. J., do NASCENTE com Maria e do POENTE com L. G..
Não está descrito na competente Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ..., que proveio do artigo ... da extinta freguesia de ..., com o valor patrimonial tributável e € 96,82.
15. réu, na referida escritura, mais declarou que
“Estes prédios vieram à sua posse no ano de mil novecentos e setenta e nove, por entrega material em cumprimento de contrato de compra e venda verbal, em que foram vendedores, do prédio identificado em QUATRO, J. B. e mulher M. A., residentes que foram em ..., Vila Flor e os restantes prédios, J. P. e mulher I. P., residentes que foram no Brasil. (…)
Que não obstante a falta de título, sempre tem possuído os ditos prédios, desde aquela data exercendo todos os direitos e deveres correspondentes ao direito de propriedade, deles usufruindo e gozando de todas as utilidades por eles proporcionadas, participando nas suas vantagens e encargos, praticando todos os atos materiais de uso e aproveitamento agrícola, nomeadamente tratando das árvores, limpando o mato, sempre com ânimo de quem exercita direito próprio , sendo reconhecido como seu dono por toda a gente, fazendo-o de boa fé, por ignorar lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, continua, porque nunca interrompida, e pública, porque à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém e tudo isto por lapso de tempo superior a VINTE ANOS. (…)”
16. O extrato da escritura foi publicado no jornal mensal “…”, da localidade de …, concelho de Carrazeda de Ansiães, na edição de 20 de fevereiro de 2020.
17. Em março de 2007, através de idêntica escritura de justificação notarial da posse, o aqui réu declarou-se único e legítimo dono de um outro prédio sito em …, freguesia de ..., concelho de Vila Flor, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, alegando que o mesmo tinha vindo à sua posse por compra verbal feita no ano de 1980 a J. P., negócio que agora também invoca.
18. Essa outra escritura pública de justificação foi judicialmente declarada ineficaz e ordenado o cancelamento do subsequente registo por sentença proferida em ação que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Flor – Proc. nº 187/07.1TBVFL.
19. Da participação de transmissões gratuitas, por óbito de M. A. realizada em 30-11-2015, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, foram indicados como pertencendo ao acervo hereditário da falecida M. A. os imóveis nela melhor identificados, designadamente, os imóveis descritos em 8.
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B - E deu como não provados os seguintes factos:
a. Que por volta do ano de 1957, J. P. e sua mulher, M. I., tios da mãe da autora e réu, por contrato meramente verbal, os venderam a J. B. e sua mulher M. A..
b. Que após o falecimento da mãe, em 12-05-2015, os seus filhos mantiveram a prática de atos como semear, plantar, cultivar e colher os frutos dos prédios identificados, nomeadamente centeio e, no prédio do ... continuaram a cortar árvores para madeira, retirando dos identificados prédios, em exclusivo benefício próprio, as faculdades e os rendimentos facultados pelos mesmos, pagando as respetivas contribuições, nomeadamente o aqui réu embora na qualidade de herdeiro e de cabeça de casal de que, por ser o filho mais velho, se intitula e arroga.
c. Os prédios id. em 8. vieram à posse do réu no ano de mil novecentos e setenta e nove, por entrega material em cumprimento de contrato de compra e venda verbal, em que foram vendedores J. P. e mulher I. P., residentes que foram no Brasil.
d. Não obstante a falta de título, sempre tem possuído os ditos prédios, desde aquela data, exercendo todos os direitos e deveres correspondentes ao direito de propriedade, deles usufruindo e gozando de todas as utilidades por eles proporcionadas, participando nas suas vantagens e encargos, praticando todos os atos materiais de uso e aproveitamento agrícola, nomeadamente tratando das árvores, limpando o mato, sempre com o ânimo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecido como seu dono por toda a gente.
e. O réu detinha os prédios id. em 8. de boa-fé, por ignorar lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, contínua, porque nunca interrompida, e pública, porque à vista e com o conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém e tudo isto por um lapso de tempo superior a vinte anos.
f. O réu foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento em processo tramitado no Tribunal de Macedo de Cavaleiros sob o número 100/10.9TAMCD.
g. Os prédios id. em 8. não foram indicados na relação de bens e relação adicional de bens, como pertencentes à herança indivisa e aberta a partilhar, não integrando, como nunca integraram o património da M. A. e J. B..
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V. Fundamentação de direito.

1. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, no qual se dispõe:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que o recorrente indica quais os factos que pretendem que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, procedendo inclusivamente à respectiva transcrição de excertos dos depoimentos testemunhais que considera relevantes para o efeito, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o triplo ónus de impugnação estabelecido no citado art. 640º.
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1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (1):
- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
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1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que o Réu/recorrente pretende:
i) - A alteração da resposta positiva para negativa dos pontos 5, 10, 11, 12 e 13 da matéria de facto provada da decisão recorrida;
ii) - A modificação da resposta do ponto 9 da matéria de facto provada da decisão recorrida;
iii) - A alteração da resposta negativa para positiva das als. b), c), d) e e) da matéria de facto não provada da decisão recorrida.
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Apreciamos, especificadamente, cada um dos fundamentos da impugnação da matéria de facto.
Ponto 5 dos factos provados.

O referido ponto impugnado tem a seguinte redação:
«5. O processo de inventário nº 14/07.0TBVFL encontra-se findo embora não tenham sido partilhados todos os bens comuns do casal, pais da autora e réu».
Sustenta o recorrente que, «se é facto que os quatro bens rústicos, dos cinco justificados pelo Réu, alegadamente já existiam na esfera jurídica dos pais da Autora e irmãos à data do inventário que tramitou por óbito do J. B. e onde foi feita partilha com composição dos quinhões hereditários, tinham que ser levados à partilha, não podendo colher provimento a explicação da Autora e intervenientes principais, seus irmãos, directamente interessados no desfecho favorável e coincidentes com o que alegaram, que eram dos seus pais mas não os partilhavam por não estarem legalizados! Estando de boa fé e legitimados na posse, como alegado a partilha era efectivamente a melhor forma de os legalizar!
Tanto assim que foi expressamente declarado por M. A., cabeça de casal nos autos de processo de inventário de J. B. que tramitou sobre o número 14/07.0TBVFL no tribunal a quo, que os quatro “bens atrás identificados não pertenciam à herança a partilhar… como o interessado F. C. muito bem sabe… Tais bens pertenceram ao tio da cabeça de casal J. P. e mulher M. I., residentes que foram no Brasil, já falecidos, pertencendo actualmente a seus oito filhos ou herdeiros destes, dado que dois já faleceram».
Em bom rigor, julgamos que a formulação da resposta ao ponto fáctico enunciado contém em si ínsita ou subjacente a resposta à questão em litígio nos presentes autos, qual seja a do apuramento da titularidade do direito de propriedade de quatro prédios rústicos, dos cinco justificados pelo Réu.
Vejamos.
Não oferece dúvidas que os quatro prédios rústicos identificados no item 8 dos factos provados foram pertença de J. P. e de sua mulher, M. I., tios da mãe da autora e réu, os quais emigraram para o Brasil na década de 60.
Decorre igualmente da prova produzida que, aquando da ida para o Brasil, o referido J. P. e mulher cederam à mãe dos litigantes, M. A., por empréstimo e gratuitamente, o uso e fruição dos referidos prédios, para que deles tratassem e zelassem, a fim de retirarem dos identificados prédios as faculdades e os rendimentos facultados pelos mesmos, o mesmo é dizer para obviar a que os referidos prédios ficassem sujeitos ao abandono.
Ulteriormente, em 1988, aquando da vinda a Portugal do referido J. P. e uma vez que aquele revelou o propósito de não mais regressar, manifestou então a vontade (verbalizada) de ceder, a título definitivo, os referidos prédios à M. A., propósito esse que foi reiterado e confirmado pelos filhos do J. P., que juntamente com este constituíam os herdeiros de M. I., que falecera cerca de um ano antes.
Donde se imponha que se tome em consideração a referida delimitação temporal, anterior e posterior a 1988, no tocante ao modo como a M. A. e J. B. possuíram os referidos prédios, sendo-o a título precário ou como meros detentores até 1988 e como verdadeiros possuidores, com corpus e animus possidendi, a partir de então.
Mantendo-se iguais ou inalterados os actos materiais de posse sobre os prédios rústicos, o que se modificou a partir de então foi o animus com que os pais da autora e do réu passaram a atuar, assumindo-se daí em diante como se fossem donos daqueles bens, na convicção de exercerem um direito próprio e ignorando lesarem direito alheio, até porque os anteriores titulares lhes doaram, ainda que verbalmente, os referidos prédios.
Já especificamente no que concerne ao inventário por óbito de J. B., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Flor, sob o n.º 14/07.0TBVFL, constata-se que o ora recorrente acusou a falta de relação de quatro dos prédios rústicos ora em discussão, pretensão esta que foi rejeitada pela cabeça de casal M. A., que referiu que os quatro “bens atrás identificados não pertenciam à herança a partilhar… como o interessado F. C. muito bem sabe… Tais bens pertenceram ao tio da cabeça de casal J. P. e mulher M. I., residentes que foram no Brasil, já falecidos, pertencendo actualmente a seus oito filhos ou herdeiros destes, dado que dois já faleceram».
Esta posição da cabeça-de-casal não deixa de estar em contradição com a pretensão de reivindicação dos aludidos prédios que a herança indivisa por óbito de M. A. pretende fazer através da presente ação, pois já à data dessa reclamação de bens aquela se comportava como se fosse dona de tais prédios.
De qualquer modo, e uma vez que a resposta à matéria fáctica deve estar desprovida de considerações que contendam diretamente com a discussão da causa, a única certeza objetiva que se pode formular é que o processo de inventário n.º 14/07.0TBVFL encontra-se findo.
O saber se foram, ou não, partilhados todos os bens comuns do casal, pais da autora e réu, envolve já um juízo de valor eminentemente jurídico, que pressupõe a resposta afirmativa à questão de que os quatro prédios identificados no ponto 8 dos factos provados eram bens comuns do casal constituídos pelos pais da autora e do réu, o que é precisamente aquilo que está em discussão nestes autos e não pode, sem mais, ser vertido em termos de matéria de facto.
Relembre-se que, nos termos do disposto no art. 607.º, n.º 4, aplicável “ex vi” do art. 663º, n.º 2, ambos do CPC, na fundamentação da sentença o juiz tomará «em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
No âmbito do pretérito regime do Código de Processo Civil, o art. 646.º, n.º 4, previa, ainda, que têm-se «por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes».
Muito embora esta norma tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria suscetível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos (2).
O que significa que, quando tal não tenha sido observado pelo tribunal “a quo” e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas ou de direito, considerando-as provadas ou não provadas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita (3).

Termos em que, pelas razões supra expostas, altera-se a redação ao ponto fáctico impugnado, passando este a valer com a seguinte redação:
5. O processo de inventário nº 14/07.0TBVFL encontra-se findo.

Consequentemente, dá-se como não provado que:
i. No processo de inventário nº 14/07.0TBVFL não foram partilhados todos os bens comuns do casal, pais da autora e réu.
De igual modo, parte da al. G) dos factos não provados deve passar a constar dos factos provados – o segmento em que refere que “os prédios id. em 8. não foram indicados na relação de bens e relação adicional de bens como pertencentes à herança indivisa e aberta a partilhar” –, passando a valer como ponto 20, sendo que igual sorte não merece o segmento final da referida alínea – “não integrando, como nunca integraram, o património da M. A. e J. B.” –, por identicamente se tratar de matéria conclusiva ou de direito, com direta atinência com a questão em discussão nos autos, a qual – como se disse – deve estar arredada da seleção da matéria de facto.
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Pontos 9 a 13 dos factos provados.
O recorrente coloca em causa a validade probatória das declarações de parte da Autora e dos intervenientes com vista à demonstração dos factos impugnados, dada não só a «manifesta a animosidade, quiçá raiva, que demonstram pelo irmão Réu e aqui recorrente, mormente quando inquiridas pela ora subscritora, sua mandatária», mas também porque N. M. e C. M. já não se deslocam aos terrenos desde 1999, M. P. desde 1996 ou 1997, A. B. e J. F. pelo menos há 45 anos, a C. C. ainda se desloca à aldeia com frequência, mas não se desloca aos terrenos, não podendo aceitar-se que meros actos de recolha de lenha – que coloca em dúvida terem-se verificado – e a permanente afirmação de que os terrenos em causa estão há largas décadas a monte, o mesmo é dizer ao abandono por parte dos seus pais e de seus irmãos, pode ser reflexo de exercício de direitos de propriedade praticados por quem actua com animus de direito próprio.
Diz igualmente abundar a prova de que os direitos de posse que eventualmente os pais da Autora tenham exercido durante algum anos eram alicerçados num empréstimo ou consentimento dos seus titulares ausentes no Brasil de deixar cultivar, nada mais que isto.
E que tendo comprovado que tais titulares originários, família P., venderam outras propriedades rústicas e urbanas a terceiros, para além destas, não será descabido terem sido vendidas ao Réu as quatro que são objecto do desiderato familiar.
Sendo ocioso evidenciar a data de inscrição das matrizes na titularidade de M. A. (27/02/2007), data de conclusão de inventário por óbito de J. B., sem que os mesmos tenham sido partilhados e muito menos compusessem o quinhão hereditário de M. A..
Mais afirma que não foi produzida prova pela Autora de que os identificados quatro prédios tivessem sido adquiridos por aquela depois do óbito do seu marido, nem provou qualquer liquidação de impostos sobre o património incidente sobre tais prédios, por seus pais ou em nome das heranças indivisas.
Feita esta enunciação da argumentação aduzida pelo recorrente, e como já anteriormente demos conta, não oferece controvérsia que os prédios rústicos identificados no ponto 8 dos factos provados eram pertença de J. P. e da sua mulher M. I., tios da mãe da autora, do réu e dos intervenientes principais.

Por sua vez, em sede de declarações de parte prestadas pela Autora e intervenientes resulta o seguinte:
- A interveniente N. M., nascida no ano de 1952, filha de J. B. e M. A., referiu que o tio J. P., quando emigrou para o Brasil nos anos 60 (a declarante tinha então cerca de 4/5/6 anos), disse que dava as terras à sua mãe para esta as tratar; mais declarou que “cultivávamos os terrenos com centeio, retirávamos de lá lenha e castanhas (…)”, esclarecendo que os pais trabalhavam as terras; quando o pai faleceu (em 2001), a mãe passou a retirar lenha dos prédios, e, após ter ficado doente (em 2012), os prédios deixaram de ser fabricados, estando a monte. A mãe pagava a décima dos prédios. Desloca-se à aldeia duas a três vezes por ano e é proprietária de um terreno próximo dos que estão em discussão, sabendo por isso como os mesmos se encontram (nomeadamente se estavam ou não tratados, como contraponto à alegação do réu os fabricar/lavrar).
- O interveniente C. M., marido da N. M., tem conhecimento dos factos a partir de 1994 (casou com a interveniente N. M. em 6/08/1994). Disse apenas conhecer dois dos terrenos em questão, o ... e o ..., e que chegou a acompanhar os sogros aos referidos prédios para cortarem e recolherem lenha. Referiu que sempre ouviu os sogros dizerem que os prédios eram deles, mas não sabe “como chegaram até eles”. Esclareceu que nunca viu esses dois terrenos cultivados, porque quando deles tomou conhecimento o ... era pinhal e o ... era monte. Depois do sogro adoecer, foi por duas vezes (em 1997 e 1999), com os cunhados, buscar lenha. Jamais viu o Réu a cultivar os prédios.
- A autora M. P., nascida a -/12/1967, filha de J. B. e M. A., descreveu os referidos prédios em discussão, referindo que o ... era um terreno com pinheiros e castanheiros (donde recolhiam lenha e castanhas) e que as ...s e o ... eram terreno de centeio. Esclareceu que estes terrenos eram de um tio da mãe, J. P., que nos anos 50 emigrou para o Brasil e que lhe terá dito para ficar a tratar deles. A mãe ficou a tomar conta desses terrenos, sempre os cultivando. Esclareceu que iam “aos terrenos buscar lenha, na ... iam buscar giestas para queimar no forno” e que a mãe pagava a décima. O tio J. P. regressou a Portugal em 1988 e nessa altura disse à mãe da declarante para ficar com os terrenos, porque já não regressaria para Portugal; o mesmo lhe disseram os filhos do tio, os quais tentaram arranjar as assinaturas a fim de formalizar a doação, não o tendo logrado por residirem em diferentes estados do Brasil. Apesar de não se deslocar aos terrenos, sabe do seu estado por aquilo que outros residentes na povoação lhe dizem, deslocando-se à aldeia mais de 12 vezes por ano.
- A interveniente A. B., nascida a -/03/1950, também filha de J. B. e M. A., reconheceu que os terrenos eram dos tios da mãe, J. P. e mulher, e que o tio terá dito à sua mãe que podia ficar com eles (rejeita que tenha sido uma venda, dizendo tratar-se antes duma doação verbal); realçou “não assisti a nenhum negócio entre eles, mas sabíamos que os terrenos foram dados à minha mãe, porque sempre se comentou isso em casa”. Mais declarou que depois a mãe ter falecido (2015) nunca mais foram cultivados, “estão a monte”.
Rejeitou que os seus pais tivessem vendido tais prédios ao R., sem ter consultado os demais filhos, até porque eles eram pessoas idóneas.
Enquanto a mãe foi viva declarou deslocar-se com frequência à aldeia.
- O interveniente J. F., nascido em 1951, marido da interveniente A. B., com quem está casado desde 1978, revelou que o que sabe foi por o ter ouvido aos sogros, os quais diziam que os terrenos eram do tio J. P.s que lhos havia cedido para utilização e, ulteriormente, aquando da vinda daquele a Portugal em 1988, lhos cedeu a título definitivo (o J. P.s disse que não queria aquilo para nada e que os dava à sogra do declarante). Por referência a 1978, revelou ter conhecimento que os terrenos eram tratados pelos seus sogros, sempre conheceu aqueles terrenos “a monte”, que não eram os mesmos cultivados, porque não dava para os granjear, mas iam lá buscar lenha, mato e castanhas. Mais disse que os sogros pagavam a “décima” relativa aos identificados prédios. Há mais de 10 anos que não vai a tais terrenos.
- A interveniente C. C., nascida a -/04/1965, filha de J. B. e M. A., referiu que os terrenos eram do tio J. P., que emigrou para o Brasil e que os deu verbalmente aos pais dela, o que foi reiterado pelos filhos dele (cerca de 14 primos, quando estiveram em Portugal, em casa da declarante).
Quando tiveram conhecimento de que o R. se arrogava dono de tais terrenos, os primos (filhos do J. P.) quiseram legalizar a doação, mas não o conseguiram por serem muitos herdeiros e residirem no Brasil em estados distintos.
Mais afirmou “apanhávamos castanhas no .... Os terrenos eram tratados pelos meus pais até morrerem. Atualmente o terreno não está cultivado”, pois o cultivo de tais terrenos não é lucrativo, por terem muitas giestas.
Desloca-se à aldeia quinzenalmente, a fim de velar e tratar do jazigo dos pais.
Deslocou-se ao prédio do Pisadouro e constatou que o mesmo não estava cultivado; quanto aos outros terrenos, apercebeu-se através do parcelário (fotografia área tirada há cerca de 3 anos) que não estavam cultivados (o que contraria a alegação de o réu os fabricar/lavrar).
Dito isto, e acompanhando de perto a motivação da sentença recorrida – e sem embargo da introdução de ligeiras alterações –, dir-se-á que, no tocante aos atos de posse e ao uso dado aos terrenos, são, efetivamente, de valorar as referidas declarações de parte, de onde resulta inequívoca a utilização e afectação dos terrenos que era feita pelos pais dos litigantes, fruindo e retirando deles o centeio, castanhas e madeira, atividades essas que foram abandonadas quando o J. B. ficou doente e sofreu um AVC, deixando os terrenos de ser fabricados (passando a estar a “monte”), deles extraindo lenha.
Rejeitando a argumentação delineada pelo recorrente, dir-se-á que o facto de os prédios estarem “a monte” não significa a não continuidade da posse ou, mesmo, o seu abandono.
Naturalmente, fruto do envelhecimento das populações que residem nos meios rurais, da desertificação que se faz sentir, e do abandono de culturas de subsistência que antigamente eram praticadas, mas que se revelaram não lucrativas, muitos dos terrenos deixaram de ser fabricados, pelo que a fruição que deles se retira resume-se, praticamente, à recolha da lenha, essencialmente para fazer face a invernos rigorosos. E essa afigura-se-nos ser também a realidade vivenciadas nos autos e que resulta da prova produzida.
Porém, diversamente da convicção formada pela Mmª Juíza “a quo” – e da que foi propugnada na petição inicial pela autora –, estamos seguros que a prova produzida não permite alicerçar a cedência dos terrenos, a título definitivo, aos pais dos litigantes, reportada a 1963, mas tão só a partir de 1988, já que até então apenas lhes havia sido cedida a utilização e fruição pelos titulares J. P. e mulher, M. I.. Só a partir de 1988, essa cedência temporária foi convolada em cedência definitiva, mediante doação verbal dos terrenos, passando a partir daí a M. A. e o J. B. a comportarem-se e a agirem como seus donos, e não como meros detentores ou comodatários.
Em reforço do teor das enunciadas declarações de parte há que atentar nas cadernetas matriciais juntas aos autos com a petição inicial, sob os docs. 2 a 5, donde «resulta que os prédios identificados em 8. encontram-se inscritos nas finanças a favor da herança aberta por óbito de M. A. e que à data da sua emissão em 25-09-2020 o NIF e o nome inscrito como titular correspondem à referida herança. Além disso, e por outro lado, à data do óbito de M. A. foi participado ao serviço de finanças de Vila Flor as transmissões gratuitas sujeitas a Imposto do Selo resultantes do falecimento do autor da sucessão, sendo que dessa declaração constam os artigos matriciais referentes aos prédios identificados em 8., conforme se verifica por confronto com o doc. 5 junto com o requerimento ref.ª citius 1642962.
Outrossim do documento n.º 4 junto com o requerimento ref.ª citius 1642962, intitulado Lista de Prédios, emitido pelo serviço de finanças de Vila Flor, onde se encontra inscrita a data de 2007-02-27 e onde se verifica que associado ao nome da mãe da autora, do réu e dos intervenientes encontram-se mencionados os prédios ... que corresponde à anterior matriz do atual artigo ...; o artigo ... que corresponde à anterior matriz do atual artigo ...; artigo ... que corresponde à anterior matriz do atual artigo ... e o artigo ... que corresponde à anterior matriz do atual artigo ...».
Tais documentos reforçam a convicção de que, quer a M. A., quer a autora e os intervenientes, atuaram de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre esses prédios, «porquanto, de acordo com as regras da experiência comum ninguém declara pretender a inscrição de prédios na matriz com o pagamento dos respetivos impostos, se não atuasse sobre esses prédios como se fosse seu legítimo dono/proprietário».
Consequentemente, mantendo-se inalteradas as respostas aos pontos 11, 12 e 13 dos factos provados, impõe-se a alteração dos pontos 9 e 10 dos factos provados, que passarão a valer com a seguinte redação:
9. Os prédios melhor identificados em 8. foram pertença de J. P. e de sua mulher, M. I., tios da mãe da autora e réu que, em data não concretamente apurada, mas seguramente depois de 1963, aquando da sua emigração para o Brasil, e por acordo meramente verbal, aqueles primeiros cederam aos segundos a sua disponibilidade, utilização e fruição, a título temporário até 1988 e a título definitivo a partir de 1988.
10. Desde 1988 até 2001, ano do falecimento do pai da autora e do réu, J. B. e M. A. retiveram e fruíram dos prédios descritos em 8. como coisas inteiramente suas, ininterruptamente, à vista de toda a gente e com o conhecimento da generalidade dos vizinhos, sem oposição de ninguém, convencidos, desde sempre, que exerciam direito próprio e ignorando lesarem direito alheio.
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Alíneas b), c), d) e e) dos factos não provados.
Primeiro, inexiste qualquer contradição (frontal ou direta) entre o ponto 13 dos factos provados e a al. b) dos factos não provados, visto ser diferente a amplitude ou o âmbito dos factos em confronto.
De qualquer modo, e consoante doutrina e jurisprudência correntes, das respostas negativas à matéria articulada – e na medida em que o forem, das respostas restritivas também – resulta apenas que tudo se passa como se esses factos (não provados) não tivessem sido sequer alegados (4). Ou, dito de outra forma, a não prova da matéria alegada (ou dos antigos quesitos) apenas significa isso mesmo: não se terem provados os factos quesitados ou articulados, e não que se tenham demonstrado os factos contrários (5). Ou, dito ainda de outro modo, a resposta negativa a um facto controvertido, não significa a prova do facto contrário; significa tão-somente que esse facto controvertido não se provou, ou porque nenhuma prova foi produzida, ou porque a prova produzida se mostrou insuficiente para convencer o tribunal da veracidade desse facto (6). O mesmo é dizer que a resposta de não provado a um determinado facto não implica, direta e necessariamente, que o facto contrário se deva ter por provado, mas apenas que o mesmo não se provou, por a prova produzida naqueles autos em concreto não ter logrado demonstrar a verificação do mesmo (7). Daí não poder, em tal hipótese, haver colisão, deficiência ou obscuridade entre decisões parcelares positivas e negativas (8).
Segundo, a falta de logicidade no tocante à posição assumida, no processo de inventário n.º 14/07.0TBVFL, pela cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de J. B., M. A., que declarou que tais bens não faziam parte da herança a partilhar – os quatro “bens atrás identificados não pertenciam à herança a partilhar… como o interessado F. C. muito bem sabe… Tais bens pertenceram ao tio da cabeça de casal J. P. e mulher M. I., residentes que foram no Brasil, já falecidos, pertencendo actualmente a seus oito filhos ou herdeiros destes, dado que dois já faleceram” – mostra-se já esbatida/eliminada face à alteração introduzida às respostas aos pontos 9 e 10 dos factos provados.
De qualquer modo, a referida alegação tornar-se-á compreensível se tivermos em consideração que, à data, a situação dos prédios estava por legalizar, ou seja, tais bens não estavam inscritos em nome dos pais dos litigantes.
Quanto ao mais, com vista à demonstração das alíneas c), d) e f) dos factos não provados o recorrente invoca o depoimento das testemunhas intervenientes na escritura de justificação notarial, cujos depoimentos passamos a apreciar.
- M. B., nascido a -/10/1972, operador de máquinas, residente em Ovar, sobrinho da mulher do réu, confirmou ter-se deslocado ao Cartório Notarial para intervir como testemunha na escritura.
Ao longo do seu depoimento por variadas vezes foi referindo que os prédios se situavam em Vila Verde (“é vila verde, não é ?”), o que, quanto a nós, não deixa de ser significativo no sentido do desconhecimento da concreta localização dos prédios em questão.
Referiu que todos os anos – por referência há 10/15 anos – aí se deslocava e que sempre conheceu os terrenos (3 ou 4) na posse do Réu.
Segundo o R. lhe contou, comprou os terrenos a um tio.
Não pondo em causa que a testemunha se tenha deslocado por vezes à referida localidade e tenha auxiliado o Réu, nomeadamente a colocar telhas num barracão perto de casa, ficámos com sérias dúvidas de que o referido interveniente conheça sequer os prédios em questão nesta acção.
Aliás, resultando sobejamente da prova produzida que os terrenos eram fruídos, à vista de toda a gente, pelos pais do Réu, e que depois deixaram de ser fabricados, não se concebe como o Réu os pudesse também cultivar, na convicção de ser seu proprietário (pois alega que os adquiriu, por compra, ao tio J. P. e mulher, em 1979), sem que daí tivesse derivado qualquer conflito sobre a posse de tais terrenos, tanto mais que – segundo foi referido – o Réu deixou de se dar com os pais.
Por sua vez, a testemunha L. J., nascida a -/11/1980, vendedora de peixe, residente em Ovar e ex-mulher da testemunha M. B., confirmou ter-se também deslocado ao Cartório Notarial para intervir como testemunha na escritura.
Não soube localizar onde se situavam tais terrenos – era o R. “que os levava para lá. Iamos para Judas, porque eram só pedras” –, nunca trabalhou nos prédios, nem soube indicar se eram próximos ou distantes uns dos outros (“estão separados, acho eu”).
Limitou-se a referir o que o R. lhes relatou – sempre lhes disse que aquilo era dele, que os tinha comprado aquilo, mas não sabe a quem, desconhecendo se eram também dos irmãos do R. –, mais indicando meras generalidades (aquilo não dava nada, era só pedra, o R. e o Miguel andavam com os tratores a enfardinhar o cereal - ao certo não sabe o que era -, facticidade esta que não foi confirmada por mais nenhum meio de prova).
Por fim, a testemunha P. S., nascida a -/04/1988, operadora fabril, residente em Ovar, confirmou ter-se também deslocado ao Cartório Notarial para intervir como testemunha na escritura.
À semelhança das testemunhas anteriores, limitou essencialmente o seu depoimento ao que o R. lhe contou – que os terenos eram dele e os comprou a um tio do Brasil –, dizendo ter-se lá deslocado algumas vezes (era amiga da filha do R. e começou a ir para lá quando tinha 10/11 anos).
Patenteou dificuldades em localizar os terrenos (não tem noção se era perto da estrada) e limitou-se a indicar generalidades sobre os terrenos (por ex., não tinha árvores, mas sim basicamente pedras e pouca terra; na altura tinha centeio, era seco, depois ia um trator enfardar aquilo; onde havia cultura de centeio não havia água).
Não questionando que a referida testemunha se tenha de facto deslocado à localidade em causa dada a amizade que tinha com a filha do R., não ficámos porém seguros que os prédios que terá avistado a ser tratados e cultivados pelo Réu correspondam aos que estão em discussão nesta ação (reconheceu, por exemplo, ter participado na apanha da azeitona, mas noutro terreno).
Fazendo, pois, uma leitura de tais depoimentos totalmente divergente da propugnada pelo recorrente, temos para nós que que as referidas testemunhas não lograram localizar os prédios em causa, nem sequer descrever as culturas que lá se praticavam e a morfologia ou caraterísticas dos terrenos.
Não deixa de ser significativo, aliás, o facto de, ao invés de recorrer a pessoas residentes na localidade em apreço ou nas suas proximidades e que revelassem ser conhecedoras da realidade vivenciada nos terrenos em causa, o Réu/recorrente tenha optado por socorrer-se de três testemunhas que, além de não terem nenhuma afinidade com a referida povoação, residem em Ovar, a cerca de 200 kms de distância!!!
Não é crível que a referidas testemunhas tivessem conhecimento do modo como se processava o uso e a fruição quotidiana dos quatro prédios rústicos, e quem os cultivava, para já não falar sequer do modo como (alegadamente) tais prédios terão chegado à posse do réu em 1979!!! – contando então o M. B. 7 anos e não sendo a L. J. e a P. S. ainda nascidas –, tanto mais que a sua razão de ciência se revelou irrelevante ou inócua. No fundo, afigura-se-nos que se limitaram a prestar um favor ao Réu/recorrente, no sentido da confirmação de declarações de cujo conhecimento, em verdade, não possuíam.

A estas considerações, e socorrendo-nos das que foram explicitadas na motivação da sentença recorrida e que convergem para o mesmo resultado, acrescentaremos:
É «o próprio réu que no ano de 2007, por ocasião das partilhas realizadas por óbito do seu pai, juntou um requerimento ao processo de inventário n.º 14/07.0TBVFL a reclamar a omissão, na relação de bens, dos prédios descritos em 8. – [cfr. ref.ª citius 23460441 Certidão judicial extraída do processo n.º 14/07.0TBVFL].
Ora, este comportamento do réu é relevante para aferir do animus com que o réu atuava sobre aqueles prédios.
Se os identificados prédios não estavam relacionados e se o réu, efetivamente, atuasse sobre os mesmos como declarou na escritura de justificação –, ou seja, “sempre com ânimo de quem exercia direito próprio” e que o faz “por um lapso de tempo superior a vinte anos”, porque razão viria o próprio réu reclamar a sua omissão? A resposta é uma só – o réu” estava convicto “de que tais prédios integravam o acervo hereditário do pai, composto pelos bens próprios e comuns do casal (seus pais) e quis que os mesmos constassem da relação de bens a fim de serem partilhados por todos os herdeiros. Ora, ultrapassa os padrões da razoabilidade admitir-se que, quem atua deste modo, pode, ainda assim, estar convencido - (atuar com “ânimo”) - que dispõe de um direito próprio.
O réu não estava convencido que exercia um direito de propriedade sobre os imóveis, nem podia estar convencido, pois, bem sabia que todos os atos de posse realizados sobre os identificados prédios eram-no, em nome de outrem, por força da posse que sobre eles já era exercida pelos seus pais, e não porque os tivesse comprado.
Assim, conclui-se, desde logo, pela inexistência de qualquer acervo probatório do qual decorresse quer a existência da aquisição por parte do réu, ainda que por via formalmente insuficiente, quer a utilização dos prédios convicto que exercia um direito de próprio.
(…)
No que concerne à data indicada na escritura como a data da alegada venda verbal – ano de 1979 – por todos foi referido ser impossível terem conhecimento; sendo que quanto à L. J. e à P. S., as mesmas ainda não eram nascidas, quanto à testemunha M .B., não só porque tinha apenas 7 anos, mas também porque, conforme as suas próprias declarações, acompanha o réu aos terrenos desde há 10 ou 15 anos a esta parte.
Ora, como é bom de ver, dos elementos carreados para os autos concatenados com estes depoimentos, não pode o Tribunal concluir que estas testemunhas sabiam que o réu era proprietário dos prédios identificados em 8.º há mais e 20 anos.
À mingua de outros elementos probatórios mais consistentes, não pode o Tribunal, só com estas declarações, concluir que o réu exercia todos os direitos e deveres correspondentes ao direito de propriedade, deles usufruindo e gozando de todas as utilidades por eles proporcionadas, participando nas suas vantagens e encargos, praticando todos os atos materiais de uso e aproveitamento agrícola, nomeadamente tratando das árvores, limpando o mato, sempre com o ânimo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecido como seu dono por toda a gente, ainda que se admita que as testemunhas se deslocaram aos terrenos e neles trabalharam, nada mais nos autos nos garante que tenham sido, efetivamente, para e naqueles terrenos e não para outros».
Pois bem, por se mostrarem inteiramente condizentes com a prova produzida, subscrevem-se na íntegra tais considerações explicitadas pela Mmª Juíza “a quo”.
Consequentemente, julga-se improcedente a impugnação deduzida aos referidos pontos fácticos não provados.
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Pelo exposto, nos termos assinalados, procede parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto (9).
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2. - Da reapreciação da matéria de direito.
2.1. – Considerações gerais.

Como bem salienta o recorrente/réu, não oferece controvérsia que, quer a herança aberta por óbito de J. B. e M. A., quer o Réu, arrogam-se proprietários dos prédios rústicos objecto da escritura de justificação notarial, outorgada em 3/02/2020.
Recai, assim, sobre cada um deles o dever efectivo de fazer prova do alegado.
Acresce que, inexistindo sobre os prédios qualquer presunção registral, para lograr obter êxito o caminho passava por (cada um deles) provar os pressupostos da usucapião.
De facto, a acção move-se no campo dos direitos reais, tendo a autora gizado o pleito sob duas perspectivas: numa delas, como de impugnação judicial de escritura de justificação notarial, uma vez que pretende que tal escritura, celebrada em 3/02/2020, seja declarada sem efeito, por serem falsas as declarações dela constantes; noutra, procura ver reconhecido o direito de propriedade da dita herança sobre os imóveis objecto do litígio, com a respectiva condenação do réu a acatar esse direito.
Ora, as ações, em que se impugna o facto justificado notarialmente, constituem ações de simples apreciação negativa, nas quais se pretende tão-só que se declare a inexistência de uma relação ou de um facto juridicamente relevante. Limita-se, pois, a atividade judicial a retirar de um estado de incerteza grave e objetiva o direito ou facto jurídico, verificando, em juízo, a sua inexistência (10).
Porém, como vimos, constata-se que a autora não se limita a pedir que seja declarado que os quatro prédios descritos na escritura de justificação notarial não pertencem ao réu, pois pretende ainda que seja declarado que os mesmos pertencem à herança aberta por óbito dos pais da autora, do réu e dos chamados.
Ou seja, a autora, para além dos pedidos próprios de uma ação de impugnação de justificação notarial (mera declaração da inexistência do direito justificado), formula também pedido através do qual reivindica para a herança a propriedade de quatro imóveis.
Assim, a acção instaurada é de justificação notarial e de reivindicação, pois que, neste tipo de acções, o autor/impugnante pode também pedir o reconhecimento do seu direito sobre o prédio, por contraposição à declaração de inexistência do direito do réu/justificante, bem como a reivindicação do prédio, caso em que a causa de pedir engloba, igualmente, a existência do direito do autor e a violação desse direito por banda do Réu (11).

Na sentença recorrida, a ação foi julgada totalmente procedente, tendo sido decidido, entre o mais:
- Declarar a ineficácia da dita escritura pública de justificação notarial, quanto aos prédios identificados no ponto 8 dos factos provados.
- Declarar que a herança aberta por óbito de M. A. é dona e legítima proprietária dos imóveis identificados no ponto 8 dos factos provados.
Em sede de apelação, diz o recorrente que logrou cumprir o ónus de prova do título de aquisição dos prédios, «tal como o fez na escritura de justificação por usucapião outorgada».
E que a autora e seus irmãos não lograram sequer provar a que título teriam adquirido os prédios (se venda, se doação, …), tão pouco que a posse foi contínua, pública pacífica, e mesmo que a tivessem fruído perderam-na por abandono, pois desde há décadas que não manifestavam qualquer animus de posse.
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2.2. Saber se o Réu demonstrou ter adquirido, por usucapião, os prédios objeto da escritura de justificação notarial em crise nestes autos, nos termos declarados na escritura outorgada em 3/02/2020.
A aquisição do direito de propriedade sobre imóveis está sujeita a registo e, em regra, a respectiva inscrição só pode operar com base em documento que legalmente a comprove (arts. 2º, n.º 1, alínea a), 43º, n.º 1 e 116º, n.º 1, do Código do Registo Predial).
A lei admite, porém, que a falta do referido documento seja suprida por via de escritura de justificação notarial, a que se reporta, além do mais, o art. 89º do Código do Notariado.
Expressa o referido artigo, por um lado, que a justificação para estabelecimento do trato sucessivo no registo predial, para efeitos do n.º 1 do art. 116º do Código do Registo Predial, consiste na declaração, feita pelo interessado, por via da qual afirme, com exclusão de outrem, ser titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais (n.º 1).
E por outro que, alegada a usucapião baseada em posse não titulada, deve o interessado mencionar expressamente as circunstâncias de facto determinantes do início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião (n.º 2).
Nesse quadro, no caso de se tratar de direito de propriedade, pode o justificante invocar algum dos seus modos de aquisição, designadamente o contrato, a sucessão por morte, a usucapião, a ocupação e a acessão (art. 1316º do Código Civil).
Assim, visa a referida justificação, em relação a direitos sobre imóveis ou equiparados, conformar a situação jurídica respectiva com a sua situação registal, como é o caso da celebração de negócios jurídicos sem a forma documental legalmente exigida (12).
A justificação notarial consiste, pois, num instrumento jurídico simplificado para estabelecimento de trato sucessivo no registo predial (art. 116.º, n.º 1, do Código do Registo Predial). Trata-se, por isso, de uma forma especial de titulação de direitos sobre imóveis para efeito de descrição na conservatória do registo predial que assenta em declarações dos próprios interessados, ainda que confirmadas por três declarantes (art. 96º, n.º 1, do Código do Notariado), e visa suprir a falta de documento que comprove o direito de propriedade sobre imóvel.
A justificação destina-se a obter um título – um documento – para que, no registo predial, possa ser dado cumprimento do princípio do trato sucessivo e, consequentemente, o registo seja feito com base nesse título (13).
Nas palavras de José Alberto Vieira (14), “quando o interessado pretende promover o registo de qualquer um destes factos [v.g., usucapião] está obrigado a providenciar um título escrito para ele (art. 43.º, n.º 1, do CRgP). Ora, dentro dos meios dispostos pela ordem jurídica portuguesa para este efeito, das três uma: - Recorre a juízo para obter a declaração judicial do facto a registar; - Promove a celebração de uma escritura pública de justificação notarial; - Instaura processo de justificação registal, nos termos do Código do Registo Predial (arts. 116.º e segs.)”.
Concretamente, a escritura de justificação notarial “tem por escopo providenciar aos interessados um meio de titulação de factos jurídicos relativos a imóveis que ou não possam ser provados pela forma original ou cuja eficácia se desencadeia legalmente sem necessidade de observância de forma escrita, como a usucapião ou a acessão” (15).
A justificação notarial associa-se, pois, à dinâmica do registo predial – art. 116.º, n.º 1, do CRP –, mormente à prova documental do facto jurídico a registar, imprescindível para o registo – cf. art. 43.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Em rigor, a justificação é uma solução pensada para resolver problemas de falta de título, por extravio ou destruição do mesmo ou para permitir a inscrição com base numa aquisição originária da propriedade, por usucapião ou acessão. Reduzida a escritura pública, constitui, por conseguinte, um documento autêntico que faz prova plena do facto jurídico que titula (arts. 363.º, n.º 2, e 371.º, n.º 1, ambos do CC) (16).
A escritura de justificação notarial constitui, portanto, um mecanismo capaz de regularizar a situação registral de prédios em situações em que não exista plena conformidade entre o que formalmente se encontra declarado no registo e a titularidade dos direitos adquirida por via da usucapião decorrente da posse durante o período necessário em função das características da posse ou da natureza do bem em causa.
Tem sido reconhecido, no entanto, que se trata de um instrumento arriscado e do qual pode ser feito um uso abusivo, potenciando que se procurem justificar direitos, através de acto unilateral como é a escritura de justificação notarial, sem que se verifiquem os pressupostos da usucapião (17).
Evidentemente, como qualquer outro acto jurídico, também a escritura de justificação notarial é passível de ser impugnada judicialmente, a todo o tempo, por parte de quem tenha legitimidade (art. 101.º, n.º 1, do Código do Notariado e 8º, n.º 1, do Código de Registo Predial), interpondo acção com a finalidade de proceder à eliminação dos efeitos dos factos aquisitivos declarados.
Tem-se discutido, nessa eventualidade, se os justificantes, cuja aquisição é contestada, beneficiariam da presunção de titularidade do direito de propriedade prevista no art. 7.º do CRP.
Nessa sequência, o STJ uniformizou jurisprudência, no AUJ n.º 1/2008 (18), de 04-12-2007, no sentido de que: “Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos arts 116º, nº1, do Código do Registo Predial e 89º e 101º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7º do Código do Registo Predial”.
Ou seja, em face da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, o titular inscrito com base em facto aquisitivo – v.g., situação de usucapião – titulado por escritura de justificação notarial tem o encargo probatório de demonstrar a aquisição e validade do seu direito, não beneficiando da presunção de titularidade registal emergente do art. 7.º do CRP.
Com efeito, consubstanciando a impugnação da escritura de justificação uma acção de simples apreciação negativa – art. 10.º, n.ºs 2 e 3, al. a), do CPC –, deve salientar-se a regra probatória civilística, vertida no n.º 1 do art. 343.º do CC, segundo a qual “[n]as acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga”.
E esta conclusão permanece válida mesmo naquelas situações (como no caso) em que na acção de impugnação de justificação notarial o autor/impugnante peça também o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio, por contraposição à declaração de inexistência do direito do réu/justificante, ou até mesmo a reivindicação do prédio, (situação em que a causa de pedir engloba, igualmente, a existência do direito do autor e a violação desse direito por banda do Réu), uma vez que, sendo o réu que nela afirma a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito (19).
Para terminar estas considerações teóricas pode dizer-se que a escritura pública de justificação que documenta as declarações dos recorridos relativas ao título, à posse e ao completamento do prazo da usucapião, prova plenamente que aqueles produziram essas declarações, mas não prova evidentemente que tais declarações sejam verdadeiras (20).
Indo ao caso em litígio – e tal como se afirmou na sentença recorrida –, era sobre o réu/recorrente que impendia o ónus de revelar probatoriamente os factos necessários à demonstração do seu direito.
Deveria, pois, o réu provar as características da posse imprescindíveis à verificação da usucapião, sendo certo que a lei intima o(s) justificante(s) a, logo na respectiva escritura, indicar(em) “as circunstâncias de facto que determinam o início da posse”, bem como as que “consubstanciam e caracterizam a posse” – art. 89.º, n.º 2, do CN –, não sendo suficiente a menção de conceitos jurídicos abstractos para atribuir à posse as qualidades para usucapir, devendo aludir-se às circunstâncias e aos actos materiais caracterizadores daquela posse e aos factos concretos que permitam ilustrar as características da mesma (21).
Como é sabido, a usucapião é, por excelência, o modo de aquisição de direitos reais, assentando na existência da posse, definida, nos termos do art. 1251º do CC, como a que se manifesta quando alguém atua (corpus) por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (animus) (22), mantida, de forma ininterrupta, pacífica e pública (arts. 1261º, 1262º, 1293º, al. a), 1297 e 1300º, n.º 1, do CC), durante um certo lapso de tempo, o qual varia em função da natureza do bem (móvel ou imóvel) sobre que incide e de acordo com os caracteres da mesma posse (titulada ou não titulada e de boa fé ou de má fé – arts. 1259º, 1260º e 1294º, todos do CC) (23) (24).
Em caso de dúvida presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art. 1257.º do CC – arts. 1251.º e 1252.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
Esta pode ser titulada, de boa ou de má-fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta – art. 1258.º do CC. Diz-se titulada, a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico; o título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca – art. 1259.º do CC.
Adquire-se a posse pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito, pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor, por constituto possessório, por inversão do título de posse (art. 1263.º do CC). Mantida a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, por certo lapso de tempo, é facultada ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação. Trata-se da usucapião – art. 1287.º do C.C.
Para conduzir à usucapião, a posse tem de revestir sempre duas características: ser pública e pacífica – a boa ou má-fé e a existência ou não de título influem apenas no prazo para a aquisição do direito de propriedade (25).

Refere Menezes Cordeiro:
A usucapião em termos materiais assenta na excelência de uma posse qualificada e longa, surgindo como fonte legitimadora do domínio. O possuidor mostrou merecer ser proprietário. Paralelamente, qualquer outro pretendente veio a colocar-se, pelo seu desinteresse, na posição inversa de não merecer mais a titularidade que, de facto, enjeitou.
Em suma: a usucapião realiza a velha aspiração histórico-social de reconhecer o domínio a quem, de facto, trabalhe os bens disponíveis e lhes dê utilidade pessoal e social”.
A usucapião é, assim, uma forma de aquisição originária do direito de propriedade, que, no dizer do Ac. do STJ de 27/06/2006 (relator Alves Velho), in www.dgsi.pt., «se funda direta e imediatamente na posse, cujo conteúdo define o do direito adquirido, com absoluta independência relativamente aos direitos que antes dessa aquisição tenham incidido sobre a coisa (…)».
Continuando a citar o referido acórdão, aí se refere que, “invocada a usucapião, como forma de aquisição, justamente porque de aquisição originária se trata, irrelevam quaisquer irregularidades precedentes e eventualmente atinentes à alienação ou transferência da coisa para o novo titular, sejam os vícios de natureza formal ou substancial.
O que passa a relevar e a obter tutela jurídica é a realidade substancial sobre a qual incide a situação de posse. Concorrendo, aferidas pelas características desta, os requisitos da usucapião, os vícios anteriores não afectam o novo direito, que decorre apenas dessa posse, em cujo início de exercício corta todos os laços com eventuais direitos e vícios, incluindo de transmissão, anteriormente existentes”.
Invocada como título de aquisição da propriedade a usucapião (art. 303º “ex vi” do art. 1292º, ambos do CC) e quando se reconheça a verificação dos correspondentes requisitos legais (posse prolongada no tempo; por período suficiente), os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (cfr. art. 1288º do CC), adquirindo-se o direito de propriedade no momento em que se iniciou a posse (cfr. art. 1317º, al. c), do CC).
Feitas estas considerações, constata-se que o réu, que outorgou a escritura de justificação notarial no dia 3-02-2020, não logrou provar nenhum dos factos relevantes cujo ónus da prova lhe competia.

Com efeito, quedou por demonstrar que:
i) - Os prédios id. em 8. vieram à posse do réu no ano de 1979, por entrega material em cumprimento de contrato de compra e venda verbal, em que foram vendedores J. P. e mulher I. P., residentes que foram no Brasil (al. c) dos factos não provados);
ii) - Não obstante a falta de título, sempre tem possuído os ditos prédios, desde aquela data, exercendo todos os direitos e deveres correspondentes ao direito de propriedade, deles usufruindo e gozando de todas as utilidades por eles proporcionadas, participando nas suas vantagens e encargos, praticando todos os atos materiais de uso e aproveitamento agrícola, nomeadamente tratando das árvores, limpando o mato, sempre com o ânimo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecido como seu dono por toda a gente (al. d) dos factos não provados);
iii) - O réu detinha os prédios id. em 8. de boa-fé, por ignorar lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, contínua, porque nunca interrompida, e pública, porque à vista e com o conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém e tudo isto por um lapso de tempo superior a vinte anos (al. e) dos factos não provados);
Consequentemente, e acolhendo por inteiro a jurisprudência vertida no AUJ n.º 1/2008, não tendo o réu observado o encargo probatório de demonstrar os requisitos da usucapião, resta-nos subscrever e secundar o juízo explicitado na sentença recorrida, que, concluindo pela ineficácia da sobredita escritura de justificação notarial, considerou procedente o pedido impugnatório daquela escritura.
*
2.3. Da (im)procedência do pedido de reivindicação.
Como se disse, para além do pedido próprio de uma ação de impugnação de justificação notarial, a autora formula também pedido através do qual reivindica para a herança a propriedade de quatro imóveis.
O Código Civil (abreviadamente CC) não define o direito de propriedade, mas o art. 1305º concretiza-o, dizendo que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
Os modos de aquisição do direito de propriedade estão enunciados no art. 1316º do CC, e nele se prevê a aquisição “por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei”.

A ação de reivindicação constitui um meio de defesa do domínio e encontra-se regulada no art. 1311º, do CC, onde se estatui:
«1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei».

Conforme resulta do n.º 1 do citado normativo, a ação de reivindicação é uma ação petitória (26), na qual se identificam dois elementos/pedidos: o pedido de reconhecimento do direito real e o pedido de restituição da coisa objeto desse direito (27).
Tem sido, porém, entendido que o verdadeiro e específico pedido, na ação de reivindicação, é o de condenação a restituir a coisa; o primeiro pedido funciona como preparatório ou premissa do segundo, tanto assim que se tem considerado o mesmo como implícito, quando não expressamente formulado (28).
Na verdade, neste tipo de ação, o tribunal não pode condenar o demandado no pedido de restituição da coisa sem antes se certificar da existência e violação do direito de propriedade do demandante e, por isso, há que considerar o pedido de reconhecimento do domínio implicitamente abrangido no pedido de restituição da coisa.
Significa isto que, na ação real de reivindicação, as duas operações, apreciação e condenação, não gozam de independência, sendo o reconhecimento da existência do direito um pressuposto e não um pedido a acrescer ao pedido da entrega da coisa, pelo que tal não configura uma cumulação real de pedidos (29).
Na ação de reivindicação, como ação real que é, a causa de pedir é complexa, compreendendo tanto o acto ou facto jurídico concreto de que deriva o direito real cujo reconhecimento se peticiona, nos parâmetros traçados pela teoria da substanciação consagrada no art. 581º, n.º 4, do CPC, como a alegação e prova da ocupação abusiva ou esbulho por parte do demandado (30), este último como pressuposto que é do efeito restituitório (31).
Nesta ação, o autor/reivindicante alega a titularidade de um direito real de gozo, indica o facto aquisitivo do seu direito e pede ao tribunal que condene o réu a entregar-lhe a coisa. Para que a ação seja procedente, contudo, o autor deve provar o facto aquisitivo do direito e que o réu tem a coisa em seu poder (32).
Caso o réu detenha a coisa por título legítimo (por ex. como locatário, como comodatário, como credor pignoratício), recai sobre ele o ónus de alegar e provar o facto jurídico em que assenta a sua detenção, pois só assim evitará a procedência do pedido de entrega ou restituição formulado pelo autor.
A solução não podia ser outra, pois, nos termos do art. 342º do CC, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova do direito alegado (n.º 1), incumbindo àquele contra quem a invocação é feita a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (n.º 2) (33).

A procedência da ação de reivindicação encontra-se, assim, sujeita à demonstração cumulativa de três condições de procedência e que são as seguintes (34):
- O autor seja titular do direito real de gozo invocado;
- O réu tenha a coisa em seu poder, como possuidor ou detentor;
- O réu não prove ser titular de um direito que lhe permita ter a coisa consigo.
No âmbito das ações de reivindicação tem-se entendido, de forma quase pacífica, que não basta ao autor invocar ser proprietário da coisa reivindicada, uma vez que também é indispensável que o autor alegue e prove uma das formas de aquisição originária; quando a aquisição for derivada, terão de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária (até onde for necessário para completar o prazo de usucapião) (35).
Esta tese apoia-se, fundamentalmente, no disposto no art. 581.º, n.º 4, do CPC, segundo o qual, à luz do princípio da substanciação, a causa de pedir, no domínio das ações reais, se corporiza no facto jurídico de que procede o direito real.
Ora, como é sabido, os negócios jurídicos, como a compra e venda, a doação, o testamento, etc., não criam o domínio, apenas o transmitem.
Com efeito, as formas de aquisição derivada não geram, por si próprias, esse direito, sendo apenas translativas dele, operando simplesmente a sua modificação subjetiva. O que constitui o direito e determina de certo modo o seu conteúdo é a causa originária de que ele provém.
Assim, como ninguém pode transferir para outrem mais do que o próprio possui – “nemo plus alio transferre potest quam ipse habet” –, a invocação, apenas, de um negócio translativo da propriedade, não basta para caracterizar a causa de pedir nas ações de reivindicação.
O reivindicante, pelo menos quando não beneficia de qualquer presunção legal de propriedade, terá de invocar factos dos quais resulte a aquisição originária do domínio por parte dele ou de um transmitente anterior. Esta atividade probatória tem como limite a aquisição originária do direito. Provando-se um facto aquisitivo originário do direito real (a usucapião, a acessão, a ocupação, etc.), não há que recuar mais atrás, pois esse é o momento da constituição do direito adquirido pelo autor (36).
Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela (37),se o autor invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupação, a usucapião ou a acessão, apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito.
Mas, se a aquisição é derivada, não basta provar, por exemplo, que comprou a coisa ou que esta lhe foi doada. Nem a compra e venda nem a doação se podem considerar constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (...). É preciso, pois, provar que o direito já existia no transmitente (...), o que se torna, em muitos casos, difícil de conseguir”.
Considerando, contudo, que tal prova da aquisição originária, mormente a da usucapião, será por vezes de difícil consecução – pois o autor está obrigado a uma “probatio diabolica” –, o nosso ordenamento jurídico consente o recurso a determinadas presunções legais da existência e titularidade do direito real, designadamente a presunção da titularidade desse direito no possuidor, seja qual for a duração da respetiva posse, ao abrigo do art. 1268º, n.º 1, do CC, bem como a presunção da sua existência a favor do titular inscrito no registo predial, nos termos do disposto no art. 7º do Código Registo Predial.
Tais presunções legais dispensam o beneficiário delas de provar o facto presumido, como decorre do art. 350.º, n.º 1, do CC.

No caso concreto, as heranças por óbito de J. B. e M. A. arrogam-se proprietária dos quatros prédios rúticos reivindicados por aquisição (compra e venda) verbal a J. P. e mulher, invocando, por conseguinte, uma forma derivada de aquisição de direitos.
Considerando, porém, a invalidade dessa forma de aquisição (por não ter respeitado a forma legal – arts. 875º e 220º do CC), invocou a aquisição dos prédios rústicos descritos no ponto 8 dos factos provados por usucapião.

Particularizando o caso dos autos mostra-se provado que:
- Os prédios rúticos identificados em 8. foram pertença de J. P. e de sua mulher, M. I., tios da mãe da autora e réu que, em data não concretamente apurada, mas seguramente depois de 1963, aquando da sua emigração para o Brasil, e por acordo meramente verbal, aqueles primeiros cederam aos segundos a sua disponibilidade, utilização e fruição, a título temporário até 1988 e a título definitivo a partir de 1988 (ponto 9 dos factos provados);
- Desde 1988 até 2001, ano do falecimento do pai da autora e do réu, J. B. e M. A. retiveram e fruíram dos prédios descritos em 8. como coisas inteiramente suas, ininterruptamente, à vista de toda a gente e com o conhecimento da generalidade dos vizinhos, sem oposição de ninguém, convencidos, desde sempre, que exerciam direito próprio e ignorando lesarem direito alheio (ponto 10 dos factos provados);
- Até ao falecimento de J. B., os pais da autora e do réu semearam, plantaram, cultivaram e colheram os frutos dos prédios identificados em 8., nomeadamente centeio e, do prédio do ... eram cortadas árvores para madeira, retirando dos identificados prédios, em exclusivo benefício próprio, as faculdades e os rendimentos facultados pelos mesmos, defendendo-os, conservando-os e pagando as respetivas contribuições (ponto 10 dos factos provados);
- Após o decesso de J. B. (ocorrido em 01-08-2001), a sua mulher deu continuidade aos atos de posse nomeadamente à recolha de lenhas e madeiras, tendo abandonado o cultivo de cereais (ponto 10 dos factos provados);
- Depois do finamento de M. A., em 12-08-2015, a autora e os intervenientes principais praticaram atos destinados a garantir a disponibilidade, uso e fruição dos identificados prédios (ponto 13 dos factos provados).
Considerando, pois, a natureza da posse inicialmente exercida pela M. A. e, subsequentemente, pela herança indivisa por óbito desta (por um lado, os actos materiais de posse – de modo a ser conhecida pelos interessados e pacífica, com a vontade e convencimento de ser dona dos prédios em causa e sem lesão do direito de ninguém – começaram a ser praticados a partir de 1988, e, por outro, o lapso de tempo entretanto decorrido com manutenção de posse ininterrupta, é de concluir que a herança indivisa aberta por óbito de M. A. adquiriu o direito de propriedade originariamente pela via da usucapião.
No caso dos autos, a posse da herança indivisa, por si e pelos seus antepossuidores, apesar de não titulada (atento o vício de forma – art. 947º, n.º 1 do CC (38)) e de não ter sido objeto de registo, é de boa fé (pontos 9 a 13 dos factos provados), ocorrendo a usucapião ao fim de 15 anos (art. 1296º do CC), já consumada à data da propositura da ação.
Assim, na consideração de que, no caso dos autos, a usucapião opera de pleno, improcedem as conclusões do recorrente, o que determina a confirmação da sentença recorrida, ainda que com fundamentação não totalmente coincidente, e a improcedência da apelação.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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Síntese conclusiva:

I – Na acção de impugnação de justificação notarial o autor pode também pedir o reconhecimento do seu direito sobre o prédio, por contraposição à declaração de inexistência do direito do réu, bem como a reivindicação do prédio, caso em que a causa de pedir engloba, igualmente, a existência do direito do autor e a violação desse direito por banda do réu.
II – Nesta situação, continua a recair sobre o Réu o ónus de alegar e de provar os factos constitutivos do direito que pretendeu justificar através da escritura de justificação notarial, mais concretamente, se for o caso, os factos que integram a aquisição originária do direito por via da usucapião.
III – Na parte em que peticiona, pela positiva, a declaração do seu direito de propriedade (reivindicação), compete ao autor o ónus de alegação e prova dos respectivos pressupostos do direito que pretende ver reconhecido.
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VI. Decisão

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente (art. 527.º do CPC).
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Guimarães, 29 de setembro de 2022

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
2. Cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 28/09/2017, proc. n.º 659/12.6TVLSB.L1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira) e proc. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira), Acs. da RP 24/10/2016 (relator Oliveira Abreu) e de 18/09/2017 (relator Manuel Domingos Fernandes) e Ac. da RE de 3/11/2016 (relatora Maria da Graça Araújo), todos acessíveis in www.dgsi.pt.
3. Cfr., Ac. RP de 23/04/2018 (relator Jerónimo Freitas), in www.dgsi.pt.
4. Cfr. Ac. Rel. Porto de 14.04.94, CJ, 1994, T. II, pág. 213; António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 1997, p. 236 e J. P. Remédio Marques, in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2007, p. 409.
5. Cfr. Acs. STJ de 8.2.66, 28.5.68, 30.10.70, 11.6.71, 23.6.73, 5.6.73, 23.10.73, 4.6.74, in Bol. M.J., respetivamente, 154-304,177-260, 200-254, 208-159, 218-239, 228-195, 228-239 e 238-211; José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2001, p. 630.
6. Cfr. Ac. da RL de 13/05/2009 (relator Ferreira Marques), in www.dgsi.pt..
7. Cfr. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, pp. 177/179 e Ac. do STJ de 15/02/2000 (relator Garcia Marques), CJSTJ, Ano VIII, T. I – 2000, pp. 85/91.
8. Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 347.
9. Por se tratar de uma alteração/modificação muito limitada, dispensamo-nos de transcrever de novo toda a factualidade provada e não provada, devendo considerar-se os pontos fácticos objeto de alteração nos termos supra explicitados.
10. Cfr. Ac. da RC de 8/11/2011 (relator Henrique Antunes) e Ac. da RP de 11/07/2018 (relator Rodrigues Pires), in www.dgsi.pt.
11. Cfr. Ac. da RP de 26/05/2015 (relator Manuel Fernandes) e Ac. da RG de 24/ 09/2015 (relator Jorge Teixeira), in www.dgsi.pt.
12. Na exposição em apreço seguimos de perto a fundamentação do Ac. do STJ de 29/06/2005 (relator Salvador da Costa), proc. 05B2072, in www.dgsi.pt.
13. Cfr. Mouteira Guerreiro, Ensaio sobre a Problemática da Titulação e do Registo à Luz do Direito Português, Coimbra Editora, 2014, p. 134.
14. Cfr. Registo de usucapião titulada por escritura de justificação notarial e presunção de titularidade do direito – Anotação ao AUJ n.º 1/2008, de 04-12-2007, Cadernos de Direito Privado, n.º 24, Outubro/Dezembro de 2008, pp. 37 (págs. 21 a 42).
15. Cfr. José Alberto Vieira, estudo citado, p. 37.
16. Cfr. Ac. do STJ de 9/07/2015 (relator Martins de Sousa), in www.dgsi.pt.
17. Cfr. Ac. do STJ de 25/06/2015 (relator Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt.
18. Cfr. Diário da República, 1.ª série, n.º 63, de 31-03-2008, pp. 1871-1879.
19. Cfr. Ac. da RP de 26/05/2015 (relator Manuel Fernandes) e Ac. da RG de 24/ 09/2015 (relator Jorge Teixeira), in www.dgsi.pt.
20. Cfr. Ac. da RC de 8/11/2011 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.
21. Cfr. Neste sentido, Mouteira Guerreiro, Temas de Registos e de Notariado, 2010, pp. 117/118.
22. O “corpus”, enquanto elemento material ou empírico, identifica-se com os actos materiais praticados ou com o exercício de certos poderes de facto sobre a coisa. O “animus”, como elemento psicológico-jurídico, traduz-se na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados. – cfr. Mota Pinto, Direitos Reais, lições coligidas por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Almedina, 1971, p. 181.
23. Não havendo registo do título nem da mera posse, sendo a posse de boa fé, o prazo para a usucapião é de quinze anos; sendo a posse de má fé, o prazo para a usucapião é de vinte anos (art. 1296º do CC).
24. Cfr. Ac. do STJ de 1/03/2018 (relatora Rosa Tching), disponível in www.dgsi.pt.
25. Fala-se em posse boa para a usucapião à posse que permite a aquisição do direito real de gozo, a qual deverá revestir determinadas características, nomeadamente, ser pública e pacífica. Isso retira-se, no tocante aos imóveis, do art. 1297º do CC, que estabelece que, “se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública”. Como se refere no Ac. do STJ de 11/09/2012 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt., “a posse boa para usucapião é somente a que for pública e pacífica, ou seja, a exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados e adquirida sem coacção física ou moral, nos termos do art. 255.º do CC”, sendo que “os restantes caracteres da posse – o ser de boa ou má fé, titulada ou não e registada ou não – influem no prazo necessário para a aquisição por usucapião”.
26. Cfr. No sentido de que a ação de reivindicação consubstancia uma ação declarativa de condenação, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 112/114, José Alberto Vieira, Direitos Reais, 2017, Almedina, p. 426, Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 1996, Quid Iuris, p. 227, Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, p. 177/180, A. Santos Justo, Direitos Reais, 5ª ed., Coimbra Editora, 2017, p. 296; Ac. da RL de 31/03/2011 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.
27. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, p. 112 e Elsa Sequeira Santos, in Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume II, 2017, Almedina, p. 108.
28. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, p. 113.
29. Cfr. Ac. da RG de 20-10-2009 (relatora Rosa Tching), in www.dgsi.pt.
30. Cfr. Acs. do STJ de 24/10/2006 (relator Sebastião Póvoas) e de 5/05/2008 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt. e Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. V, 1997, Editora Rei dos Livros, p. 65.
31. Cfr. Ac. da RL de 22/06/2010 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt.
32. Cfr. José Alberto Vieira, obra citada, p. 432.
33. Cfr. Henrique Mesquita, Anotação ao Ac. do S.T.J. de 29-4-1992, in R.L.J., Ano 125º, p. 95, nota 1.
34. Cfr. José Alberto Vieira, obra citada, p. 429.
35. Cfr. Acs. do STJ de 10.03.98 (relator Lemos Triunfante), de 5/05/2016 (relator Paulo de Sá) e de 9/11/2017 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), disponíveis in www.dgsi.pt..
36. Cfr. José Alberto Vieira, obra citada, p. 430 e Henrique Mesquita, Anotação ao Ac. do S.T.J. de 29-4-1992, in R.L.J., Ano 125º, p. 95, nota 1.
37. Cfr. obra citada, p. 115.
38. Nos termos do qual a doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado.