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HERANÇA INDIVISA
COMUNHÃO GERAL DE BENS
PENHORA
Sumário
I - Tendo o casamento sido celebrado sob o regime da comunhão geral de bens, não pode, em sede executiva e na constância da herança indivisa por morte de um dos cônjuges, o credor nomear à penhora bens concretos que integram o acervo hereditário com o fundamento de que deles é herdeiro o cônjuge sobrevivo, de quem é credor cambiário. II - Na herança indivisa, por se tratar de património autónomo, segundo uns, ou universalidade, segundo outros, inexiste qualquer situação de compropriedade.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I) O Banco X.........., S.A, intentou, em 21.9.1996, pelos Juízos Cíveis da Comarca do Porto, actualmente, .. Vara Cível, Execução Para Pagamento de Quantia Certa, na forma ordinária, contra:
“B.........., Ldª”.
C..........
Com os fundamentos seguintes:
- o Banco exequente é dono e legítimo portador, por as haver descontado no exercício do seu comércio, de duas letras de câmbio no valor de 1.600.000$00, cada uma vencidas, respectivamente, em 04.05.94 e 04.06.94;
- tais letras foram aceites pelo executado C.........., tendo sido sacadas e endossadas ao Banco Exequente pela Executada “B.........., Ldª”.
- apresentadas a pagamento nas datas dos respectivos vencimentos nenhuma delas foi paga, então ou posteriormente, por qualquer dos obrigados cambiários.
- a quantia exequenda liquida-se, em 4.107.243$00, sem prejuízo dos juros vincendos, contados à taxa de 10%, ate integral reembolso e respectivo imposto de selo.
Requereu a citação dos executados para, no prazo legal, pagarem ao exequente a quantia de 3.200.000$00 de capital em dívida; 855.890$00 de juros de mora vencidos calculados às taxas de 15% e 10%; 51.353$00 de imposto de selo e ainda os juros vincendos à taxa de 10% e respectivo imposto de selo à taxa de 6%, ou para nomearem à penhora bens para tanto suficientes, sob pena da devolução do direito ao exequente.
II) – Prosseguindo a execução os seus termos, o exequente, em 3.9.2004, afirmando ter-se frustrado a conversão em definitivo do registo da penhora de quinhão hereditário e meação, afirmou desistir de tal penhora e em substituição nomeou:
“Prédio misto sito em .........., freguesia de .........., concelho de .........., descrito na Conservatória do Registo Predial de .......... sob o n° 00752/170197, freguesia de .........., inscrito na matriz predial respectiva sob os artigos 1291 rústico e 1120 urbano, pertencente ao executado C.........., viúvo”.
III) – A Ex.ma Conservadora do Registo Predial de .........., relativamente à não conversão do registo a que se alude em II), elaborou o seguinte despacho acerca da recusa:
“Ap. ../070604 – É recusado o registo de conversão da isenção F-6, porquanto para ser possível a conversão da citada inscrição, necessário se torna a feitura de um registo intermédio, designadamente, o registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor do executado e do co-herdeiro.
De facto, o prédio objecto da penhora, encontra-se registado a favor do executado, casado na comunhão geral com o ex-cônjuge.
Assim, o registo deverá ser recusado.
Artigos 68° e 69° n°2, todos do Código do Registo Predial.
Notifique.
.........., 15 de Junho de 2004.”
IV) – Por requerimento de 15.10.2004, o exequente “notificado para esclarecer porque volta a nomear á penhora o imóvel…”, esclareceu que a Conservatória do Registo Predial de .......... recusou o registo da conversão da penhora realizada nos autos, afirmando:
“De nada serve pois ao exequente que se mantenha tal penhora, se não a consegue registar definitivamente.
Por outro lado, verifica-se que o imóvel se encontra registado em nome do executado e de sua mulher, entretanto falecida.
Ora, a eventual provisoriedade do registo da penhora do imóvel ora requerida será em princípio ultrapassável com o recurso ao disposto no art. 119° do CRP.
Daí que se volte a requerer tal penhora.
Termos em que deve ser ordenada a penhora requerida a fls. 177.”.
V) - A Ex.ma Juíza por despacho de 25.10.2004 indeferiu o requerimento do exequente aludido em II), essencialmente, por considerar que, tratando-se de bem comum do casal C.......... e mulher D.........., entretanto falecida, casados no regime da comunhão geral, o imóvel nomeado à penhora passou a fazer parte de herança jacente, de que faz parte a meação da falecida no imóvel em causa, pelo que a requerida penhora não podia ser decretada, por violar o art. 826º do Código de Processo Civil, não sendo ao caso aplicável o regime do art. 119º do Código do Registo Predial.
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Inconformado com tal despacho recorreu o exequente que, alegando, formulou as seguintes conclusões:
1. No âmbito de execução movida pelo recorrente contra B.........., Ldª e C.........., aquele indicou à penhora o prédio misto sito em .........., freguesia de .........., concelho de ........., descrito na Conservatória do Registo Predial de .......... sob o n° 00752/170197, freguesia de .........., inscrito na matriz predial da freguesia de .......... sob os artigos 1291 rústico e 1120 urbano, pertencente ao executado C.........., viúvo.
2. O M.mo Juiz “a quo”, com base na certidão predial anteriormente junta aos autos, considerou que “o executado foi casado no regime da comunhão geral com D.........., já falecida, na vigência do casamento tendo sido adquirido tal imóvel, como tal fazendo parte do património comum do casal”.
3. Daí concluiu que “por força do falecimento, a meação da falecida no dito imóvel passou a fazer parte dum património autónomo – a herança jacente”.
4. Acabando por indeferir a pretendida penhora, assentando tal decisão no disposto no art. 826° do Código de Processo Civil.
5. Salvo o devido respeito, tal decisão não poderá manter-se, porquanto assenta em meras suposições do M.mo. Juiz “a quo”, que não se encontram demonstradas nos autos.
6. A primeira delas é a de que o executado terá sido casado no regime da comunhão geral com D.......... .
7. Na verdade, o registo da aquisição do imóvel por compra (inscrição G-l) é feito com base numa escritura de compra e venda onde a referência ao regime de bens não é verificada – resulta da declaração dos outorgantes.
8. Daí que não sirva uma certidão predial para demonstrar o regime de bens de quem quer que seja.
9. Acresce, que mesmo que fosse a comunhão geral o regime de bens do casamento do executado, nem por isso se podia daí inferir que o imóvel em apreço fosse pertença também de sua mulher, uma vez que nada impede os cônjuges de, ao abrigo do princípio da liberdade da convenção, amplamente reconhecido no artigo 1698° do Código Civil, incluírem outros bens, além dos enumerados pelo artigo 1733°, na lista dos bens incomunicáveis.
10. Perante isto, e tendo o exequente declarado, ao nomeá-lo à penhora, que pertencia ao executado, o tribunal não podia senão ordenar a penhora, obviamente sem prejuízo de qualquer terceiro que sentisse ameaçado ou postergado algum direito seu incompatível com a realização da diligência vir deduzir embargos de terceiro.
11. Face ao exposto, o M.mo Juiz “a quo” ter-se-á precipitado ao aplicar ao caso vertente o art. 826° do Código de Processo Civil, já que não se verificam os seus pressupostos.
Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e ordenada a requerida penhora, assim se fazendo inteira e sã Justiça.
Não houve contra-alegações.
O Ex.mo Julgador sustentou o seu despacho.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que os factos provados são os que se verteram no relatório – itens I) a V) – e, ainda, nos termos da certidão junta a fls. 73, que:
- O executado C.......... casou, em Maio de 1964 (o dia não está perceptível no documento) com D.........., sem escritura antenupcial, e que tal casamento foi dissolvido por óbito da cônjuge mulher, em 17.11.1988.
Fundamentação:
Sendo pelo teor das conclusões do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso, afora as questões de conhecimento oficioso, importa, essencialmente, saber se o despacho recorrido, poderia, ante os factos constantes dos autos, recusar a penhora do imóvel nomeado pelo exequente.
Tendo o executado e sua mulher casado no regime de comunhão geral [que era o regime supletivo previsto no Código Civil, no art. 1717º antes da Revisão de 1977 – DL. 496/77, de 25.11], a regra é que todos os bens levados pelos cônjuges para o casamento, ou adquiridos na sua constância, são bens comuns.
No regime da comunhão geral de bens, agora regulado no art. 1732º do Código Civil, em termos idênticos aos do art. 1108º do Código de 1876:
“Se o regime de bens adoptado pelos cônjuges for o da comunhão geral, o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam exceptuados por lei”.
No regime da comunhão geral são incomunicáveis os bens a que alude o art. 1733º do Código Civil, correspondente ao art. 1109º do Código de 1867, e, face ao que se debate nos autos, só poderia estar em causa a aplicação de tal regime, se o bem nomeado à penhora tivesse sido doado apenas ao executado marido, ainda que por conta da legítima e com cláusula de incomunicabilidade, ou se lhe tivesse sido doado ou deixado com cláusula de reversão ou fideicomissária, a não ser que tivesse caducado, ou se ele tivesse o usufruto ou outro direito pessoal.
Mas, com o devido respeito, nenhuma destas hipóteses é de colocar, porquanto do registo predial, como o recorrente reconhece, consta que o executado e sua mulher compraram o prédio em causa, tendo-o feito registar a seu favor em 17.1.1997 – cfr. doc. de fls. 34 verso.
Insinua o recorrente que não se prova que, apesar de constar no registo que o executado e mulher eram casados no regime de comunhão geral, que essa declaração seja verdadeira.
Tal argumento não colhe, desde logo, porque o regime patrimonial de bens, face à data do casamento, e à não estipulação de convenção antenupcial ser, inquestionavelmente, o de comunhão geral de bens e o imóvel ter sido adquirido na constância do casamento, como emerge da certidão registral.
Trata-se de bem comum do casal.
Assim, há que concluir, de acordo com os documentos que constam dos autos, incluindo o despacho da Ex.ma Conservadora do Registo Predial que recusou a conversão do registo – cfr. item III) dos factos provados – que o regime de bens do casamento foi o da comunhão geral.
Quando o exequente nomeou à penhora o prédio, já a mulher do executado tinha falecido (facto que era do conhecimento do exequente, como o processo evidencia) e não constando que houve partilha judicial ou extrajudicial, o bem em causa pertence também à falecida D.........., mulher do executado, integrando a sua meação.
Com a morte da mulher do executado não pode ele afirmar o seu direito a bens concretos do extinto casal, senão a uma parte ideal da herança, dada a sua condição de titular de meação e herdeiro legitimário.
Estando a herança jacente – art. 2046º do Código Civil – não existe direito de propriedade do executado sobre o imóvel, pelo que não pode dele dispor, daí o não ter sido sequer possível converter em definitivo o registo, como consta da já referida certidão; aí se refere que o direito sobre o prédio pertence “ao executado em herança”, sendo titulares inscritos, ele e D.......... .
De notar que o exequente só nomeou à penhora o imóvel depois de ter tentado a penhora do “quinhão hereditário e meação” de que desistiu apenas pelo facto da conversão do registo definitivo dessa penhora não poder efectuar-se, por se tornar imprescindível que antes existisse registo intermédio – registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito a favor do executado e co-herdeiro – já que a sua mulher faleceu e vigorava o regime da comunhão geral de bens.
Na herança indivisa por se tratar de património autónomo, segundo alguns tratadistas, ou universalidade, segundo outros, não há uma situação de compropriedade [“A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade (artigo 1403º, nº1, do Código Civil), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária, sendo que os herdeiros são titulares, apenas, de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito hereditário se concretizará, bem podendo tais bens ficar a pertencer só a alguns ou a um, sendo os demais compensados com tornas. Até à partilha, os herdeiros são titulares tão-somente do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar, sendo certo que só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança…” – Ac. do STJ, de 26.1.1999, in BMJ 483-211].
Nos termos do art. 826º,nº1, do Código de Processo Civil:
“Sem prejuízo do disposto no nº4 do artigo 862°, na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso”.
Muito menos pode ser penhorado um bem que integra uma herança indivisa.
Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol.3º, pág.371, em nota ao citado preceito legal, escreve:
“Havendo um património autónomo colectivo, como é o caso da herança, cada um dos contitulares tem nele um quinhão, que constitui uma fracção do todo, não concretizada sobre as coisas que o integram, e só através da ulterior operação de partilha dos bens do património é que o direito de cada um passa a incidir sobre coisas determinadas, cessando a comunhão.”
A pretensão do exequente ao nomear à penhora, como se fosse do executado, um concreto bem que agora integra uma herança indivisa, sobre a qual apenas (o executado) tem um direito ideal ao acervo patrimonial que a compõe, violou a norma em apreciação justificando-se o indeferimento.
Soçobram as conclusões do recurso.
Decisão:
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pelo exequente/agravante.
Porto, 7 de Julho de 2005
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale