NAVEGAÇÃO MARÍTIMA
ACTIVIDADE PERIGOSA
AFUNDAMENTO DO NAVIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESUNÇÃO LEGAL DE CULPA
AFASTAMENTO
Sumário

1.–Inexistindo regime específico nacional ou internacional quanto às consequências emergentes de sinistros que decorram do afundamento de navios, a situação ajuizada e, as circunstâncias apuradas, viabilizam a classificação da navegação marítima como actividade perigosa, i.e, sob o regime da responsabilidade civil prevenido no artigo 493º, nº2, do CC.

2.–Não se identificando a acção “naturalística” que levou à inclinação-submersão rápida do navio, estabeleceu-se, porém, um juízo de probabilidade e plausibilidade, entre a prisão das portas ou redes, ou, o ensacamento excessivo e súbito das redes por lodo ou peixe para -lápis e, ou, também, nos cabos submarinos assentes no fundo, e bem assim, a afectação da estabilidade do navio em razão das alterações de envergadura nele efectuadas.

3.–Do ponto de vista da causalidade jurídica relevante, o julgador considerou as enunciadas hipóteses como causa(s) da inclinação severa do navio, e, concluiu que, qualquer uma delas tinha possibilidade, razoabilidade, probabilidade de provocar a entrada rápida de água pelas portas franqueadas que conduziu ao afundamento, afirmando, por conseguinte, a conexão entre o naufrágio do Bolama e o dano.

4.–Ocorreu violação do dever de tráfego por parte da Ré, atenta a perigosidade inerente à actividade marítima, potenciadora de maior risco de produção de danos, ao desconsiderar frontalmente a vistoria e fiscalização das alterações introduzidas no navio e sem estudo prévio, optando, ainda assim, por zarpar com o fito de realizar prova de pesca, e em condições diferentes das suas condições típicas de carga.

5.–É por força da especial perigosidade imanente à actividade, que o dever de evitar o dano se torna mais rigoroso do que aquele que é exigido, em geral, em sede de responsabilidade civil, situando-se num patamar de exigência superior e com referência aos mais elevados padrões de diligência e cuidado.

6.–Para afastar a presunção legal de culpa, a Ré teria de demonstrar que o afundamento do navio não ocorreu em consequência dos factores circunstanciais que lhe são imputáveis, e que não foi por falta das suas providências que o evento danoso deflagrou, tendo adoptado os procedimentos exigíveis para impedir o naufrágio, o que não sucedeu.

7.–A regra definida no artigo 496º do CC de atribuição e distribuição da indemnização por danos não patrimoniais pela perda de vida de familiares, não colide com a possibilidade da reclamação por um dos beneficiários da sua quota-parte correspondente.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 7ªSecção do Tribunal da Relação de Lisboa



I.–RELATÓRIO


1.–Da Acção[1]

F (…) intentou ação declarativa de condenação, na forma ordinária, contra  (1ª R); (2º R); (3º R); (4ºR); Crustacil – Comércio de Mariscos, Lda (5ªR) .; Atlântica – Companhia Portuguesa de Pesca, S.A. (6ªR); Rinave Portugal – Registo Internacional Naval, S.A. (7ªR); Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. (8ªR); e, Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.(designação atual) (9ª R)peticionando a condenação solidária dos Réus no pagamento ao Autor das quantias seguintes:
a)-Quantia não inferior a € 100 000,00 (cem mil euros) pelo dano-morte, relativamente ao seu falecido pai;
b)-Quantia não inferior a € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pelo pai do Autor, entre a ocorrência e a morte;
c)-Quantia não inferior a € 50 000,00 (cinquenta mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pelo próprio Autor, devido à morte do seu pai;
d)-Quantia não inferior a € 200 000,00 (duzentos mil euros) pelos danos patrimoniais sofridos pelo Autor, até à data da propositura da presente ação, devido à perda de rendimentos decorrente da morte do seu pai, acrescendo, em montante a liquidar, os danos patrimoniais futuros;
e)-Juros moratórios, à taxa legal, sobre as indicadas quantias indemnizatórias, desde a respetiva citação realizada no âmbito do Processo n.º 19931/97.7TVLSB ou, quando aplicável, desde a citação para contestar o pedido cível, nos autos de ação penal que correram termos como Processo n.º 3583/91.0TDLSB.  

Alegou, em suma, que o seu progenitor foi uma das vítimas mortais aquando do naufrágio do navio Bolama, ocorrido no dia 4 de dezembro de 1991, ao largo da costa portuguesa. O Autor tinha quatro anos de idade na data do óbito do seu pai, sendo um dos herdeiros do falecido, e sofreu relevantes danos de natureza material e imaterial com a referida perda, para além dos danos da própria vítima. No essencial, a responsabilidade das 1.ª, 5.ª, 6.ª e 8.ª Rés resultou da circunstância de, por forma grosseiramente negligente, se ter procedido a alterações no navio sem um estudo prévio das implicações das mesmas na respetiva estabilidade; à realização de aberturas de resbordo no navio; e a cálculos e marcas de bordo livre efetuados sem rigor e com desconhecimento dos dados base; encontrando-se as 5.ª e 8.ª Rés ligadas por um contrato de seguro, pelo qual se transferiu para a seguradora (8.ª Ré) a responsabilidade civil decorrente dos danos causados pelo navio Bolama. A responsabilidade dos restantes demandados adveio de, por forma grosseiramente negligente, terem efetuado cálculos e marcas de bordo livre sem rigor e com desconhecimento dos dados base; e, aquando das inspeções e vistorias que lhes coube realizar para a emissão do certificado de bordo livre, terem sido muitíssimo negligentes na avaliação das mencionadas alterações estruturais ao navio, emitindo a 7.ª Ré o referido certificado, quando era seu dever recusá-lo. Esta demandada estava ligada por contrato de seguro com a 9.ª Ré (antes, com a designação de AXA Portugal – Companhia de Seguros, S.A.). Todos esses factos foram causa adequada do sucedido evento, sendo que, da conjugação dos mesmos, resultou o naufrágio do navio Bolama em 1991.

Citados, todos os Réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção e sua consequente absolvição dos pedidos.

A 1.ª Ré alegou, em suma, não ser a única herdeira de seu falecido marido, porquanto existem e foram habilitados outros sucessores.

O mesmo era engenheiro maquinista da marinha mercante e foi admitido ao serviço da 5.ª Ré para prestar serviços no domínio específico da sua formação académica, ou seja, na área da reparação e manutenção de máquinas e motores, em regime livre, sem mais. Ao falecido não lhe competia fazer, e jamais o fez, quaisquer sugestões sobre matéria de estabilidade do navio Bolama, nem sequer dispunha de atribuições/funções nesse âmbito. Em todo o caso, os valores reclamados pelo Autor constituem enormidade inaceitável.

Os 2.º, 3.º, 4.º e 7.ª Réus suscitaram a exceção dilatória de ilegitimidade do Autor, por preterição do litisconsórcio necessário ativo, com vista à sua absolvição da instância, bem como a exceção perentória da prescrição, com vista à sua absolvição dos pedidos. Por via impugnativa, alegaram, em suma, que não cometeram nenhum ato ou omissão censuráveis, no decurso do processo de vistoria do navio Bolama e cálculo do bordo livre, não lhes sendo imputável culpa na produção do evento que determinou o naufrágio, qualquer que haja sido a sua causa – na certeza de que a não foi, nem a eventual existência das boeiras, nem as condições de estabilidade da embarcação. O navio perdeu-se porque alguma ação o inclinou ao ponto de submergir, e manter submersas, as grandes aberturas (portas, vigias, etc.) que o mesmo levava franqueadas, o que permitiu o embarque muito rápido de enormes quantidades de água, anulando a reserva de flutuabilidade do navio. As boeiras jamais tornariam possível ou poderiam importar uma contribuição relevante para o embarque da água necessária ao afundamento daquele navio, sendo indiferente haver informação sobre a sua existência. A única tarefa que a 7.ª Ré desempenhou foi a elaboração dos cálculos necessários à marcação do bordo livre, o que não pode confundir-se com a verificação/cálculo da estabilidade da embarcação. A mesma empresa não emitiu, nem podia emitir, nenhum certificado de bordo livre ou de linhas de carga, que é da exclusiva competência das administrações de bandeira (Guiné-Bissau). A 7.ª Ré, através dos seus funcionários, limitou-se a vistoriar o navio e a calcular o bordo livre, não tendo emitido o certificado respetivo, nem teve necessidade do caderno de estabilidade. O navio havia sido inspecionado pela autoridade de bandeira, que lhe outorgou, sem restrições ou exigências suplementares, o certificado de navegabilidade. Ao elaborar o cálculo do bordo livre, a 7.ª Ré não tinha nenhuma razão para suspeitar que se não verificasse o mencionado pressuposto da estabilidade do navio. A perda deste não pode ser reparada à custa dos ora réus, que em nada contribuíram para o seu naufrágio.

As 5.ª e 6.ª Rés também arguiram a exceção perentória da prescrição, com vista à sua absolvição dos pedidos, apresentando, ainda, defesa por impugnação.

Alegaram, em suma, que nenhum dos comportamentos atribuídos pelo Autor aos Réus na petição inicial foi tido como causa determinante do afundamento do navio Bolama. Não existindo nexo de causalidade entre as ações ou as omissões imputadas a A, não opera o mecanismo de responsabilização das 5.ª e 6.ª Rés, expresso no petitório inicial. A intervenção do falecido … sempre se cingiu à área de máquinas e motores, e nada mais, não tendo as mesmo quaisquer responsabilidades técnicas nos domínios da estabilidade do navio. E foi admitido ao serviço da 5.ª Ré para prestar serviços no âmbito específico da sua formação académica, ou seja, na área da reparação e manutenção de máquinas e motores, em regime livre. O embarque de cerca de 28 toneladas de lastro no fundo do porão da embarcação melhorou substancialmente a condição de estabilidade do navio Bolama, sendo que o porão do barco não foi excessivamente carregado. As operações de carregamento são da exclusiva competência dos capitães ou mestres dos navios, nos termos legais. As modificações no Seixal foram da iniciativa da 5.ª Ré, por sugestão do mestre do navio. Muito embora os Autores não hajam alegado a conexão, não existe qualquer nexo causal entre as alterações introduzidas na Dinamarca e/ou no Seixal e o afundamento do navio, naufrágio que se deveu a causas desconhecidas ou a “fortuna do mar”. A 6.ª Ré não era armadora do navio Bolama e estas Rés contestantes nunca incumbiram o falecido de tarefas excluídas do âmbito das suas atribuições contratuais, atrás referidas. Nenhuma das pessoas mencionadas na petição inicial foi gerente e/ou administrador das 5.ª e 6.ª Rés, sendo que os gerentes e administradores dessas Rés, nunca citados naquele articulado, quando agiram no interesse das mesmas, fizeram-no só em seu nome e representação.

Por via de exceção, a 8.ª Ré fez consignar na sua contestação o seguinte: a)-Seja declarado o Autor como parte ilegítima e, em consequência, absolvida a 8.ª Ré da instância; b)- Seja julgado prescrito o direito de indemnização invocado pelo Autor e, consequentemente, absolvida a 8.ª Ré dos pedidos; c)-Seja considerada extensível ao Autor a eficácia do caso julgado formado no Processo n.º 622/1993, que correu termos no Tribunal Marítimo de Lisboa, entre as partes do contrato de seguro marítimo, titulado pela apólice número 5005558 e, se assim não for entendido e em qualquer caso, declarado ineficaz (sem efeitos) esse contrato de seguro, com fundamento no incumprimento pela segurada Crustacil das obrigações previstas no artigo 8.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, als. a) e c), das condições gerais (traduzido na omissão de comunicação prévia da transferência de propriedade sobre o navio e da mudança de bandeira, na ocultação da sua falta de estabilidade e na não manutenção do mesmo em perfeitas condições de navegabilidade), e, em consequência, absolvida tal Ré dos pedidos; d)-Seja julgada excluída do âmbito de cobertura da apólice a responsabilidade civil fora dos casos previstos na cláusula especial 7.ª, bem como os danos não patrimoniais (artigo 2.º, § único, das condições gerais da apólice), e absolvida a 8.ª Ré dos pedidos; e)- A provar-se o nexo de causalidade entre os factos imputados pelo Autor aos demais Réus e o naufrágio do navio Bolama, sejam julgadas verificadas as exclusões previstas no artigo 7.º, n.º 1, als. e), h) e q), das condições gerais da apólice, absolvendo-se a 8.ª Ré dos pedidos; f)-Em qualquer caso, seja julgada a ação improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolvida a 8.ª Ré dos pedidos; e g)-Considerar qualquer hipotética responsabilidade da 8.ª Ré limitada ao valor do capital seguro pela apólice.

Deduziu, ainda, defesa por via impugnativa, concentrada nos artigos 125.º a 140.º da sua contestação. Referiu desde logo que, como decorre das coberturas descritas na apólice com o número 5005558, a 5.ª Ré não transferiu para a 8.ª Ré a responsabilidade civil pelos danos causados pelo navio Bolama, com exceção da responsabilidade por danos causados a outros navios ou embarcações ou a objetos fixos ou flutuantes em resultado de abalroamento ou choque, respetivamente, prevista na cláusula especial 7.ª, que, apesar de aplicável ao contrato de seguro celebrado entre ambas, não aproveita ao Autor. De qualquer modo, mesmo que o contrato de seguro marítimo produzisse efeitos e a responsabilidade civil tivesse sido transferida nos termos alegados na petição inicial (e não apenas no caso previsto naquela cláusula especial), a 8.ª Ré não responderia, ainda assim, pelos danos invocados pelo Autor, decorrendo de algumas das condições gerais da apólice a exclusão da responsabilidade da seguradora 8.ª Ré. Concluiu, em suma, que o Autor não é titular de qualquer direito de indemnização sobre a 8.ª Ré, seja a que título for, que parte da quantia reclamada nos autos é muito exagerada e que o pedido de ressarcimento por danos patrimoniais futuros carece de fundamento legal.  Ademais, a 8.ª Ré impugnou o valor da presente causa.

Em relação à contestante 9.ª Ré, para além de ter invocado também a exceção da prescrição, fez referência aos termos e limitações do contrato de seguro celebrado com a 7.ª Ré, frisando a eventual responsabilidade meramente contratual da 9.ª Ré e que uma sua hipotética condenação seria sempre inviável no que excedesse o capital seguro. Por impugnação, a 9.ª Ré fez sua a posição da respetiva Ré segurada, acentuando que a vistoria desta 7.ª Ré se destinou apenas a calcular o bordo livre do navio Bolama, não lhe cabendo a emissão do competente certificado. O pressuposto de que o naufrágio ocorreu por alagamento progressivo do navio, por entrada de água pelas boeiras (aberturas), é incompatível com as características do naufrágio em si, já que todos os pareceres técnicos concluíram que o afundamento se produziu de forma muito rápida, com o embarque de uma quantidade de água substancial, incompatível com a dimensão das boeiras de resbordo abertas no navio. Nenhum dos 2.º, 3.º, 4.º e 7.ª Réus contribuiu com qualquer ato, ou omissão, para o naufrágio do navio Bolama, pelo que a responsabilidade do evento lhes não é imputável nem, por natureza e decorrentemente, à seguradora 9.ª Ré. Pela sua particular relevância, a 7.ª Ré não emitiu, nem o podia fazer, qualquer certificado de bordo livre ou linhas de água, matéria da competência exclusiva das administrações de bandeira (no caso, Guiné-Bissau). Inexistiu, por parte desta 7.ª Ré, qualquer falha na sua atividade específica de classificação e controlo de qualidade sobre o navio Bolama, única hipótese em que poderia ter-se constituído em responsabilidade civil; contratualmente endossável à seguradora 9.ª Ré. A 7.ª Ré foi inteiramente exógena à factualidade conducente ao sinistro, sem qualquer participação de comissário, sendo que aquela Ré cumpriu exatamente a tarefa que lhe fora cometida, no âmbito da sua atividade de entidade classificadora. Não há nexo causal entre tal intervenção e o sinistro ocorrido.

O Autor replicou e, relativamente à matéria das exceções deduzidas, alegou nos termos seguintes:- , alegando que, inicialmente, deduziu o pedido de indemnização cível no Processo n.º 3583/91.0TDLSB, do 4.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa; mais tarde, instaurou a ação que correu os seus termos como Processo n.º 19931/97.7TVLSB, da 10.ª Vara Cível de Lisboa; em ambos, os ora Réus foram citados; quando o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão cível de absolvição da instância, com fundamento em incompetência material, proferida no último processo, o Autor instaurou a presente ação declarativa de condenação, e por força do instituto da litispendência, estando pendente uma determinada causa, durante os cerca de 15 anos que o processo demorou no foro cível até se declarar incompetente, ela não pode ser repetida ; quanto ao Tribunal Marítimo, a sua criação  coincidiu com o final do processo-crime e o desenvolvimento da ação cível, não existindo, na altura, jurisprudência sobre as normas definidoras da competência do Tribunal Marítimo, tendo o Autor optado pelo percurso do foro cível, desde logo por se tratar do tribunal competente a título residual.

O Tribunal julgou procedente, por provada, a exceção da prescrição dos direitos peticionados pelo Autor, absolvendo os Réus dos pedidos.

Por via recursória, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou o Autor parte legítima no tocante aos pedidos de indemnização pelo dano-morte e por danos não patrimoniais sofridos pelo seu pai no naufrágio do navio Bolama; mas julgou verificada a prescrição dos direitos peticionados pelo Autor, absolvendo os Réus da totalidade dos pedidos. Ainda por via recursória, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a primeira deliberação do Tribunal da Relação de Lisboa (reconhecendo ao Autor a legitimidade ativa para a dedução da pretensão indemnizatória, na parte que lhe correspondesse, em relação à morte do seu pai e aos danos que a precederam) e revogou a segunda deliberação, considerando improcedente a exceção perentória da prescrição do direito de indemnização; determinou o consequente prosseguimento dos autos.

Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido o despacho saneador e   fixados os temas de prova.

Após a interposição e a apreciação de recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência – rejeitado pelo Supremo Tribunal de Justiça –, foi conhecida a reclamação/reforma apresentada pela 8.ª Ré àqueles despachos vindos da 1.ª Instância, tendo, ainda, o valor da causa sido fixado em € 375 000,00.

O Autor veio reduzir os pedidos para o montante global de € 115 000,00 (cento e quinze mil euros), sendo € 50 000,00 pelo dano-morte do seu falecido pai; € 5 000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo pai do Autor, entre a ocorrência e a respetiva morte; € 30 000,00 por danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, devido à morte do seu pai, nas circunstâncias em que ocorreu; e € 30 000,00 pelos danos patrimoniais sofridos pelo Autor, atenta a perda de rendimentos decorrente da morte do seu pai; a tudo acrescendo os juros moratórios, calculados à taxa legal (cfr. fls. 1342v). A redução em apreço foi judicialmente admitida.

Em face do falecimento da 1.ª Ré, foi habilitado, em sua substituição, … (cfr. apenso A), período durante o qual a presente instância esteve suspensa.

Teve lugar a audiência final com a observância do formalismo legal, seguindo-se a prolação da sentença  que julgou parcialmente procedente  acção e os pedidos do Autor, nos termos constantes do dispositivo que se transcreve :« a)- Condena a 5.ª Ré Crustacil – Comércio de Mariscos, Lda., a pagar ao Autor …a quantia de € 50 000,00 (cinquenta mil euros) pelo dano-morte, relativamente ao seu falecido pai; b)- Condena a 5.ª Ré a pagar ao Autor a quantia de € 30 000,00 (trinta mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pelo próprio Autor, devido à morte do seu pai; c)- Condena a 5.ª Ré a pagar ao Autor a quantia de € 30 000,00 (trinta mil euros) pelos danos patrimoniais sofridos pelo Autor, atenta a perda de rendimentos decorrente da morte do seu pai;  d)- Condena a 5.ª Ré a pagar ao Autor juros moratórios, à taxa legal de 4 %, sobre as indicadas quantias indemnizatórias, a contar desde a presente data em relação às verbas das alíneas a) e b), e desde a data da citação (nestes autos) em relação à verba da alínea c);  e)- Absolve a 5.ª Ré do restante peticionado nos autos; e f)- Absolve os demais Réus de todos os pedidos formulados nos autos, sendo a 8.ª Ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., absolvida por força da procedência da exceção perentória da autoridade do caso julgado formado no Processo n.º 622/1993 do Tribunal Marítimo de Lisboa, extensível/oponível à pessoa do Autor. Custas a cargo do Autor e da 5.ª Ré, na proporção dos respetivos decaimentos (cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 607.º, n.º 6, ambos do Código de Processo Civil).

2.– Do Recurso
                                                                          
Inconformada, a Ré Crustacil interpôs recurso da sentença, finalizando as alegações com as conclusões seguintes:
«1º– O navio “Bolama” naufragou no dia 4 de Dezembro de 1991, devido a causa não apurada;
 2º–À data do naufrágio, a ora Rec.te era a empresa armadora do navio;
 3º–O pai do ora Rec. do faleceu em consequência do naufrágio do navio “Bolama”;
4º–A navegação marítima constitui “actividade perigosa por sua própria natureza”, nos termos e para efeitos do disposto no artº 493º nº 2 do Cód. Civil;
5º–A responsabilidade civil por danos causados no exercício de actividade perigosa tem como pressupostos necessários o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artº 483º nº 1 do Cód. Civil);
6º–No caso sob apreciação, não está verificada a ilicitude da conduta da ora Rec.te nem o nexo de causalidade entre a conduta da ora Rec.te e naufrágio do “Bolama” e o falecimento do pai do ora Rec.do;
7º–Tendo o naufrágio ocorrido devido a causa não apurada, não tem cabimento a presunção de culpa que decorre da 2ª parte do nº 2 do artº 493º do Cód. Civil;
8º–O juízo de censura que a culpa supõe sempre é impossível de conceber quando o naufrágio do navio “Bolama” e o consequente falecimento do pai do ora Rec.do se deveu a causa não apurada, não sendo, pois, possível a imputação desses eventos à Rec.te, a título de culpa, mesmo que presumida;
9º–Com efeito, sendo o naufrágio do navio “Bolama” devido a causa não apurada, sempre se afigura impossível imaginar quais as providências necessárias para o evitar que a ora Rec.te podia e devia ter adoptado, ou seja, nunca teria cabimento a aplicação do disposto na 2ª parte do nº 2 do artº 493º do Cód. Civil;
10º–A tese adoptada na douta sentença recorrida segundo a qual o caso sob apreciação se insere num patamar intermédio entre a responsabilidade civil subjectiva e a responsabilidade civil objectiva infringe os princípios gerais da responsabilidade civil por factos ilícitos culposos definidos no artº 483º nºs 1 e 2 e a proibição da aplicação analógica das normas excepcionais dos artºs 499º e segts, imposta pelo artº 11º, todos do Cód. Civil;
11º–A douta sentença recorrida atribui ao ora Rec.do a totalidade do montante estimado para o dano-morte de seu pai, ignorando que o direito à indemnização correspondente pertence não só a ele mas também a sua mãe (artº 496º nº 2 do Cód. Civil);
12º–A douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, infringiu o disposto nos artºs 11º, 483º nº 1 e 2, 493º nº 2, 496º nº 2 e 499º todos do Cód. Civil; Nestes termos, e nos do douto suprimento de V. Exas que, desde já, se invoca, deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se esta por outra que absolva a ora Rec.te da totalidade do pedido ou, subsidiariamente, reduza para metade, no mínimo, o montante que caberá ao ora Rec.do na indemnização correspondente ao dano-morte do pai do Rec.do, o que é de elementar JUSTIÇA!»                                                                                   
*

O Autor aprestou contra-alegações defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do julgado, conforme resulta das suas conclusões:
«A Sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação da norma do art. 493º, nº 2 do CC, a qual consubstancia um regime de responsabilidade civil extracontratual por fato ilícito e culposo, com presunção de culpa. Não aplicou, portanto, um qualquer regime de responsabilidade objetiva.
Constam da Sentença recorrida, como factos provados, as muitas alterações ou modificações realizadas pela Recorrente ao navio, nomeadamente no cais do Seixal, em setembro de 1991, sem estudo prévio e caderno de estabilidade, e sem novas provas de estabilidade, afetando a estabilidade do navio Bolama, sem que tivessem sido comunicadas à Inspeção de Navios e Segurança Marítima ou participadas para efeitos de fiscalização.
Recaía sobre a Recorrente o ónus de afastar a mencionada presunção legal de culpa, o que a mesma não fez.
A presunção de culpa consagrada na norma do art. 493º, nº 1 do CC é simultaneamente uma presunção de ilicitude, no sentido de que, perante a ocorrência de danos, se presume ter existido incumprimento de deveres.
A não se entender assim, houve violação, pela Recorrente, dos deveres de cuidado e de prevenção de danos.
As mencionadas alterações ou modificações encontravam-se sujeitas a fiscalização e licenciamento, nos termos do Regulamento Geral das Capitanias e das demais legislações indicadas pela Sentença recorrida.
A razão de ser da imposição desses procedimentos administrativos consiste precisamente em assegurar que as novas condições de estabilidade do navio são suficientes.
A conduta da Recorrente foi, portanto, ilícita, tendo nomeadamente incumprido o preceituado pelo Regulamento Geral das Capitanias.
A Recorrente não alegou que a Sentença recorrida tivesse desrespeitado a norma do art. 563º do CC, na qual se encontra consagrada a teoria da causalidade adequada, e não há dúvida que a causa dos danos cuja indemnização é peticionada nesta ação foi o afundamento do navio Bolama.
10ªA Sentença recorrida, ao arbitrar ao A. 50.000,00 euros pelo dano-morte do seu Pai, efetuou uma correta interpretação e aplicação da norma do art. 496º, nº 2 do CC, tendo em conta os valores praticados nas decisões judiciais que a mesma Sentença referenciou.»
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O recurso foi admitido como apelação e efeito devolutivo.
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Corridos os Vistos, cumpre decidir.

3. O Objecto do recurso

Consabidamente, são as conclusões que delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem- artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil -  salvo em sede da qualificação jurídica dos factos, ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, não podendo ainda conhecer de questões novas;  o tribunal de recurso também não está adstrito à apreciação de todos os argumentos recursivos, debatendo apenas aqueles que se mostrem relevantes para o conhecimento do recurso, e não resultem  prejudicados pela solução preconizada - artigos 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma.
No caso em presença a questão solvenda é a de saber, se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil do armador do navio Bolama, sob o regime legal definido para o exercício de actividade perigosa e, na afirmativa, qual o sentido da atribuição conjunta aos familiares da indemnização pelo dano morte. 
      
Empreendimento que suscita a apreciação dos seguintes tópicos recursivos:

  • A natureza perigosa da actividade da navegação em alto mar e o regime da responsabilidade civil por facto ilícito - artigo 493, nº2, do CC;   
  • A indagação e prova da causa do naufrágio e a factualidade provada;
  • A causalidade adequada; a teoria do escopo da norma e a teoria das esferas de risco; a violação dos deveres de tráfego;
  • Presunção de culpa; inversão de ónus de prova;
  • O pedido autónomo e a atribuição conjunta da indemnização por morte- artigo 496º do CC.

II.FUNDAMENTAÇÃO

A.Os Factos

O Tribunal a quo deu por provada a factualidade seguinte:
1.No dia 4 de dezembro de 1991, ocorreu o naufrágio do navio Bolama;
2.Dessa ocorrência resultou a morte das trinta pessoas que seguiam a bordo do navio, entre as quais o convidado A…, progenitor do ora Autor;
3.O navio – do ano de 1969 e intervencionado em 1983 – havia sido adquirido pela 5.ª Ré a uma empresa dinamarquesa, em 24 de janeiro de 1991;
4.Ainda na Dinamarca, o mesmo navio – então com a designação de Borgin – foi objeto de reparações e alterações sob sugestão da 5.ª Ré, em janeiro e fevereiro de 1991, que consistiram essencialmente no seguinte (cfr. fls. 1039 do Processo n.º 622/1993); Acrescento de seis metros para vante nos robaletes, provavelmente com o objetivo de diminuir a amplitude das inclinações transversais do navio;- Instalação de uma segunda grua no segundo tombadilho (“Boat Deck”), com todo o equipamento a ela associada, localizada a vante da ponte de navegação a meio navio;- Revestimento do pique de vante com cimento para ser utilizado como tanque de aguada;- Desmontagem de alguns dos reforços estruturais de proa no pique de vante e paiol da amarra;
5.O navio foi posteriormente registado em nome da Guipal – Sociedade de Direito Guineense, e foi-lhe concedida autorização de pesca costeira pelas autoridades da Guiné-Bissau, as quais emitiram o certificado de navegabilidade;
6.J… pretendia que o navio Bolama fosse dotado de sistema de pesca “por tangones”, utilizado na pesca do camarão;
7.Para apurar a viabilidade dessa pretensão, A… aconselhou J… a contratar um engenheiro do ramo da construção naval, M…;
8.(…) Tendo o mesmo constatado que não havia caderno de estabilidade, pelo que seria necessário colocá-lo em doca seca para fazer os respetivos cálculos;
9.Em setembro de 1991, o navio Bolama dirigiu-se a Lisboa, tendo atracado no cais da 6.ª Ré, no Seixal;
10.(…) Local onde lhe foram efetuadas novas alterações por iniciativa da 5.ª Ré, tais como (segundo a descrição constante de fls. 1040 do Processo n.º 622/1993):- Embarque de cerca de 28 toneladas de lastro no fundo do porão;- Desmontagem de quatro guinchos de pesca do primeiro tombadilho AV;- Montagem de dois guinchos no primeiro tombadilho AR, transformados em enrolador de redes;- Desembarque de quatro tapetes rolantes e uma mesa grande de trabalho do parque de pesca;- Montagem de um condensador marítimo na casa da máquina; - Montagem de um grupo hidráulico no parque de pesca, para acionamento das placas do congelador e do tapete transportador de tabuleiros, que era manual;- Montagem de um armário congelador no parque de pesca;- Desembarque de uma caldeira de cozer camarão, de um tanque de lavagem de pescado e de uma mesa grande em aço do parque de pesca;- Montagem de uma unidade de ar condicionado no primeiro tombadilho à proa;- Instalação de um sarilho para cabos no segundo tombadilho à proa;- Instalação de vários acessórios de refrigeração para o congelador de placas no parque de pesca;- Instalação de dois camarotes a bombordo, dois camarotes a estibordo, uma casa de banho, uma sala de jantar e um paiol de géneros no primeiro tombadilho a meio navio;- Desmontagem de duas divisórias longitudinais em chapa do primeiro tombadilho, que serviam como guias das redes;- Desmontagem da antepara transversal e porta estanque de comando hidráulico nela incorporada, que existia AR da casa de preparação do pescado;- Alteração do sentido de abertura da porta de embarque do pescado no primeiro tombadilho no topo da rampa à popa;- Foram cortadas as saliências (reforços) que existiam em ambos os bordos no painel de popa;- Reparação geral das casas de banho, incluindo a colocação de cimento nos seus pavimentos;- Manufaturados e montados vários armários para arrecadações diversas;- Corte de várias aberturas de resbordo a bombordo e estibordo a ré, acima do verdugo, ao nível do pavimento do bordo livre – existência de três aberturas a bombordo (duas semi-circulares com diâmetro aproximado de 150mm, e uma retangular com dimensões aproximadas de 350x300mm);- Montagem de uma dala com abertura aproximada de 400x350mm, situada a cerca de 500mm acima da abertura de resbordo mais a ré do costado de bombordo;
11.Tais alterações foram realizadas sem estudo prévio e caderno de estabilidade, e sem novas provas de estabilidade, afetando a estabilidade do navio Bolama, assim como não foram comunicadas à Inspeção de Navios e Segurança Marítima, nem participadas para efeitos de fiscalização;
12.Em novembro de 1991, a 7.ª Ré, sociedade classificadora, vistoriou o dito navio, a pedido da 5.ª Ré, a fim de vir a ser emitido o certificado de bordo livre;
13.Tal certificado de bordo livre corresponde à inscrição, no costado dos navios, de linhas que marcam os limites de imersão dos mesmos, tendo em vista a salvaguarda da vida humana no mar e a defesa das embarcações e dos bens embarcados;
14.No decurso da referida vistoria, o inspetor da 7.ª Ré, aqui 2.º Réu, constatou a existência de aberturas de resbordo, duas do lado estibordo e outra do lado bombordo;
15.O 2.º Réu determinou ou deu instruções ao mestre do navio que se soldassem aquelas aberturas antes de o navio sair para o mar;
16.No dia 3 de dezembro de 1991, o navio Bolama saiu do cais da 6.ª Ré, no Seixal, dirigindo-se para a Docapesca, em Lisboa, a reboque do navio Farrusco;
17.Em 4 de dezembro de 1991, cerca das 11h00, com boas condições de mar e de tempo, o navio Bolama saiu da referida Docapesca para realizar uma experiência de redes, levando a bordo trinta pessoas – entre as quais, o pai do Autor –, e tendo sido efetuada a última comunicação do navio por volta das 11h30;
18.O navio Bolama não mais voltou a contactar, nem regressou à hora prevista, tendo desaparecido;
19.Após buscas através de meios aéreos e navais, o navio Bolama acabou por ser localizado, no dia 5 de fevereiro de 1992, afundado ao largo da costa portuguesa e frente à barra de Lisboa, a 116 metros de profundidade, assente de quilha e ligeiramente adornado a estibordo, a cerca de 8,1 milhas do Cabo Raso e 14,5 milhas do Cabo Espichel;
20.O naufrágio do navio Bolama ocorreu em poucos minutos;
21.E não houve a possibilidade de se fazer qualquer comunicação, nem tempo para permitir a utilização dos meios de salvamento existentes a bordo, com a entrada ou embarque de grande quantidade de água nesse período temporal de minutos;
22.A…era a viúva e uma herdeira do mencionado .., tendo sido, como tal, habilitada no âmbito do Processo n.º 19931/97.7TVLSB, da 10.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secção;
23.Em 4 de dezembro de 1991, a 5.ª Ré era a empresa armadora do navio Bolama;
24.Autor é o único filho de falecido em consequência do naufrágio do navio Bolama;
25.Na altura, o Autor tinha quatro anos de idade;
26.O falecido era alguém que vivia intensamente a vida, sendo bastante feliz;
27.o plano pessoal, o mesmo vivia em harmonia com a sua mulher e com o filho de ambos, o ora Autor;
28.Mantinha uma situação familiar estável e financeiramente desafogada;
29.No campo profissional, tratava-se de um conhecido e já reputado arquiteto;
30.Era uma pessoa com uma grande alegria de viver;
31.Dos relatórios das autópsias de alguns dos cadáveres encontrados resultou que essas mortes foram devidas a asfixia por submersão;
32.Eram muito fortes os laços afetivos existentes entre o Autor e o seu pai;
33.Foi enorme e tem perdurado, e até se agravado ao longo dos anos, o desgosto sofrido pelo Autor com o falecimento do seu pai;
34.(...) Por quem nutria especial afeição e que lhe dispensava muitos afetos, apoio material, psicológico e de companheirismo, de que o Autor veio a necessitar;
35.Ficou para sempre alterada a realidade familiar do Autor com a ocorrência que provocou a morte do seu pai;
36. O referido desgosto do Autor, em face do falecimento do seu pai, que o deixou traumatizado, agravou-se com o crescimento;
37.O sofrimento do Autor é adensado pelas circunstâncias em que a morte do seu pai ocorreu, sendo que o cadáver da vítima continua desaparecido;
38.Desde o dia 4 de dezembro de 1991 até hoje que é recordado com dor, pelo Autor, o desaparecimento do seu pai;
39.Em virtude daquela morte, verificou-se a perda da capacidade de ganho para o agregado familiar, muito em especial para o Autor, pois era do rendimento auferido por A.. que se suportava a maioria das despesas do agregado;
40.Quando proposta a presente ação, em 28 de junho de 2013, o Autor ainda estava sem auferir quaisquer rendimentos;
41.O Autor viveu a sua infância e juventude com alguns sacrifícios patrimoniais, devido à perda prematura do seu pai;
42.E também deixou de receber as importâncias respeitantes aos rendimentos que o seu pai iria continuar a auferir;
43.O falecido A… nascera em 31 de março de 1954, tendo, no dia do naufrágio, 37 anos de idade;
44.A sua morada era ..;
45.… deixou como seus sucessores, para além de…..;
46.A… era engenheiro maquinista da marinha mercante e foi admitido ao serviço junto da 5.ª Ré para prestar serviços no domínio específico da sua formação académica, ou seja, na área da reparação e manutenção de máquinas e motores, em regime livre;
47.A intervenção de A... sempre se circunscreveu à área de máquinas e motores, não lhe competindo fazer – e jamais o fez – sugestões sobre matéria de estabilidade do navio Bolama, e não dispondo de atribuições/funções nesse âmbito;
48.O navio Bolama perdeu-se por causa não apurada, possivelmente porque alguma ação – de natureza e causa indeterminadas – o inclinou a ponto de submergir, e de manter submersas, as grandes aberturas (portas e vigias) que levava franqueadas, o que permitiu o embarque muito rápido de enormes quantidades de água, anulando a reserva de flutuabilidade da mencionada embarcação;
49.As três boeiras – duas de recorte semi-circular e uma de recorte retangular – jamais tornariam possível, ou poderiam importar, o embarque da água necessária ao afundamento daquele navio;
50.O 2.º Réu não informou da existência das mencionadas aberturas aos demais membros da equipa que estava a proceder aos cálculos necessários à marcação da linha de bordo livre;
51.(...)Designadamente, não comunicou ao 3.º Réu a existência de tais aberturas;
52.A única tarefa que a 7.ª Ré desempenhou foi a da elaboração dos cálculos necessários à marcação do bordo livre;
53.A mesma empresa não emitiu (nem podia emitir) nenhum certificado de bordo livre ou de linhas de carga (da exclusiva competência das administrações de bandeira);
54.No dia 4 de dezembro de 1991, o Bolama era um navio de pesca costeira, registado na República da Guiné-Bissau, sob cuja bandeira navegava;
55.A 7.ª Ré, através dos seus funcionários, limitou-se a vistoriar o navio Bolama e a calcular o bordo livre, não tendo emitido o certificado respetivo, nem teve necessidade do caderno de estabilidade;
56.No dia 4 de dezembro de 1991, o navio Bolama fez-se ao mar em condições diferentes das suas condições típicas de carga (pesca), quais fossem as de navio de carga geral (com eletrodomésticos, passageiros, cartões, garrafões, etc.);
57.O navio Bolama havia sido inspecionado pela autoridade de bandeira, que lhe outorgou, sem restrições ou exigências suplementares, o certificado de navegabilidade;
58.O dito navio havia sido classificado pela DNV (Det Norsk Veritas, sociedade classificadora dinamarquesa) com a mais elevada classificação por si atribuída – a classificação 1A1 –, navio de pesca, e tinha realizado para o efeito provas de estabilidade;
59.Nessa sequência, as autoridades dinamarquesas, após o dia 24 de janeiro de 1991, autorizaram a saída do navio e a sua viagem até Portugal;
60.O embarque de cerca de 28 toneladas de lastro no fundo do porão, no Seixal, visou melhorar a condição de estabilidade do navio Bolama;
61.A 5.ª Ré celebrou com a 8.ª Ré um contrato de seguro marítimo, titulado pela apólice número 5005558, com efeitos a partir de 19 de dezembro de 1990, que tinha por objeto o barco de pesca de arrasto costeira, por si adquirido, denominado Borgin (mais tarde, Bolama), com bandeira das Ilhas Faroé (Dinamarca), com o capital inicial garantido de 120 000 000$00 e uma franquia de 120 000$00, alterados, posteriormente, para 140 000 000$00 (casco, máquinas e pertences: 100 000 000$00; redes de pesca: 10 000 000$00; lucros cessantes: 30 000 000$00) e 100 000$00, respetivamente, conforme proposta de seguro, apólice e respetivas condições gerais e especiais documentadas de fls. 203 a 215, que aqui se dão como totalmente integradas e reproduzidas;
62.Na referida apólice de seguro marítimo foram contratadas entre as partes outorgantes as cláusulas especiais 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª, 7.ª e 12.ª;
63.Após o naufrágio do navio Bolama, a 5.ª Ré propôs uma ação judicial contra a ora 8.ª Ré, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 140 000 000$00, correspondente ao capital garantido pela referida apólice, cujos termos correram no Tribunal Marítimo de Lisboa, sob o número 622/1993;
64.O Tribunal Marítimo de Lisboa julgou improcedente a referida ação judicial, absolvendo a ora 8.ª Ré do pedido, com fundamento na ineficácia do contrato de seguro marítimo celebrado entre ambas, sentença essa mantida pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça, cuja decisão foi confirmada pelo Tribunal Constitucional, no que respeita à questão da sua alegada inconstitucionalidade, por acórdão transitado em julgado em 4 de novembro de 1999, conforme certidão judicial junta de fls. 216 a 292;
65.Segundo a cláusula especial 7.ª (sétima) do dito contrato de seguro marítimo (a única, entre as referidas cláusulas especiais, que se refere à responsabilidade civil), só se encontra “1. (...) coberta a responsabilidade civil do Segurado no referente aos danos patrimoniais causados a terceiros pelo navio ou embarcação aqui seguro a outros navios ou embarcações em resultado directo e imediato de abalroamento, ficando ainda especialmente abrangida por esta cláusula a responsabilidade civil do Segurado no referente aos danos patrimoniais causados pelo navio ou embarcação aqui seguro a cais, molhes, pontões, pontes, diques, planos inclinados ou construções similares, obras de arte ou boias” (cfr. fls. 214);
66.O n.° 3 da mesma cláusula especial vem estabelecer que, “Salvo convenção expressa em contrário nas Condições Particulares não se encontra garantido por este contrato qualquer importância que o Segurado venha a ser obrigado a pagar, embora relacionado com o abalroamento ou embate do navio ou embarcação aqui seguro, no referente a despesas com (...), ou ainda quaisquer danos decorrentes de perda de vidas, lesões corporais ou doença” (cfr. fls. 214);
67.Na cláusula geral 8.ª, n.° 1, al. b), a 5.ª Ré obrigou-se perante a seguradora 8.ª Ré “a comunicar de imediato (...) todas as circunstâncias de que tenha conhecimento e que possam agravar o risco assumido, pagando o prémio adicional que for requerido” (cfr. fls. 209);
68.E consta do seu n.° 2, entre o mais, o seguinte:2.- O presente contrato deixará de produzir os seus efeitos, podendo a Seguradora exigir do Segurado um montante igual ao valor das indemnizações que tiver pago por sinistros ocorridos posteriormente, quando o Segurado não observe as seguintes obrigações :a)-Manter o navio ou embarcação identificada nas Condições Particulares em perfeitas condições de navegabilidade;(...);c)-Comunicar previamente à Seguradora a transferência de propriedade sobre o navio ou embarcação identificada na Apólice, bem como quando lhe pretenda dar destino ou uso diferente daquele que foi declarado” (cfr. fls. 209 e 210);
69.Na cláusula geral 2.ª, parágrafo único, pode ler-se o seguinte: “Salvo convenção em contrário, expressa nas Condições Particulares, não ficam garantidos os danos não patrimoniais” (cfr. fls. 208);
70.Da cláusula geral 7.ª, n.º 1, als. e), h) e q), do referido contrato de seguro, consta o teor seguinte:1.-Salvo convenção em contrário expressa nas Condições Particulares, a Seguradora não responde pelas perdas ou danos directa ou indirectamente resultantes de: (...);e)-Dolo, fraude, barataria do capitão ou de qualquer membro da tripulação;(...);h)-Vício próprio, desgaste normal, uso ou depreciação, deficiência, defeitos latentes ou ocultos e/ou de manutenção do navio ou embarcação;(...);q)- Quaisquer factos resultantes da infracção ou inobservância dos regulamentos gerais de navegação e especiais dos portos, capitanias ou outras autoridades marítimas ou de quaisquer outras disposições legais nacionais e internacionais, bem como a falta de reparação reconhecida necessária e já recomendada pela Seguradora ou pelas autoridades marítimas” (cfr. fls. 209);
71.A 5.ª Ré não comunicou à 8.ª Ré a transferência da propriedade do navio em apreço (da 5.ª Ré para a empresa guineense Guipal), bem como a mudança do seu nome (de Borgin para Bolama) e da respetiva bandeira (das Ilhas Faroé, Dinamarca, para a da Guiné-Bissau), durante a vigência do contrato de seguro celebrado entre ambas
72.(...) Tal como deixou de comunicar à 8.ª Ré a realização das alterações levadas a efeito em Portugal (Seixal);
73.À data em que ocorreu o naufrágio do navio Bolama, encontrava-se em vigor um contrato de seguro de Responsabilidade Civil Exploração, titulado pela apólice número 433144, de acordo com o clausulado constante de fls. 162 a 169, aqui dado como totalmente integrado e reproduzido;
74.Nesse contrato era seguradora a ora 9.ª Ré, então denominada UAP Portugal – Companhia de Seguros, S.A., sendo tomadora e segurada a aqui 7.ª Ré;
75.O contrato tinha por objeto garantir o segurado, até ao limite do capital seguro, contra as consequências pecuniárias de responsabilidade civil que lhe pudesse ser imputada, face ao Código Civil, devido a danos corporais, materiais e imateriais causados a terceiros, incluindo clientes, decorrente do exercício da atividade de classificação de navios e controlo de qualidade, nos termos dos capítulos I e II, cláusulas 3.1 da apólice de seguro em apreço;
76.O capital seguro era de 200 000 000$00 por anuidade, mas com o limite de 100 000 000$00 por sinistro, estando sujeito a uma franquia de 10 % do valor do sinistro, com o limite mínimo de 185 000$00 e o limite máximo de 900 000$00, em conformidade com as suas condições particulares; valores a que correspondem, em moeda corrente, as quantias de € 997 595,80 para cada anuidade, € 498 797,90 por sinistro, bem como as franquias mínima de € 992,78 e máxima de € 4 448,18;
77.O Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, por decisão instrutória proferida em 23 de agosto de 1996, despronunciou os aí arguidos ….. prática do crime que nesses autos o Ministério Público lhes imputou; e essa decisão foi confirmada por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 7 de maio de 1997, que manteve a não pronúncia dos aludidos arguidos.

E, Não provados:
I.Na viagem da Dinamarca para Lisboa, o Bolama teve vários comportamentos com tendência para adornar para qualquer dos bordos, sendo que as alterações na Dinamarca determinaram a mudança do peso do navio, no seu conjunto, sem que fossem efetuadas novas provas de estabilidade;
II.O então mestre da referida embarcação, …, deu conhecimento desses comportamentos a…, os quais nada fizeram para resolver os problemas existentes;
III.... concluiu que o navio não tinha estabilidade suficiente para a colocação do sistema de pesca (ao camarão) “por tangones”;
IV.J… , como gerente da 5.ª Ré, considerou que tal operação implicava custos excessivos, tanto em tempo como em dinheiro, e foi por essa razão que o navio seguiu, sem mais, para a Guiné-Bissau;
V.No decurso da viagem para a Guiné-Bissau, o navio Bolama adornou com muita frequência, a bombordo e a estibordo, mesmo com o mar calmo, tendo sido (inclusive) necessário retirar “força” às máquinas para que retomasse a posição inicial;
VI.Na execução da atividade pesqueira na Guiné-Bissau, ao arrastar, o mesmo navio deixou de “responder”, sendo necessário evitar a sua colisão com outros navios;
VII.Todos estes factos foram levados ao conhecimento – mormente pelo, na altura, mestre da embarcação,….;
VIII.…. colaborava com J... nas questões relacionadas com a atividade pesqueira das sociedades 5.ª Ré, 6.ª Ré e Guipal, empresas onde os empregados eram comuns;
IX.Foram (também) da iniciativa de …a as alterações realizadas no Seixal ao navio Bolama;
X.Todas essas alterações ocorridas no Seixal foram supervisionadas por ..;
XI.A determinação pelo 2.º Réu – que se soldassem as aberturas de resbordo antes de o navio sair para o mar – foi direcionada a ..;
XII.Em consequência, os cálculos necessários à marcação do bordo livre ficaram “viciados”, por terem sido desconsideradas as aberturas de resbordo;
XIII.O 2. ° Réu não verificou a carga do navio nem deu instruções ao mestre sobre o modo de efetuar o carregamento;
XIV.No decurso do reboque, no dia 3 de dezembro de 1991, o navio Bolama adornou para ambos os lados (bombordo e estibordo), levando algum tempo a retomar a posição inicial;
XV.A... era assessor técnico e supervisor das reparações e alterações do navio Bolama;
XVII.... não efetuou, nem solicitou a outro técnico, um estudo das consequências na estabilidade do navio, sobre as alterações introduzidas no Seixal;
XVII... insistiu para que fosse entregue o caderno de estabilidade;
XVIII.Tal como não diligenciou para que fossem realizadas provas de estabilidade após as alterações introduzidas, embora soubesse das reclamações dos mestres quanto ao comportamento do navio e dos avisos e recomendações de .., relativamente à estabilidade do Bolama;
XIX.… autorizou que fossem efetuadas as aberturas de resbordo;
XX.Muito embora ele conhecesse a capacidade do porão do navio Bolama,.. nada fez relativamente ao peso que lá foi colocado;
XXI.Ignorou a recomendação que lhe fora feita pelo 2.° Réu – no sentido de ser “imperioso” que as aberturas de resbordo fossem soldadas antes de o navio em apreço sair para o mar;
XXII.No decorrer da vistoria na qualidade de inspetor da 7.ª Ré, o 2.° Réu não confirmou o cumprimento da determinação da soldadura das aberturas de resbordo no navio Bolama;
XXIII.(...) Para além de que não deu conhecimento ao 3.º Réu e ao 4.º Réu da existência das mencionadas aberturas de resbordo, mesmo sabendo que o conhecimento dessas aberturas era essencial para a marcação da linha de bordo livre;
XXIV.Apesar de o 3.° Réu saber que o navio Bolama não tinha caderno de estabilidade e que não fora verificada a estabilidade do mesmo, o 3.° Réu procedeu ao cálculo necessário à marcação da linha de bordo livre, com vista a ser emitido o respetivo certificado;
XXV.O 4.° Réu (como diretor da 7.ª Ré) subscreveu os dados fornecidos para que fosse emitido o certificado de bordo livre, sem confirmar se os elementos técnicos apresentados pelos Réus anteriormente referidos eram, ou não, os corretos;
XXVI.Os 2.°, 3.° e 4.° Réus atuaram nos termos acima descritos, no exercício das suas funções e ao serviço da 7.ª Ré;
XXVII.Embora a 7.ª Ré tivesse sido contratada para confirmar a estabilidade do navio Bolama, efetuando as competentes vistorias, inspeções, cálculos e marcações, para aplicação da Convenção Internacional das Linhas de Carga (1966), os seus técnicos nada fizeram no sentido de confirmar que o armador, a quem entregaram o certificado, implementasse as medidas condicionantes e prévias à obtenção desse documento;
XXVIII.A 6.ª Ré era empresa armadora do navio Bolama;
XXIX.Todos os referidos factos foram causadores do sucedido afundamento, tendo sido da conjugação dos mesmos que resultou o naufrágio do navio Bolama;
XXX.O pai do Autor constituíra uma sociedade de arquitetos com…...”, a qual possuía vasta carteira de clientes e de projetos executados e em execução;
XXXI.No ano de 1990, tal sociedade realizou proveitos, independentemente de custos, de 15 675 000$00, e, no ano de 1991, de 23 884 701$00, os quais foram afetados, na proporção de metade, a cada um dos dois únicos sócios;
XXXII.O falecido vivia em casa própria;
XXXIII.A sua mulher dispunha de veículo próprio da marca Toyota, e o falecido de viatura da marca Lancia, em nome da sociedade profissional de que fazia parte, mas que só ele utilizava na sua vida profissional e pessoal;
XXXIV.As férias que a família fazia no país e estrangeiro eram, pelo menos, de três semanas, frequentando bons hotéis e estâncias turísticas;
XXXV.Tinham empregada doméstica três dias por semana;
XXXVI.O falecido auferia não menos de 350.000$00 mensalmente, nos dois últimos anos de vida, e contribuía com dois terços dessa importância para as despesas da sua casa, reservando um terço para outros gastos pessoais;
XXXVII.(...) Com um rendimento anual de, pelo menos, 4 200 000$00;
XXXVIII.À data da propositura da presente ação, o Autor ainda estudava;
XXXIX.No decesso de ... (decorrente da submersão do navio), ocorreu-lhe a previsão da morte e a sensação de impotência para lhe resistir;
XL.A... a teve a perceção da sua morte, aquando da submersão do navio, experimentando sentimentos próprios dessa realidade iminente.

B.Enquadramento Jurídico
    
1.Sinopse do litígio

Três décadas volvidas sobre o naufrágio do navio Bolama, diversos e prolongados instrumentos judiciais, o caso em juízo mobilizou-se em torno da pretensão indemnizatória do Autor pelo decesso de seu pai, que seguia a bordo e perdeu a vida.
Discutida e julgada a causa, alicerçada na responsabilidade civil solidária entre vários demandados, o tribunal a quo concluiu pela condenação (exclusiva) da Ré Crustacil, Comércio de Mariscos, Lda., armadora do navio, obrigada à reparação dos danos reclamados, considerando a natureza perigosa da actividade de navegação, em aplicação do regime de responsabilidade civil previsto o artigo 493º, nº2, do Código Civil.    
O Autor está conformado com o julgado, mas, a Ré dissente.
Advoga em apelação, que a sentença enferma de erro na interpretação e aplicação do direito, que em primeira linha, implicará a respetiva revogação integral e consequente absolvição do pedido.
Em suporte argumentativo, aceita a tese, segundo a qual, o armador responde pelos danos causados a outrem no exercício da navegação marítima, actividade de natureza perigosa;  todavia, não  estando apurada  a causa do afundamento do Bolama,  é de afastar o regime da responsabilidade civil previsto  no artigo 493º, nº2, do Código Civil, cujo funcionamento não dispensa a necessária  ilicitude, a culpa, e o nexo causal entre o facto ou a conduta e o dano, contrapondo-se à figura da responsabilidade pelo risco ; sublinha ainda que, não é concebível presumir-se a culpa por não terem sido tomadas providências que ninguém é capaz de imaginar como exigíveis ou exigidas para  evitar o naufrágio do navio devido a causa não apurada.
Por último, sem conceder, sustenta a redução a metade do montante indemnizatório devido pelo dano morte arbitrado , na correcta interpretação do disposto no artigo 496º, nº2, do CC.   

2.A natureza perigosa da navegação marítima; o regime de responsabilidade civil regulado no artigo 493º, nº2, do Código Civil  
O tribunal a quo condenou a Ré armadora do navio a indemnizar o Autor pelos danos reclamados, no montante total de Euros 110,000,00, assente na aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual regulado no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil.
Para o que considerou verificados os respectivos pressupostos : ser de incluir a actividade de navegação marítima na formulação genérica de actividade perigosa  contemplada no normativo ; a presunção legal de culpa  da Ré que não logrou  ilidir ; e a violação dos deveres de cuidado , antes de colocar o navio Bolama a navegar e a realizar as pretendidas provas de pesca em dezembro de 1991.[2]
O segmento da natureza perigosa da actividade marítima exercida pela Ré apelante mereceu a sua adesão e, também sob o nosso ponto de vista, revela-se acertada a conformação normativa da sentença. 
A perigosidade contemplada no artigo 493º, nº2, do Código Civil é uma perigosidade intrínseca da actividade exercida, quer pela sua natureza, quer pelos meios utilizados, perigosidade que deve ser aferida a priori e não em função dos resultados danosos, apesar da sua extensão poder ilustrar o grau de perigosidade da actividade ou risco dessa actividade.

Acerca do conceito indeterminado de actividade perigosa, discorreu-se com incisão  no  Acórdão do Supremo Tribunal de .Justiça de 17.05.2017-  « (..)é actividade perigosa, para o efeito, aquela que possui uma especial aptidão produtora de danos, um perigo especial, uma maior susceptibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes, e que essa perigosidade deve ser aferida a priori e em abstracto e não em função dos resultados danosos, em caso de acidente, muito embora a magnitude destes possa evidenciar o grau de perigosidade da actividade ou risco dessa actividade.»[3]
Dispensando, pois, a questão desenvolvimento acrescido, face à ausência de controvérsia  e, a detalhada análise constante da sentença, apenas sintetizar, que na ausência de regime específico nacional ou internacional quanto às consequências emergentes de sinistros que decorram do afundamento de navios em alto mar, a situação ajuizada e as circunstâncias concretas apuradas, permitem desvelar o conceito genérico de actividade perigosa, consentâneo às regras da experiência, maxime, a grande propensão para a ocorrência de danos, de par com a densificação doutrinária e jurisprudencial a propósito .[4]

2.1.A indagação e prova do nexo causal  

Ao que se compreende, a apelante declina a responsabilidade pela indemnização em virtude da ausência de prova da causa (s) naturalística do afundamento do navio, que no seu entender, inviabiliza a imputação de acção ou omissão culposa e ilícita causadora do dano.   
Em jeito perfunctório, cremos que o iter factual que precedeu a ocorrência e a dinâmica do acidente que resultaram provados, se acomodam à solução jurídica preconizada na douta sentença, que acompanhamos.
A simplicidade da conclusão envolve, porém, algum desenvolvimento na densificação do instituto da responsabilidade civil prevenido no artigo 493º, nº2, do Código Civil, e por outro, a sua análise e concretização na casuística factual que resultou provada.
Aceitamos que o nexo de causalidade, enquanto requisito da responsabilidade civil, transporta, não raro, atribulação e esforço de demonstração, que se prende com as conexões naturalísticas entre o facto e dano.
Apelando à orientação dominante, a causa de certo efeito é a condição que se mostra, em abstracto, adequada a produzi-lo.
Como ensina Pessoa Jorge, «Essa adequação traduz-se em termos de probabilidade, fundada nos conhecimentos médios: se, segundo os ensinamentos da experiência comum, é lícito dizer que, posto o antecedente x se dá provavelmente o consequente y, haverá relação causal entre ele. Deste modo, o dano considerar-se-á efeito do facto lesivo se, à luz das regras práticas da experiência e a partir das circunstâncias do caso, era provável que o primeiro decorresse do segundo, de harmonia com a evolução normal (e, portanto, previsível) dos acontecimentos.»[5]
A doutrina e a jurisprudência concordam em que a tarefa do apuramento do nexo causal   entre o facto e o dano, desdobra-se por dois patamares  sequenciais: o primeiro, traduz um juízo de causalidade física que cuida de averiguar se o acto do agente  foi em concreto uma condição sine qua non da produção do dano, evidenciando uma questão de facto ; o segundo e posterior , não  bastando uma ligação meramente natural ente os factos, é necessário adequar a causalidade enquanto formulação jurídica, evidenciando questão de direito.  
Na demonstração do nexo causal naturalístico ter-se-ão  em conta as regras probatórias e da sua valoração judicial, sendo que a prova do nexo causal compete, em regra, ao lesado, enquanto facto constitutivo do direito de indemnização de que se arroga, e  as provas são apreciadas pelo tribunal  e a sua prudente  convicção, i.e., de acordo com as regras da ciência,  do raciocínio, e das máximas da experiência.[6] 
Sob essa perspectiva, desde logo, no nosso sistema jurídico, o juízo de prova relativo ao preenchimento do nexo causal entre o facto e o dano, no âmbito pressuposto da responsabilidade civil, não está cerceado por um valor matemático de probabilidade da ocorrência, e aponta para uma noção probabilística, conforme ressalta do disposto no artigo 563º do Código Civil.
Observe-se ainda, que a adopção de um rígido standard de prova nem sempre se revela compatível com as circunstâncias da demanda judicial, seja pelo largo tempo passado sobre a ocorrência, ou, a inexistência de sobreviventes, do que a situação ajuizada traduz exemplo eloquente. [7]
Nos autos.
O Autor alegou em fundamento síntese e causa de pedir : (i)-  ter-se procedido  a alterações no navio sem um estudo prévio das implicações das mesmas na respetiva estabilidade; (ii)-à realização de aberturas de resbordo no navio; (iii)- a cálculos e marcas de bordo livre efetuados sem rigor e com desconhecimento dos dados base.[8]

Realizada e apreciada a prova vastíssima, o  tribunal a quo considerou   a propósito “ O afundamento do BOLAMA ocorreu num curto espaço de tempo, pois: não deu tempo para se lançar o SOS ou qualquer comunicação; não permitiu a utilização dos meios de salvação a bordo; dos oito corpos de passageiros e tripulantes recolhidos nenhum tinha colete de salvação, o que indica uma fuga num desastre quase instantâneo; não consentiu o lançamento de sinais de socorro luminosos, que, de acordo com o regulamento, certamente existiam a bordo e que são visíveis, mesmo de dia, a grandes distâncias; não demorou o suficiente para que o afundamento fosse visto por outros navios que sempre cruzam a zona e que não ficou provado que a  causa próxima do afundamento do navio se devesse à entrada/ embarque de água pelas “boeiras” do navio (…)”, como explana na fundamentação” (…)  encontra-se completamente refutada a tese de que a causa próxima do afundamento foi o embarque de água pelas aberturas referidas pelos senhores peritos da Capitania do Porto de Lisboa. O afundamento nessas mencionadas condições repentinas só se revelou possível pelo embarque de grandes quantidades de água, num reduzido espaço temporal, apenas compatível com o embarque por grandes aberturas (e não pelas denominadas “boeiras”). “

O que prevaleceu provado no tocante às causas do afundamento, explicita o tribunal a quo: «Várias causas poderão ter concorrido para o naufrágio, atuando isoladamente ou em conjunto, mas não se logrando determinar, com exatidão, qual a concreta ação que levou ao afundamento do navio Bolama. Podendo, todavia, alvitrar-se a ação compatível com os factos, a referida ação teve de se revestir de grande potência, em força e energia, para levar e manter as grandes aberturas imersas. O navio Bolama perdeu-se por causa não apurada, possivelmente porque alguma ação – de natureza e causa indeterminadas – o inclinou a ponto de submergir, e de manter submersas, as grandes aberturas (portas e vigias) que levava franqueadas, o que permitiu o embarque muito rápido de enormes quantidades de água, anulando a reserva de flutuabilidade da mencionada embarcação.  Segundo a prova produzida no âmbito da presente ação, um factor tendente ao afundamento traduziu-se na prisão das portas ou redes, ou ensacamento excessivo e súbito das redes por lodo ou apara-lápis. Não sendo de descartar a hipótese plausível dos cabos submarinos assentes no fundo, localizados na zona de afundamento. Caso a rede ou uma das portas tenha ficado presa num dos cabos (de elevada resistência e flexibilidade), criou-se o tal momento inclinante e gerador de um adornamento célere e grande do navio, levando as vigias, a porta de acesso e a borda a ré abaixo do nível da água, e provocando o seu afundamento veloz»[9]

Ou seja, não identificada a concreta acção “naturalística” (isolada ou em  conjunto) que levou à inclinação/submersão rápida do navio, franqueando a entrada de grandes quantidades de água pelas portas de abertura, em reduzido espaço temporal, estabeleceu-se , porém, um juízo de probabilidade e plausibilidade, entre a prisão das portas ou redes, ou, o  ensacamento excessivo e súbito das redes por lodo ou  peixe para -lápis e, ou, também, nos cabos submarinos assentes no fundo, localizados na zona de afundamento  - “ criou-se o tal momento inclinante e gerador de um adornamento célere e grande do navio, levando as vigias, a porta de acesso e a borda a ré abaixo do nível da água, e provocando o seu afundamento veloz.”
E, mais adiante, no capítulo da fundamentação de direito, compreendendo as obras de modificação do navio, as quais a Ré não submeteu a estudo prévio de estabilidade, e também não submeteu a vistoria e fiscalização pela entidade legal competente (pontos 9. a 11 dos factos provados), explicita o tribunal   -  “E será verosímil admitir-se como inteiramente provado que tais alterações, face à sua envergadura e dimensão, afetaram a estabilidade do dito navio? A resposta deverá ser afirmativa, ao implicarem tais alterações a mudança de posição de material fixo e a colocação de novos pesos a bordo. Caso contrário, nem se justificaria o embarque de cerca de 28 toneladas de lastro no fundo do porão.”

Significando do ponto de vista da causalidade jurídica relevante, que o julgador considerou as enunciadas hipóteses como causa(s) da inclinação severa do navio, e, concluiu que, qualquer uma delas tinha possibilidade, razoabilidade, probabilidade de provocar a entrada rápida de água pelas portas franqueadas que conduziu ao afundamento, afirmando, por conseguinte, a conexão entre o naufrágio do Bolama e o dano.    
Daí que, s.d.r, não colhe a argumentação da apelante neste tocante de obstáculo à aplicação do regime da responsabilidade civil previsto no artigo 493º, nº2, do CC.

Continuando.

2.2.A causalidade adequada
Converge grande parte da doutrina e da jurisprudência, que o nosso sistema recepcionou a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa – artigos 562º e 563º do Código Civil. [10]
Impõe-se primeiramente, verificar a existência de um facto naturalístico concreto condicionante do dano, e na afirmativa, aferir de seguida, se o facto é em abstracto, adequado e apropriado para provocar o dano sofrido pelo lesado.
Esta traduz a concepção metodológica perfilhada maioritariamente na jurisprudência   e  com respaldo na doutrina civilista tradicional dominante.[11]
Ligação entre o dano e a ocorrência factual, na qual poderão confluir intervenções estranhas, exteriores e alheias ao facto e que desvirtuam os resultados por ele produzidos, ou quando tais resultados apenas ocorrem por circunstâncias totalmente anómalas e invulgares segundo as regras da experiência.
Noutra perspectiva da teoria da causalidade, para ocorrer obrigação de reparar o dano, é necessário que o acto seja condição dele, exigindo-se, ainda que o mesmo, provavelmente, não teria acontecido se não fosse a lesão, o que reconduz a questão  a uma questão de probabilidade;  sendo, então, causa adequada aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável, e não aquela que, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para o produzir, mas que só aconteceu devido a uma circunstância extraordinária.  [12]

Conforme afirma Antunes Varela que preconiza uma concepção mais rigorosa da causalidade adequada,   « (…)o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (gleichgültig) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto.», e  mais adiante, afirmando, «Não são já relevantes todas as condições que originaram determinado dano, nem a análise se cinge a uma espécie de casuísmo, pois temos agora uma verdadeira norma geral que cinge os factos relevantes àqueles cuja não verificação implicaria a não verificação do dano.»[13]

Na jurisprudência, destaca-se  no Acórdão do Supremo Tribunal de  Justiça de 20.10.2010 :«  (…) o facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais.»[14]
Esta formulação promove, ademais, um conceito bastante amplo da causalidade adequada, em termos de consideração de âmbito material ou de efeito irradiante de nexo causal, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, estendendo-se em consequência o próprio espaço axiológico – normativo de influência.
Revertendo à situação factual ajuizada – o naufrágio do Bolama.
O tribunal a quo considerou que, da materialidade factual emergiu fundamentalmente, a violação do dever de cuidado, incidente sobre a Ré armadora, que antes de colocar o navio Bolama a navegar e a realizar as provas de pesca no dia nefasto, omitiu o visionamento e fiscalização das alterações introduzidas no navio em Setembro de 1991 nos estaleiros do Seixal (v. pontos 7 a 11 dos factos provados).
Obras  de modificação, que  a Ré armadora introduziu no navio, desconsiderando o estudo prévio , caderno das condições de estabilidade e sem novas provas, e as quais não foram comunicadas à Inspeção de Navios e Segurança Marítima, nem participadas para fiscalização,  obrigação a que estava legalmente vinculada .[15]    
Por seu turno, a Ré não logrou prova positiva de outra causa para o afundamento do navio, e em particular, não demonstrou que procedeu nas circunstâncias exigidas a evitar o dano, em consonância com o disposto no artigo 493º, nº2, do Código Civil.
Isto é, arrimado na factualidade apurada, o tribunal indagou e fixou a “causa jurídica” do naufrágio do navio, à luz dos critérios jurídicos aplicáveis.
Donde, no caso em juízo, afigura-se-nos que a formulação negativa da causalidade adequada, permite demonstrar o nexo causal entre os factores descritos e o afundamento rápido do navio, através do recurso à ideia de probabilidade ou de curso normal das coisas.

2.3. A teoria do escopo da norma e a teoria das esferas de risco

É já longo o caminho percorrido pela doutrina e jurisprudência em prol da necessidade de se afastarem as formulações limitadoras e naturalistas da indagação da condicionalidade entre o acto e o dano, para olhar, do ponto de vista da juridicidade, para o comportamento do lesante e aferir se, em abstrato, ele é ou não idóneo a produzir um dano.  
Confirma-se na actualidade a necessidade de superar algumas  aporias decisórias   na aplicação da teoria da causa adequada em situações fronteira e de dificultosa apreensão, nas quais se constata a imprestabilidade dos tradicionais critérios causais”, tomando a expressão de Ana Mafalda Castanheira Neves Miranda Barbosa .[16]

Neste espaço da dogmática inovadora, se inscreve a teoria do escopo da norma, que fixa o âmbito da protecção da norma violada e dos interesses agredidos.
O seu espaço de influência radica, contudo, no tratamento das consequências advindas e quais os danos que podem ser vinculados à lesão do direito.
Refere aquela insigne autora  que “A doutrina do escopo da norma violada desliga-se da linguagem causal e resolve o problema da delimitação dos danos a indemnizar, na sequência de um ato ilícito e culposo, a partir de considerações de tipo normativo, centradas na indagação da finalidade da norma violada.”[17]
Em proximidade de entendimento, também Menezes Cordeiro assevera, que a teoria do escopo da norma violada não é bitola de coisa nenhuma, mas “espaço que iremos preenchendo com base no senso comum e em juízos de tipo ético.”[18]
Nesse conspecto, dado o objecto do recurso, o preenchimento do nexo de causalidade sob a teoria em apreço apresentará utilidade residual.  
A denominada teoria das esferas de risco em face do problema da aferição do nexo de causalidade.
Segundo a doutrina das esferas de risco, podemos afirmar que tendo sido a lesante a criar a fonte do perigo, ela dá origem a uma esfera de risco/responsabilidade a seu cargo, não tendo o lesado contribuído para o dano, verifica-se uma conexão funcional entre o dano e a esfera de risco posta em marcha pelo lesante.
Recorrendo ao estudo de Ana Mafalda Miranda Barbosa no domínio da teorização das esferas de risco - “será com base na assunção de uma esfera de risco e no cotejo dela com outras esferas de risco (tituladas pelo lesado, por um terceiro ou pela própria realidade natural e social) que conseguiremos dizer quando deve haver imputação objectiva do dano-lesão ao comportamento do agente».
O lesado tem de provar a edificação de uma esfera de risco e a existência de um evento lesivo. O juízo acerca da pertença deste evento à esfera de risco criada pelo agente assume uma «dimensão normativa da realização judicativo-decisória do direito», libertando o julgador das dificuldades tradicionais na apreciação da prova, à luz da ideia de que, nesta matéria, não se busca uma verdade científica, mas uma verdade prática. O que é relevante é saber a quem a lesão deve ser imputada, de acordo com uma ideia de possibilidade, assumindo o lesante o risco processual.»
Todos estes contributos e aportes visam facilitar ao lesado a prova do nexo de causalidade, embora, no caso em juízo beneficie o Autor da vantagem da inversão do ónus de prova, ditada pela presunção legal da culpa do lesante na produção do dano. 
   
3.A violação dos deveres de tráfego

Prosseguindo uma outra linha do debate, justifica-se ainda a aferição do nexo de causalidade sob a perspectiva dos deveres de prevenção de perigo ou de tráfego impostos à Ré, em razão da natureza perigosa da actividade de navegação marítima.
Vem-se entendendo a emergência de um dever jurídico geral de prevenção do perigo, não consagrado expressamente pelo legislador, relacionado com a prevenção dos perigos em locais privados ou públicos (estradas, edifícios), e com coisas (venenos) ou actividades perigosas.
Neste domínio,  José Carlos Brandão Proença afirma  a defesa  de um “dever genérico de prevenção do perigo” ; ou, ainda “deveres do tráfico” como refere Antunes Varela, “o criador ou o mantenedor da situação especial de perigo tem o dever jurídico de o remover, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão (é o caso do atropelante que não conduz ao hospital o atropelado, vindo este a sofrer novo e mortal atropelamento, do proprietário que descura o dever de conservação das pranchas de madeira utilizadas na ponte da sua quinta ou do empreiteiro que abra um buraco na via pública)”.[19]
Exaustivo no estudo da temática, Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, afirma:  “A casuística judicial analisada é eloquente, revelando que inúmeras decisões imputaram resultados lesivos fundados em omissões, sem as reportar, como expressamente impõe a letra do artigo 486º, a estritas vinculações legais ou negociais, adoptando um procedimento metodológico idêntico ao efectuado pela jurisprudência alemã que, não dispondo sequer de uma disposição equivalente, serviu-se dos deveres de segurança no tráfego para alargar o catálogo de ordens de ação para além do § 823, II, aplicando diretamente § 823,1, a fim de assegurar a proteção integral dos direitos e bens jurídicos que tutela e abstraindo por completo de se tratar de condutas ativas ou omissivas (…). Os deveres no tráfego não se limitaram a alargar o elenco das ordens de agir para além das normas de proteção de carácter precetivo, impondo também a responsabilidade pela prática de atos descuidados, evolução que marcou um momento essencial na transição dos deveres de segurança no tráfego para os deveres no tráfego.”[20]

Na jurisprudência e contexto de análise, inter alia, debruça-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.5.2018, considerando: «(…) que o dever jurídico de praticar o acto resulta da lei ou de negócio jurídico, tem vindo a ser entendido pela doutrina e pela jurisprudência que a nossa lei consagra o princípio geral de que quem “cria ou mantém uma situação especial de perigo tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para prevenir danos com ela relacionados”.  (…) O acolhimento dos deveres de prevenção do perigo (denominados também de deveres de segurança no tráfico ou de deveres de tráfego) ao permitir alargar a responsabilidade civil (extracontratual) por omissão a quem exerce o domínio de facto sobre uma coisa (móvel ou imóvel) ou sobre uma actividade, passível de causar danos a terceiros, impõe-lhe o dever de tomar as providências necessárias para evitar a produção dos mesmos. (…) O conteúdo destes deveres tem subjacente o conceito de agir com cuidado e depende de múltiplos factores como sejam a probabilidade do acidente, a gravidade dos efeitos danosos, as medidas preventivas adequadas e a possibilidade de auto -protecção do eventual lesado.  »[21]
No caso dos autos, a perigosidade inerente à actividade marítima, potenciadora de maior risco de produção de danos, exigiria actuação zelosa no cumprimento das regras de vistoria e fiscalização prévia das alterações introduzidas no navio, as quais , como resultou provado, a Ré desconsiderou frontalmente, optando ainda assim  por zarpar com o fito de realizar prova de pesca, e em  condições diferentes das suas condições típicas de carga (pesca), quais fossem as de navio de carga geral (com eletrodomésticos, passageiros, cartões, garrafões, etc. Cfr ponto 58 dos factos.) 
      
4. Presunção legal de culpa; inversão do ónus probatório

Numa abordagem dogmática simplificada do modelo da responsabilidade civil extracontratual consagrado no artigo 483º do Código Civil, a obrigação de indemnizar tem como seus pressupostos _   o facto/conduta humana, o nexo causal e o dano, assentando, como se sabe, na dualidade entre culpa e ilicitude.
A verificação da ilicitude, enquanto lesão de direito absoluto, colimada no resultado danoso -morte do pai do Autor-não suscita controvérsia.    
Quanto ao requisito da culpa, ressaltam os seguintes parâmetros:
-a imprescindibilidade da culpa, excepto no campo da responsabilidade objectiva ou pelo risco;
- ao lesado cumpre, em regra, a prova da culpa do lesante, salvo as excepções de presunção legal de culpa (ilidível nos termos do artigo 350º, nº2, do CC) consagradas nos artigos 491º, 492º e 493º do Código Civil;
- entendidas como regras de inversão do ónus de prova;        
a culpa é em regra apreciada em concreto à luz do critério do bonus pater familias, salvo situações especiais.  
De particular alcance no caso sub iudice radica a aplicação do regime (excepcional) de presunção (“juris tantum”) de culpa, de quem cause danos no exercício de uma actividade perigosa (Ré apelante-armadora do navio), pela sua própria natureza – artigo 493º, nº2, do Código Civil - i.e,   dispensando o lesado (Autor –filho da vítima mortal) de provar os elementos de facto atinentes à culpa do lesante, em desvio à regra geral do artigo 487.º, nº1, do Código Civil.
Acerca do conteúdo da  prova imposta ao lesante para exclusão da culpa decorrente do exercício da actividade perigosa, prevalece a interpretação ,  segundo a qual, se exige a demonstração de um grau de diligência superior  ou mais rigoroso  aos cuidados de um homem médio, expressa até na letra do preceito empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.[22]
Citamos com  interesse neste âmbito, os ensinamentos  de  Maria da Graça Trigo   e Rodrigo Moreira  « (…)em boa medida poderá considerar-se justificada - não só pelo argumento textual, que parece favorecer o entendimento de que o n.º 2 se situa num patamar de exigência superior no que toca à diligencia demonstrada pelo lesante, mas também pelo argumento teleológico, que, de forma semelhante, sugere que, em virtude da perigosidade imanente à atividade danosa, o lesante que dela retira algum benefício deve respeitar os mais elevados padrões de diligência e cuidado - uma interpretação que vê neste caso a imposição de um critério de culpa levíssima, ou de uma responsabilidade objetiva impuríssima. A mesma ratio parece estar subjacente ao facto de, ao contrário do que sucede nos artigos 491.º, 492.º, n.º 1 e 493.º, n.º 1, não ser atribuída aqui qualquer relevância à causa virtual; é por força da especial perigosidade da atividade em causa e numa tentativa de reduzir a possibilidade de produção de danos no seu exercício, que, para além de se exigir um maior cuidado do que aquele que é exigido, em geral, em sede de responsabilidade civil, se recusa a relevância a uma causa virtual (ou do comportamento lícito alternativo) do dano efetivamente verificado.»[23]

Em igual trilho caminha a jurisprudência.
Assim, inter alia, pontifica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de   12-03-2009 -«É insuficiente a observância dos deveres inerentes à normal diligência, pois onde a periculosidade está ínsita na acção há o dever de proceder tendo em conta o perigo; o dever de evitar o dano torna-se, assim, mais rigoroso, quando se actua com a nítida previsão da sua possibilidade, pelo que o sujeito deve adoptar, mesmo que com sacrifícios, todas as medidas aptas para evitar o dano.» [24]
E, também, no Acórdão de 01-06-2006 daquele mais alto Tribunal, se afirma- «O legislador exige que o lesante, para excluir a presunção da sua culpa, prove que não teve nenhuma culpa, ou que tomou todas as providências. As expressões "nenhuma" e "todas" significam que o legislador entendeu que podem ser eticamente imputados à culpa do lesante, danos que dela não dependeram inteiramente.» [25]

No acidente em foco, para se atingir a ausência de culpa da Ré armadora, teria de ser demonstrada que o afundamento do barco não ocorreu em consequência dos factores circunstanciais do estado do navio que lhe são imputáveis e que observou todos os procedimentos exigíveis para impedir o naufrágio, o que não sucedeu.
De outro passo, vimos que a Ré também não logrou prova da alegada causa virtual -hipotética do naufrágio por facto imputado a terceiro.
Como flui da judiciosa fundamentação da sentença (retro transcrita parcialmente) a Ré apelante não logrou prova (positiva) das aventadas (outras) causas do naufrágio que imputava à actuação das outras Rés, ou, de que não foi por falta das suas providências que o evento danoso deflagrou, i.e, não logrou ilidir a presunção de culpa estabelecida no n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil.     
Por último, de interesse meramente teórico, há a mencionar que alguma doutrina vem salientando que as hipóteses de presunção de culpa consagradas nos artigos 491º, 492º e 493º do Código Civil encerram, também, presunções de causalidade.
Menezes Cordeiro vai mais longe e defende que as presunções em equação coenvolvem uma presunção de ilicitude, consagrando no nosso ordenamento jurídico, o modelo da falte. [26] 

Entendimento acolhido em parte por Ana Mafalda Miranda Barbosa, ao afirmar  que é possível convocar o disposto no artigo 493º, nº2, do CC, no sentido de presumir a culpa e, concomitantemente,presumir a imputação objectiva, reconhecendo ao lesado  mais que um fundamento no suporte da pretensão indemnizatória.[27]
  
No caso em juízo, atentas as razões já analisadas, o requisito da causalidade revelou-se comprovado, segundo a orientação prevalecente que sufragamos, da restrição à presunção de culpa contida no citado preceito legal, e vingaria na perspectiva da simultânea presunção de causalidade acima proposta.        
Sabemos que a culpabilidade não se confunde com a causalidade, embora no quadro positivado da responsabilidade civil delitual, releve a culpa em sede de imputação objectiva.  De outo passo, nas palavras da insigne autora acima citada,  «(… hoje, fruto a boa influência de além-fronteiras, (…)o nexo  de causalidade comunga , naquela que nos parece ser a melhor visão do problema, de uma natureza binária.»[28]                 
Relembrando o dissídio da apelante, soçobra a argumentação no sentido da sua absolvição do pedido.

5. A atribuição da indemnização pelo dano morte - artigo 496º, nº2, do CC 
Resta jacente a pretensão recursiva subsidiária, redução a metade do valor indemnizatório, em virtude de o direito de ressarcimento do Autor coexistir com igual direito atribuído à viúva da infeliz vítima. 
Dispõe o artigo 496.º do Código Civil, sob a epígrafe “Danos não patrimoniais”, que: «1-Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2-Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3-Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes. 4- O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.»
Inequivocamente, o legislador atribuiu aos filhos (dos falecidos) o direito a uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela morte dos seus pais, conforme resulta do art. 496.º, n.ºs 2 e 4, in fine, do Código Civil.
Atribuição que, é feita não aos herdeiros por via sucessória, mas outrossim, confere aos familiares indicados o direito a indemnização jure proprio, critério adotado na sentença recorrida, conforme resulta do dispositivo condenatório.

Em alinhamento com a jurisprudência dominante, elucida o Acórdão do STJ de 30-04-2015: «No caso de morte da vítima a titularidade do direito à indemnização por danos não patrimoniais pela perda de vida é atribuída ex lege aos familiares referidos no art. 496.º, n.º 2, do CC, afastando a lei a aplicabilidade do regime sucessório que decorreria de se considerar que o direito à indemnização pelo dano morte se integrou com a morte na esfera
jurídica do de cujus.» [29]                                                                                     
Assim, seguindo Antunes Varela « (..)   no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio (iure proprio), nos termos e segundo a ordem do disposto no nº 2.»[30]

No ensejo da melhor conformação à situação sub judice, realçamos que o Supremo Tribunal de Justiça no preclaro Acórdão proferido nos autos, consignou: «“2.2.-Nos termos do art. 496°, n° 2, do CC, a indemnização pelo dano morte (a que pode ainda adicionar-se a indemnização pelos danos sofridos pela vítima antes de falecer) é concedida conjuntamente e de forma sucessiva aos grupos de familiares aí identificados. (…) E acrescentou: «2.3.-O preceituado no n° 2 do art. 496° do CC não representa uma situação de litisconsórcio necessário activo, antes constitui uma norma que atribui a indemnização, de forma escalonada, a um conjunto de interessados, de acordo com o grau de parentesco considerado relevante. Abstraindo da natureza jurídica da indemnização pela perda da vida, como direito próprio da vítima que se transmite para os familiares identificados ou como direito que se constitui directamente na esfera dos familiares em consequência da morte, o legislador assumiu naquele preceito, de forma autónoma e fora do quadro do direito sucessório, uma determinada regra atributiva e distributiva da indemnização. Ora, tal não colide com a possibilidade de ser reclamada por cada um dos sujeitos a quota-parte da indemnização que lhe caiba, matéria que se integra no mérito da pretensão e que não colide com a legitimidade activa. No que concerne à indemnização pela morte do pai do A. e aos danos morais precedentes, a pretensão do A. é restrita à que lhe respeitar em consequência da aplicação do art. 496°, n° 2, do CC, tendo em conta que existirá ainda outra interessada, a sua mãe, que não figura no presente acção. Com esta clarificação, para além de não estarmos perante uma situação de preterição de litisconsórcio necessário activo, o facto de o A. peticionar a indemnização pelo direito à vida do seu pai sem estar acompanhado da mulher da vítima e mãe do A. não se reconduz a uma situação de ilegitimidade processual, antes a uma questão de mérito que será decidida oportunamente consoante as regras do art. 496º do CC”.[31]

Registe-se ainda que, não tem aplicação na situação sub judice o AUJ n.º 6/2014, que numa interpretação actualista dos artigos 483.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1 do Código Civil, uniformizou jurisprudência no sentido de que estes preceitos «devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave».
Finalmente, é dado conhecer que o Supremo Tribunal de Justiça tem interpretado a segunda parte do n.º 4 do art. 496.º do Código Civil, no sentido de que a remissão para o n.º 2 inclui a remissão para a ordem de preferências do n.º 2.  [32]

É verdade que o aludido inciso normativo - nº 2 do artº 496º - junta no primeiro grupo de beneficiários, a título conjunto e simultâneo, o cônjuge" e "os filhos ou outros descendentes". Mas, quanto aos "outros descendentes" que não os filhos, isto é quanto v.g aos descendentes de 2º grau (netos) ou de 3º grau (bisnetos), a precedência da respectiva enunciação pela disjuntiva "ou" mais não pode deixar de significar que o "chamamento" desses parentes de graus subsequentes dentro da mesma estirpe só pode operar-se a título sucessivo ou subsidiário, isto é, por direito de representação de seus falecidos progenitores.

Compilados estes elementos, podemos então concluir que a decisão não merece censura, fazendo correcta interpretação e aplicação   do disposto no artigo 496º, nº2 do CC. Dito de outro modo, é legítimo ao Autor exercer autonomamente ( desacompanhado da mãe e viúva do falecido) o direito de indemnização pela morte do pai que a lei lhe confere, e o qual peticionou na medida da compensação indemnizatória que lhe respeita; o tribunal a quo fixou a título de compensação pelo dano morte o montante  € 50 000,00, correspondente à sua quota parte; e,  a apelante não questionou a adequação do valor fixado à luz dos factos apurados e da equidade.

Improcede, por conseguinte, a argumentação da apelante.
      
III.DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes em negar provimento ao recurso, e em consequência, mantendo o julgado de primeira instância nos seus precisos termos. 
Custas a cargo da apelante.



Lisboa, 11.10.2022


ISABEL SALGADO
CONCEIÇÃO SAAVEDRA
CRISTINA COELHO



[1]Com aproveitamento do relatório da sentença
[2]Seguindo a síntese conclusiva da sentença.
[3]No Proc. n.º 150/11.1TBOAZ.P1. S1 in www.dgsi.pt.
[4]Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in CC anotado, Volume I,4ªedição, pág. 495, em anotação ao artigo 493º enumeram a título de exemplo de actividade perigosa, entre outras, a actividade marítima; na jurisprudência, cfr. o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 26.06.2021, por esta mesma secção, no proc. 1694/18.6T8PDL.L1-7, disponível in www.dgsi.pt.   
[5]In Ensaio sobe os pressupostos da responsabilidade civil, 1995, pág 392/3.
[6]V. artigos 342º, nº1, do CC e 607º, nº5, do CPC; e cfr. Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil “, pág 347.  
[7]O denominado “Standard “de prova, expressão que descreve o grau de probabilidade de ocorrência de um facto que a parte sobre quem impende o ónus de prova deve alcançar; para mais desenvolvimentos cfr. Luís Filipe de Sousa in. O STANDARD DE PROVA NO PROCESSO CIVIL E NO PROCESSO PENAL, 2017, disponível, designadamente, na página deste Tribunal da Relação.   
[8]Destacando o que importa à responsabilização da Ré Crustacil.
[9]Cfr. 48.“O navio Bolama perdeu-se por causa não apurada, possivelmente porque alguma ação – de natureza e causa indeterminadas – o inclinou a ponto de submergir, e de manter submersas, as grandes aberturas (portas e vigias) que levava franqueadas, o que permitiu o embarque muito rápido de enormes quantidades de água, anulando a reserva de flutuabilidade da mencionada embarcação; 49.As três boeiras – duas de recorte semi-circular e uma de recorte retangular – jamais tornariam possível, ou poderiam importar, o embarque da água necessária ao afundamento daquele navio;”
[10]Cfr. Inter alia Antunes Varela in Das Obrigações, I, pág.878; em contrário, Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações, I, pág.362.   
[11]Cfr. Pessoa Jorge in Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág.410; e Galvão Telles in Direito das Obrigações, pág.409: “determinada acção será adequada de certo prejuízo, se tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem comum podia conhecer, essa acção se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar”. 
[12]Cfr. a propósito Inocêncio Galvão Telesto Galvão Teles in Direito das Obrigações, 7ª edição, 1997, pág.409.
[13]In Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª edição, 2003, págs., 890/94 e 899/900.
[14]No proc. 670/04.0TCGMR.S1, in www.dgsi.pt;
[15]“Em território sujeito à jurisdição nacional, o navio Bolama foi submetido a alterações. Todas as grandes reparações e modificações de material flutuante estavam e estão sujeitas a fiscalização técnica, ao abrigo do preceituado no artigo 16.º do Decreto n.º 15.372, de 9 de abril de 1928”
[16]In Do Nexo de causalidade ao nexo de imputação in “Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil”, Cadernos CEJ, 2018.
[17]In do nexo de causalidade ao nexo de imputação: contributo para a compreensão da natureza binária e personalística do requisito causal ao nível da responsabilidade civil extracontratual, 2013, Vol. II, pág. 1157.
[18]In da Responsabilidade, pág.534.
[19]Cfr, respectivamente in “Direito das Obrigações – Relatório Sobre o Programa, o Conteúdo e os Métodos do Ensino da Disciplina” – 2007, págs. 180 /1, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 114. °, pp. 77/9; e no mesmo sentido, Sinde Monteiro. 
[20]In ““Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego”, pág.596/7.
[21]No proc nº 1646/11; também os Acórdãos do STJ   de 24.10.2019 no proc.º 128/11, de 30.09.2014 no proc. 368/04, e de 29-11-2016, no proc.  n.º 820/07.5TBMCN.P1. S1, todos in www.dgi.pt.
[22]Cfr.  Menezes Leitão in Direito das Obrigações, Volume I, 8.ª edição, pág, 328/9.
[23]In Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, pág 324.
[24]No proc n. º 08B4010, in www.dgsi.pt.
[25]No proc n. º 06B1012, in www.dgsi.pt.
[26]In Da Responsabilidade civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, pág.469. 
[27]In Direito da Responsabilidade, uma disciplina jurídica autónoma, 2021, pág. 150/161.
[28]In obra citada, pág. 187.
[29]No proc. 1380/13.3T2AVR.C1. S1, in www.dgsi.pt.
[30]Cfr. Antunes Varela in Das Obrigações em geral, I 4ª ed., pág.151 e na obra conjunta com Pires de Lima; divergindo da posição assumida por Vaz Serra in, RLJ, anos 107. °, pág. 140 e segs., e 109º, págs. 44/5.
[31]Junto aos autos e publicado designadamente in O dano morte na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça- Sumários de 2016 a dezembro de 2021.
[32]Cfr, inter alia os Acórdãos do STJ de 30 de março de 2017, no processo n.º 225/14.1T8BRG.G1; de 1 de março de 2018, no processo n.º 1608/15.5T8LRA.C1. S1; e 9 de janeiro de 2019, no processo n.º 1649/14.14.0T8VCT.G1. S1., todos in www.dgi.pt.