IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DO CONSERVADOR
DOCUMENTO AUTENTICADO
TERMO DE AUTENTICAÇÃO
REQUISITOS
Sumário


1. São documentos autenticados os documentos particulares cujo conteúdo seja confirmado pelas partes perante o notário, o qual deve reduzir a confirmação a termo, nos termos do artigo 151.º do Código do Notariado.
2. De acordo com o artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, atribuiu-se às câmaras de comércio e indústria, conservadores, oficiais de registo, advogados e solicitadores o poder de fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar ou fazer e certificar, traduções de documentos, até então cometidos aos oficiais públicos, nos mesmos termos e sujeitos às mesmas obrigações e designadamente os previstos na lei notarial.
3. O documento particular só pode ser considerado devidamente autenticado se “o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante (o notário, a câmara de comércio e indústria, o conservador, o oficial de registo, o advogado ou o solicitador), nos termos prescritos nas leis notariais, circunstância que terá de constar da respetiva autenticação” (1), devendo ainda constar deste termo “as assinaturas dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento, sob pena do acto notarial ser nulo, por vício de forma.
4. O termo de autenticação obedece a um rigoroso procedimento já que serve para que o documento particular adquira uma força qualificada, justificada por razões de segurança, certeza jurídicas e salvaguarda da fé pública associada a este tipo de documento, (que passa a ter a força probatória do documento autêntico –C.Civil, arts. 376.º e 377.º-). sendo que o termo de autenticação de documento particular haverá de conter declaração de todas as partes de que leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade, confirmação que não prescinde da sua prova, por via das respectivas assinaturas.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

I. K., contribuinte fiscal n.º ………, com residência em …, …, Israel, impugnou judicialmente, nos termos do artigo 140º do Código de Registo Predial, a decisão da Conservadora do Registo Predial de ..., por não se conformar com a qualificação do registo lavrado provisoriamente por natureza referente à aquisição e hipoteca constantes da Ap.4598 e 4599 de 2021-09-01, nos termos do artigo 92º n.1 al. f) e 92º n.2 al. b), do Código de Registo Predial.
Alegou, em súmula, que a decisão da Conservadora, de que o termo de certificação de procuração, a conferir poderes de representação pelos compradores no acto em apreço que se pretende registar, deve estar por estes assinado, não é correcta, já que o termo de autenticação referido no artigo 151.º do Código do Notariado, deve ser assinado apenas pelo notário, ou por quem tenha competência para o acto, nos termos do artigo 38º. do Decreto-lei n.76-A/2006, não sendo necessário, para a validade do termo de autenticação, a assinatura dos autores do negócio jurídico confirmado perante o notário.
Conclui, pedindo que a impugnação seja julgada procedente por provada, seja lavrado em definitivo o registo quanto ao objeto da mesma e condenada a conservatória no pagamento das taxas de justiça.
A Conservadora emitiu despacho de sustentação nos termos do artigo 142º-A, n.3 do Código de Registo Predial.
O Ministério Público emitiu parecer ao abrigo do disposto no art. 146.º, n.º 1 do Código de Registo Predial, pronunciando-se no sentido de ser o recurso julgado improcedente, mantendo-se a decisão da Conservadora.

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Por decisão proferida nos autos ref.ª elect. 36562647, foi julgado totalmente improcedente, por não provado, o recurso interposto, mantendo-se nos seus precisos termos, os registos de aquisição e hipoteca do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …/…-B (Ap. 4598 e 5499 de 2021.09.01) lavrados provisórios por natureza.

Inconformado com esta decisão, veio o requerente I. K. interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, que se passam a reproduzir:

«1. A meritíssima Juíza a quo, errou quando fundamentou a sua decisão, invocando, a necessidade do termo de autenticação dever ser assinado por todos os intervenientes.
2. Quando da sua análise dos artigos 150º, 151º e 46º do Código do Notariado, por via da remissão do artigo 38º do DL nº76-A/2006 de 29 de março, ter concluído da necessidade imperiosa da assinatura dos intervenientes no negócio, no termo de autenticação, conferindo-lhe assim a devida autenticidade.
3. Contrária a esta análise da lei, deveria o tribunal a quo, ter concluído, que o termo de autenticação apenas será assinado pelo seu certificador devidamente habilitado para o efeito.
4. Cabendo apenas aos declarantes assinar o documento que exprime a sua vontade negocial.
5. E perante essas assinaturas, caberá ao certificador, e só a este certificar se essa é a vontade dos declarantes.
6. Formalismo legal, que foi respeitado pelo certificador em apreço, conferindo assim autenticidade legal ao documento visado.
7. Se, e reitera-se que deveria ter sido este o entendimento do douto tribunal a quo, o recurso da decisão do Sr. Conservador em lavrar os registos com carácter de provisoriedade, teria procedido.
8. Pelo que a questão em apreço deverá ser apreciada no âmbito da presente fundamentação, que se dá por integralmente reproduzida, segundo os critérios legais, e segundo também a posição jurisdicional emergente dos tribunais superiores.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, E, CONSEQUENTEMENTE, A SENTENÇA REVOGADA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
FAZENDO-SE ASSIM A ACOSTUMADA JUSTIÇA
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Foram apresentadas contra-alegações pelo Ministério Público, cujas conclusões se transcrevem:

«1. Foram requeridos, via online, na Conservatória de Registo Predial de ..., os Registos de Aquisição e Hipoteca voluntária, pela requisição 1794 e 2021-09-01 e pela apresentante M. P., sobre a fracção .. do Prédio … da Freguesia do ..., concelho de Lisboa, juntando para o efeito a apresentante um documento particular autenticado n.º ....-....-....-.... de 2021-08-04.
2. No documento particular autenticado e apresentado para basear o pedido de registo de aquisição e hipoteca voluntária, o segundo outorgante L. M. intervém no acto em representação de I. K. e mulher R. K. e, para tanto o autenticador mencionou no termo de autenticação que verificou a qualidade e poderes para o acto através da procuração com termo de autenticação efectuado em 22-07-2021, pela advogada com a cédula profissional n.º ....
3. A procuração supra mencionada, foi lavrada como documento autenticado, tendo sido lavrado o termo de autenticação, onde a autenticadora diz que compareceram perante ela os outorgantes I. K. e mulher R. K., identificando-os, verificando a sua identidade, mencionado que o conteúdo da procuração junta foi lido e explicado e que correspondia à vontade dos outorgantes e no final do termo apenas a autenticadora o subscreve, não tendo sido assinados pelos outorgantes.
4. Perante tal, a Srª Conservadora determinou que os registos de aquisição e Hipoteca voluntária referidos em -1 foram, em 2021-09-01, registados provisoriamente por natureza com fundamento de procurador sem poderes suficientes para o acto, o mesmo sucedendo com a hipoteca por se encontrar na dependência do acto de aquisição anterior.
5. O requerente recorreu da decisão da Srª Conservadora tendo a Mma. Juiz a quo proferido decisão no sentido do decidido pela Srª Conservadora porquanto considerou que a autenticação da procuração aqui em causa não obedeceu aos requisitos legalmente exigidos, pelo que o documento particular não chegou a adquirir a natureza de documento particular autenticado e como tal o procurador não tinha poderes suficientes para o negócio de compra e venda, sendo as inscrições com base em tal documento são provisórias por natureza (artigo 92.º, n.º 1al. f) e n.º 2 b) do Código de Registo Predial).
6. Com efeito, o documento particular apenas poderá ser considerado autenticado se o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante, nos termos prescritos nas leis notariais, circunstância que terá de constar da respetiva autenticação, não bastando apenas o facto de os mesmos procederem ao reconhecimento das assinaturas.
7. Conforme dispõe no art.º 46.º, do Código do Notariado, sobre as formalidades comuns aos instrumentos notariais, o termo de autenticação, deve conter, entre outros elementos, a declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade, nos termos das als. l) a n), do seu n.º 1.
8. Já o artigo 150.º, n.º 1 do Código do Notariado preceitua que, “os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário”, observados que sejam os requisitos comuns formais previstos no artigo 151.º do mesmo diploma, que são, para além do mais e a para o que aqui importa: as assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento. (sublinhado nosso).
9. Por sua vez, o art.º 70.º, do Código de Notariado, prevê os casos de nulidade do acto notarial por vício de forma, prescrevendo o seu n.º 1, que “o acto notarial é nulo, por vício de forma, apenas quando falta algum requisito ali enumerados, que são, para além do mais e a para o que aqui importa: a assinatura de qualquer dos outorgantes que saiba e possa assinar (sublinhado nosso);
10. O termo de autenticação serve para que o documento particular adquira uma força qualificada, justificada por razões de segurança, certeza jurídicas e salvaguarda da fé pública associada a este tipo de documento que, só assim poderá ascender à categoria de título executivo.
11. Importa, como tal, que, para além disso, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública das partes estarem perfeitamente inteiradas do seu conteúdo, que traduz a sua vontade e confirmação, a mesma seja seguida da sua prova, por via das respectivas assinaturas.
12. Conclui-se, em conformidade, pelo acerto absoluto da douta decisão censurada e, concomitantemente, pela não violação de qualquer dispositivo legal, nomeadamente o preceituado nos arts. 151º, nº 1 do Código do Notariado, com referência ao artigo 46 do Código do Notarial.
Termos em que, e nos mais que V. Excelências doutamente suprirão, não se deverá dar provimento ao recurso interposto por I. K., mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.»
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O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
Face às conclusões da motivação do recurso nas quais está apenas em causa a aplicação do direito, a única questão a apreciar centra-se em saber se é requisito de validade do termo de autenticação, a assinatura dos outorgantes.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos a ter em conta são os que supra ficaram elencados no relatório, a que acrescem os seguintes resultantes da consulta electrónica dos presentes autos:

A) - Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

«1. Foram requeridos, via online, na Conservatória de Registo Predial de ..., os Registos de Aquisição e Hipoteca voluntária, pela requisição 1794 e 2021-09-01 e pela apresentante M. P., sobre a fracção .. do Prédio … da Freguesia do ..., concelho de Lisboa, juntando para o efeito a apresentante um documento particular autenticado n.º ....-....-....-.... de 2021-08-04.
2. No documento particular autenticado e apresentado para basear o pedido de registo de aquisição e hipoteca voluntária, o segundo outorgante L. M. intervém no acto em representação de I. K. e mulher R. K. e, para tanto o autenticador mencionou no termo de autenticação que verificou a qualidade e poderes para o acto através da procuração com termo de autenticação efectuado em 22-07-2021, pela advogada com a cédula profissional n.º ....
3. A procuração referida em -2, junta como documento a instruir o processo de registo, foi lavrada como documento autenticado, tendo sido lavrado o termo de autenticação, onde a autenticadora diz que compareceram perante ela os outorgantes I. K. e mulher R. K., identificando-os, verificando a sua identidade, mencionado que o conteúdo da procuração junta foi lido e explicado e que correspondia à vontade dos outorgantes e no final do termo apenas a autenticadora o subscreve.
4. Os registos de aquisição e Hipoteca voluntária referidos em -1 foram, em 2021-09-01, registados provisoriamente por natureza com fundamento de procurador sem poderes suficientes para o acto, o mesmo sucedendo com a hipoteca por se encontrar na dependência do acto de aquisição anterior.
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IV. Fundamentação de direito:

Como já referimos, a questão central a apreciar no presente recurso reconduz-se a aferir dos requisitos a observar na elaboração do Termo de Autenticação de documentos particulares e, concretamente, se neste é exigida a assinatura dos outorgantes, aplicando-se-lhe a alínea n) do artigo 46º do Código de Notariado.
Como linearmente se evidencia dos autos, in casu, foram requeridos, via online na conservatória, os registos de Aquisição e hipoteca voluntária pela requisição 1794 de 2021-09-01, sobre a fracção .. do prédio … da freguesia do ..., concelho de Lisboa, juntando para o efeito a apresentante um Documento Particular autenticado nº. ....-....-....-.... de 2021-08-04.
Os registos pretendidos foram lavrados como Aquisição provisória por natureza nos termos do artigo 92º, n.º l, alínea f) e a Hipoteca Voluntária provisória por natureza, no termos do artigo 92º, nº 1 alínea f) e 92º, nº 2 alínea b) do Código do Registo Predial, por se ter considerado que o termo de autenticação é um ‘instrumento notarial sujeito às formalidades comuns previstas no artigo 46º do Código do Notariado incluindo as previstas na sua alínea “n’’: “Assinaturas em seguida ao contexto dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os intervenientes e a assinatura do funcionáriosendo que os outorgantes neste termo são as partes que declaram que já leram o documento e estão perfeitamente inteirados do seu conteúdo e que exprime a sua vontade, tal como refere o artigo 151, n.1 alínea a).
O registo elaborado nos sobreditos termos decorreu do facto de «No DPA (documento particular autenticado) apresentado a basear o pedido de registo, o segundo outorgante L. M. intervém no ato em representação de I. K. e mulher R. K. e, para tanto o autenticador mencionou no termo de autenticação que verificou a qualidade e poderes para o ato através da procuração com termo de autenticação efetuado em 22- 07-2021, pela advogada cédula ....
Analisada a procuração junta como documento a instruir o processo de registo, verifica-se que foi lavrada como documento autenticado, isto é dactilografada e lavrado um termo de autenticação nos termos do artigo 116º, nº. 1 do Código do Notariado, onde a autenticadora diz que compareceram perante ela os outorgantes, I. K. E ESPOSA R. K., identificando-os, verificando a sua identidade, mencionando que o conteúdo da procuração junta foi lido e explicado e que correspondia à vontade dos outorgantes; e no final do termo apenas ela o subscreve. (2)»
Na decisão recorrida proferida no âmbito da impugnação judicial da decisão de recusa do acto do Conservador, nos termos do artigo 140º do Código de Registo Predial, subscreveu-se a posição da Sr.ª Conservadora, quanto aos requisitos a observar no termo de autenticação, enunciando-se de forma esclarecedora e exaustiva as razões que fundamentam a decisão tomada, as quais, desde já adiantamos, merecem a nossa inteira concordância.
«A definição do que são documentos autênticos ou particulares autenticados encontra-se no artigo 363. °, do Cód. Civil, ao estipular-se no seu n.º 2, que apenas são autênticos os que forem exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública, e que todos os outros documentos são particulares. Por sua vez, nos termos do seu n.º 3, os documentos particulares são havidos por autenticados, se forem confirmados pelas partes perante o notário, nos termos prescritos nas leis notariais (3).»
De facto, são documentos autenticados os documentos particulares cujo conteúdo seja confirmado pelas partes perante o notário, o qual deve reduzir a confirmação a termo, nos termos do artigo 151.º do Código do Notariado.
Decorre do disposto no artº 377 do Código Civil, que “os documentos particulares autenticados nos termos da lei notarial têm a mesma força probatória dos documentos autênticos”. E, por via do disposto no artº 371 do mesmo diploma legal, “os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”.
Como se salienta no Ac. da R.C. de 18.1.2022, in www.dgsi «Se a autenticação de documentos particulares era apanágio dos Notários, o legislador veio adoptar medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registrais, por via do D.L. 76-A/2006 de 22/03, visando actuar “no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos, permitindo que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las. Trata-se de facilitar aos cidadãos e às empresas a prática destes actos junto de entidades que se encontram especialmente aptas para o fazer, tanto por serem entidades de natureza pública ou com especiais deveres de prossecução de fins de utilidade pública como por já hoje poderem fazer reconhecimentos com menções especiais por semelhança e certificar ou fazer e certificar traduções de documentos.” (preâmbulo do respectivo diploma).»
Assim, de acordo com o preceituado no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, atribuiu-se às câmaras de comércio e indústria, conservadores, oficiais de registo, advogados e solicitadores o poder de fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar ou fazer e certificar, traduções de documentos, até então cometidos aos oficiais públicos, nos mesmos termos e sujeitos às mesmas obrigações e designadamente os previstos na lei notarial, prescrevendo-se no seu n. ° 2 que os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actas tivessem sido realizados com intervenção notarial. E assim sendo, deverá concluir-se que estas entidades também têm competência para autenticar documentos para efeito do disposto no artigo 363.º, do CC, devendo este considerar-se tacitamente actualizado nessa parte (4).
Como referimos, os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário, que a reduzirá a Termo.
Os termos de autenticação, lavrados em conformidade com o estatuído no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, obedecem à semelhança dos praticados por oficial público, a determinados requisitos, os quais se mostram elencados no artigo 151º do Código de Notariado, que prescreve «O termo de autenticação, além de satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46.º, deve conter ainda os seguintes elementos:
a) A declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade;
b) A ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados.
2 - É aplicável à verificação da identidade das partes, bem como à intervenção de abonadores, intérpretes, peritos, leitores ou testemunhas, o disposto para os instrumentos públicos

Exige-se, assim, que deste termo de autenticação conste, para além dos requisitos especiais previstos nas alíneas a) e b) do n. 1 do artigo 151º do C.N., os seguintes, como resulta do disposto no artigo 46º do Código de Notariado:

«a) A designação do dia, mês, ano e lugar em que for lavrado ou assinado e, quando solicitado pelas partes, a indicação da hora em que se realizou;
b) O nome completo do funcionário que nele interveio, a menção da respectiva qualidade e a designação do cartório a que pertence;
c) O nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes, bem como das pessoas singulares por estes representadas, a identificação das sociedades, nos termos da lei comercial, e das demais pessoas colectivas que os outorgantes representem, com menção, quanto a estas últimas, das suas denominações, sedes e números de identificação de pessoa colectiva;
d) A referência à forma como foi verificada a identidade dos outorgantes, das testemunhas instrumentárias e dos abonadores;
e) A menção das procurações e dos documentos relativos ao instrumento que justifiquem a qualidade de procurador e de representante, mencionando-se, nos casos de representação legal e orgânica, terem sido verificados os poderes necessários para o acto;
f) A menção de todos os documentos que fiquem arquivados, mediante a referência a esta circunstância, acompanhada da indicação da natureza do documento, e, ainda, tratando-se de conhecimento do imposto municipal de sisa, a indicação do respectivo número, data e repartição emitente;
g) A menção dos documentos apenas exibidos com indicação da sua natureza, data de emissão e entidade emitente e, ainda, tratando-se de certidões de registo, a indicação do respetivo número de ordem ou, no caso de certidão permanente, do respetivo código de acesso;
h) O nome completo, estado e residência habitual das pessoas que devam intervir como abonadores, intérpretes, peritos médicos, testemunhas e leitores;
i) A referência ao juramento ou compromisso de honra dos intérpretes, peritos ou leitores, quando os houver, com a indicação dos motivos que determinaram a sua intervenção;
j) As declarações correspondentes ao cumprimento das demais formalidades exigidas pela verificação dos casos previstos nos artigos 65.º e 66.º;
l) A menção de haver sido feita a leitura do instrumento lavrado, ou de ter sido dispensada a leitura pelos intervenientes, bem como a menção da explicação do seu conteúdo;
m) A indicação dos outorgantes que não assinem e a declaração, que cada um deles faça, de que não assina por não saber ou por não poder fazê-lo;
n) As assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento.» (negrito nosso)
Para além do exposto, e nos termos dos artigos 1.º e 4.° da Portaria 657-B/2006, de 29 de Junho (Estabelece a regulamentação do registo informático dos actos praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores, ao abrigo do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março) necessário se torna, ainda, proceder ao imediato registo do acto, no respetivo sistema informático ou, em caso de indisponibilidade, dentro do prazo máximo de 48 horas.
Atentando nos requisitos formais elencados nos normativos citados, terá de se concluir que o documento particular só pode ser considerado devidamente autenticado se “o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante (o notário, a câmara de comércio e indústria, o conservador, o oficial de registo, o advogado ou o solicitador), nos termos prescritos nas leis notariais, circunstância que terá de constar da respetiva autenticação” (5), devendo ainda constar deste termo “as assinaturas dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento, sob pena do acto notarial ser nulo, por vício de forma. (6)”

De facto, diz-nos o art.º 70.º, do Código de Notariado, o qual prevê os casos de nulidade do acto notarial por vício de forma, que: “1 - O acto notarial é nulo, por vício de forma, apenas quando falte algum dos seguintes requisitos:

a) A menção do dia, mês e ano ou do lugar em que foi lavrado;
b) A declaração do cumprimento das formalidades previstas nos artigos 65.º e 66.º;
c) A observância do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 41.º;
d) A assinatura de qualquer intérprete, perito, leitor, abonador ou testemunha;
e) A assinatura de qualquer dos outorgantes que saiba e possa assinar;
f) A assinatura do notário.
g) A observância do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 46.º»

Ou seja, o artº 70 do Código do Notariado comina com a nulidade a violação das exigências contidas nas alíneas a) a g) do seu nº1, entre elas e para o que ora releva, a falta de assinatura dos outorgantes. Pelo que, não cumprindo a autenticação do documento particular os requisitos legais constantes da Portaria n.º 657-B/2006, tal inquina a validade do documento enquanto documento autenticado, valendo apenas como documento particular (7).
Como se verifica dos autos, foram requeridos, via online, na Conservatória de Registo Predial de ..., os Registos de Aquisição e Hipoteca voluntária, pela requisição 1794 e 2021-09-01 e pela apresentante M. P., sobre a fracção .. do Prédio … da Freguesia do ..., concelho de Lisboa, juntando para o efeito a apresentante um documento particular autenticado (compra e venda e mútuo com hipoteca) n.º ....-....-....-.... de 2021-08-04, no qual, o segundo outorgante L. M. intervém no acto em representação de I. K. e mulher R. K. e, para tanto o autenticador mencionou no termo de autenticação que verificou a qualidade e poderes para o acto através da procuração com termo de autenticação efectuado em 22-07-2021, pela advogada com a cédula profissional n.º ....
Sucede que a procuração supra mencionada, foi lavrada como documento autenticado nos termos do artigo 116º do Código de Notariado (8), tendo sido lavrado o termo de autenticação, onde a autenticadora diz que compareceram perante ela os outorgantes I. K. e mulher R. K., identificando-os, verificando a sua identidade, mencionado que o conteúdo da procuração junta foi lido e explicado e que correspondia à vontade dos outorgantes e no final do termo apenas a autenticadora o subscreve, não tendo sido assinados pelos outorgantes.
Ora, conforme decorre do já exposto, os termos de autenticação, lavrados em conformidade com o estatuído no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, obedecem a determinados requisitos: devem ser lavrados no próprio documento a que respeitam ou em folha anexa (cfr. artigo 36.º, n.º 4 do Código do Notariado); devem satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, às formalidades comuns dos actos notarias, estabelecidas no artigo 46.º do Código do Notariado.
Ora, como se evidencia do exposto, o termo de autenticação não foi, assinado pelos outorgantes do documento, como se impunha face ao disposto no art. 46.º, n.º 1, al. n), do Cód. Notariado, ao determinar que do instrumento notarial conste as assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento.
O artigo 262º do Código Civil, no seu nº 1, define procuração como “o acto pela qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos” e, no que respeita à forma, o nº 2 deste artigo diz-nos que “salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar”.
Quer isto significar que a procuração é o ato unilateral pelo qual o mandante atribui poderes de representação ao mandatário, devendo a procuração revestir a forma que for exigida para o negócio para o qual a procuração é emitida e no caso em apreciação, estando perante um negócio de compra e venda de um imóvel, a procuração deveria revestir a forma de documento público ou documento autenticado.
Como elucidativamente se salienta no Ac. STJ de 21.04.2022, in www.dgsi.pt « IX. A ratio que subjaz à exigência de forma legal para a efectivação de certos negócios jurídicos (v.g., venda de imóveis), impõe seja adoptado idêntico formalismo pela procuração atributiva de poderes representativos para a celebração de tais negócios. Ou seja, a forma da procuração fica dependente da finalidade das formalidades exigidas para o negócio principal. Tratando-se de formalidade ad substantiam, a regra vertida no artigo 262.°, n.° 2, do CC, não pode deixar de ser aplicável.
X. Assim, tendo a compra e venda de imóvel e confissão de dívida e hipoteca, sido celebrados (em 2011) por escritura pública, as procurações que lhes serviram de suporte tinham de ser autenticadas (exigência ad substantiam), sob pena de nulidade por vício de forma (ut artº 220º do CC).
XI. Como tal, tendo-se levado a cabo escrituras públicas ao abrigo de procurações não autenticadas e devidamente registadas informaticamente, os detentores/beneficiários dessas procurações agiram sem poderes de representação. E pressupondo a representação que o representante actue ao abrigo de poderes que lhe permitam agir em nome alheio, faltando tais poderes representativos, os efeitos negociais não se fazem sentir na esfera jurídica do dominus.
XII. Consequentemente, não tendo os RR advogados poderes de representação dos AA, dado as procurações enfermarem do referido vício (falta de tempestivo registo informático do termo de autenticação), os direitos e obrigações criados por via dos negócios jurídicos celebrados à sombra ou ao abrigo de tais procurações não se projectaram no património dos AA/mandantes. São, de todo, ineficazes em relação aos AA..» (…).
Como se vislumbra do exposto, no termo de autenticação da procuração ao abrigo da qual foi celebrado o contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca (documento particular autenticado a basear o pedido de registo), não foram observados os requisitos legalmente exigidos, ou por outras palavras o termo não foi devidamente lavrado com todos os requisitos constantes do artigo 46º do Código de Notariado, mormente, no que se refere à assinatura confirmatória dos outorgantes, o que necessariamente por força do citado artigo 70º al. e) do C.N., afecta a validade do termo e, consequentemente, a autenticação do documento em questão.
Para sustentar a desnecessidade da assinatura dos outorgantes no termo, o apelante sustenta que o legislador, através de simplificação de actos notariais, veio dar poderes de certificação da vontade dos intervenientes em determinado negócio, ao qual não pode faltar a vontade destes que assinam o documento que se pretende autenticar, sendo que «o certificador autorizado apenas vem confirmar essa declaração de vontade, e fá-lo subscrevendo um termo de autenticação, onde na sua essencialidade, atesta que os sujeitos do negócio estiveram presentes, identifica-os e certifica que essa é a sua vontade declarada», pelo que conclui que «contrariamente ao que entendeu o douto Tribunal a quo, que o termo de autenticação é da única e responsabilidade do notário ou do certificador com competência para o efeito.»
Todavia e como resulta do que já vem exposto, com todo o respeito, sem razão.
Na verdade, não poderá deixar de se ter em atenção que o termo de autenticação obedece a um rigoroso procedimento já que serve para que o documento particular adquira uma força qualificada, justificada por razões de segurança, certeza jurídicas e salvaguarda da fé pública associada a este tipo de documento, (que, como supra se mencionou, passa a ter a força probatória do documento autêntico -CCivil, arts. 376.º e 377.º-). sendo incontroverso nos autos, que o termo de autenticação de documento particular haverá de conter declaração de todas as partes de que leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade, confirmação que não prescinde da sua prova, por via das respectivas assinaturas (9).
Em suma, entre os requisitos da elaboração do termo, por remissão do n.º 1 do art. 151.º para a al n) do n.º 1 do art. 46.º do CN, avulta o de que o termo contenha “as assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam e assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento”.(...)
Pelo que, não podem ser considerados documentos autenticados, aqueles em que os respectivos termos de autenticação não se mostram lavrados em conformidade com as formalidades essenciais à validade do referido termo.
Deste modo subscreve-se inteiramente o exposto na decisão recorrida quando aí se refere: «Ora, a questão nos presentes autos prende-se com a necessidade da assinatura dos outorgantes constar do respectivo termo de autenticação. Se atentarmos ao disposto no artigo 151.º, n.º 1 al. a), quando preceitua que deve constar do termo a declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade, então estas também devem assinar o termo de forma a confirmar essa declaração. Ora, são as partes que, através da sua assinatura, estão a atestar e a declarar que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade.
Nos termos expostos, o documento particular apenas poderá ser considerado autenticado se o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante (o notário, a câmara de comércio e indústria, o conservador, o oficial de registo, o advogado ou o solicitador), nos termos prescritos nas leis notariais, que, impõem, para além do mais, a necessidade de, no termo, constar as assinaturas dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes (neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 17-12-2020, processo n.º 2580/20.5T8GMR.G1 e Acórdão o Tribunal da Relação de Coimbra datado de 21-01-2020, processo n.º 4388/18.9T8VIS-A.C1, ambos em www.dgsi.pt)
A autenticação da procuração aqui em causa não obedeceu aos requisitos legalmente exigidos, pelo que o documento particular não chegou a adquirir a natureza de documento particular autenticado e como tal o procurador não tinha poderes suficientes para o negócio de compra e venda. Desta forma, as inscrições com base em tal documento são provisórias por natureza (artigo 92.º, n.º 1 al. f) e n.º 2 b) do Código de Registo Predial).»
O Instituto dos Registos e Notariado emitiu vários pareceres sobre este tema no sentido de o termo de autenticação de documento particular ter de observar os formalismos constantes do artigo 46.º do Código do Notariado, nomeadamente que contenha as assinaturas dos outorgantes que possam e saibam e assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento. – cfr. RP 67/2009 SJC-CT, e RP 233/2009 SJC-CT (10).
Aqui chegados e face a todo o exposto, resulta evidenciado que a pretensão recursória terá de soçobrar, sendo de manter a decisão recorrida que julgou improcedente a impugnação judicial do acto do Conservador, mantendo os registos de aquisição e hipoteca do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …/…-B (Ap.4598 e 5499 de 2021.09.01) lavrados provisórios por natureza.
Enfim, não se colhem razões que permitam alterar os critérios encontrados na decisão recorrida, havendo que a manter.
*
V. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo recorrente.
Guimarães, 22 de Setembro, de 2022

Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora)
Fernanda Proença Fernandes (1ª adj.)
Anizabel Sousa Pereira (2ª adj.)
(assinado digitalmente)


1. Como se refere no Ac. R.C. de 6.11.2018, in www.dgsi.pt
2. Despacho de Sustentação, nos termos do artigo 142º-A 1 do Código de Registo Predial, junto aos autos.
3. Como se refere no Ac. R.G. de 17.12.2020, in www.dgsi.pt
4. Como se salienta no Ac. desta Relação de Guimarães, citado na nota 2.
5. Como se refere no Ac. R.C. de 6.11.2018, in www.dgsi.pt
6. Como se salienta no sumário do Ac. desta Relação de Guimarães de 17.12.2020, in www.dgsi.pt
7. Ac. S.T.J. de 21.04.2022, in www.dgsi.pt
8. «1 - As procurações que exijam intervenção notarial podem ser lavradas por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado.»(…)
9. Neste sentido, Ac. R.G. de 17.12.2020; R.C. de 6.11.2018; R.C. de 18.01.2022, todos in www.dgsi.pt. Em sentido contrário vide o Ac. Rede 22.02.2018, in www.dgsi.pt
10. Onde se refere, a propósito da aposição da assinatura dos outorgantes no termo: «no que toca à assinatura propriamente dita, posta no final do conteúdo do documento, não sofre dúvida de que a sua primordial função é a de comprovar a intervenção do signatário no acto, que dessa maneira o assume como “seu”, na veste em que tenha intervindo, na pluralidade dos efeitos e das responsabilidades que produza (…)»