PERSI
COMUNICAÇÃO
PRINCÍPIO DE PROVA
Sumário

As cartas de comunicação da integração dos executados no PERSI e as cartas de extinção do PERSI juntas pelo exequente aos autos não servem como princípio de prova do envio e receção pelos executados daquelas cartas. Contudo, constando dos autos um email da devedora dirigido ao credor onde a devedora alude à sua integração no PERSI, tal documento pode servir como princípio de prova do cumprimento, pelo exequente, das obrigações que sobre ele impediam relativamente à implementação do PERSI.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 181/19.0T8ENT.E1
(1.ª Secção)
Relatora: Cristina Dá Mesquita
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
I.1.
Banco (…), SA, exequente na ação executiva para pagamento de quantia certa que moveu contra (…) e (…), interpôs recurso da decisão proferida pelo Juízo de Execução do Entroncamento, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o qual rejeitou liminarmente a execução por verificação da exceção dilatória inominada de falta de PERSI, e, consequentemente, extinguiu a ação executiva.

O teor da decisão sob recurso é o seguinte:
«Foi instaurada neste Tribunal Judicial a presente execução para pagamento de quantia certa.
A exequente foi notificada para, em 10 dias, juntar aos autos PERSI, bem como os respetivos documentos comprovativos do envio das cartas em causa, designadamente registos postais e/ou respetivos avisos de receção.
A exequente não coloca em causa a obrigatoriedade de cumprimento do PERSI, mas respondeu que as cartas relativas ao PERSI foram remetidas por correio simples.
A exequente respondeu da seguinte forma:
«BANCO (…), S.A., Exequente nos autos acima identificados, notificado do despacho a fls._, vem, muito respeitosamente, juntar as cartas de integração no PERSI bem com as cartas de extinção».
Foram juntas as cartas simples, não tendo sido juntos quaisquer documentos comprovativos do respetivo envio, designadamente registos postais e/ou a/r, conforme tinha sido ordenado, incumbindo o ónus da prova documental necessária à exequente, o qual só cumpriria com a junção dos documentos comprovativos do envio, já que não é admissível a prova por testemunhas, documentos que não juntou, mesmo depois de convidada para o efeito.
Como resulta da resposta da exequente, a mesma não juntou aos autos os documentos comprovativos do envio das referidas cartas do PERSI, designadamente registos postais (e/ou comprovativo do registo no site dos CTT), e/ou avisos de receção, o que é indiscutível, seja a comunicação de início de procedimento, seja a comunicação de extinção de PERSI.
Cumpre, pois, apreciar e decidir, nada obstando, assim, em termos de instância, contraditório, tributação e/ou mérito oficioso, à sentença judicial que se segue, não havendo assim necessidade de prosseguir com o(s) processo(s).
Nos termos do Decreto-Lei n.º 227/12, de 25/10, incumbe à exequente o ónus de alegação, e prova, do cumprimento do PERSI, designadamente alegação, e prova, do envio das comunicações, inicial e de extinção, do PERSI.
As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal – artigos 364.º, n.º 2 e 393.º, n.º 1, do Código Civil.
Com efeito, acompanhamos aqui de perto a Jurisprudência constante dos Acórdãos da Relação de Lisboa de 07/06/2018 (Relator Desembargador Pedro Martins) e de 21/05/2020 (Relatora Desembargadora Laurinda Gemas) e da Relação de Évora de 27/04/2017 (Relatora Maria João Sousa e Faro), todos disponíveis em www.dgsi.pt, segundo a qual exigindo a lei uma determinada forma para a comunicação da integração no PERSI e da sua extinção, essa forma de comunicação não pode ser provada por testemunhas, não se podendo considerar os documentos juntos aos autos (as alegadas cartas enviadas) como princípio de prova.
No mesmo sentido, cfr.:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/06/2018 (processo n.º 144/13.9TCFUN-A-2, em que foi relator Pedro Martins, in www.dgsi.pt: «I. Não é prova suficiente da existência, na data que dela consta, e do envio e, muito menos, da receção de uma declaração recetícia (artigo 224.º/1, do CC), uma fotocópia da mesma ou o simples depoimento de um empregado bancário do departamento do banco onde a declaração devia ter sido emitida, que diz que assinou a carta correspondente, sem um único elemento objetivo que o corrobore, como por exemplo um a/r, um registo, um aviso ou uma referência posterior a essa carta numa outra não impugnada, quando aliás essa carta, segundo a própria decisão recorrida que a deu como provada, não faz sentido no contexto em causa. II. As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – artigos 14.º/4 e 17.º/3, do DL 227/2012, de 25/10 – e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (artigos 364.º/2 e 393.º/1, ambos do CC) exceto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação). III. Não se demonstrando a existência da comunicação da integração dos executados no PERSI, não existe uma condição objetiva de procedibilidade da execução (artigo 18.º/1-b do referido D/L n.º 227/2012 e ac. TRL de 26/10/2016, processo n.º 4956/14.8T8ENT-A.E1), pelo que esta não pode prosseguir. IV. No caso dos autos não existem quaisquer factos que indiciem sequer que os executados, ao invocarem a impossibilidade e execução por força do que antecede estejam a agir com abuso de direito (artigo 334.º do CC).
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/11/2018 (processo n.º 494/14.7TBFIG-A.C1, relator Alberto Ruço, in www.dgsi.pt: «I- Nos termos do n.º 4 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. II – O envio de uma carta, desacompanhada de aviso de receção, na ausência de prova sobre o efetivo recebimento da carta, é insuficiente para provar que a mencionada comunicação do banco ao cliente foi feita.».
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/05/2020, processo n.º 2282/15.4T8ALM-A.L1-6, relator Adeodato Brotas, in www.dgsi.pt.: «3 – A extinção do PERSI só produz efeito após a respetiva comunicação (artigo 17.º, n.º 4). E, enquanto não ocorrer essa comunicação de extinção do PERSI a instituição de crédito está impedida de: (i) resolver o contrato de crédito com fundamento no incumprimento; (iii) intentar ações judiciais com vista à satisfação do crédito (artigo 18.º). 4 – Assim, a comunicação da extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da ação executiva: a inobservância dessa condição de admissibilidade da execução obsta a que o crédito possa ser realizado coativamente, levando, por isso, à extinção da execução instaurada contra o devedor».
Mais se refere: «Seja como for, a verdade é que a instituição de crédito tinha o dever de comunicar a extinção do PERSI, como o impõe o artigo 17.º do DL 227/2012. E a extinção do PERSI só produziria efeito após a respetiva comunicação (artigo 17.º, n.º 4, do DL 227/2012). E enquanto não ocorrer a comunicação de extinção do PERSI e resulta do artigo 18.º do DL 227/2012, a instituição de crédito está impedida de (i) resolver o contrato de crédito com fundamento no incumprimento; (ii) intentar ações judiciais com vista à satisfação do crédito. Ora, no caso dos autos, além de não ter demonstrado ter iniciado a segunda fase do PERSI, a exequente não comunicou a extinção do procedimento. Por isso, estava impedida de resolver os contratos de crédito, como fez em 09/10/2013, bem como estava impedida de instaurar execução de que estes embargos são apensos. O mesmo é dizer, após a integração do cliente no PERSI, a instituição de crédito apenas pode resolver o contrato de crédito e executar o cliente após a comunicação da extinção do PERSI. A comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da ação executiva».
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27/04/2017, processo n.º 37/15.5T8ODM-A.E1, relator Maria João Sousa e Faro, in www.dgsi.pt.: «I – No artigo 14º, n.º 4, do D.L. 227/2012, de 25 de Outubro exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. II – O significado de tal expressão “suporte duradouro” é dado no artigo 3.º, alínea h), do citado diploma: “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, reconduzível, portanto, à noção de documento constante do artigo 362.º do Código Civil, não poderia a omissão de tal prova da declaração da instituição bancária / embargada ser colmatada com recurso à prova testemunhal (face à ausência de confissão expressa dos embargantes) – cfr. artigo 364.º, n.º 2, do Código Civil. IV- Além do mais, tratando-se de uma declaração recetícia, a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário (artigo 224.º, n.º 1-1ª parte. do Código Civil que consagra a teoria da receção), sendo sobre a instituição bancária / embargada que recaía o ónus de o provar (artigo 342.º, n.º 1, do mesmo Código).
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29/10/2020, processo n.º 6/19.6T8GMR-A.G1, relator Raquel Batista Tavares, in www.dgsi.pt.: «É sobre a instituição de crédito, exequente/embargada, que recai o ónus de prova do envio e receção de cartas atinentes à integração dos clientes bancários, executado, no PERSI. II- Está-se, com as devidas adaptações, perante uma exceção dilatória inominada já que, não demonstrando a instituição de crédito/exequente o prévio cumprimento dos princípios e regras imperativas estabelecidos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, a mesma não pode intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito, conforme decorre do disposto no artigo 17.º, n.º 1, alínea b), faltando assim um pressupostos processual ou uma condição de procedibilidade da sua pretensão, levando, por isso, à extinção da execução instaurada».
Mais se refere: «Da análise dos referidos documentos resulta desde logo que não estarão em causa cartas registas com aviso de receção e nem sequer cartas registadas, pois que dos autos não consta qualquer talão de registo, prova de depósito ou aviso de entrega, comprovativo da sua expedição ou receção; mas apenas cartas que, a terem sido enviadas, seria por correio simples (resulta, aliás, da posição da Recorrente que envia as comunicações referentes ao PERSI por correio simples). Assim, os documentos por si só não permitem concluir pelo efetivo envio das cartas. Temos, por isso, de concluir, ao contrário do que sustenta a recorrente, pela inexistência de prova documental demonstrativa do efetivo envio das cartas atinentes à integração no PERSI e à sua extinção, bem como para integração no Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI). Quanto à existência de prova testemunhal a questão que se coloca em primeiro lugar é a da sua admissibilidade como prova da forma de comunicação da integração no PERSI e sua extinção, uma vez que se não podem considerar os documentos juntos aos autos (as alegadas cartas enviadas) como princípio de prova. Acompanhamos aqui de perto a jurisprudência constante dos acórdãos da Relação de Lisboa de 07/06/2018, relator Pedro Martins, e de 21/05/2020, relatora Laurinda Gemas, e da Relação de Évora de 27/04/2017, relatora Maria João Sousa e Faro, todos disponíveis em www.dgsi.pt., segundo a qual exigindo a lei uma determinada forma para a comunicação da integração no PERSI e da sua extinção, essa forma de comunicação não pode, por regra, ser provada por testemunhas. Como se escreve no referido acórdão da Relação de Lisboa de 21/05/2020 “tendo em atenção o disposto nos artigos 364.º e 393.º, n.º 1, ambos do CC, pese embora não estejamos perante a exigência legal de uma certa forma para uma declaração negocial com o fim de fazer prova dela, mas antes perante a exigência legal de uma certa forma para comunicação de determinadas informações com o fim de fazer prova daquela, a razão de ser daqueles preceitos legais é a mesma, pelo que estes devem ser aplicados por analogia (cfr. artigo 10.º do CC). Isto é afirmado de forma categórica no referido acórdão da Relação de Lisboa: “se a lei exige uma forma para a [prova da] comunicação, não se pode saltar por cima da forma, provando a comunicação através de testemunhas. E não se poderia invocar aqui aquilo que em geral se diz sobre estas normas, isto é, que elas já admitem prova testemunhal quando há um começo de prova escrita, porque esse documento não pode ser o próprio documento cuja existência se está a averiguar».
(…)
E no acórdão da Relação de Lisboa de 07/06/2018 considera-se ainda que “quem se quer prevalecer de declarações recetícias, isto é, cuja eficácia depende da prova da receção das declarações pelos seus destinatários (artigo 224.º/1, do CC), tem de ter o cuidado de fazer prova dessa receção (artigo 342.º/1, do CC). Essa prova pode fazer-se através de notificações avulsas (artigos 256.º a 258.º do CC), mas faz-se normalmente com um aviso de receção devidamente assinado de uma carta enviada pelo correio. Essa prova pode ainda ser feita, mais dificilmente, com um registo do envio da carta, junto com a prova do depósito na caixa de correio do destinatário, conjugados com as regras do artigo 224.º do CC). Toda a gente sabe isto (que são regras da experiência comum e da lógica das coisas) e sabem-no principalmente as empresas habituadas a lidar com situações em que é necessário fazer prova daquelas declarações, principalmente quando elas são feitas em negociações no âmbito de litígios ou de incumprimentos contratuais. Não lembraria a ninguém que um tribunal dissesse que notificou alguém com base apenas no facto de um juiz ou de um funcionário judicial dizer que essa pessoa foi notificada. Naturalmente que existe sempre um registo dessa notificação que pode ser exibido quando necessário. O mesmo vale para as seguradoras e para os bancos, que não podem vir dizer, em questões que podem ter consequências graves para as contrapartes, que notificaram ou comunicaram fosse o que fosse sem prova objetiva de o terem feito (…). Ou seja, quando se quer provar o envio de uma carta, faz-se pelo menos o registo dela; quando se quer provar a receção de uma carta, pede-se ainda o aviso de receção ou requer-se uma notificação avulsa. Ninguém, em questões minimamente importantes, espera fazer prova do envio de cartas apenas com o depoimento de dois empregados seus que dizem tê-las enviado (o que, como se viu, nem sequer é o caso). Quer isto dizer que se num processo judicial se diz que uma declaração recetícia foi feita e enviada, se exige logo, naturalmente, a prova disso através de uma certidão de uma notificação avulsa, ou de um a/r, ou de um registo e aviso, ou pelo menos de um elemento objetivo qualquer (por exemplo, uma referência, não impugnada, numa carta posterior à carta em causa). A simples exibição de uma fotocópia de uma carta, que pode ser feita em qualquer altura, ou o depoimento de um empregado de uma empresa que depende dos rendimentos que lhe advém do seu trabalho nela e que para além disso está a tentar provar que fez o seu trabalho como lhe é dito, agora, que devia ter feito no sentido de ter escrito e enviado essa carta, facto que pode ser determinante para a sorte de uma ação, não têm valor probatório suficiente para convencer desse envio.”
No mesmo sentido, cfr. ainda Margarida Rocha, 'Processos de Insolvência e Ações Conexas, 'E-book 'C.E.J. 2014, pág. 445.
Os executados não são meros garantes, mas consumidores, e mutuários, são consumidores que intervieram como mutuários em contrato de crédito, e são subscritores (não avalistas) da livrança. Encontram-se, assim, necessariamente, imperativamente e obrigatoriamente abrangidos pelo regime do PERSI (artigos 2.º, n.º 1, alíneas c), d), 3.º, alínea a), 12.º e ss., do Decreto-Lei n.º 227/12, de 25/10).
O regime jurídico do PERSI é imperativo e de cumprimento obrigatório, ainda que os títulos dados em execução sejam cambiários, desde que os negócios/contratos subjacentes à sua emissão estivessem submetidos à obrigatoriedade legal do PERSI, como sucede no presente caso, sob pena de fraude à Lei imperativa prevista no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, fim proibido por lei, que incumbe a este Tribunal impedir e rejeitar – artigo 612.º NCPC.
Acresce que, de nada adianta prosseguir uma execução para pagamento dos créditos exequendos quando a falta de PERSI, incluindo a falta de demonstração de comunicação efetiva, é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que deve ser conhecida sempre, e que pode ser invocada também pelos executados, ainda que não tenham deduzido oposição à execução, como jurisprudencialmente reconhecido.
Consequentemente, por tudo o supra exposto, não tendo a exequente cumprido previamente o PERSI, nos termos impostos pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, falta condição objetiva de procedibilidade, com a consequente inexigibilidade da dívida exequenda, bem como falta de admissibilidade liminar, o que constitui exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância executiva e/ou respetivos embargos (o que impede o conhecimento do mérito da relação subjacente, e produção da respetiva prova, e não afeta a relação jurídica subjacente) – artigo 18.º, n.º 1, esp. alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, esp. artigos. 7.º e 8.º.
DECISÃO FINAL
Pelo exposto, o Tribunal decide rejeitar liminarmente a presente execução para pagamento de quantia certa instaurada por (…), S.A., julgando-se verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI, extinguindo-se a execução – artigo 18.º, n.º 1, esp. alínea b), do Decreto -Lei n.º 227/2012, artigos 7.º e 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, e artigos 726.º, 728.º, 590.º, 591.º, e/ou 595.º do NCPC».

I.2.
A recorrente formulou alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«A. O tribunal a quo determinou o indeferimento liminar da presente execução para pagamento de quantia certa instaurada pelo ora Recorrente, julgando verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI e consequentemente, julgando extinta a execução.
B. Não pode o ora Recorrente conformar-se com tal decisão.
C. O Recorrente celebrou com (…) e (…), aqui Executados, um contrato de crédito ao qual foi atribuído o n.º (…), que se destinava ao financiamento da aquisição da viatura Land Rover Range Rover Evoque Diesel com a matricula (…).
D. Os executados subscreveram e entregam ao banco Recorrente uma livrança em branco que se destinada a ser preenchida em caso de incumprimento, o que veio a ocorrer dando origem à presente execução.
E. Em 15 de maio de 2017 foram os devedores informados, através de carta, da sua integração do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, doravante PERSI, decorrente do incumprimento das prestações 4 e 5 com datas de vencimento em 16/03/2017 e 16/04/2017, respetivamente, no total de € 913,30.
F. Na mesma missiva foram informados de que teriam 10 dias para remeter os três últimos recibos de vencimento e/ou de prestação de serviços e/ou de prestações sociais, última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, comprovativos de outros encargos fixos mensais suportados, outros documentos que considerassem relevantes para ajudar a avaliar a sua capacidade financeira e declaração na qual se atestariam a veracidade da informação prestada.
G. Ademais foram os executados informados de que a não apresentação de um ou mais dos elementos requeridos dentro do prazo estipulado provocaria o encerramento automático do PERSI. Por falta de resposta foi a Executada informada da extinção do PERSI em 29 de maio de 2017.
H. E em 7 de junho de 2017 o Executado foi informado de que, novamente integraria o PERSI, em virtude do incumprimento das prestações 5 e 6.
I. Em 14 de julho foram os executados informados de que integrariam mais uma vez o PERSI em virtude do incumprimento das prestações 6 e 7.
J. E novamente, por falta de resposta às missivas remetidas foram os devedores informados da extinção do PERSI por falta de resposta à missiva remetida.
K. As missivas foram juntas aos autos por requerimento datado de 14 de junho de 2021.
L. Por carta registada com aviso de receção datada de 26 de julho de 2018 os devedores foram interpelados para regularização das quantias em divida e, tendo em conta a manutenção do incumprimento, por nova carta registada com aviso de receção datada de 30 de outubro veio o contrato a ser resolvido.
M. O douto Tribunal a quo rejeitou liminarmente a presente execução uma vez que, segundo o mesmo, a Exequente não cumpriu previamente o PERSI nos termos impostos pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, uma vez que não demonstrou a existência da comunicação de integração e extinção do PERSI.
N. Nos termos dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10, a integração do Devedor em PERSI e sua extinção deve ser feita através de comunicação em suporte duradouro, isto é, através de qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
O. Preenchendo, necessariamente uma missiva simples, isto é, sem registo ou aviso de receção, o conceito de "suporte duradouro" nos termos supra definidos.
P. Cabendo também ao Recorrente o ónus de provar o envio dessa missiva.
Q. Para tal o Recorrente indicou uma testemunha, no seu requerimento datado de 14 de junho de 2021.
R. Nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05 de janeiro de 2021, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual "Tendo o Tribunal convidado a A., instituição de crédito, para que documentasse a abertura, tramitação e encerramento do PERSI e a sua efetiva comunicação aos RR., devem as cópias das cartas, endereçadas estes, que foram juntas pela A. em resposta, ser consideradas como princípio de prova desse envio e receção, podendo aquela fazer prova do facto-indiciário do respetivo envio por meio de testemunhas: provado, desse modo, o envio das cartas, é de presumir a sua receção pelos RR., sem prejuízo destes ilidirem tal presunção;".
S. Pelo que o Tribunal a quo deveria ter diligenciado no sentido de inquirir a testemunha arrolada por forma a possibilitar ao Recorrente a demonstração do envio das missivas, dada a existência de princípio de prova.
T. Ainda que assim não fosse, e se considere que a comunicação aos devedores não pode servir de princípio de prova, o que não se aceita,
U. No dia 4 de junho de 2017, 6 dias após o envio de missiva de extinção do PERSI remetida à Executada, a mesma enviou uma comunicação eletrónica ao ora Recorrente onde resulta evidente o conhecimento pelos devedores do PERSI, carta essa que foi junta aos autos no requerimento de 14 de junho de 2021.
V. Veja-se um excerto da comunicação eletrónica "estou com alguns problemas financeiros estive a falar com uma vossa colaboradora onde expus o caso e me disse para enviar um mail a dar conta da minha situação de maneira que pedia a vossa ajuda visto que o meu caso já estava no PERSI (…).
W. Daqui resulta evidente o conhecimento pelos executados da existência do PERSI.
X. Tal comunicação eletrónica remetida ao Recorrente serviria, pelo menos, como princípio de prova.
Z. O que legitimaria a audição da testemunha arrolada pela Recorrente.
AA. Tendo o ora Recorrente cumprido o regime obrigatório do PERSI.
BB. Termos em que deverá a douta sentença recorrida ser substituída por outra que determine o prosseguimento da ação executiva para pagamento de quantia certa.
Nestes termos e nos demais de direito aplicável que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, substituindo-se a douta sentença recorrida.
Assim decidindo, farão V. Exas. a costumada justiça».
I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O recurso foi admitido pelo julgador a quo.
Corridos os vistos, nos termos do artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil).
II.2.
No caso cumpre decidir do (des)acerto da decisão recorrida ao declarar a extinção da instância executiva por falta de prova, por parte do apelante/exequente, do cumprimento do PERSI.
II.3.
Factos provados
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os factos que constam da decisão recorrida acima transcrita.
II.4.
Mérito do recurso
No presente recurso está em causa uma decisão do tribunal de primeira instância que indeferiu liminarmente a execução para pagamento de quantia certa por ter julgada verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI, e, consequentemente, julgou extinta a execução.
O procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) foi criado pelo D/L n.º 227/2012, de 25-10[1], diploma legal que veio consagrar um conjunto de medidas destinadas a promover quer a prevenção do incumprimento por parte dos consumidores das responsabilidades por eles assumidas em contratos de crédito quer a regularização das situações de incumprimento dos contratos de crédito por eles celebrados. Através da implementação de medidas extrajudiciais - de que são exemplo o PERSI e PARI (Plano de Ação para o Risco de Incumprimento), também ele instituído pelo diploma referido, visa-se promover uma atuação responsável por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários bem como a redução dos níveis de endividamento das famílias, numa época de degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e de aumento do incumprimento dos contratos de crédito. Como se sintetiza no acórdão do STJ de 09.02.2 017[2], o legislador do diploma acima referido pretendeu «obviar a que as instituições de crédito, confrontadas com situações de incumprimento desses contratos, possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de “consumidor”, na aceção que lhe é dada pela Lei do Consumidor (Lei n.º 34/96, de 31.07, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08.04), salvaguardando através dos mecanismos nele criados aposição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente numa época de acentuada crise económica e financeira».
Através do PERSI as instituições bancárias, no cumprimento dos deveres de diligência e lealdade que sobre elas impendem (cfr. artigo 4.º, n.º 1, do D/L n.º 227/2012) e como assinalámos supra num quadro de adequada tutela dos interesses dos consumidores em situação de incumprimento deverão aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor (cfr. artigos 1.º, n.º 1, alínea b), 5.º, n.º 2, 12.º a 21.º).
Sinteticamente dir-se-á que de acordo com regime previsto no pelo D/L n.º 227/2012, o cliente bancário em situação de mora de obrigações decorrentes de contratos de crédito será incluído num PERSI (cfr. artigos 4.º, 5.º, n.º 2, 12.º e 14.º do D/L n.º 227/2012), podendo a regularização da situação de incumprimento passar por várias fases que vão desde uma fase inicial, à fase da avaliação dos motivos da mora e da apresentação de propostas de renegociação das condições do contrato ou de consolidação com outros contratos de crédito; seguidamente, passa-se à fase da negociação entre o cliente bancário e o Banco com vista à obtenção de um acordo de regularização da situação de incumprimento (cfr. artigos 14.º a 16.º); caso o PERSI não termine com um acordo das partes, o cliente bancário pode solicitar a intervenção do Mediador do Crédito e manter, em determinadas circunstâncias, as garantias de que beneficiou durante o PERSI (cfr. artigo 22.º).
Uma das garantias de que o cliente bancário/consumidor beneficia durante o período compreendido entre a data da sua integração no PERSI e a extinção deste procedimento (cujas causas estão previstas no artigo 17.º) é, justamente, o facto de o Banco credor estar impedido de intentar ações judiciais para obter a satisfação do seu crédito (artigo 18.º. n.º 1, alínea b)). Com efeito, da conjugação do artigo 18.º, n.º 1, alínea b) com o disposto no artigo 14.º, n.º 1 – que prescreve a obrigatoriedade de integração do cliente bancário no PERSI quando verificados os pressupostos para tal efeito – resulta que o cumprimento da obrigação de integração do cliente bancário no PERSI (obrigação que pressupõe, naturalmente, a reunião dos pressupostos para tal desiderato) constitui uma condição de ação, isto é, uma condição de que depende o exercício da função jurisdicional, de que depende o conhecimento do mérito da causa ou da resolução da causa.
Tratando-se de uma ação executiva – como sucede no caso vertente – o cumprimento daquela obrigação, que emana de normas imperativas, constitui uma condição necessária para que o credor da obrigação insatisfeita possa obter o cumprimento da mesma.
A lei processual refere-se às “condições de ação” sob a forma negativa, sob a designação de exceções dilatórias, as quais obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal – cfr. artigo 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Em face do disposto no artigo 578.º do CPC o tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º. Ou seja, o conhecimento oficioso das exceções dilatórias, nominadas ou inominadas, só tem as exceções indicadas naquele preceito legal. Destarte, a falta de cumprimento da obrigação de integração do devedor mutuário no PERSI, quando essa integração deva ocorrer, constitui uma exceção dilatória (inominada) de conhecimento oficioso.
Em resumo, a não comunicação aos consumidores clientes bancários da sua integração no PERSI impede a instituição de crédito de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, ocorrendo uma falta de condição de ação, logo, uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso. E é uma exceção insanável na medida em que a sua falta não pode ser suprida na pendência da ação[3] pois constitui uma condição de admissibilidade da ação, seja ela declarativa ou executiva. E, tendo o devedor sido integrado no PERSI, também o credor não pode intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito sem que esteja declarada a extinção daquele Plano.
No caso sub judice, resulta dos autos que:
- o julgador a quo ordenou a notificação do exequente para juntar aos autos o PERSI e documentos comprovativos da comunicação a ambos os executados das cartas relativas ao PERSI; e
- na decisão sob recurso veio o juiz a quo a julgar que: a) incumbia à exequente o ónus de prova do envio aos executados das missivas de integração dos mesmos no PERSI bem como das cartas de extinção do PERSI; b) essa prova só podia ser documental; c) tendo o exequente – na sequência da notificação que lhe foi feita – junto aos autos apenas cartas simples, desacompanhadas designadamente dos respetivos registos postais (e/ou comprovativos do registo no site dos CTT), e/ou avisos de receção, o exequente não comprovou nos autos ter enviado as referidas missivas, logo, não provou ter cumprido o regime jurídico do PERSI, o que constitui uma circunstância impeditiva do prosseguimento da execução. Consequentemente, o julgador a quo extinguiu a ação executiva.
O apelante, ainda que não ponha em causa que a comunicação aos executados quer da sua inserção no PERSI, quer da extinção do PERSI constitui uma condição do exercício de ação e que é sobre o exequente que impende o ónus de prova do envio da mesma aos executados, vem defender que:
(i) Os documentos que juntou aos autos contendo, respetivamente, as declarações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI constituem um princípio de prova do envio, pelo que o julgador a quo deveria ter inquirido a testemunha arrolada pela exequente para comprovar o envio daqueles documentos aos executados;
(ii) Ainda que assim não fosse, o exequente juntou aos autos no seu requerimento de 14 de junho de 2021, uma missiva da executada donde resulta evidente o conhecimento pelos executados do PERSI, documento que constitui princípio de prova e legitimaria a inquirição da testemunha por ela arrolada.
Quid juris?
Como já se assinalou supra o D/L n.º 227/2012 define os factos geradores da obrigatoriedade, por parte da instituição bancária, de integração dos seus clientes que estão em situação de incumprimento de contratos de crédito que hajam outorgado com a primeira (cfr. artigo 14.º).
O artigo 14.º, n.º 4, do citado diploma legal dispõe que a informação ao cliente bancário da sua integração no PERSI deve ser efetuada através de “suporte duradouro” e o artigo 17.º, para além de enunciar as causas de extinção do PERSI, dispõe no seu n.º 3 que «a instituição de crédito informa o cliente bancário através de comunicação em suporte duradouro da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento»; por sua vez, o n.º 4 do mesmo artigo 17.º dispõe que «a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1» (ou seja, com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento).
Estamos, sem dúvida, perante comunicações que, para produzirem os efeitos respetivos, têm de chegar ao poder ou ser conhecidas pelo(s) cliente(s) bancário(s) que está(ão) em situação de incumprimento do(s) contrato(s) de crédito. Dito de outro modo, estamos perante declarações recetícias (artigo 224.º, n.º 1, do CC), o que significa que tem de ser feita a prova não só da sua existência mas também do seu envio aos devedores e receção por estes, cabendo o ónus da prova desses factos à instituição de crédito porquanto se trata de condição indispensável para o exercício do direito (de crédito) que pretende fazer valer – neste sentido, entre outros, Acórdão do STJ de 13-04-2021, proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, relatora Graça Amaral e Acórdão do TRL de 21-05-2020, proc. n.º 5585/15.4T8FNC-A.L2-2, relatora Laurinda Gemas, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
A lei exige uma determinada forma de levar ao conhecimento dos devedores que os mesmos foram integrados no PERSI e, também, que este foi declarado extinto. Com efeito, e nos termos do citado diploma legal, a comunicaçãoquer da integração no do devedor no PERSI, quer a extinção deste deve ser feita em “suporte duradouro”, isto é, através de «qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas» – cfr. artigo 3.º, alínea h), do citado D/L n.º 227/2012.
Tal «suporte duradouro» pode ser o papel mas também pode ser um meio eletrónico, como um email ou um CD-ROM. E, assim sendo, como efetivamente o é, as comunicações em causa podem ser feitas através de carta. E até através de carta simples porquanto o D/L n.º 227/2012 impõe apenas que a comunicação seja feira em “suporte duradouro”. Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-09-2021, proc. n.º 173/21.9T8ENT-A.E1, relator Manuel Bargado, consultável em www.dgsi.pt., «As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente. Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a referida obrigação legal».
Essencial, diremos nós, é que as declarações de integração dos devedores no PERSI e a extinção deste Plano, quando é o caso, ainda que formalizadas em carta simples (como alegadamente sucedeu no caso presente) cheguem ao poder dos devedores ou se tornem deles conhecidas.
No caso, o exequente juntou aos autos cartas (simples) de integração dos executados no PERSI e cartas de declaração de extinção do PERSI, todas endereçadas aos executados. Mas, não juntou aos autos prova documental do envio das mesmas aos executados, tendo-se limitado a arrolar uma testemunha.
Parece-nos não ser controvertido que a existência das cartas não se confunde com o respetivo envio aos devedores e a sua receção por estes últimos. Mas o facto é que o envio aos devedores e a receção por estes das referidas declarações são imprescindíveis para que haja a “comunicação” imposta por lei. Consequentemente, a prova da concretização das comunicações em causa – quer a de inserção dos devedores no PERSI quer a de extinção do PERSI que possibilitam ao credor reclamar judicialmente a satisfação do seu crédito – implica não só a prova da sua existência, como ainda a prova do seu envio aos devedores e da respetiva receção por estes últimos na medida em que, como supra assinalámos, se trata de declarações recetícias.
Sendo igualmente incontrovertido que as cartas de inserção dos executados no PERSI e da extinção daquele Plano que foram juntas pelo exequente são insuficientes para provar o envio das mesmas aos executados (e, muito menos, a receção das mesmas) a questão que se coloca no presente recurso é justamente a de saber se a ausência de prova documental daquele envio pode ser colmatada/suprida por prova testemunhal (isto é, se julgador deve permitir ao exequente a produção da prova testemunhal por aquele arrolada com vista à prova do envio das comunicações em causa).
Desde já adiantamos que perfilhamos a jurisprudência invocada pelo julgador a quo de acordo com a qual se o legislador exige uma determinada forma para as comunicações em causa nos autos, de forma a que se possa fazer prova das mesmas, a prova quer da existência das referidas declarações quer do seu envio aos devedores não pode ser feita com o recurso a prova testemunhal, considerando o disposto nos artigos 364.º, n.º 2 e 393.º, n.º 1, ambos do Código Civil, aplicáveis por analogia. A menos que, diremos nós, o facto a provar esteja já tornado verosímil por um começo de prova escrita. Ou seja, existindo nos autos prova documental suscetível de permitir ao julgador convencer-se da verificação dos factos alegados, então será de admitir a produção de prova testemunhal. Com efeito, e como nos dá conta Luís Filipe de Sousa[4], a jurisprudência na esteira da construção doutrinária de Vaz Serra, vem admitindo expressamente três exceções à inadmissibilidade da prova testemunhal prevista nos artigos 393.º, n.ºs 1 e 2 e 394.º do CC, a saber: (i) existência de qualquer escrito, proveniente daquele contra quem a ação é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o facto alegado; (ii) impossibilidade de obtenção de prova escrita por parte de quem invoca a prova testemunhal; e (iii) ocorrência da impossibilidade de prevenir a perda, sem culpa, da prova escrita.
In casu, o apelante sustenta que as cartas de integração dos executados no PERSI e as cartas de extinção do PERSI por ele juntas aos autos servem como princípio de prova do próprio envio das mesmas, posição que tem suporte na jurisprudência do Ac. RL de 05.01.2021, processo n.º 105874/18.0YIPRT.L1-7, relatora Conceição Saavedra, Ac. STJ de 13.04.2021, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1 e Ac. RE de 14-10-2021, proc. n.º 2915/18.0T8ENT.E1, relator Mário Coelho, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Na esteira da jurisprudência constante, nomeadamente, do Ac. RL de 21.05.2020 supra referido, e do Ac. RC de 15-12-2021, processo n.º 930/20.3T8ACB-A.C1, relator Luís Cravo, julgamos que esse princípio de prova escrita não pode consistir no próprio documento cuja existência, expedição para o(s) devedor(es) na data nele indicada e sua receção pelo(s) destinatário(s) estão a ser averiguados nos autos.
O que vale por dizer que as cartas de comunicação da integração dos executados no PERSI e as cartas de extinção do PERSI juntas pelo exequente aos autos não servem como princípio de prova do envio e receção pelos executados daquelas cartas.
Sucede, todavia, que no seu requerimento de 14-06-2021 o exequente juntou uma comunicação escrita da devedora (…), datada de 4 de junho de 2017. Defende o recorrente que tal documento revela o conhecimento, pelos executados, da existência do PERSI, o que, no seu entender, legitima o recurso a prova testemunhal para prova do envio aos executados das comunicações de integração daqueles no PERSI e de extinção do mesmo.
Analisando o documento em causa o qual consiste num email datado de 4 de junho de 2017 que tem como emissor Elsa Rodrigues e que é dirigido para um endereço eletrónico do Banco Invest, verifica-se que nele é expressamente referido que «o meu caso já estava no PERSI». Logo, há ali uma clara alusão ao PERSI por banda da executada, que indicia o conhecimento pela mesma da respetiva integração no PERSI. Por conseguinte, julgamos que este documento pode servir como princípio de prova do cumprimento, pelo exequente, das obrigações que sobre ele impediam relativamente à implementação do PERSI. E, assim sendo, o tribunal recorrido deveria ter ordenado a produção da prova testemunhal arrolada pelo exequente no requerimento acima mencionado ao invés de ter proferido despacho julgando extinta a execução por verificação da exceção dilatória inominada de falta de PERSI.
Dito isto, impõe-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por uma outra que ordene o prosseguimento da ação executiva de forma a possibilitar a inquirição da testemunha arrolada pelo exequente no respetivo requerimento de 14.06.2021.
Procede, pois, a apelação.


Sumário: (…)


III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar procedente o recurso e, consequentemente:
1) Revogam a decisão recorrida;
2) Ordenam o prosseguimento da ação executiva com a inquirição da testemunha arrolada pelo exequente no seu requerimento datado de 14.06.2021.
Sem custas, porquanto o recorrente procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual e, não tendo havido resposta às alegações de recurso, não há lugar a custas de parte na presente instância recursiva.
Notifique.
Évora, 15 de setembro de 2022
Cristina Dá Mesquita (Relatora)
José António Moita (1º Adjunto)
Mata Ribeiro (2º Adjunto)


__________________________________________________
[1] Já alterado pelo D.L. n.º 70-B/2021, de 6 de agosto.
[2] Consultável em www.dgsi.pt
[3] No mesmo sentido, entre outros, Ac. STJ de 13.04.2021, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1,S1, Ac. RL de processo n.º 2282/15.4T8ALM-A.L1-6., relator Adeodato Brotas, Ac. RL de 13.10.2020, processo n.º 15367/17.3T8SNT-A.L1-7, relator Maria Conceição Saavedra, Ac. RG de 10.02.2002, processo n.º 5978/19.8T8VNF-A.G1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[4] Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pág. 221.