DIREITO DE PREFERÊNCIA
TERRENOS CONFINANTES
TERRENO RÚSTICO
Sumário


I - O pressuposto fundamental para o exercício do direito de preferência pelos proprietários de terrenos confinantes é de que estes sejam considerados terrenos aptos para cultura, não sendo necessário que estejam efetivamente cultivados.”
II - Não podendo o prédio do preferente, no caso, das A.A estar afeto a um destino diferente, como aconteceria se, ainda que apto para cultura, tivesse sido objeto de um pedido de licenciamento de uma casa de habitação, com projeto de arquitetura aprovado, o que indiciaria que a sua aptidão para cultura sairia a curto ou médio prazo defraudada.
III - Competindo aos Réus, a prova dessa diferente afetação.
IV - O facto de, no terreno das preferentes ter sido colocada uma casa móvel com ar condicionado, não é, só por si, demonstrativo de que as AA. não possam conjugar essa infraestrutura com uma exploração de cultura, se não mesmo de retirar aquela.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Évora:


I

B… e, após intervenção principal provocada, I… intentaram ação declarativa constitutiva com processo ordinário contra C…, A… e J…, pedindo que:

a) Seja reconhecido às Autoras o seu direito de preferência sobre o prédio rústico identificado nos autos, substituindo-se à Ré na escritura de compra e venda;

b) Sejam os Réus condenados a entregarem o referido prédio, livre de ónus e encargos;

c) Seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que a Ré, compradora e atual proprietária, haja feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio, e outras que venha a fazer.

As Autoras, em articulados separados, fundamentam tal pretensão na circunstância de serem proprietárias de um prédio rústico confinante com o prédio rústico comprado pela 1ª Ré, que não é confinante desse prédio, sendo que os prédios são aptos e virão a ser utilizados para cultura (propósito manifestado nos articulados por ambas as autoras) e têm área inferior à unidade de cultura, para além de que os Réus não lhes deram prévio conhecimento do projeto de venda nem das cláusulas do respetivo contrato.

A Ré C…, pessoal e regularmente citada, deduziu contestação na qual invoca a caducidade do direito de ação, abuso de direito e deduziu, a título subsidiário, reconvenção com vista ao pagamento das benfeitorias feitas por si no prédio que adquiriu, no valor de € 16.554,55, bem como requer que lhe seja reconhecido o direito de retenção sobre o imóvel.

Os Réus A… e J…, pessoal e regularmente citados, deduziram contestação, alegando a caducidade do direito de preferência, bem como abuso de direito.

Na réplica, a Autora B…, pugnou pela improcedência das exceções invocadas e reconvenção peticionada.

A Autora I… respondeu às mesmas e à reconvenção, com a idêntica pretensão de improcedência, no seu articulado próprio, sequencial à sua intervenção principal provocada.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu:

a) julgar improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolver os Réus C… dos pedidos deduzidos pelas Autoras B… e I…;

b) Julgar extinto, por inutilidade superveniente da lide, o pedido reconvencional deduzido por C… contra B… e I….

Não se conformando com a sentença, veio a 1ª Autora, B…, recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 10 de março de 2022, no âmbito dos autos em epígrafe, que julgou a ação declarativa constitutiva - ação de preferência totalmente improcedente e, em consequência, não reconheceu o direito de preferência da então Autora, ora Recorrente, à separação sobre o prédio rústico sito em Pedras D'EI Rei, freguesia de Santa Luzia, concelho de Tavira, distrito de Faro, descrito na conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º …e inscrito na matriz predial sob o artigo … e, em consequência não foram os Réus condenados a entregarem o referido prédio à então Autora, tampouco foi ordenado cancelamento de todos os registos feitos por conta do referido prédio.

B. Em virtude de ter julgado improcedente a ação, o Tribunal a quo julgou extinto o pedido reconvencional deduzido, a título subsidiário, pela Ré C…, por inutilidade superveniente da lide.

C. Com o devido respeito, entende a Recorrente que, na decisão recorrida, o Tribunal a quo não fez uma correta interpretação da factualidade provada e da aplicação do Direito ao ter julgado totalmente improcedente a ação declarativa que deu origem aos presentes autos.

D. Discordando, portanto, da decisão proferida por aquele Tribunal.

E. Tribunal e Recorrente comungam do entendimento de que "( .. .) que está em causa um direito legal de preferência" nos termos do disposto no artigo 1380.° do Código Civil (CC).

F. Assim sendo, de acordo com o artigo 1380.°, n.º 1, do CC "Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente de direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante".

G. Sendo que "Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura":

H. Não gozando, porém, "(…) do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes: a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura; b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar”

I. Entendendo-se que "O direito de preferência conferido pelo artigo 1380º do Código Civil não depende da afinidade ou identidade de culturas nos prédios confinantes."

J. Após ponderação dos pressupostos, resultantes das normas ora citadas, do direito legal de preferência, nomeadamente:

i. "Tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio";

ii. "O preferente seja dono de um prédio confinante com o prédio alienado";

iii. "Um dos prédios confinantes tenha área inferior à unidade de cultura";

iv. "O adquirente do prédio não seja proprietário confinante"; e

v. “Que os dois prédios sejam rústicos e destinados a cultura. “

6 Nos termos do disposto no DL n.º 384/88, de 25 de Outubro, no seu artigo 18.°. 7 Conforme artigo 1381.°, do CC.

7 Conforme mencionado na douta sentença, Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 18 de Março de 1986, publicado no DR 18 Série de 17-05-86.

K. De tal ponderação resultou que o Tribunal a quo considerou resultar "(. . .) provado nos autos que o prédio rústico vendido à 1a Ré confina com o prédio rústico das Autoras e a 1ª Ré não é proprietária de qualquer prédio confinante".

L. Estando, portanto, verificado que foi vendido um prédio, que o preferente (as então Autoras) é dono de um prédio confinante com o prédio alienado, que o adquirente (a 1ª Ré) do prédio não é proprietário confinante e que estão em causa dois prédios rústicos (melhor identificados supra e nos autos à margem referenciados).

M. No mesmo sentido foi o entendimento do referido Tribunal a respeito do pressuposto da área de prédio.

N. Pois, atendendo ao facto de que ambos os prédios são de sequeiro, o da Recorrente e o comprado pela então 1ª Ré, a unidade de cultura a considerar, para a zona do Algarve, corresponde a 5 ha.

O. E, portanto, tendo o prédio da Recorrente a área total de 0,284438 ha, afere-se claramente que o referido prédio tem área inferior à unidade de cultura.

P. Até ao que aqui se referiu, relativamente aos pressupostos do direito de preferência, o entendimento da Recorrente vai ao encontro do que emana da douta sentença.

Contudo, o mesmo não sucede quanto à apreciação do Tribunal do fim a que se destina o prédio em causa.

9 Conforme os limites fixados na Portaria 202/70, de 21 de Abril, DL n." 384/88, de 25 de Outubro e DL n.º 103/90, de 22 de Março.

R. No que concerne ao fim a que se destinam os prédios, a posição do Tribunal a quo vai no sentido de “( ...) que o pressuposto fundamental para o exercício do direito de preferência pelos proprietários de terrenos confinantes é de que estes sejam considerados terrenos aptos para cultura, não sendo necessário que estejam efetivamente cultivados", partilhando de posição anteriormente defendida por esta Relação.

S. Ora, também a Recorrente partilha desta posição, uma vez que o prédio de que é proprietária, não estando efetivamente cultivado, está apto para cultura.

T. A Recorrente rejeita, porém, em absoluto, os argumentos trazidos à colação pelo Tribunal a quo para fundamentar, segundo o mesmo, o abuso de direito pelas então Autoras e, em consequência, inviabilizar o exercício do direito de preferência das então Autoras e, bem assim, declarar improcedente a ação.

U. Tendo concluído, o Tribunal, que a conduta das então Autoras configurava abuso de direito por conta das seguintes observações:

a. "(. . .) apurou-se que as Autoras não exercem qualquer agricultura no seu prédio, nem têm qualquer projeto de vir a exercer a mesma no prédio que a 1ª Ré adquiriu e no qual exerce a atividade agrícola";

b. "Nos autos apurou-se que a 1ª Ré, fez alterações no prédio durante mais de 1 ano sem qualquer entrave por parte das Autoras, as mesmas não exercem qualquer atividade agrícola no seu prédio desde que o adquiriram em 2014 (. .. )";

c. "(. . .) não se tendo apurado que pensem vir a exercer de futuro em nenhum dos prédios qualquer atividade agrícola, tendo uma casa móvel no seu prédio, com ar condicionado, o que permite presumir que utilizam o terreno, licita ou ilicitamente, para habitar, (. .. I";

d. "(. . .) para além de que estão divorciadas e nem sequer conjuntamente pretendem exercer o direito de preferência, pelo que claramente nas partilhas há grande possibilidade de cada uma ficar com um dos terreno defraudando o objetivo do emparcelamento (. .. )".

V. No que concerne ao instituto do abuso de direito, o artigo 334.°, do CC dispõe que "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".

W. Nesse sentido, bem nota o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/10/200710 referindo que "Existe abuso de direito quando um certo direito, admitido como válido em tese geral, surge, num determinado caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social dominante".

10 Processo n.º 07B2739 (Santos Bernardino).

X. Sendo que, no caso do direito de preferência, o fim económico que o mesmo visa prosseguir é o emparcelamento agrícola com vista a evitar o minifúndio e promover a viabilidade e sustentabilidade económica das explorações agrícolas.

Y. E só se desvirtua esse fim económico, isto é, só haverá lugar ao abuso do exercício do direito de preferência, quando se dá ao prédio, sobre o qual se pretende exercer o direito, destino diferente da cultura, assim decorre do artigo 1381.°, alínea a), do CC.

Z. Não bastando alegar e provar a intenção de dar ao prédio "(. . .) destino que não a cultura, mas também que essa projetada mudança de destino é permitida por lei11 .

11 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/10/2007, Processo n.º 07B2739 (Santos Bernardino).

AA. Só assim se acontecendo poderia o Tribunal julgar que a conduta das então Autoras configuraria abuso de direito, desvirtuando clamorosamente o fim social e económico que dá justificação ao direito e que, bem assim, “(…) o objetivo do emparcelamento não iria ser prosseguido ( ... )".

BB. Quanto à análise concreta dos fundamentos elencados em U., através dos quais o Tribunal formou a sua convicção e julgou a conduta das então Autoras como configurando abuso de direito, muito se surpreende a Recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal a quo se tenha limitado a concluir pelo abuso de direito sem se ater aos factos provados, sem subsumir os mesmos ao direito, formulando considerações críticas, opinativas, especulativas, totalmente infundadas e contrárias ao que dispõem efetivamente os factos provados e a legislação atendível.

CC. Porquanto, no que respeita à alínea a), o Tribunal apoiou a sua convicção em circunstâncias que apurou, mas que efetivamente não estão provadas, não constando dos factos provados, tampouco se compaginam com o disposto na lei como abuso de direito.

DD. Ora, não pode o Tribunal francamente concluir, por conta de afirmações de caráter meramente especulativo, que no futuro a Recorrente vai destinar o prédio a fim diferente da cultura.

EE. Pois, dos factos elencados como provados, nada comprova que, no futuro, e havendo lugar ao exercício do direito de preferência das então Autoras, o destino do prédio seja outro que não o da cultura.

FF. Além disso, ao afirmar que U( ... ) a 1a Ré adquiriu e no qual exerce a atividade agrícola", o Tribunal desvincula-se totalmente dos factos provados.

GG. Porquanto, o que se logrou provar, e o decorre dos factos provados, designadamente, n.ºs 13 a 31, é que a 1a Ré, grosso modo, cultivou o terreno, plantou árvores, instalou sistemas de rega, etc.

HH. Portanto, nenhuma das atividades ali presentes configura o que se tem por atividade agrícola, quando muito, poder-se-ão designar por atividades acessórias ou prévias ao exercício de atividade agrícola.

II. Relativamente ao constante da alínea b), do mesmo vício padece, o Tribunal entende pela verificação do abuso de direito por conta de não se ter verificado, por parte das então Autoras, exercício de atividade agrícola, no prédio de que as mesmas são proprietárias, desde 2014.

JJ. Com efeito, as então Autoras adquiriram o prédio em 2014, na constância do casamento, momento a partir do qual iniciaram trabalhos de limpeza e desmatamento do prédio.

KK. Sucede, porém, que, em 2015, as então Autoras divorciaram-se, encontrando-se, atualmente, a correr termos o processo de inventário n.? 1918/18 junto do Cartório Notarial do Dr. Pedro Henriques, em Lisboa.

LL. E, em virtude dos conflitos emocionais e litígios naturalmente decorrentes do processo de divórcio, as então Autoras não prosseguiram com quaisquer projetos agrícolas inerentes ao prédio rústico confinante de que são proprietárias.

MM. Sendo essa a razão pela qual, desde 2014, as então Autoras têm apenas feito a manutenção do prédio, nomeadamente, limpeza e desmatamento do mesmo.

NN. No que concerne à afirmação contida na alínea c), uma vez mais, o Tribunal ausentando-se de qualquer justificação legal e factual, limita-se a tecer afirmações interpretativas, sem que as mesmas encontrem alicerce nos factos dados como provados, tampouco encontrando contorno legal na matéria do abuso de direito.

00. Aliás, refere o Tribunal "não se tendo apurado que pensem".

PP. Repugnando, desde logo, à Recorrente que o Tribunal tenha julgado e determinado uma causa consubstanciada em circunstâncias que não logrou apurar e, bem assim, certamente, não logrou provar.

QQ. Mais ainda, quando continua dizendo que, não obstante não se tendo apurado o que pensam as então Autoras, "( ... ) permite presumir que utilizam o terreno, licita ou ilicitamente, para habitar, (. .. )"12 12 Sublinhado da Recorrente.

RR. Ora, não se pode admitir a um Tribunal que julgue causas com base em presunções que não encontram abrigam legal, ou seja, por sua autorrecriação e, assim sendo, ilegais.

SS. Menos ainda se pode admitir que dessas presunções resulte que as então Autoras utilizam lícita ou ilicitamente o terreno.

TT. Pois, ao invés de uma qualquer presunção, que, reitera-se, não encontra qualquer abrigo legal, não estando tipificada, devia o Tribunal julgar com base em factos provados.

UU. E, entendo o Tribunal que existe uma utilização diversa do referido terreno, incumbe-lhe esclarecer se a mesma é lícita ou ilícita.

VV. Pois, sendo lícita, não se vislumbra qualquer obstáculo ao reconhecimento do direito de preferência das então Autoras.

WW. Sendo ilícita, o Tribunal está obrigado a sustentar a sua afirmação com base nos factos dados como provados na ação.

XX. E da factualidade provada, nada permite concluir que as então Autoras tenham excedido manifestamente os limites da boa fé ou do fim económico ou social do direito de preferência.

YY. Carecendo, por isso, de fundamento a imputação às então Autoras do exercício abusivo do seu direito de preferência.

ZZ. E, ainda que se tenha alegado que as então Autoras pretendiam dar ao prédio fim diferente da cultura, nem tal não ficou provado, tampouco se logrou demonstrar a possibilidade legal de dar ao prédio fim diferente da cultura.

AAA. Dado que tal alteração do fim a dar ao prédio terá de ser legalmente possível, ou seja, ser permitida por lei.

BBB. Ora, atendendo a que o prédio em causa se insere em zona ambiental protegida abrangida pela Reserva Agrícola Nacional (RAN) e pela Reserva Ecológica Nacional (REN).

CCC. Como tal, qualquer fim que se pretenda dar ao prédio, diferente da cultura, carece de não só de estar conforme o determinado pelo Plano Diretor Municipal, como também de autorização de entidade da administração local, o que não se verificou em momento algum.

DDD. Não se vislumbrando, portanto, por não estar provada, qualquer viabilidade legal para destinar o prédio a outro fim que não a cultura.

EEE. E, assim sendo, nem sequer se põe em causa o destino do prédio a fim diferente da cultura.

FFF. Donde se conclui não existir abuso de direito e, em consequência, não estar afastado o exercício do direito legal de preferência das então Autoras relativamente ao prédio rústico supra identificado.

GGG. A respeito do referido na alínea d), por um lado, ao referir que as então Autoras "(…) nem sequer conjuntamente pretendem exercer o direito de preferência (. .. l", o Tribunal olvidou-se de que as mesmas estão na ação em conjunto, peticionando que lhes seja reconhecido o exercício do seu direito de preferência.

HHH. Pelo que, notoriamente, que tal posição é desprovida de qualquer sentido.

III. Por outro lado, ao referir que U( .. .) há grande possibilidade de (. .. )", o Tribunal está, conforme se disse, a argumentar com base em formulações meramente especulativas e, portanto, deve o Tribunal ausentar-se de sustentar qualquer conclusão em tais formulações.

JJJ. Devendo tais formulações e conclusões ser desconsideradas, porque ilegais.

KKK. Além de que, descuidou o Tribunal do que dispõe o artigo 50.°, da Lei n.? 111/2015, de 27 de Agosto, relativamente à anexação oficiosa de prédios rústicos contíguos com uma área global inferior à unidade de cultura.

LLL. Com efeito, estipula o n.? 1 do referido preceito que "Todos os prédios rústicos contíguos com uma área inferior à unidade de cultura e pertencentes ao mesmo proprietário, independentemente da sua origem, devem ser anexados oficiosamente pelo serviço de finanças, ou a requerimento do proprietário, (. .. )".

MMM. Portanto, atendendo ao facto de que os prédios rústicos identificados na ação são contíguos e ambos com área global inferior à unidade de cultura, conforme ficou dito supra, não restam dúvidas de que ao mesmo se lhes aplica o procedimento de anexação ora descrito.

NNN. Por conseguinte, contrariamente ao que menciona o Tribunal a quo, sendo reconhecido o direito de preferência das então Autoras, atendendo ao procedimento de anexação por que passarão os referidos prédios rústicos, ver-se-á cumprido o objetivo do emparcelamento e, em consequência, cai por terra qualquer "possibilidade" de litígio relativamente aos ditos prédios em sede de partilhas.

000. Sendo também este fundamento de improceder.

PPP. Mais, considera estarem validamente verificados os pressupostos de que depende o reconhecimento do seu direito de preferência.

QQQ. Face ao exposto, e atendendo a tudo quanto se alegou, não há qualquer impedimento ao exercício do direito de preferência, por parte da Recorrente através da ação declarativa ora em causa.

RRR. Razão pela qual, mal decidiu o Tribunal a quo quando julgou a mesma improcedente.

SSS. Não podendo, por isso, manter-se a decisão de que ora se recorre.

Formulando a final o pedido de que, o presente recurso de apelação mereça provimento e, em consequência, seja revogada a decisão recorrida substituindo-se a mesma por outra que satisfaça a pretensão jurídica da Recorrente, ou seja, que lhe conceda o efetivo direito de preferência.

Os 2ºs Réus, A…, e J…, vieram apresentar a suas contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção do julgado.

Contra-alegou igualmente a 1ª Ré, C… pugnando pela manutenção do julgado.

Mais requereu a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do disposto no art.º 636.º, 2 do C.P.C., i.e. a título subsidiário prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pela Autora/Apelante.

Ampliação que recaiu sobre pontos determinados da matéria de facto dada como provada e não impugnados pela recorrente; sobre questão que a sentença recorrida, ante a improcedência do pedido da Autora, considerando-a prejudicada, dela não tomou conhecimento por inutilidade superveniente da lide; id est o pedido reconvencional.

Expondo a sua reação sob as seguintes Conclusões:

VI – CONCLUSÕES DAS CONTRA-ALEGAÇÕES

I. A Autora não impugnou a matéria de facto constante da sentença, assim os presentes autos devem ser decididos à luz dos 31 factos provados constantes da sentença e daqueles que se encontrem provados por documentos autênticos, por confissão ou acordo das partes, nomeadamente os elencados supra.

II. A Apelante alega que é proprietária de um prédio rústico confinante e que, por isso, à luz do artigo 1380.º do Código Civil tem direto de preferência na venda realizada pelos Réus à Ré C….

III. Ao longo dos seus articulados a Autora remete-se apenas ao tema dos prédios confinantes e à omissão da comunicação a si dos elementos essenciais do negócio da compra e venda por parte dos vendedores que não lhe transmitiram em tempo impossibilitando que exerce a preferência.

IV. A Autora nunca alegou que o seu prédio tem aptidão agrícola, não discorreu sobre as suas características, bem como, do prédio da Apelada aqui em causa, como também; e

V. nunca se referiu à utilização do seu prédio e do prédio a preferir para fins agrícolas ( Vd. a PI ).

VI. Como também tal não resultou provado quanto às alegações da co-Autora ( que não recorreu da douta sentença ).

VII. É nosso entender que no caso em apreço não estão preenchidos os requisitos que a lei estipula para o exercício do direito de preferência por parte da Apelante:

VIII. Com efeito, o direito de preferência a que a Autora se arroga vem consignado no artigo 1380 do Código Civil ( CC ).

IX. O n.º 1 estipula (..) Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante (..).

X. Este artigo e seguintes insere-se na Secção VII do CC com a epigrafe Fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos.

XI. Este dispositivo e os seguintes que regulam a matéria na Secção VII do Código tem o seu antecedente histórico na Lei n.º 2116, de 14 de Agosto de 1962, que regulou igualmente a matéria do fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos.

XII. Como é consabido, estas normas têm como finalidade económica e social o reordenamento da propriedade fundiária, com o objetivo de os terrenos aptos para cultura terem uma dimensão mínima (unidade de cultura) adequada a uma exploração economicamente viável,

XIII. e o fomento de explorações agrícolas viáveis e rentáveis.

XIV. Objetivamente os dois prédios ( o do preferente ) e o prédio a preferir sejam terrenos onde se possa exercer a atividade agrícola e, em ultima instância os sujeitos destinem os prédios a esse fim, aqui também em concreto. Daí que:

XV. A estes princípios abre o Código exceções com o mesmo sentido: enquanto o artigo 1377.º, alínea a) excetua da proibição de fracionamento os terrenos que se destinem a algum fim que não seja a cultura, o artigo 1381.º alínea a) não confere o aludido direito de preferência aos proprietários de prédios confinantes quando algum dos terrenos (...) se destine a algum fim que não seja a cultura (..)

XVI. E tanto é para o prédio a preferir ( o alienado ) como para o prédio propriedade do preferente, in casu da Autora - artigo 1381.º alínea a) não confere o aludido direito de preferência aos proprietários de prédios confinantes 'quando algum dos terrenos (...) se destine a algum fim que não seja a cultura (..)

XVII. Ora como já foi salientado: a Ré provou factos em sua defesa de que a Autora nunca utilizara o seu prédio para fins agrícolas e nem tencionava utilizar o prédio a preferir, alienado, o da Ré para esse fim, na sentença e sede de factos provados nos pontos 9 e 10 consta:

(..)

9. No prédio das Autoras nada foi cultivado ou plantado pelas mesmas.

10. No prédio referido em 1), pela Autora B… e sem oposição a Autora I…, uma casa móvel, com ar condicionado.

(...)

XVIII. Mormente, a Ré provou utiliza o prédio que adquiriu para fins agrícolas, onde desenvolveu e executou todos os trabalhos necessários para a exploração agrícola da terra: - Vd. Os pontos 13 a 31 da matéria provada, tendo arado a terra, plantado arvores de fruto, cultivado, limpo matos, instalado sistema de rega, erigido um armazém para guardar as alfafais e ferramentas agrícolas, etc.

XIX. A própria Autora ora recorrente afirmou que a ex-mulher não tinha interesse em qualquer atividade agrícola ( Cfr. sentença, fundamentação da matéria de facto, alínea e) ponto 3 ).

XX. Pelo que, a douta sentença fazendo a análise e o juízo de prognose com o devido sensu comum, fez consignar no campo da fundamentação dos factos provados:

(..)

Facto 9- Resulta provado com base nas próprias declarações das Autoras e dos depoimentos das testemunhas (…), sendo evidente que nenhuma das Autoras tem qualquer projeto agrícola em andamento, nem sequer minimamente concretizado, pelo que não se dedicam a qualquer atividade agrícola.

Assim, quanto ao facto a), remete-se para a fundamentação do facto 9) dado como provado, para além de que das circunstancias de terem instalado uma fossa sética, água da rede e luz no terreno, para além do contentor com ar condicionado, levar à conclusão que o uso a dar ao terreno não é agrícola, mas sim para passar pelo menos férias, estando perto de uma zona de praia, não fazendo sentido um terreno agrícola e com tais fins ter tais equipamentos, tanto mais que não foi feito qualquer cultivo no mesmo desde 2014. ( sublinhado nosso ).

(...)

XXI. Nesta conformidade não se encontram preenchidos todos os pressupostos para a Autora gozar do direito de preferência sobre a alienação sub judice, à luz da alínea a) do artigo 1381 do CC.

XXII. A lei não confere o direito de preferência aos proprietários de prédios confinantes quando algum dos terrenos (...) se destine a algum fim que não seja a cultura (..).

XXIII. E a Autora nunca destinou o seu prédio a agricultura, logo, pelos factos assentes e toda a factualidade apurada, duvidas não restam que estamos perante a exceção da alínea a) in fine do artigo 1381.º

XXIV. Ao se conceder a preferência à Autora no caso dos autos, não se estaria a cumprir a finalidade e razão de ser das normas do emparcelamento e do fim último deste instituto que é a criação de exploração agrícola viável.

XXV. Ao conceder-se esse direito a Apelante estar-se-ia a violar o espírito da lei e, com isso, a inviabilizar a exploração agrícola da Ré, com a destruição de tudo o que já foi feito até agora.

XXVI. Mui doutamente decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no aresto lavrado a 14-01-2021, processo n.º 892/18.78BJA.E1.S1, relatado pela Senhora Juíza Conselheira Rosa Tching, e que pode ser consultado na íntegra em:

XXVII. http://www.dgsi.pt/JSTJ.NSF/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/821

303d77ede6cf8802586780055ec65?OpenDocument.

No sumário deste a acórdão vem:

(..)

V. Segundo orientação consolidada na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a distinção entre prédio rústico e urbano deve assentar, numa avaliação casuística, tendo subjacente o critério base de destinação ou afetação económica.

VI. A razão de ser do direito de preferência atribuído aos proprietários de prédios rústicos confinantes, nos termos do artigo 1380.º, nº 1, do Código Civil, radica no propósito do legislador de propiciar o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, com vista a alcançar-se uma exploração agrícola tecnicamente rentável e evitar-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente.

VII. O artigo 1380.º, nº 1, do Código Civil vincula o exercício do direito de preferência à efetiva exploração dos terrenos rústicos para fins de cultura florestal e/ou agrícola, não se bastando com o facto de serem aptos para cultura.

VIII. Resultando dos factos provados que os autores utilizam o prédio de que são proprietários essencialmente para a sua habitação e nele não desenvolvem qualquer atividade agrícola, impõe-se concluir que a destinação e afetação deste prédio são próprias de um prédio urbano, não sendo, por isso, os autores titulares do direito de preferência consagrado no artigo 1380.º, n.º 1 do C. Civil. (..)

XXVIII. A doutrina seguida perfilhada neste acórdão é, por isso, que não basta a apetência agrícola dos prédios confinantes, mas, efetivamente, que nos mesmo seja exercida a agricultura e não qualquer intensão de vir a ser exercida;

XXIX. Continuando:

(..)

Acresce ser sobre os autores que recaía, nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 1 do C. Civil, o ónus de alegar e provar, que praticam nestes terrenos qualquer tipo de exploração florestal e/ou atividade agrícola, pelo que, não tendo os mesmos alegado, no caso dos autos, quaisquer factos demonstrativos do aproveitamento destes terrenos, são eles que têm de sofrer as consequências dessa falta de prova.

De referir ainda que, contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, não se vê que se possa defender resultar do espírito da lei que o citado art. 1380.º, n.º 1 não vincula o exercício do direito de preferência à efetiva exploração dos prédios para fins agrícolas, bastando-se com o facto de serem prédios aptos para cultura, quando é certo que, como se escreveu no Acórdão do STJ, de 28.02.2008 (processo nº 08A075)[20], «a razão de ser do regime legal consagrado no art. 1380º, nº1, do Código Civil, ancora num propósito propiciador do emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente».

Daí que, aceitando-se o critério de destinação ou afetação económica como critério base para qualificar determinado prédio como rústico ou urbano e tendo ficado provado que os autores residem no prédio de que são proprietários (nº 10 dos factos provados) e nele não desenvolvem qualquer atividade agrícola (nº 11 dos factos provados), evidente se torna que os autores utilizam o prédio em causa essencialmente para a sua habitação, o que tudo quer dizer, nas palavras do citado Acórdão do STJ, de 28.02.2008, que o núcleo essencial do “prédio misto”, dos autores, a sua destinação e afetação, são próprias de um prédio urbano, não se alcançando, deste modo, os fins para que o legislador consagrou, no art. 1380.º, nº 1 do C. Civil, o direito de preferência. (sublinhado nosso )

XXX. Ora no caso dos autos resultou provado que –

(..) No prédio das Autoras nada foi cultivado ou plantado pelas mesmas. No prédio referido em 1), pela Autora B… e sem oposição a Autora I…, uma casa móvel, com ar condicionado...Resulta provado com base nas próprias declarações das Autoras e dos depoimentos das testemunhas (…), sendo evidente que nenhuma das Autoras tem qualquer projeto agrícola em andamento, nem sequer minimamente concretizado, pelo que não se dedicam a qualquer atividade agrícola. Assim, quanto ao facto a), remete-se para a fundamentação do facto 9) dado como provado, para além de que das circunstancias de terem instalado uma fossa séptica, água da rede e luz no terreno, para além do contentor com ar condicionado, levar à conclusão que o uso a dar ao terreno não é agrícola, mas sim para passar pelo menos férias, estando perto de uma zona de praia, não fazendo sentido um terreno agrícola e com tais fins ter tais equipamentos, tanto mais que não foi feito qualquer cultivo no mesmo desde 2014 (..) ( Cfr. a sentença recorrida ).

XXXI. Na mesma linha jurisprudencial, o douto aresto do STJ lavrado a 24-10- 2006, fixa no seu sumário:

(..)

V - Daí que tenha de se entender que, quer considerando o prédio do autor, quer considerando o prédio dos réus, se verifica a exceção ao direito de preferência de proprietários de terrenos confinantes consagrada no art. 1381.º, al. a), do CC. VI - A ter o autor direito de preferência, o seu exercício representaria inegável abuso de direito, tanto mais que, visando esse direito concedido pelo legislador possibilitar o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura a fim de obtenção de uma área minimamente rentável do ponto de vista agrícola, se mostra que o autor, proprietário do seu prédio confinante com o dos réus pelo menos desde 01-03-1994, manteve toda a parte rústica desse seu prédio sem cultivo, com silvas, mato e canavial, até princípios de 2004, ou seja, até à data para a qual foi marcada a audiência e discussão e julgamento nestes autos.

(…)

https://dre.pt/dre/detalhe/acordao/06a2493-2006-89129275.

XXXII. Concomitantemente, pelo sobredito, a Apelante não tem direito de preferir na compra e venda efetuada entre os Réus.

XXXIII. Mas mesmo que assim não se entenda – haverá sempre também de se atender ao instituto do abuso de direito invocada pela Ré na sua contestação e, doutamente, aplicado pela sentença ora em recurso.

XXXIV. Como a Apelada bem referiu em sede de contestação e a sentença anuiu, a conduta das Autoras, subjetivamente, consubstanciada no exercício do direito de preferência, nos presentes autos, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé e é contrário ao fim social e económico desse direito.

XXXV. E excede manifestamente os limites impostos pela boa fé ao abrigo do artigo 334.º do C.C. que: « É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»

XXXVI. Verifica-se, o exercício abusivo do direito de preferência por parte das Autoras (como resultou provado ) atendendo a que as mesmas não pretendem utilizar o prédio em causa para fins agrícolas, mas sim para outros fins como o de ai passar férias tendo colocado uma casa móvel, colocado um aparelho de ar condicionado, feito uma fosse sética, ligado água da rede, etc.

XXXVII. Está provado que as Autoras não eram agricultoras e que nunca trabalharam a terra, nunca limparam o seu prédio nem praticaram qualquer atividade agrícola nele.

XXXVIII. Como consequência, o não exercício e prossecução da agricultura torna o exercício do direito de preferência ilegítimos, conforme tem sido defendido na nossa Jurisprudência, de que se cita, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21-11-2013, em que foi Relatora a Sra. Juiz-Desembargador Ana de Azevedo Coelho, proferido no Proc. 1243/08.4 TBCSC.L1- 6, nos termos do qual:

(..)

I ) O direito de preferência do proprietário de prédio rústico confinante com outro de idêntica natureza, constitui uma exceção à liberdade contratual que o legislador consagra em ordem a promover o emparcelamento rural e a produtividade da agricultura.

II) Se os Autores não destinam à agricultura o prédio em cuja venda pretendem preferir, verifica-se abuso de direito impeditivo da procedência da sua pretensão.

III) O instituto do abuso de direito previne as situações de «exercício inadmissível de posições jurídicas» apreciado numa perspetiva de sistema e independe do desvalor subjetivo da conduta.”

Em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b8e0846ef23e7f9380257c4e00541fe3?OpenDocument.

XXXIX. Como já referimos, A Apelante quer exercer o direito de preferência com fundamento no artigo 1380.º do CC, que tem como propósito criar condições para explorações económicas viáveis.

XL. Resulta óbvio, da leitura integrada do diploma legal que instituiu a Reserva Agrícola, e do Código Civil, que o direito de preferência nele estabelecido visa a proteção da atividade agrícola e a sua promoção.

XLI. Resultou evidente nos autos e da prova produzida que aquilo que as Autoras pretendem não é afetar o prédio da Ré C…, ou melhor no prédio delas Autoras e da Ré, a qualquer atividade agrícola, mas sim usá-los para fins estivais.

XLII. Por isso, e muito em, a douta sentença em crise decidiu que a (s) Autora (s) estarão a exercer o direito de preferência que lhes é conferido, em abstrato, pelo artigo 1380.º com violação do fim social e económico desse mesmo direito, i.e. o desenvolvimento e a proteção da atividade agrícola.

XLIII. Porquanto, aquilo que fizerem desde 2014 no seu prédio nada teve haver com agricultura ou preparação e limpeza da terra para esse fim, o mesmo não iriam faze no prédio da Ré, porque, o que se pretende, como alegado na contestação é ampliar áreas para a construção de uma casa.

XLIV. A (s) Autora (s) não são agricultoras, nunca foram nem o serão – uma é arquiteta com residência permanente Lisboa outra é Magistrada do MP em Lisboa também.

XLV. Por seu turno a Apelada C… vive permanentemente em Tavira, é agricultora e trata e cultiva o seu prédio como provado.

XLVI. Assim, o previsto no artigo 334.º do Código Civil opõem-se à pretensão da (s ) Autora ( s ).

XLVII. É que ao conceito abstrato vertido no artigo 1380.º do Código Civil e no artigo 26.º do DL que institui a Reserva Agrícola Nacional, não podem ser alheios factos concretos e subjetivos, nomeadamente o facto da (s) Autora ( s ) não exercer a atividade agrícola, e pretender usar o seu prédio para outros fins que não a agricultura.

XLVIII. O exercício do direito de preferência, caso o peticionado nesta ação viesse a ser julgado procedente, seria diverso daquele que a lei visa ao instituir nos citados diplomas o direito de preferência, dado que em nada iria contribuir para o desenvolvimento da atividade agrícola, mas sim para outra coisa qualquer como a construção e o lazer.

XLIX. Na realidade «Um sistema jurídico postula um conjunto de normas e princípios de Direito, ordenado em função de um ou mais pontos de vista. Esse conjunto projeta um sistema de ações jurídicas – portanto de comportamentos que, por se colocarem como atuações juridicamente permitidas ou impostas, relevam para o sistema... » cont.

«o não acatamento das imposições e o ultrapassar do âmbito posto às permissões contraria o sistema: há disfunção» O abuso de direito reside na disfuncionalidade de comportamentos jussubjectivos por, embora consentâneos com normas jurídicas, não confluírem no sistema em que estas se integrem» - (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, V, Parte Geral, 2.ª reimpressão da edição de Maio de 2005. Coimbra: Livraria Almedina, 2011, pág., 368.)

L. Não existe, no caso concreto, através do exercício do direito de preferência pela (s) Autora (s), um confluir com o sistema, o que há é uma disfuncionalidade: a lei institui a preferência, para que a atividade agrícola se desenvolva mais e melhor; a (s) Autora (s) exerce (m) o direito sem fazer um aproveitamento agrícola do solo.

LI. Assim, tem de se configurar o caso sub iudice à luz do resultado obtido com o exercício do direito, mediante a obtemperação imposta pelo artigo 334.º do C.C..

LII. Pelo que, a douta sentença, merece manter-se nos seus exatos termos, devendo o recurso ser julgado improcedente.

VII – CONCLUSÕES DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO.

LIII. Para a hipótese – que se tem por improvável - de o Tribunal ad quem vir a julgar procedente a Apelação interposta pela Autora, anulando a decisão recorrida, impõe-se a ampliação do objeto do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 636.º, n.º 1, do CPC, quer por via da apreciação de questões que se encontram no âmbito cognitivo do Tribunal da Relação, quer por força de questões que deveriam ter sido apreciadas pelo Tribunal a quo, mas das quais ele não tomou conhecimento, por as ter considerado prejudicadas em face da decisão da improcedência dos pedidos da (s) Autora (s); o pedido Reconvencional formulado pela Ré.

LIV. E no que tange a matéria do pedido Reconvencional, encontra-se provado nos pontos 13 a 31 dos facos provados na sentença, que a Ré C… efetuou uma serie de trabalhos e benfeitorias no seu prédio totalizando: € 4.926,93.

LV. Na mesma sentença e para a fundamentação da matéria provada faz-se menção a instalação de um sistema de rega no prédio da ora Apelada, no valor de € 2.175,00 ( Cfr. a sentença ).

LVI. É manifesto e real que todos os trabalhos e benfeitorias realizadas pela Ré C… aumentaram o valor do seu prédio, limpeza e retirada de lixo, plantação de novas arvores, podas das existentes, lavrar a terra, instalação de um sistema de rega e ligação à agua da barragem, construção de um casinhoto para alfaias e ferramentas agrícolas, etc,.

LVII. Sem tais trabalhos e benfeitorias o valor do prédio seria muito menor, pois é de senso comum, e de ciência, como atrás referido, um prédio rustico com rega instalada tem mais valor que um que não tem; um prédio com árvores podadas e limpas também; um prédio com instalações agrícolas terá mais valor.

LVIII. (..) Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela (..) - artigo 1273.º do Código Civil.-.

LIX. (.) Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa. (.) Ac. Tribunal da Relação de Coimbra 28-01-2020 em WWW.dgsi.pt ).

LX. Os trabalhos realizados e as benfeitorias concretizadas não podem já ser levantadas do prédio porque, a serem levantadas, diminuiriam o valor do prédio ( por ex. o sistema de rega, as árvores plantadas, etc ) outras esgotaram-se na sua execução ( poda e limpeza de árvores, a terra arada, etc ).

LXI. (.) Em anotação ao art. 1273.º, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (CC Anotado, III, pag.42 e 43), que “nos termos do art. 479º (objeto da obrigação de restituir), a indemnização há-de corresponder ao valor daquilo que o titular tiver obtido à custa do empobrecido. A medida da restituição continua, pois, a estar sujeita àqueles dois limites – o do custo, que neste caso consistirá em regra no empobrecimento do possuidor, e o do enriquecimento do titular do direito (valor atual).” (..) ( O cit. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra 28-01-2020 em WWW.dgsi.pt ).

LXII. Termos em que, no caso da Apelação proceder ( o que só admite por mera hipótese académica ) a Ré C…, pelos factos provados e de acordo com o seu pedido Reconvencional, tem direito a ser indemnizada no valor de € 4.926,93.

Pelo exposto, requer:

i – a improcedência de todas as conclusões das alegações da Autora/Apelante, confirmando-se, integralmente, a Sentença recorrida.

ii – A ampliação do objeto do recurso, a título subsidiário, nos termos do disposto no art.º 636.º, do C.P.C., nomeadamente, mediante a condenação da Apelante a pagar a Ré C… a quantia de € 4.926,93 a título de benfeitorias.


II

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artºs. 635º, 3 e 639, 1 e 2 CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.608º in fine), são as seguintes as questões a decidir:

- Do Recurso da Autora B…

Do erro na aplicação do direito.

Tendo o mesmo subjacente: o afastamento da imputação de abuso de direito por parte da Autora e o reconhecimento do direito de preferência.

- Da ampliação do recurso, a título subordinado, da Ré C…

Do erro na aplicação do direito.

Tendo o mesmo subjacente:

- a ausência de alguns pressupostos do direito de preferência que a sentença deu como verificados e que, na hipótese de afastamento do abuso de direito, poderiam viabilizar o pedido das AA.

- o conhecimento do pedido reconvencional.


III

A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:

1) As Autoras B… e I… têm escrita a seu favor, pela Ap. 1031 de 24-02-2014, a aquisição, na constância do casamento no regime da comunhão de adquiridos, por compra, do prédio rústico sito em Pedras D 'EL Rei, freguesia de Santa Luzia, concelho de Tavira, distrito de Faro, com a área de 2844,378 m2, constituído de terra de cultura com árvores, inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o número …, tal como resulta de fls. L0-Vº e 70, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2) Em 29 de março de 2018, por escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial Dr. Joaquim Augusto Lucas da Silva, em Tavira, os Réus A… e J… venderam à Ré C…, pelo preço de €39.000,00, já pago, o prédio rústico sito em Pedras D 'EI Rei, freguesia de Santa Luzia, concelho de Tavira, distrito de Faro, inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o número … e inscrito a favor da referida Ré pela Ap. 3300 de 06-04-2018, com a área de 14.600 m2, composto de terra de cultura e diverso arvoredo, tal como resulta de fls. 45 e 205 a 208, cujo teor se dá por integralmente.

3) Na outorga da escritura pública, foram juntos os comprovativos de pagamento de IMT com o montante de € 1.950,00 (mil novecentos e cinquenta euros) e Imposto de Selo no montante de € 312,00.

4) Os prédios identificados em 1) e 2) são contíguos entre si.

5) A Ré C… não possuía, à data da compra e venda, prédio contíguo ao referido em 2).

6) As Autoras não foram notificadas pelos Réus para preferirem na venda referida em 2), por os Réus desconhecerem quem eram os proprietários do terreno, não estando identificados no próprio terreno referido em 1) e Tavira não ter sistema cadastral, o que dificulta a identificação dos confinantes.

7) Em 3 de Dezembro de 2018, Carla Reigadinha, solicitadora, em representação dos Réus, remeteu carta à Autora B… alegando que, não foi realizada a comunicação do direito de preferência à Autora " (. . .) uma vez que não consta como confinante, nos documentos matriciais e registais (. . .) " e que " (. . .) Tavira é um concelho ainda não sujeito ao Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica (CGPR), pelo que a delimitação da propriedade rústica é feita através de colocação de marcos e as suas iniciais não constam igualmente dos referidos marco (. . .) ", tal como resulta de fls. 13 a 19, cujo teor se dá por integralmente.

8) A Autora B… teve conhecimento da venda e das suas condições, designadamente o preço e a compradora antes do fim de novembro de 2018.

9) No prédio das Autoras nada foi cultivado ou plantado pelas mesmas.

10) No prédio referido em 1), pela Autora B… e sem oposição (d)a Autora I…, (foi colocada) uma casa móvel, com ar condicionado.

11) As Autoras estão divorciadas, encontrando-se a decorrer um processo de inventário com vista à partilha dos bens comuns.

12) A presente ação foi intentada em 3 de junho de 2019.

13) A Ré C… começou por limpar o terreno, durante oito dias no fim de junho de 2018 e princípios do mês de julho, das ervas, matos, pedras, árvores mortas e ramos partidos.

14) A seguir, promoveu uma limpeza mais profunda do terreno usando, no dia 9-07- 2018, uma máquina retroescavadora para a qual pagou € 215,32 por 4 horas e meia e trabalho.

15) Tendo continuado esse trabalho no dia 26-07-2018 onde utilizou um trator com grade de discos para arar e limpar a terra, tendo pago € 134,00.

16) No dia 16-07-2018, procedeu à recolha de resíduos e limpeza na sua propriedade tendo contratado a empresa Transportes Ambitávi Lda, tendo pago a quantia de € 140,98.

17) No dia 11-07-2018, a Ré C… procedeu à ligação do seu prédio ao hidrante do plano de rega ao que pagou a quantia de € 214,02.

18) Nessa mesma altura a Ré C… criou no seu prédio um ponto de ligação para a rega da barragem aceder, tendo custado este trabalho executado por um funcionário da Associação de Regantes € 500,00.

19) Iniciou em novembro de 2018 a construção de uma vedação à volta do seu prédio e a construção de um portão, tendo gasto na compra de madeira € 86,84.

20) Pagou ainda em 21-12-2018 à Associação dos Beneficiários do Plano de Rega do Sotavento Algarvio a quantia de € 55,16 do aluguer e utilização do hidrante.

21) Procedeu a Ré à poda de quarenta árvores existentes no seu prédio, nomeadamente, de oliveiras, figueiras, amendoeiras, alfarrobeiras, entre os meses de junho a setembro de 2018.

22) No dia 2 de janeiro de 2019, procedeu a outra limpeza do terreno, com máquina, e à abertura de valas para conduzir a água da rega às árvores, tendo pago € 304,75.

23) No seu prédio instalou a 14-05-2019 um abrigo de jardim, ou seja, um pequeno armazém para guarda das alfaias agrícolas, ferramentas, plantas, adubos, etc. e pelo qual pagou a quantia de € 424,65.

24) Ainda colocou no seu prédio para plantio e crescimento de árvores vários tubos de cobre para o que pagou € 31,60.

25) Procedeu à instalação e execução no seu prédio de um sistema de rega para o qual pagou em material e mão de obra a quantia de € 811,80.

26) No dia 21-08-2019 procedeu a trabalhos de limpeza no seu prédio, limpeza à volta de todas as árvores arando a terra para permitir que a água melhor penetre à raiz, fecho de valas que estavam abertas para a rega e realização da abertura de vala grande para depósito natural de água para rega e nivelamento de terra, tendo gasto a quantia de € 908,95.

27) A Ré comprou e plantou no seu prédio:

- Dez Oleandros e vaso pagou € 61,90;

- 1 mangueira, 1 marmeleiro, 1 romaneira, e 1 alfarrobeira que custou € 50,00;

- 1 jacarandá que custou € 32,80.

28) No dia 17-01-2019, continuando a construir a vedação comprou 35 paus em madeira para essa vedação tendo pago a quantia de € 397,50.

29) A Ré comprou adubo e estrumes vários que deitou na sua terra tendo pago a quantia total de € 51,40.

30) A Ré gastou ainda (?)s litros de combustível nas máquinas que usou (moto serra , máquina de brocas grande e roçadora) para a poda das árvores, para os furos que abriu para plantar as árvores, para abrir buracos para a vedação, com a roçadora que limpou as ervas e matos, etc. tendo gasto a quantia total de € 505,26.

31) A Ré C… trabalhou ainda ela pessoalmente no seu prédio, na limpeza, nas podas das árvores, na construção da vedação e porta, no plantio das árvores no amanhar da terra, na construção do armazém, tempo não concretamente apurado.

***

b) Não se provaram quaisquer outros factos que se não compaginam com a factualidade apurada:

a) As Autoras mantêm o propósito com que adquiriram o imóvel, ou seja, utilizá-lo para fins agrícolas.

b) A Autora I… teve conhecimento das condições da venda referida em 2) antes da notificação para intervir para a presente ação.


IV

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Perante tais factos entendeu o tribunal a quo e bem que, no caso dos autos está em causa um direito legal de preferência.

Com previsão legal no artigo 1380°, n.º 1 do Código Civil que dispõe que os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente de direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.

Reafirmada no artigo 18°, n.º 1 do DL n.º 384/88, de 25 de outubro (novo regime de emparcelamento rural) que estabelece que "Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no art. 1380° do Código Civil, ainda que a área daqueles seja inferior à unidade de cultura".

Mais entendeu serem pressupostos do direito de preferência que:

I. Tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio;

II. O preferente seja dono de um prédio confinante com o prédio alienado;

III. Um dos prédios confinantes tenha área inferior à unidade de cultura e

IV. O adquirente do prédio não seja proprietário confinante.

A sentença invocou igualmente o artigo 1381 do Código Civil que excetua o direito de preferência em duas situações ao determinar:

"Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:

a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;

b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar".

Lê-se na mesma:

“A preferência concedida pelo art. 1380º, nº 1 do C. Civil visa propiciar o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura de forma que os mesmos atinjam ou se aproximem da unidade de cultura, tornando a sua exploração mais viável e rentável.

No caso, os prédios são confinantes, a 1ª Ré (compradora) não é comproprietária de qualquer prédio confinante, ambos os prédios são de sequeiro, a unidade de cultura no Algarve, é de 5,00ha para os terrenos de sequeiro e os terrenos em causa têm dimensão inferior.”

Mais realçou a sentença que o pressuposto fundamental para o exercício do direito de preferência pelos proprietários de terrenos confinantes é de que estes sejam considerados terrenos aptos para cultura, não sendo necessário que estejam efetivamente cultivados.

E que, não tendo sido feita qualquer comunicação pelos Réus vendedores para as Autoras poderem exercer o direito de preferência sobre a venda do imóvel adquirido pela 1ª Ré, estando depositada a quantia equivalente ao preço da venda, foi violado o direito de preferência em causa nos autos e, as AA. teriam direito ao reconhecimento do direito de preferência.

Reconhecimento esse que a sentença veio a afastar, por ter entendido, num segundo momento, que as AA. atuaram em abuso de direito, exceção invocada pelos Réus.

Assim se pronunciou:

“Contudo, os Réus invocam que as Autoras atuam em abuso de direito, dado que não destinam os terrenos à atividade agrícola.

Saliente-se que os Réus invocam que o direito de preferência está excluído em virtude das Autoras não destinarem o prédio a fim agrícola, mas tal exclusão do direito de preferência prevista no artigo 1381 º, n. ° 1, al. a) é para afastar a preferência relativamente ao adquirente do prédio quando este o adquiriu para fim diverso, lícito, da cultura e não o contrário.

Na verdade, para que o facto impeditivo do direito de preferência previsto no artigo 1381°, al. a), 2ª parte do CC opere os seus efeitos, é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afetação ou um outro destino que não a cultura, mas também que essa projetada mudança de destino é permitida por lei.

Contudo, apurou-se que as Autoras não exercem qualquer agricultura no seu prédio, nem têm qualquer projeto de vir a exercer a mesma no prédio que a 1ª Ré adquiriu e no qual exerce a atividade agrícola. (Sublinhado nosso)

Ora, o artigo 334º do Código Civil, relativo ao abuso de direito, dispõe que "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".

São alheios ao conceito de abuso do direito consagrado no artigo 334º do Código Civil fatores subjetivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido, estando consagrada uma conceção objetiva.

Assim sendo, não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu ato à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico, exigindo-se, contudo, que o titular do direito tenha excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício.

O instituto do abuso de direito surge, deste modo, como uma forma de adaptação do direito à evolução da vida, servindo, por um lado, como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social em determinado momento histórico e, por outro lado, evitando que, observada a estrutura formal do poder que a lei confere, se excedam manifestamente os limites que se devem observar tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo.

(…)

Nos autos apurou-se que a lª Ré, fez alterações no prédio durante mais de 1 ano sem qualquer entrave por parte das Autoras, as mesmas não exercem qualquer atividade agrícola no seu prédio desde que o adquiriam em 2014, não se tendo apurado que pensem vir a exercer de futuro em nenhum dos prédios qualquer atividade agrícola, tendo uma casa móvel no seu prédio, com ar condicionado, o que permite presumir que utilizam o terreno, licita ou ilicitamente, para habitar, para além de que estão divorciadas e nem sequer conjuntamente pretendem exercer o direito de preferência, pelo que claramente nas partilhas há grande possibilidade de cada uma ficar com um dos terrenos defraudando o objetivo do emparcelamento, pelo que se conclui que a sua conduta configura abuso de direito, no sentido de uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, isto é, utilizaram do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido, dado que o objetivo do emparcelamento não iria ser prosseguido, pelo que se entende que há lugar à paralisação do direito do exercício do direito de preferência, improcedendo a ação.”

O que se impõe apreciar.

Dúvidas não há que estamos perante terrenos confinantes destinados a cultura e que 1ª Ré (compradora) adquiriu o terreno para utilização de cultura, propósito cuja concretização iniciou com os factos provados descritos de 13) a 31).

Sendo pressuposto fundamental para o exercício do direito de preferência pelos proprietários de terrenos confinantes, que estes sejam considerados terrenos aptos para cultura, não é, contudo, necessário que estejam efetivamente cultivados.

Posição da 1ª instância, expressa na sentença e defendida já nesta Relação: “Para que o direito de preferência tenha êxito não se torna necessário que deparemos com um efetivo cultivo dos terrenos confinantes, bastando a mera aptidão para a cultura”- Ac. TRE Évora, 20-09-2007, P. 575/07-2, in www.dgsi.pt.

Os prédios confinantes devem ser aptos para cultura, sem o que o direito de preferência não deverá ser reconhecido.

Não podendo o prédio do preferente, no caso, das A.A estar afeto a um destino diferente, como aconteceria se, ainda que apto para cultura, tivesse sido objeto de um pedido de licenciamento de uma casa de habitação, com projeto de arquitetura aprovado, o que indiciaria que a sua aptidão para cultura sairia a curto ou médio prazo defraudada.

Competindo aos Réus, a prova dessa diferente afetação.

Na sua contestação (artºs 81 a 86), alegou a 1ª Ré que verifica-se, o exercício abusivo do direito de preferência por parte da Autora, atendendo a que a mesma não pretende utilizar o prédio em análise para fins agrícolas, mas sim para proceder à junção ao seu e obter uma maior área que lhe permita construir uma casa. A Autora não é agricultora e a sua residência principal é em Lisboa. Nunca no seu prédio levou a cabo qualquer trabalho de agricultura, ou executou tarefas como tratar a terra, plantar, regar, podar arvores, mondar, semear, etc. No seu prédio apenas colocou um contentor que usa como casa para passar férias. Na reunião havida com a Ré e em conversas ao telefone referiu sempre, de forma clara e audível, que queria o prédio da Ré para construir uma casa, para aumentar a área do seu prédio e juntando o prédio da Ré ao seu.

Desta alegação resultou apenas provado, que:

- No prédio das Autoras nada foi cultivado ou plantado pelas mesmas (facto 9).

- No prédio referido em 1), pela Autora B… e sem oposição (d)a Autora I…, (foi colocada) uma casa móvel, com ar condicionado ( facto10).

Referimos anteriormente que não constitui pressuposto do direito de preferência a demonstração pelo preferente do efetivo cultivo do seu prédio, bastando a mera aptidão do mesmo para a cultura, pelo que o facto de nada ter sido plantado ou cultivado pelas AA. se afigura irrelevante.

Que relevância pode ter então a edificação da casa móvel com ar condicionado?

Será suficiente para demonstrar que as AA. afetaram o terreno a um fim diferente daquele a que legalmente está destinado, no caso, a cultura ?

A sentença afastou a pretensão das Autoras, considerando a existência de abuso de direito por parte destas, “que não exercem qualquer agricultura no seu prédio, nem têm qualquer projeto de vir a exercer a mesma no prédio que a 1ª Ré adquiriu e no qual exerce a atividade agrícola”.

Lê-se na fundamentação da sentença a propósito de tal exceção:

“Nos autos apurou-se que a 1ª Ré, fez alterações no prédio durante mais de 1 ano sem qualquer entrave por parte das Autoras, as mesmas não exercem qualquer atividade agrícola no seu prédio desde que o adquiriam em 2014, não se tendo apurado que pensem vir a exercer de futuro em nenhum dos prédios qualquer atividade agrícola, tendo uma casa móvel no seu prédio, com ar condicionado, o que permite presumir que utilizam o terreno, licita ou licitamente, para habitar, para além de que estão divorciadas e nem sequer conjuntamente pretendem exercer o direito de preferência, pelo que claramente nas partilhas há grande possibilidade de cada uma ficar com um dos terrenos defraudando o objetivo do emparcelamento, pelo que se conclui que a sua conduta configura abuso de direito, no sentido de uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, isto é, utilizaram do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido, dado que o objetivo do emparcelamento não iria ser prosseguido, pelo que se entende que há lugar à paralisação do direito do exercício do direito de preferência, improcedendo a ação.»

Ou seja, a sentença considerou vir a ocorrer uma mudança de finalidade e integrou essa realidade na figura do abuso de direito.

O que não colhe a nossa concordância.

Vejamos porquê.

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – art. 334.º do Cód. Civil.

As AA. não tinham de demonstrar que tinham um efetivo cultivo no seu prédio, já o referimos.

A ausência de entraves por parte das AA. a obras que a Ré tenha feito por mais de um ano, além de desconsiderar que apenas uma das Autoras soube da venda em data anterior a fins de novembro de 2018, nada permite concluir sobre o destino do prédio.

O facto de, no terreno das preferentes ter sido colocada uma casa móvel com ar condicionado, não é, só por si, demonstrativo de que as AA. não possam conjugar essa infraestrutura com uma exploração de cultura, se não mesmo de retirar aquela.

O facto de as AA. estarem em situação de divórcio é de todo irrelevante. Tal como é a possibilidade de, em partilhas cada uma ficar com o seu prédio “defraudando” o emparcelamento. Estamos perante uma mera possibilidade, fruto de contingências da vida que sobrevêm a uma realidade anterior, sem que se possa razoavelmente imputar de abusivo o exercício do direito à preferência face a esse hipotético cenário.

Não há, assim, lugar à paralisação do direito do exercício do direito de preferência por via do abuso de direito das AA., que não se demonstra.

Tendo as AA. demonstrado todos os pressupostos legais do direito de preferência e não tendo os Réus demonstrado os pressupostos das exceções invocadas, nomeadamente, o abuso de direito, deve tal direito ser-lhe reconhecido, revogando-se em conformidade a decisão recorrida.

Face a tal reconhecimento, importa, dar como prejudicado o objeto inicial do recurso a título subordinado, da Ré C…, que visava invalidar alguns dos pressupostos do direito de preferência que a sentença havia dado como verificados, uma vez que o ora decidido os esgotou, passando de seguida a conhecer-se do objeto respeitante ao pedido reconvencional.

Para a hipótese de este tribunal de recurso vir a julgar procedente a apelação interposta pela Autora, deduziu a Recorrida C… pedido de ampliação do objeto do recurso, no sentido de se conhecer do pedido reconvencional.

Sendo pressuposto deste pedido, o êxito da ação, verificado o mesmo, importa que dele se conheça.

Ora a Recorrida C… nos pontos 13 a 31 da factualidade assente, provou ter realizado uma serie de trabalhos e benfeitorias no seu prédio, com vista à sua utilização agrícola, totalizando: € 4.926,93.

Como refere nas suas alegações, é manifesto e real que todos os trabalhos e benfeitorias realizadas pela Ré C… aumentaram o valor do seu prédio, limpeza e retirada de lixo, plantação de novas arvores, podas das existentes, lavrar a terra, instalação de um sistema de rega e ligação à agua da barragem, construção de um casinhoto para alfaias e ferramentas agrícolas, etc,.

E que, sem tais trabalhos e benfeitorias o valor do prédio seria menor, pois é de senso comum, e da ciência que, um prédio rústico com rega instalada tem mais valor que um que não tem; o mesmo se diga quanto a um prédio com árvores podadas e limpas ou, um prédio com instalações agrícolas.

Dispõe o art. 1273º do Cód. Civil que:

“1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.”

Estipula o artigo 216º do Cód. Civil, subordinado à epígrafe “Benfeitorias”, que:

1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.

3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.”

Os trabalhos realizados e as benfeitorias concretizadas são necessárias ou úteis e, não podem já ser levantadas do prédio porque, a serem levantadas, diminuiriam o valor do prédio (por ex. o sistema de rega, as árvores plantadas, etc.) outras esgotaram-se na sua própria execução ( poda e limpeza de árvores, a terra arada, etc).

Ora, entrando o prédio adquirido pela 1ª Ré na posse das AA., estas obteriam um enriquecimento correspondente a tal valor e aquela Ré sofreria um empobrecimento de valor equivalente.

Prescreve o artº 479º do Cód.Civil alusivo ao objeto da obrigação de restituir que:

“1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”

Assim, tem a Ré C… direito a ser indemnizada pelas AA. no valor de € 4.926,93, a título de benfeitorias por si realizadas.


IV

Termos em que, acorda-se em revogar a sentença, julgando procedente a apelação interposta pela Autora B… e, em conformidade, reconhece-se às AA. o seu direito de preferência sobre o prédio rústico identificado nos autos, substituindo-se estas à Ré C… na escritura de compra e venda.

Mais se condena esta Ré a entregar o referido prédio, livre de ónus e encargos.

Ordena-se ainda o cancelamento de todos e quaisquer registos que a Ré, compradora e atual proprietária, haja feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio.

Mais se acorda em julgar procedente a ampliação do recurso feita a título subsidiário pela apelada C… e, em consequência, condenar as AA. ao pagamento a esta de uma indemnização de € 4.926,93 (quatro mil novecentos e vinte e seis euros e noventa e três cêntimos), a título de benfeitorias por si realizadas.

Custas pelas Recorrentes, na proporção do decaimento.


Évora, 15 de setembro de 2022
Anabela Luna de Carvalho (Relatora)
Maria Adelaide Domingos (1ª Adjunta)
José António Penetra Lúcio (2º Adjunto)