CONVICÇÃO DO JULGADOR
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário

I - Não formando o julgador convicção suficientemente segura/consistente da verificação de um facto, não pode o mesmo ser considerado provado, antes tendo de ser levado ao elenco dos factos não provados. Objetivamente fundada a livre convicção do julgador, formada na imediação e na oralidade e com base na análise conjunta e conjugada de toda a prova produzida, de nenhum erro padecendo, tem a decisão da matéria de facto de ser mantida.
II - Para que se possam considerar preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual pelo facto ilícito (cfr. art. 483º, do Código Civil) consumo de energia elétrica através de procedimento de ligação à rede fundada em ilicitude e culpa presumida (n.º 2, do art.º 1º, do Decreto-Lei n.º 328/90, de 22 de Outubro) necessária se mostra a qualidade de consumidor do lesante, o que se não verifica no caso de o contrato de fornecimento de energia elétrica haver já cessado e de a Ré já não residir no local que havia sido o de consumo.
III - Apenas seria de recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa, regulado no art. 473º e segs, do Código Civil, que tem como pressuposto a ausência de outro meio jurídico de ressarcimento do empobrecido (sendo de natureza subsidiária - v. art. 474º), a ocorrer deslocação patrimonial com ausência de causa justificativa, com vista a repor, na justa medida, o equilíbrio. Não demonstrado qualquer enriquecimento da Ré, não se justifica o recurso a esta válvula de segurança do sistema.
IV - O valor da taxa de justiça em função do valor da causa e a possibilidade de correção em função da complexidade desta têm com o objetivo assegurar igualdade e proporcionalidade entre o custo da justiça e o serviço concreta e efetivamente prestado.
V - Sendo prolixa a petição inicial excessivamente longa, a tornar a causa especialmente complexa com desnecessária articulação para o concreto exercício do direito que pretende fazer valer e com o, inerente, entorpecimento da justiça e subjacente juízo de censura imputável à parte, justifica-se aplicação de taxa de justiça agravada (al. a), do n.º 7, do artigo 530º, do CPC, conjugado com o n.º 5 do artigo 6º, do RCP).

Texto Integral

Apelação nº 1303/21.6T8VNG.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 2

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Maria José Simões

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: a Autora, E..., S.A
Recorrida: AA

E..., S.A propôs ação comum contra AA pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a título de indemnização por factos ilícitos, a quantia de €5.255,49 (cinco mil duzentos e cinquenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor, contados desde a data da citação da Ré até efetivo e integral pagamento, ou, se assim não se entender, a pagar-lhe, a título de restituição por enriquecimento sem causa, a quantia de € 5.183,39 (cinco mil cento e oitenta e três euros e trinta e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor, contados desde a data da citação da Ré até efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto e resumidamente, que o local de consumo com o n.º ... (instalado na Rua ..., ... – 6º EF, em Vila Nova de Gaia) foi abastecido de energia elétrica por força de um contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre o comercializador E1..., S.A. (atualmente designada de E2...) e a Ré, que teve início no dia 07-01-2009 e que cessou os seus efeitos em 03-06-2009, e que aquando da vistoria, levada a cabo pela Autora (em 26.12.2017), a instalação se encontrava auto ligada, com manipulação do contador (ou seja, havia uma ligação direta à rede possibilitando a fruição de energia elétrica de forma ilimitada, sem o conhecimento ou consentimento da autora), a causar-lhe prejuízo. Convoca, para o enquadramento jurídico do caso, a responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos - artigo 483º, do Código Civil -, e, subsidiariamente, o instituto previsto no artigo 473º, de tal diploma.
A ré contestou defendendo-se por impugnação, ao negar os factos alegados pela autora, e invocou que, à data dos invocados factos, já não morava no local em causa.
Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
Em face do exposto, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios indicados,
- julga-se a acção da autora improcedente nos termos supra expostos e, por isso, do pedido formulado é absolvida a ré.
Custas pela autora.
Atente a secção no decidido supra de aplicação às partes a taxa agravada nos termos do n.º 7 do artigo 530º, do Código de Processo Civil, conjugado com o n.º 5 do artigo 6º, do RCP (Tabela Anexa I – C)”
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Apresentou a Autora recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que, concedendo provimento ao recurso, revogue a sentença proferida pelo Tribunal a quo, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
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Apresentou a Ré contra alegações a pugnar pela improcedência do recurso e por que a sentença recorrida seja mantida.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da questão prévia:
1.1- Da admissibilidade da junção do documento apresentado com as alegações de recurso;
2. Da reapreciação da decisão da matéria de facto:
2.1- Se se verifica erro na apreciação da prova relativamente: i) ao item 17 dos factos provados, que devia ser julgado não provado, por falta de prova; ii) aos factos não provados constantes das alíneas a) a f), que deviam ter sido dados como provados, por ter sido produzida prova nesse sentido e por falta de impugnação fáctica;
3. Da reapreciação da decisão de mérito:
3.1 - Se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, por ligação direta à rede elétrica para consumo de energia;
3.2 - Se estão preenchidos os requisitos do enriquecimento sem causa;
3.3 – Se se justifica a aplicação de taxa de justiça agravada, por articulado prolixo.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):
1. A partir de 29 de Janeiro de 2021 a E3..., S.A. passou a designar-se E..., S.A., uma vez que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) determinou, através do Regulamento n.º632/2017, de 21 de dezembro de 2017, a separação de imagem entre operadores do mesmo grupo económico no âmbito do setor elétrico, nomeadamente do Operador da Rede de Distribuição, na sequência das orientações da Comissão Europeia, tendo a E3..., S.A. submetido, no primeiro trimestre de 2018, uma proposta de mudança da marca à ERSE, a qual a veio a ser aprovada por esta entidade reguladora em 11 de agosto de 2020, através da Instrução n.º 4/2020, proposta que foi aprovada.
2. A autora exerce, em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia elétrica em alta e média tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão no concelho de Vila Nova de Gaia, sendo nessa qualidade de concessionária da rede de distribuição de energia elétrica que a autora procede à ligação à rede elétrica pública das instalações de consumo que, para tanto, tenham celebrado os respetivos contratos de fornecimento de energia elétrica com os comercializadores que operam no mercado livre ou no mercado regulado.
3. Os equipamentos de contagem aplicados nos diversos locais de consumo fazem parte integrante da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão de serviço público, pelo que são considerados de utilidade pública.
4. A autora efetua habituais rondas de leitura e, através de técnicos habilitados, procede a vistorias aos contadores e à fiscalização das instalações de consumo, tendo em vista despistar a existência de eventuais ligações abusivas ou manipuladas à rede elétrica.
5. O local de consumo com o n.º ..., corresponde à instalação de consumo sita na Rua ..., ... – 6º EF, em Vila Nova De Gaia.
6. Antes da deteção do procedimento fraudulento a referida instalação era abastecida de energia elétrica por força de um contrato de fornecimento de energia elétrica, celebrado entre o comercializador E1..., S.A. (atualmente designada de E2...) e a Ré, que teve início no dia 07-01-2009 e cessou os seus efeitos em 03-06-2009.
7. No dia da vistoria, 26-12-2017, no cumprimento de uma ordem de serviço, a autora enviou uma equipa técnica ao local de consumo referido e, aí, os técnicos verificaram que a instalação se encontrava auto ligada, com manipulação do contador.
8. Constataram uma ligação direta à rede, destinada a falsear a medição da energia elétrica consumida possibilitando a sua fruição de forma ilimitada, sem o conhecimento ou consentimento da autora.
9. O DCP (dispositivo de controlo de potência) é um equipamento propriedade da autora e que se destina a controlar e limitar a potência que é disponibilizada à instalação e assegura a proteção geral contra sobreintensidades da instalação de utilização e deve ter calibre em conformidade com a potência contratada.
10. Ocorreu uma apropriação ilícita e contra a vontade da autora de energia elétrica e de potência por intermédio da manipulação e adulteração do contador e do DCP.
11. Energia elétrica e potência que não foram pagas à autora.
12. A autora considerou um período de utilização ilícita obtido por referência à data da vistoria e compreendido entre 28-12-2014 a 25-12-2017, tendo tido em conta os consumos reais registados pelo contador e o valor económico atribuído a cada KWh e KVA para os anos de 2014 a 2017.
13. Os encargos administrativos correspondem às démarches realizadas pelos técnicos para efeitos de inspeção e regularização da instalação, designadamente correção das ligações e regulação do DCP, com respetiva selagem.
14. A autora computa os seguintes prejuízos resultantes dos Factos Provados em 7. e 8.: a) 29.449 kWh de energia, no valor de € 4.847,31; b) Encargos de potência, no valor de € 336,08; d) Encargos administrativos com a deteção e tratamento da anomalia, no valor de €72,10; num valor global de € 5.255,49 (cinco mil duzentos e cinquenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos).
15. Em 7 de janeiro de 2009 a ré contratou com a E3..., S.A., para a dita fração, o fornecimento de energia elétrica, por então considerar que esta empresa lhe garantia melhores condições e preços do que a anterior distribuidora.
16. A ré apresentou à entidade credora Banco 1..., S.A. uma proposta de dação em pagamento da fração acima identificada, em 13 de fevereiro de 2009.
17. Desde março de 2009 a ré e o seu agregado passaram a habitar uma casa situada na rua ..., nº ...- 3º andar, ..., Porto, onde habitam desde então, mercê da celebração de contrato de arrendamento.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
Considerou o Tribunal a quo não provados quaisquer outros factos, designadamente que:
a) O local de consumo em causa esteve sem qualquer contrato com um comercializador desde 04-06-2009 até 25-12-2017.
b) Aquando da vistoria levada a cabo pela Autora (em 26.12.2017) a ré não tinha celebrado, com qualquer comercializador, um contrato de fornecimento de energia elétrica para este local de consumo.
c) Ter o DCP fora de serviço permitia igualmente à ré consumir energia sem qualquer controlo ao nível de potência, usufruindo-a de forma ilimitada.
d) Os Factos Provados em 7. e 8. foram acto da ré.
e) A autora remeteu à ré o Auto de Vistoria, interpelando-a ainda para efetuar o pagamento voluntário do montante supra referido.
f) A ré coadquiriu com BB, por recurso a crédito bancário, uma fração para fins habitacionais, designada 6º andar esquerdo frente, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., em Vila Nova de Gaia, em 15 de março de 2005, por via da celebração de um contrato de compra e venda com hipoteca e fiança.
g) Em março do referido ano a ré e BB entregaram à entidade credora a habitação do 6º esquerdo frente, da Rua ..., ..., ..., em Vila Nova de Gaia, nunca mais aí tendo regressado.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1- Questão prévia:
1.1-Da admissibilidade de junção do documento com as alegações de recurso.

Comecemos por analisar da admissibilidade da junção do documento oferecido pela apelante com as alegações de recurso.
Tendo a recorrente junto a tais alegações um documento - “informação dos CTT” - sustentando fazê-lo ao abrigo do disposto no art.º 651º, n.º 1, parte final do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência, analisando as normas adjetivas que regulam tal matéria, constata-se que, após o momento próprio de apresentação - cfr. art. 423º - e mesmo depois do encerramento da discussão em 1ª instância, as partes podem juntar aos autos documentos em determinadas circunstâncias.
Na verdade, desde logo, o art. 425º estatui que:
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
E consagra o nº1, do artigo 651º, que:
As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Assim, depois do encerramento da discussão em 1ª instância as partes só podem juntar documentos cuja junção não tenha sido possível até àquele momento, no caso de recurso (art. 425º), sendo que apenas poderão juntar documentos, com as alegações de recurso, nas duas situações excecionais previstas nos citados artigos.
O que diz a letra do referido nº1, do artigo 651º foi reproduzido no Acórdão da Relação de Guimarães de 22/1/2015, processo 561/12.1TBMAR-A.G1[1] e no Acórdão da Relação de Lisboa de 19/1/2016, onde se refere que da conjugação dos referidos artigos resulta que a junção de documentos em fase de recurso só é admissível em duas situações, a saber: a) por se ter tornado necessária a junção em virtude do julgamento proferido em 1ª instância, face à “surpresa” da decisão proferida; b) por não ter sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1ª instância[2], afirmando-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 23/4/2025, Processo 1481/05 que o documento que a parte teve a possibilidade de juntar ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, por ter sido do seu conhecimento e disponibilidade, não pode ser junto com a alegação de recurso[3].
Da análise conjugada do nº1, do art. 651º, com os artigos 425º e 423º resulta que a junção de documentos na fase de recurso, é admitida a título excecional, dependendo da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações:
1º - a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso (1ª parte do art. 651º);
2º - ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional (2ª parte do art. 651º).
Quanto à primeira situação, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva, sendo que:
- Objetivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado;
- Subjetivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. Neste caso (superveniência subjetiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante a caráter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento[4].
Quanto à segunda situação, pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum[5].
Referindo ser legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva e subjetiva) quando se destinem a provar fatos posteriores aos articulados ou quando a sua apresentação apenas se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento de 1ª instância, sendo que nesse caso podem ser oferecidos em qualquer estado do processo, considera o Tribunal da Relação de Guimarães e também o da Relação de Lisboa dever ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão se sabia estarem sujeitos a prova, não podendo a surpresa quanto ao resultado servir de fundamento válido para a sua junção[6] [7].
A junção de documento apenas tornada necessária em virtude do julgamento proferido no tribunal da primeira instância, só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância, por esta se ter baseado em meio probatório não oferecido pelas partes ou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam[8]. Assim, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma direta e ostensiva com a questão suscitada nos autos.
Destarte, “Em sede de recurso e como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC é admitida a junção de documentos após o encerramento da discussão e às alegações de recurso:
- nas situações do artigo 425º do CPC, ou seja quando a junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão.
Impossibilidade fundada em superveniência do documento por referência ao encerramento da audiência em 1ª instância.
Superveniência objetiva se em causa estiver ocorrência superveniente a tal momento temporal. Superveniência subjetiva se em causa estiver o não conhecimento pela parte da ocorrência ou do documento em si em momento anterior. Sobre a parte recaindo o ónus de justificar por que antes não teve de tal conhecimento.
- nas situações em que tal junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artigo 651º nº 1 do CPC).
Necessidade justificada pela novidade da questão tratada na decisão e que assim não visa provar o que foi alegado nos articulados”[9].
Resulta pacífico na jurisprudência que: “I. Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância. II. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. III. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador. IV. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento”[10].
Vista a lei e a interpretação que dela vem sendo feita pela Jurisprudência, vejamos os contornos de caso.
O documento refere-se a factos anteriores à data da audiência de julgamento.
Não sendo objetivamente superveniente, desde logo, atenta a invocada data dos factos referidos no documento, a apelada não justifica, nem comprova, a superveniência (a objetiva nem a subjetiva), e, também, não ocorre nenhuma situação em que a junção do documento só face ao sentido da decisão se relevasse necessária.
Nenhuma das supra referidas situações se verifica no caso. Não resulta invocada, nem provada, qualquer situação de impossibilidade, objetiva ou subjetiva, de apresentação do documento, anteriormente à fase de recurso, que mereça aqui acolhimento legal nem o julgamento da primeira instância introduziu qualquer elemento de novidade que pudesse tornar necessária a consideração de prova documental adicional, que até ao encerramento do julgamento em primeira instância se mostrasse inútil.
Na verdade, do facto de o documento poder não estar em poder da apresentante em data anterior à do encerramento do julgamento não decorre a impossibilidade da sua junção, sempre podendo aquela ter diligenciado pela sua obtenção e apresentação atempada.
In casu, para além de se não verificar superveniência, nem objetiva nem subjetiva, nenhuma alegação foi feita nem prova foi oferecida de conhecimento superveniente, não se justificando a sua junção com a alegação de recurso.
Assim, sendo legalmente inadmissível, atento o disposto no nº1, do art. 651º, não se admite a junção do documento, cujo desentranhamento e devolução à apresentante cumpre ordenar, o que se faz, condenando-se a apresentante na multa de 1 UC.
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2ª. Da reapreciação da decisão da matéria de facto:
2.1- Da verificação do erro na apreciação da prova.
Conclui a recorrente ter havido deficiente análise e decisão da prova, devendo o item 17 dos factos provados passar para os factos não provados e os factos a) a f), dos factos não provados ser considerados provados.
Como resulta do corpo das alegações e das respetivas conclusões, a Recorrente, que impugna a decisão da matéria de facto, deu cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c), pois que faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida.
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objeto de recurso, cabe observar que se não vai realizar novo julgamento nesta 2ª Instância, mas tão só reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados, como a lei impõe.
O art. 662º, nº1, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto.
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova[11] (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.
Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[12].A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis[13]
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[14], devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as partes e as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos.
Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.
E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.
Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas – como o depoimento de parte e prova testemunhal -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.
Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.
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Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, vejamos se assiste razão à Apelante, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da matéria de facto nos termos por ela pretendidos.
Conclui a mesma que a sentença proferida nos autos julgou incorretamente os supra referidos itens, em face da prova oralmente produzida, conjugada com a documental.
Revisitada a prova – depoimentos prestados pelas testemunhas e documentos juntos aos autos - e visto o despacho que fundamentou a decisão da matéria de facto, ficou-nos a convicção de que, in casu, não existe qualquer erro de julgamento, ao invés a matéria de facto foi livremente e bem decidida, não existindo nos autos elementos suficientemente seguros que permitam dar os referidos factos não provados como provados e tendo o Tribunal a quo formado, objetivamente e bem, a sua livre convicção para dar o item 17 dos factos provados como provado.
Com efeito, o Tribunal a quo motiva a sua livre convicção quanto aos factos referindo: “Valoraram-se os documentos, n.º 1, 3 e 4 juntos com a PI e, bem assim, o documento n.º 2, conjuntamente com os depoimentos das testemunhas CC e DD. O primeiro que foi o subscritor do documento n.º 2, que confirmou o seu teor – não obstante em função do tempo decorrido se não recordar em concreto da realização da diligência, mas tendo-o assinado é porque o que lá está elencado é o que lá encontrou – e que explicou de modo muito claro, em geral, como se processam as vistorias, tendo referido que nestas vistorias não falam com ninguém, nem tentam falar com ninguém. A testemunha DD foi muito claro nos procedimentos que ocorrem depois da recepção do auto da vistoria, nomeadamente, no que concerne aos cálculos da energia fornecida mercê da adulteração.
Também se valorou o depoimento da testemunha EE que emite as ordens de serviço que dão origem aos autos de vistoria. E explicou que naquele local haviam já tido ocorrências em Novembro de 2010 e Agosto de 2013.
O documento n.º 5 junto com a PI, tendo sido impugnado, não serve a prova da notificação à ré. Aliás, a testemunha DD disse desconhecer se a ré havia sido notificada.
O primeiro documento junto com a contestação está incompleto e, por isso, não se valorou.
Valorou-se o contrato de fornecimento de energia electrica junto pela ré com a contestação.
Valorou-se o documento que constitui uma declaração de vontade de fazer uma dação em pagamento. Somente. A dação em pagamento de um imóvel tem forma própria e, na ausência da escritura que deu forma à dação não se prova que esta tenha ocorrido.
Valorou-se o contrato de arrendamento junto, conjuntamente com o depoimento da testemunha BB, marido da ré, que explicou em juízo que tiveram dificuldades económicas e que, por isso, tiveram que procurar alternativas de fornecimento de electricidade mais barata que a que tinham no contrato celebrado com a ré e menos onerosa que a habitação própria, tendo optado pelo arrendamento.
Os factos não provados resultaram da ausência de prova”.
Entende a apelante/autora impor a prova produzida nos autos decisão diversa da recorrida no que respeita ao facto 17º dos factos dados como provados que deve ser dado como não provado, pois que impugnou a genuinidade do contrato de arrendamento e tal prova não se pode considerar produzida com o testemunho de BB, marido da Ré e, por isso, com interesse no desfecho da causa. Sustenta que “poderia aceitar-se o contrato de arrendamento como um mero indício de ser a morada da Recorrida desde aquela data, indício que não se veio a confirmar por qualquer outro meio de prova”.
Ora, assim não sucede, pois que, na verdade, para além do contrato de arrendamento temos o depoimento da testemunha BB a corroborar o que do documento em causa consta, depoimento esse a revelar as dificuldades económicas sentidas que conduziram à opção por uma solução habitacional menos onerosa do que a existente, a do arrendamento, este efetivamente celebrado, depoimento a revelar um conhecimento direto e que se mostrou credível e convincente, bem podendo o mesmo sustentar a referida resposta positiva, nenhum impedimento existindo a que fosse prestado e tendo a credibilidade do depoimento da testemunha sido formada na imediação e oralidade com base em prova de livre apreciação.
Entende a Apelante impor-se, ainda, decisão diversa quanto aos factos constantes dos pontos a) a f) dos “factos não provados”, que devem ser considerados provados pois:
- No que aos factos a) e b)[16] respeita não se considerou provado que o local de consumo em causa nos autos não tinha contrato ativo, titulado pela Ré desde 04.06.2009 e até à data da vistoria (26.12.2017), sendo que do documento junto sob o n.º 1 com a petição inicial, resulta que a Recorrida celebrou com um comercializador, em 07.01.2009 um contrato de fornecimento de eletricidade para aquele local de consumo, que esse contrato teve o seu termo em 03.06.2009, que desde 04.06.2009 e até 25.12.2017 aquela instalação não teve em vigor qualquer contrato de fornecimento de eletricidade e que em 26.12.2017 foi celebrado um novo contrato de fornecimento de eletricidade, titulado por outra pessoa que não a Ré/Recorrida, o que foi corroborado pelos testemunhos de DD e EE.
Ora, na verdade, nada impõe uma resposta positiva quanto aos citados factos a) e b) em causa - o local de consumo em causa ter estado sem contrato com um qualquer comercializador desde 04-06-2009 até 26-12-2017. Não se provou, por falta de prova, que, nesse período de tempo, o local aqui em referência tenha ficado sem qualquer contrato.
- No que respeita aos factos c) e d), decorrendo do n.º 2, do art.º 1º, do Decreto-Lei n.º 328/90 de 22 de Outubro, que “2 -Qualquer procedimento fraudulento detectado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia eléctrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor”, tem que se fazer operar a presunção, imputando a autoria do procedimento à Ré, tendo os referidos factos de ser considerados provados.
Ora, assim não acontece, pois que em causa na decisão da matéria de facto está a prova real, efetiva, dos referidos factos impugnados, não funcionando a presunção, legalmente estatuída, ao nível das respostas a dar à matéria de facto, mas, tão só, ao nível da subsunção jurídica, como adiante se analisará.
- No que respeita ao facto e), para a demonstração junta documento contendo mera informação dos CTT, afirmando fazê-lo ao abrigo do disposto no art.º 651º, n.º 1, parte final do CPC, documento este que se não admitiu. Quanto à matéria da alínea e) dos factos não provados, sustentando a Ré nunca ter recebido a comunicação em causa, certo é que a Autora não juntou qualquer comprovativo do envio, não tendo, na verdade, efetuado prova de ter remetido à Ré o auto de vistoria aqui em causa.
- No que respeita ao facto f), o mesmo terá que ser dado como provado, pois que se trata de um facto alegado pela Recorrida.
Ora, efetivamente, não junto ao processo documento comprovativo da referida compra e venda de imóvel, não comprovada a celebração de “contrato de compra e venda com hipoteca e fiança” não pode, por falta da necessária prova, a referida matéria ser considerada provada.
Não pode, na verdade, a matéria constante das alíneas a) a e), dos factos não provados, ser considerada provada. No que se refere à matéria de facto impugnada dada como não provada – al. a) a e) dos factos não provados - bem sustenta o Tribunal a quo que não foi produzida prova bastante, tendente à sua demonstração, sempre tendo, na verdade, de se manter essa decisão, por falta de prova que permita dar resposta diversa.
E, na essência, a recorrente limita-se a fazer a sua própria apreciação de parte da prova que apresenta em sentido diferente daquele que foi sufragado pelo Tribunal a quo, pretendendo, por esta via, impor a sua própria valoração dos factos ao tribunal e atacando a convicção que o julgador for­mou sobre os depoimentos.
Ora, não competindo a este Tribunal sindicar a credibilidade do Tribunal recorrido, sendo que a credibilidade de um depoimento decorre diretamente da imediação, ou seja, do contacto direto com a testemunha ou a parte na audiência, da forma como a mesma encara e responde às questões que lhe são colocadas, elemento que tem uma clara dimensão subjetiva inerente à apreciação do juiz e que escapa à sindicância do tribunal de recurso, na falta de bases objetivas que lancem a dúvida sobre a razoabilidade da credibilidade inspirada – v. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 04.04.2018 proferido no processo nº 462/09.0TTBRP.L2.S1 in dgsi.pt -, bem decidiu o Tribunal a quo.
Na verdade, embora com a produção dos meios probatórios se não pretenda criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos e, como refere Antunes Varela[20], “se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça”, tal não pode deixar de implicar que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência, grau esse que, contudo, tem de ser seguro e consistente.
Pretendendo o recorrente estribar a impugnação da decisão da matéria de facto na convicção diversa que formou sobre a credibilidade de alguns meios de prova, sem que, sustentadamente, mostre que a decisão tenha violado qualquer regra da experiência comum ou qualquer regra de direito probatório, material ou formal, tal, naturalmente, impede que a impugnação possa proceder. Sob pena de se estar a considerar a livre convicção da Recorrente, em detrimento da “livre convicção do julgador”, é inaceitável que se fundamente o ataque à matéria de facto fornecendo a versão dos factos que se considera mais correta.
Cada elemento de prova de livre apreciação, designadamente depoimentos de testemunhas, não podem ser considerados de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo.
Efetuou este Tribunal a análise crítica da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham decisão diversa – como exige o artigo 662.º, n.º 1, do mesmo diploma, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto.
O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a referida factualidade, de acordo com a livre convicção que formou de toda a prova produzida.
Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra.
Na verdade, e não obstante as críticas que são dirigidas pela Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência. Ao invés, a convicção do julgador tem, a nosso ver, apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade não provada tal como decidido pelo tribunal recorrido, por falta de prova, e o constante do item 17 de se continuar a considerar provado, pelo que acima se expôs.
Não resultando os pretensos erros de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação, que também é a nossa, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto, nada sendo de alterar, mantendo-se a decisão da matéria de facto, bem apreciada e decidida de acordo com a livre convicção de julgador, baseada na análise crítica conjunta e conjugada de toda a prova e nas regras da experiência comum.
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3. Da reapreciação da decisão de mérito:
3.1 – Da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e do direito a indemnização.

Dependendo o pedido de alteração da decisão de mérito do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo a apelante logrado obter alteração de tal decisão sempre tem a pretensão da Autora de improceder.
Na verdade, e como se decidiu no Ac. da RP de 13/7/2022, em que a ora relatora foi adjunta ““I. Nos termos do artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 328/90, de 22.10, o consumidor que recebe energia eléctrica através de um contador falseado responde, em termos extracontratuais, perante o distribuidor (operador de redes) pelo valor do consumo irregularmente feito, excepto se provar que a adulteração do contador não se deve a culpa sua.
II. Deve-se entender que este preceito legal não presume que o consumidor foi o autor do procedimento fraudulento, mas sim que a norma presume que o consumidor que recebe energia através do equipamento falseado responde perante o distribuidor pelas consequências desse procedimento, excepto se provar que o mesmo não se deve a culpa sua.
III. O que significa que para responsabilizar o consumidor, o distribuidor só tem de demonstrar que o equipamento de contagem que serve aquele consumidor foi objecto de uma intervenção fraudulenta, cabendo ao consumidor fazer a prova de que essa intervenção não resultou de culpa sua, designadamente por ser devido a caso de força maior ou motivo estranho à sua vontade, como o ter sido praticado por terceiro”.
Aí se considerou “O Decreto-Lei nº 328/90 de 22 de Outubro refere no seu preâmbulo:
“A medida e controlo dos consumos de energia eléctrica e da potência tomada são alvo de práticas fraudulentas assaz generalizadas a nível internacional, visando a redução dos valores facturados, com a consequente fuga ao pagamento dos consumos reais”, designadamente através da viciação dos aparelhos de medição pelo que é “indispensável e urgente tomar medidas que sejam adequadas à erradicação de tais práticas e, ao mesmo tempo, permitir que os distribuidores se possam ressarcir do valor dos consumos verificados durante a existência da fraude e das despesas dela emergentes.”.
Dispõe o art. 1º, nº 1 deste diploma que “Constitui violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica qualquer procedimento fraudulento susceptível de falsear a medição da energia eléctrica consumida ou da potência tomada, designadamente (…) a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos aparelhos de medida ou de controlo da potência, bem como a alteração dos dispositivos de segurança, levada a cabo através da quebra dos selos ou por violação dos fechos ou fechaduras”.
E o nº 2 deste preceito: “Qualquer procedimento fraudulento detectado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia eléctrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor” – presunção juris tantum de responsabilidade do consumidor perante o distribuidor.
O nº 2 do art. 1º do Decreto-Lei nº 328/90 de 22 de Outubro, diploma que regula as medidas adequadas à erradicação de práticas fraudulentas quanto ao consumo de energia eléctrica, prevê uma presunção juris tantum, imputável ao respectivo consumidor, nos termos da qual “… Qualquer procedimento fraudulento detectado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia eléctrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor”.
Com esta presunção pretende-se desincentivar as práticas de consumo fraudulento na certeza que, segundo as regras da experiência, apenas o consumidor beneficia da viciação dos contadores.
Acompanhamos o entendimento de que não se trata propriamente de uma presunção de autoria do procedimento fraudulento, mas sim de uma presunção (de ilicitude e culpa) de responsabilidade do consumidor perante o distribuidor – neste sentido vide Ac. da R.P. de 13/05/2021 (Aristides Rodrigues de Almeida), in www.dgsi.pt onde se refere o seguinte:
“Afigura-se-nos ainda que o n.º 2 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 328/90, de 22.10, não contém uma presunção de facto, como é suposto na motivação (da decisão recorrida), contém sim uma presunção de responsabilidade. Ao estabelecer que «qualquer procedimento fraudulento detectado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia eléctrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor», a norma não presume que o consumidor foi o autor do procedimento fraudulento, a norma presume que o consumidor que recebe energia através do equipamento falseado responde perante o distribuidor pelas consequências desse procedimento, excepto se provar que o mesmo não se deve a culpa sua. O que significa que para responsabilizar o consumidor, o distribuidor só tem de demonstrar que o equipamento de contagem que serve aquele consumidor foi objecto de uma intervenção fraudulenta, cabendo ao consumidor fazer a prova de que essa intervenção não resultou de culpa sua, designadamente por ser devido a caso de força maior ou motivo estranho à sua vontade, como o ter sido praticado por terceiro. Assim, a distribuidora de energia tem apenas o ónus da prova que o equipamento de contagem foi objecto de intervenção fraudulenta incumbindo, por sua vez, ao consumidor, em face da acima referida presunção legal, o ónus da prova do contrário, que tal intervenção não é imputável por ser devida a motivo estranho à sua vontade (ex. caso de força maior) ou a acto praticado por terceiro (…).
Conforme já antes referimos, a nosso ver esta disposição não encerra uma presunção de facto, mas antes uma presunção de responsabilidade (de ilicitude e de culpa).
Ao estabelecer que qualquer procedimento fraudulento se presume, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor, a norma não presume que o consumidor foi o autor do procedimento fraudulento, a norma responsabiliza o consumidor que recebe energia através do equipamento falseado perante o distribuidor pelas consequências desse procedimento, excepto se provar que o mesmo não se deve a culpa sua.
A norma estabelece uma presunção ilidível contra o consumidor, no sentido em que este é o presuntivo responsável por qualquer procedimento fraudulento detectado no equipamento. Caso o demandante não ilida a presunção, demonstrando cabalmente que esse procedimento não procede de culpa sua, será responsável perante a demandada, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea b), do diploma.
Nessa medida, para exigir do consumidor o pagamento do valor da energia consumida, mas não medida, o distribuidor só tem de demonstrar que o equipamento de contagem que serve aquele consumidor foi objecto de uma intervenção fraudulenta, cabendo ao consumidor fazer a prova de que essa intervenção não resultou de culpa sua, designadamente por ser devido a caso de força maior ou motivo estranho à sua vontade, como o ter sido praticado por terceiro.
Que isso é assim resulta além do mais do disposto no artigo 3.º, n.º 2, do diploma.
Nos termos do n.º 1 deste artigo, tendo havido violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza dos direitos de interromper o fornecimento e de ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito.
O n.º 2 acrescenta que quando o consumidor não seja o autor do procedimento fraudulento ou por ele responsável, o distribuidor tem apenas direito a ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito pelo consumidor.
Daqui resulta, portanto, que o direito ao ressarcimento do consumo irregularmente feito, rectius, ao pagamento da diferença entre o preço da energia medida e o preço da energia efectivamente consumida, não está dependente de ter sido o próprio consumidor a executar o procedimento fraudulento sobre o aparelho de medição. O que se compreende, aliás, porque se assim não fosse sempre haveria lugar à restituição dessa diferença de preço a título de enriquecimento sem causa, tendo o consumidor de pagar ao distribuidor o valor com que enriqueceu por ter consumido energia que não pagou.”.
*
O procedimento fraudulento em sindicância naqueles autos era, também, na verdade, uma manipulação de um contador num local de consumo, instalação que tinha em vigor um contrato de fornecimento de eletricidade.
Assim, se não verifica no caso, em que o procedimento fraudulento verificado consubstancia uma ligação direta à rede, ou seja, não se encontrava em vigor, para o local, qualquer contrato de fornecimento de eletricidade.
No caso, em que a Autora/Apelante imputa a responsabilidade pelos danos por si sofridos à Ré, nenhum contrato de fornecimento de energia elétrica se encontrava em vigor, tendo o anteriormente celebrado para o local em causa cessado já em junho de 2009.
Não é, pois, a Autora consumidora, por nenhum contrato vigente, para o local, entre Autora e Ré existir.
Refira-se que na responsabilidade civil cabe distinguir a:
1- Responsabilidade civil contratual, que é a que decorre da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos;
2 - Responsabilidade civil extracontratual que é a que advém da violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem, sendo categorias desta:
i) a emergente de atos ilícitos;
ii) a emergente de atos lícitos (ato consentido por lei mas que a mesma lei considera de justiça que o seu titular indemnize o terceiro pelos danos que lhe causar);
iii) a emergente do risco (alguém responde pelos prejuízos de outrem em atenção ao risco criado pelo primeiro).
O Código Civil ocupa-se da matéria da responsabilidade civil:
- no capítulo sobre fontes das obrigações, sob a epígrafe responsabilidade civil - artigos 483º a 510º;
- no capítulo sobre modalidades das obrigações, sob a epígrafe obrigação de indemnizar - artigos 5620 a 5720;
- e no capítulo sobre cumprimento e não cumprimento das obrigações, sob a epígrafe falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor - artigos 798° a 812°).
Alicerça a Autora a sua pretensão indemnizatória em responsabilidade civil extracontratual, extinto que se encontrava o contrato que havia sido celebrado, pelo que nenhumas regras da responsabilidade contratual cabe convocar e nenhumas obrigações contratualmente assumidas estão em causa.
Na verdade, a responsabilidade civil contratual distingue-se da extracontratual ou aquiliana pelo facto de naquela estar em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários e esta emergir da violação de deveres de ordem geral e correlativamente de direitos absolutos do lesado.
Estas duas categorias de responsabilidade civil - porque diferentes - foram tratadas pelo Código Civil em secções distintas quanto à regulação da sua fonte (nos artigos 483.º ss para a responsabilidade civil extracontratual e nos artigos 798.º e ss para a responsabilidade contratual), ainda que seja hoje dominante uma corrente que considera não ser esta repartição estanque, existindo normas no sector reservado à responsabilidade delitual que se aplicam, manifestamente, à responsabilidade contratual, como é o caso das referentes à obrigação de indemnizar, que foi objeto de um tratamento unitário pelo legislador nos artigos 562.º e seguintes do Código Civil.
Dispõe o artigo 483°, sob a epigrafe "princípio geral" que “1. aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
São, pois, pressupostos (cumulativos) da responsabilidade civil:
1- facto voluntário;
2- ilicitude (que é a infração de um dever jurídico, por violação direta de um direito de outrem e violação da lei que protege interesses alheios ou violação de obrigação contratualmente assumida);
3- nexo de imputação do facto ao agente (culpa - dolo ou mera culpa -, implicando uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente);
4- dano (perda que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar);
5- nexo de causalidade entre o facto e o dano (tendo o facto de constituir a causa do dano).
Conclui a recorrente ter o Tribunal a quo incorrido em erro, pois que estando, in casu, extinto o contrato que havia sido celebrado para o local em causa, nenhum dever de informação existindo, veio a ocorrer fraude, para obtenção de energia, com ligação direta à rede.
E, na verdade, a ação não se funda em responsabilidade contratual, não estando em causa o incumprimento de deveres contratualmente assumidos, movendo-nos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.
Ora, não ficou, contudo, provado ter sido a Ré, a efetuar a ligação direta à rede, pelo que a ilicitude e a culpa se não encontram, efetivamente, provadas e, também, não sendo, já, consumidora (por o contrato estar extinto) não pode ser considerado funcionar a supra referida presunção (de ilicitude e culpa).
Com efeito, provado se encontrando ter o contrato de fornecimento de energia elétrica cessado os seus efeitos em 03-06-2009 e ter a Ré e o seu agregado familiar deixado de residir no local de consumo do referido contrato, aí se não encontrando desde março de 2009 (residindo na rua ..., nº ...- 3º andar, ..., Porto, onde habitam desde então, mercê da celebração de contrato de arrendamento), não pode, por consumidora não ser, não possuindo, já, tal qualidade, ser onerada com a presunção de responsabilidade em causa, aplicável a quem já recebe energia elétrica.
E ainda que assim não fosse, sempre a presunção de responsabilidade se teria de considerar ilidida, por a Ré já nenhuma ligação ter ao local de consumo, sequer residir no imóvel por todo o considerado “período de utilização ilícita” - entre 28-12-2014 e 25-12-2017.
Assim, não pode ser considerada a Ré presumida responsável pela intervenção fraudulenta constatada pela Autora, pois que, estando o contrato findo, a Ré deixou de residir no local que havia sido local de consumo.
Como sustenta a apelante, o entendimento veiculado no Ac. do STJ de 10.05.2016, proferido no proc. n.º 1929/13.1TBPVZ.P1.S1, assim como o do Ac. da RP supra citado, tem na base um procedimento fraudulento em que é sindicada uma manipulação de um contador num local de consumo, numa instalação que tinha em vigor um contrato de fornecimento de eletricidade, e nos presentes autos está em causa uma ligação direta à rede (não se encontrando em vigor qualquer contrato de fornecimento de eletricidade), nada permitindo presumir ter sido a Ré a proceder à mesma, tanto mais que já não residia no que havia sido local de consumo, pelo que não tem a qualidade de consumidora.
Refere a apelante que “o dever de informação só será exigível ao operador da rede de distribuição quando estamos perante uma fraude detectada numa instalação em que exista/esteja em vigor, aquando do apuramento dos factos, um contrato de fornecimento de electricidade, com um qualquer comercializador e se o operador da rede de distribuição pretender exercer o direito que lhe é conferido de interromper o fornecimento de energia electrica (de acordo com a Directiva 5/2016 de 26/02) - entendimento que é perfilhado no supra citado Acórdão proferido no proc. n.º 558/19.0T8ETR.P1, em 08.06.2021, pelo Tribunal da Relação do Porto, in www.dgsi.pt.” e presumindo-se imputável à Ré/Recorrida o procedimento fraudulento, de acordo com o n.º 2 do art.º 1º do Decreto-Lei n.º 328/90 de 22 de Outubro, uma vez que resulta provado nos autos que o contador em que foi detetada a fraude fornecia energia exclusivamente para o imóvel daquela, é a mesma responsável pelo prejuízo causado à Recorrente, verificados estando os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, e a assim se não entender, sempre haveria enriquecimento sem causa da Ré/Recorrida, em detrimento do empobrecimento da Autora/Recorrente, que usufruiu de energia elétrica e potência que não pagou.
Ora, tendo o contrato de fornecimento de energia elétrica cessado e não residindo a Ré no imóvel, não resultando a qualidade de consumidora da Ré e não se encontrando provado ter sido ela a receber a energia elétrica, nenhuma responsabilidade lhe pode ser atribuída, pois que se não encontra provada nem a ilicitude e a culpa da Ré (efetiva) nem factos de onde se possa extrair a sua presunção, que afastada se encontra.
Destarte, não pode ser reconhecido à Autora direito de indemnização contra a Ré por se não mostrarem preenchidos os pressupostos, cumulativos, da responsabilidade civil extracontratual.
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3.2 – Do preenchimento dos requisitos do enriquecimento sem causa e do direito a ressarcimento.

O instituto do enriquecimento sem causa, que constitui uma fonte obrigacional, com o seu regime consagrado nos arts. 473º e segs., do Código Civil, prescreve naquele artigo que “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
Deste modo, para que exista enriquecimento sem causa, torna-se necessária a verificação de três requisitos cumulativos:
a) a existência de um enriquecimento patrimonial de alguém;
b) que esse enriquecimento careça de causa justificativa;
c) que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição[21], cumprindo exarar que o primeiro requisito consiste na obtenção de uma vantagem de caráter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, relativamente ao segundo requisito, faltará causa justificativa quando haja desarmonia “com a ordenação dos bens aceites pelo sistema” jurídico, isto é, se o enriquecimento está de acordo com o sistema jurídico, então a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, “por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa”. Dito por outras palavras, haverá uma situação de enriquecimento sem causa quando à luz das regras ou dos princípios aceites no sistema jurídico, não exista uma relação ou um facto que legitime esse enriquecimento, quer porque essa relação ou facto que legitima o enriquecimento (a causa) nunca existiu, ou porque, entretanto, desapareceu[22] e quanto ao último requisito exige-se que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição, isto é, que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa, isto é, a expensas da pessoa que exige a restituição, sem que exista de permeio, entre o ato gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro ato jurídico[23].Tem, assim, de existir um nexo causal entre o enriquecimento do enriquecido e o empobrecimento da pessoa que exige a restituição[24].
A não existir causa para a deslocação patrimonial, a nenhum contrato ter sido celebrado entre as partes, sempre a vantagem patrimonial do enriquecido sem causa (que à luz das regras ou dos princípios do nosso sistema jurídico justifique a deslocação patrimonial ocorrida) tem de ser restituída.
Revertendo para o caso, verifica-se que não se provou qualquer enriquecimento da Ré, sem causa justificativa, à custa da Autora. Nada resulta ter a Ré recebido que se tenha tornado recebimento injusto e, como tal, inaceitável para o Direito, a ter de ser restituido.
E nenhuma prova tendo sido efetuada de ter ocorrido qualquer enriquecimento da Ré, pois que sequer resulta ter o consumo de energia elétrica sido, por si, efetuado, sequer que o imóvel fosse sua propriedade, nada tem a mesma de restituir.
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3.3 – Se se justifica taxa de justiça agravada, por articulado prolixo.

Cumpre apreciar se existe fundamento para a condenação da Autora em taxa de justiça agravada, como entendeu o Tribunal a quo, ao cominar tal taxa nos termos do n.º 7 do artigo 530º, do CPC, conjugado com o n.º 5 do artigo 6º, do RCP (Tabela Anexa I – C), por se ter confrontado com acrescidas dificuldades dado o extenso número de desnecessários artigos da petição inicial e a articulação excessiva que imprimiu à ação especial complexidade.
Insurge-se a Autora/apelante contra tal aplicação por, fundando-se a condenação no facto de ter elaborado a petição inicial com 83 artigos desnecessários, analisada a mesma se constata que se limitou a alegar matéria de facto e a matéria de direito que a sustenta, devidamente fundamentada com jurisprudência, não sendo o seu articulado confuso, repetitivo ou demasiado extenso, sendo que, porque versa sobre matéria muito técnica e específica, desconhecida da esmagadora maioria dos cidadãos, não descurou a necessidade de fazer o devido enquadramento, explicando toda a envolvência. Sustenta que não imprimiu aos autos complexidade que não tinham, e tanto assim é que o Tribunal a quo dispensou a realização de audiência prévia e a prolação do despacho destinado à identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova, por manifesta simplicidade, conforme se extrai do despacho proferido em 05.12.2021, mostrando-se incongruente que, a final, se venha a condenar a Autora/Recorrente em taxa agravada por uma suposta complexidade.
Como se analisa no Ac. da RP de 4/4/2022, proc. nº 101105/18.0YIPRT.P2“O sistema das custas judiciais visa distribuir de forma razoável os encargos resultantes do funcionamento da justiça, em consonância com o que estipula o artigo 527º do C.P.C., respondendo em matéria de custas, aquele que a elas dá causa e na respetiva proporção[25].
Com a aprovação do RCP procurou o legislador, tal como consta do preâmbulo do DL 34/2008 que o aprovou, aperfeiçoar o sistema vigente, adequando “o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respetivos utilizadores.”.
Assim e constatado que “o valor da ação não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial” estabeleceu-se um sistema misto para o valor da taxa de justiça “que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.”.
A regra geral e principal no processo civil para a aferição da base tributária continua a ser a do valor da ação, como decorre do disposto nos artigos 11º e 6º nº 1 do RCP, aliás em consonância com o disposto no artigo 296º nº 3 do CPC.
Sujeita, porém, a correções dentro dos critérios legais previstos pelo legislador.
Assim dispõe o artigo 11º do RCP sob a epígrafe “Regra Geral” – “A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo.”.
Por sua vez o artigo 6º do RCP, igualmente sob a epígrafe “Regras Gerais”, preceitua:
“1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
(…)
5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela i-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às ações e recursos que revelem especial complexidade.
6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.
7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
À regra geral de fixação da base tributária, adicionou, portanto, o legislador como fator de correção o critério da complexidade da causa.
Em consonância com disposto no artigo 529º nº 2 do CPC, o qual dispõe que a “Taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”.
Como critérios orientadores para a aferição deste conceito da “complexidade da causa” forneceu o legislador os seguintes, por referência ao que preceitua o nº 7 do artigo 530º do CPC:
“7- Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».
É pois por referência a estes critérios orientadores que importa aferir se a causa em discussão se apresentou como complexa, para efeitos de aplicação da tabela prevista no nº 5 do artigo 6º do RCP a que o tribunal a quo recorreu.
Relembra-se que o valor da taxa de justiça fixado em função do valor da causa e a possibilidade de corrigir aquela em função da complexidade da causa, visa adequar o custo da justiça ao serviço efetivamente prestado, assim garantindo o respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade que deriva de os custos repercutidos nos respetivos utilizadores serem proporcionais ao serviço prestado”.
Fundamentou o tribunal a quo o decidido na grande e desnecessária extensão do articulado com que se introduziu a ação em juízo - com 83 artigos -, a acarretar acrescidas dificuldades, concluindo ser tal articulado prolixo, por referência ao previsto no artigo 530º, nº 7, al. a), do CPC.
Por referência a este preceito, prolixo é o articulado excessivamente longo, demasiadamente extenso para o exercício do concreto direito que se encontra a ser exercido. E, subjacente ao mesmo, está um juízo de censura imputável à parte que articula de forma excessiva, que alega para além do necessário à sua defesa, resultando num entorpecimento da justiça.
A razoabilidade do alegado em sede de petição inicial deve ser aferida pela pertinência do que é alegado ao exercício do direito e pelo que contribuiu ou não para a complexidade da causa em função de uma excessiva e desnecessária articulação.
Analisado tal articulado, constatamos que a parte não se cingiu aos factos da causa e à exposição das razões de direito, antes alegou de forma exagerada e desnecessária, a justificar a censura que o tribunal a quo lhe atribuiu, padecendo do vício da prolixidade que justifica a correção da taxa de justiça ao abrigo da invocada norma contida na al. a), do nº 7, do artigo 530º, do CPC.
É a própria apelante a concluir que, por versar sobre matéria muito técnica e específica, desconhecida da esmagadora maioria dos cidadãos, a Autora não descurou a necessidade de fazer o enquadramento, explicando toda a envolvência.
Ora, não tinha o Tribunal de se ocupar de “toda a envolvência” nem de supérfluos esclarecimentos da “matéria técnica”, antes e tão só dos factos constitutivos do direito da Autora, suscetíveis de integrar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e da obrigação da Ré de indemnizar a Autora ou da verificação dos requisitos do enriquecimento sem causa da Ré, por ligação direta à rede, em prejuízo da Autora, beneficiando a Ré.
Assim, apesar de o Tribunal a quo ter dispensado a realização de audiência prévia e a prolação do despacho destinado à identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova, por manifesta simplicidade, para a tal conclusão chegar necessária foi a analise de todo o, extensa e desnecessariamente, alegado, e que, na verdade, o foi por forma a imprimir aos autos especial complexidade que os mesmos não tinham, o que podia ser logo visto, a ter a Autora alegado de, normal, forma clara e cingindo-se aos factos relevantes para a decisão da causa.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
*
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 12 de setembro de 2022
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Maria José Simões
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[1] Acórdão da Relação de Guimarães de 22/1/2015, processo 561/12.1TBMAR-A.G1.dgsi.net
[2] Acórdão da Relação de Lisboa de 19/1/2016, CJ, 2016, 1º, 62
[3] Acórdão da Relação de Lisboa de 23/4/2025, Processo 1481/05, dgsi.net
[4] Cfr., neste sentido, Ac. RC de 24/3/2015, proc. 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1, in dgsi.net
[5] Ac. RC de 18/11/2014, proc. 628/13.9TBGRD.C1 e da RP de 26/9/2016, proc. 1203/14.6TBSTS.P1, ambos in dgsi.net, citados in Abílio Neto Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição revista e ampliada, março de 2017, Ediforum
[6] Ac. RG de 3/3/2016, proc. 7109/15, in dgsi.pt
[7] Ac. RL de 17/3/2016: CJ, 2016, 2º, 81
[8] Ac. RG de 24/4/2014, proc. 523/11.6TBCBT.G1, in dgsi.pt
[9] Ac. RP de 20/9/2021, proc.12347/18.5T8PRT.P1, em que a ora relatora foi adjunta.
[10] ac. do STJ de 30.4.2019 (relatora: Catarina Serra), in dgsi.pt
[11] Ac. RC de 3 de outubro de 2000 e 3 de junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág. 26
[12] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
[13] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635.
[14] Ac. RP de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Proc. nº 5453/06.3
[15] “17. Desde Março de 2009 a ré e o seu agregado passaram a habitar uma casa situada na rua Nova da Corujeira, nº 44- 3º andar, 4300-359, Porto, onde habitam desde então, mercê da celebração de contrato de arrendamento”.
[16] “a) O local de consumo em causa esteve sem qualquer contrato com um comercializador desde 04-06-2009 até 25-12-2017.
b) Aquando da vistoria levada a cabo pela Autora (em 26.12.2017) a ré não tinha celebrado, com qualquer comercializador, um contrato de fornecimento de energia elétrica para este local de consumo”.
[17] “c) Ter o DCP fora de serviço permitia igualmente à ré consumir energia sem qualquer controlo ao nível de potência, usufruindo-a de forma ilimitada.
d) Os Factos Provados em 7. e 8. foram acto da ré”.
[18] “e) A autora remeteu à ré o Auto de Vistoria, interpelando-a ainda para efetuar o pagamento voluntário do montante supra referido”.
[19] “f) A ré coadquiriu com BB, por recurso a crédito bancário, uma fração para fins habitacionais, designada 6º andar esquerdo frente, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., em Vila Nova de Gaia, em 15 de março de 2005, por via da celebração de um contrato de compra e venda com hipoteca e fiança”.
[20] RLJ, Ano 116, p. 339
[21] Antunes Varela, ob. ct., vol. I, pág. 495.
[22] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 455 e 456.
Acs. STJ. de 04/10/2007, Proc. 07B2772, RC. de 09/01/2018, Proc. 1485/14.3TBLRA.C1, in base de dados da DGSI.
No mesmo sentido Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, 2º, vol., 1990, AAFDL, pág. 56: “A ausência de causa emerge (…) da inexistência de normas jurídicas que, a título permissivo ou de obrigação, levem a considerar o enriquecimento como coisa estatuída, isto é, tolerada ou querida pelo Direito”.
[23] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 457 e 458.
[24] Ac. RG de 7/2/2019, Proc. n.º 5569/17.8T8BRG.G1
[25] Vide Ac. T. Constitucional nº 421/2013 de 15/07/2013, Relator Carlos Cadilha in www.tribunalconstitucional.pt onde e apreciando a constitucionalidade do RCP, artigos 6º e 11º na redação anterior à Lei 2012 que introduziu o instrumento de adequação previsto no nº 7 do artigo 6º do RCP se afirmou «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito».