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NULIDADE DA SENTENÇA
ACÇÃO DE HONORÁRIOS
TRIBUNAL COMPETENTE
CONEXÃO
MATÉRIA
Sumário
1) O artigo 73º NCPC apenas trata da competência por conexão para a ação de honorários de mandatários judiciais ou técnicos e para a cobrança das quantias adiantadas ao cliente, mas não se sobrepõe às regras da competência em razão da matéria, daí que aquela competência não se aplique aos serviços prestados em tribunais ou juízos de competência especializada, como sucede, nomeadamente, com os tribunais de família e menores; 2) Se a dívida de honorários resultar de intervenções ocorridas em diversos tribunais é aplicável a regra prevista no artigo 82º nº 2 NCPC.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) M. L., C. S. & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL, veio apresentar requerimento de injunção contra M. D., requerendo a notificação desta para lhe ser paga a quantia total de €6.463,47, sendo €6.118,30 de capital, €243,17 de juros e €102,00 de taxa de justiça.
Para tanto alega a requerente, em síntese, que prestou serviços à requerida no processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, intentado pelo seu marido e, ainda, num outro processo crime de violência doméstica, intentado contra o seu marido, tendo sido notificada a requerida da nota de despesas e honorários, com discriminação de todos os serviços prestados, solicitando o respetivo pagamento, que não satisfez.
A requerida M. D. deduziu oposição onde conclui entendendo que:
a) Devem ser julgadas procedentes as exceções de ineptidão da petição inicial e prescrição, bem como as demais exceções de conhecimento oficioso e a requerida ser absolvida da instância;
b) Deve ser solicitado à Ordem dos Advogados o respetivo laudo, nos termos e para os efeitos enunciados;
c) Deve a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se a requerida dos pedidos formulados pela requerente.
Alega, para tanto, em síntese, que é verdade ter recorrido aos serviços da requerente, não tendo sido previamente acordado qualquer preço relativamente aos mesmos, sendo este um dos pressupostos do procedimento de injunção, não se coadunando a pretensão da requerente com a simplicidade processual do procedimento de injunção, resultando uma diminuição de garantias de defesa da requerida, devendo a requerente socorrer-se da ação declarativa comum, pelo que se verifica erro na forma de processo, que gera a nulidade de todo o processo.
Mais refere a requerida que não pode exercer o contraditório, por não constarem factos que lhe permitam tomar posição sobre a alegada dívida, uma vez que não discrimina as diligências efetuadas, mais referindo, por um lado, que não dispõe de elementos que permitam verificar se a quantia é devida e, por outro, que procedeu ao pagamento, nada devendo, pelo que o requerimento inicial é inepto, o que gera a nulidade de todo o processo.
Por outro lado, os invocados créditos já prescreveram, dado terem decorrido mais de 2 anos.
Por impugnação alega a requerida que os honorários reclamados são excessivos e desfasados da realidade, não sendo devidos juros.
*
B) Foi proferido saneador sentença, onde se decidiu:
“A.
I.
A: M. L., C. S. & Associados, Sociedade Advogados, Sp. RI
R: M. D..
II. A A. intentou a presente ação de honorários peticionando o pagamento da quantia total de €6.118,30, acrescida dos juros de mora vencidos e da taxa de justiça paga.
Os serviços de advocacia foram prestados nos proc. nº 1229/16.5T8BRG (Comarca de Braga, Instância Central, 1ª Secção Família e Menores) e proc. nº 438/17.4GBPVL (Juízo de Competência Genérica de Póvoa de Lanhoso).
Citada, a R. alegou várias exceções (erro na forma de processo, ineptidão da p.i., litispendência e prescrição).
III. Não há que conhecer das aludidas exceções.
Na verdade, de acordo com o disposto no art. 73º, nº 1, do CPC “Para a ação de honorários de mandatários judiciais ou técnicos e para a cobrança das quantias adiantadas ao cliente, é competente o tribunal da causa na qual foi prestado o serviço, devendo aquela correr por apenso a esta”.
E não pode afastar-se esta regra de competência agregando dois ou mais prestações de serviços e intentar ação autónoma.
Por isso, em cada ação deverá ser peticionado o valor dos respetivos honorários a que ela deu origem.
Esta exceção de incompetência territorial é de conhecimento oficioso – cf. art. 104, nº 1, al. c), do CPC.
Além disso, a simplicidade da questão dispensa o exercício do contraditório – cf. art. 3º, nº 3, do CPC.
Em consequência, declaro incompetente o Juízo de Competência Genérica de Póvoa de Lanhoso para o conhecimento da presente AECOP.
Ao abrigo do disposto no art. 105º, nº 3, do CPC, “… o processo é remetido para o tribunal competente”.
Ora, como a presente ação agrega serviços prestados em dois procedimentos, não cabe ao tribunal escolher o tribunal competente, tanto mais que a ação teria que manter-se neste juízo quanto a um dos serviços e ser remetida a outro tribunal quanto a outro serviço, o que é algo materialmente impossível.
A solução do caso só pode passar pela absolvição da R. da instância.
B. Pelo exposto, absolvo a R. da instância – cf. art. 278, nº 1, al. e), do CPC.
Custas pela A.
Registe.
Notifique.”
*
C) Inconformada com a decisão proferida sentença proferida, veio a requerente M. L., C. S. & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL, interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo.
*
Nas alegações de recurso da apelante M. L., C. S. & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL, são formuladas as seguintes conclusões:
1. O presente recurso de apelação é admissível, porquanto a causa tem valor superior à alçada do Tribunal de que se recorre (cfr. art.º 629º, nº 1, do C.P.Civil) e versa matéria de direito, entendendo, a autora/apelante, salvo o devido respeito, que é muito, ter feito, o Tribunal “a quo”, errada aplicação do direito, assim violando o disposto na al. b), do nº 1, do citado art.º 615º, do C.P.C., nulidade de sentença aquela que aqui, expressamente, se argui para os legais efeitos.
2. A autora/apelante apresentou, junto do Balcão Nacional de Injunção, um requerimento de injunção contra a ré/apelada, ali pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €6.118,30 (seis mil cento e dezoito euros e trinta cêntimos), a título de despesas e honorários.
3. É que, tendo a autora/apelante celebrado um contrato de mandato com a ré/apelada, prestou-lhe diversos serviços jurídicos, entre outros, no âmbito dos seguintes processos: Nº 1229/16.5T8BRG, que correu termos no Tribunal da Comarca de Braga, Instância Central, 1ª Secção de Família e Menores e; Nº 438/17.4GBPVL, do Tribunal da Comarca de Braga, Juízo de Competência Genérica de Póvoa de Lanhoso.
4. Findos que se encontravam os ante aludidos processos judiciais, com as respetivas sentenças transitadas em julgado, a autora/apelante elaborou e remeteu à ré/apelada, as respetivas Notas de Despesas e Honorários, onde discriminou e justificou todos os serviços prestados e despesas efetuadas por conta da cliente, em cada um dos processos.
5. As referidas notas de despesas e honorários, foram devidamente notificadas à ré/apelada, para que procedesse ao seu pagamento, não tendo, a mesma, efetuado qualquer pagamento, donde ter a autora/apelante, sido obrigada a deitar mão do requerimento injuntivo, meio legal esse ao seu dispor.
6. O Tribunal “a quo”, recebido que foi aquele requerimento injuntivo, após oposição e distribuição ao Juízo de Competência Genérica da Póvoa de Lanhoso, veio a proferir a douta sentença, ora recorrida, a qual, sem que nada o previsse, oficiosamente, e só porque as despesas e honorários decorriam de dois processos, e tendo dúvidas qual seria o Tribunal competente, optou por declarar a incompetência territorial do Juízo de Competência Genérica da Póvoa de Lanhoso, considerando, ainda, não haver lugar à remessa do processo ao Tribunal competente, limitando-se a absolver a R./apelada, da instância, condenando, ainda, a autora/apelante no pagamento das custas, decisão essa, com a qual, não se pode conformar.
7. No que à competência do Tribunal diz respeito, dispõe o art.º 73º, nº 1, do C.P.C. que, para a instauração de uma ação de honorários, estabelece-se como competente o Tribunal da causa, no qual foi prestado o serviço, devendo a mesma correr por apenso àquela.
8. Ora, não poderá o Tribunal “a quo”, olvidar que a competência dos Tribunais de Família, encontra-se taxativamente fixada nos art.s 122º a 124º, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), aí não se contemplando as ações de honorários.
9. Assim é que, estando a autora/apelante, a peticionar a Nota de Despesas e Honorários, referente ao processo n.º 1229/16.5T8BRG, que correu termos no Tribunal da Comarca de Braga, Instância Central, 1ª Secção de Família e Menores, é óbvio que, não podia intentar a ação de honorários, por apenso àquele processo de divórcio, sob pena de vir ser a decretada a exceção de incompetência em razão da matéria.
10. Daí que, optou a A./apelante, por deitar mão do requerimento de injunção, no qual além de peticionar as despesas e honorários, referente ao Proc. N.º 1229/16.5T8BRG, do Tribunal da Comarca de Braga, Instância Central, 1ª Secção de Família e Menores também peticiona os honorários e despesas não pagas, referente ao Proc. N.º438/17.4GBPVL, que correu termos no Juízo de Competência Genérica da Póvoa de Lanhoso.
11. Donde, ter a autora/apelante, optado por deitar mão do requerimento de injunção, ali peticionando os honorários e despesas, referentes às duas notas de despesas e honorários, apresentadas em dois processos distintos, sendo um processo de divórcio e outro, um processo-crime por violência doméstica, o que, legalmente, e salvo opinião mais douta, nos parece possível, atenta a jurisprudência existente sobre a matéria.
12. Veja-se, neste sentido, o douto Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. Nº 21133/20.1YIPRT-A.L1-2, de 13/05/2021, in www.dgsi.pt, cujo sumário aqui se transcreve: “O procedimento especial de injunção do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro pode ter lugar quanto está em causa a reclamação do pagamento de quantia pecuniária, que não exceda €15.000,00, a título de honorários por serviços prestados por advogado, no âmbito de contrato de mandato celebrado entre as partes, por configurar uma obrigação pecuniária emergente de contrato.”.
13. Neste mesmo sentido, também se pronunciou o Tribunal da Relação de Évora, no douto acórdão proferido no Proc. 349611/10.4YIPRT.E1, de 05-05-2011, cujo sumário, também aqui se deixa transcrito:
“1. Não existe impedimento legal ao uso do procedimento de injunção, para cobrança dos honorários do advogado, pelo exercício do mandato forense, tendo por base a nota de despesas e honorários que enviou ao constituinte.
2. Se for deduzida oposição e distribuído o processo como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, o tribunal competente para conhecer da mesma é o da ação onde foram prestados os serviços, nos termos do disposto no art.º 76º do CPC, já que a aplicação do DL.269/98 de 1.09, não pode afastar, em matéria de competência territorial, a regra especial estabelecida no CPC, em matéria de cobrança de honorários.”.
14. Como se vem de alegar, não sendo o Juízo de Família e Menores de Braga, competente para conhecer da ação de honorários, por força da sua competência material, e face à possibilidade da ré/apelada, poder deduzir oposição, como o fez, a autor/apelante, logo designou no requerimento injuntivo, como “Tribunal competente para distribuição: Tribunal Judicial da Comarca de Braga – P. Lanhoso – Unidade Central”, tanto mais que uma das notas de despesas e honorários, dada conjuntamente, à injunção era referente ao Proc. Nº 438/17.4GBPVL, que correu termos no Tribunal da Comarca de Braga, Juízo de Competência Genérica de Póvoa de Lanhoso, sempre será esse, e salvo opinião mais douta, o Tribunal territorialmente competente.
15. Atente-se que, em sentido igual se pronunciou, o douto Ac. Tribunal da Relação do Porto, Proc. Nº 3329/16.2T8STS-G.P1, de 12-09-2019, deixando consignado no item I, do Sumário, o seguinte: “I – A denominada competência territorial por conexão prevista no art.º 73º do C.P.Civil, prevê que o tribunal onde correu a causa e onde foi prestado o serviço só será competente em razão do território para a ação de honorários, se for competente em razão da matéria, correndo a ação por apenso.”
16. Fixando-nos no que dispõem os art.s 73º, nº 1 e 82º, n.º 2, ambos do C.P.Civil, e tendo por base, o princípio da economia processual, é permitido à autora/apelante, cumular na mesma ação, diversos pedidos contra a ré/apelada por serviços prestados, mesmo que prestados em diversos processos, o que fez, veja-se neste sentido, o douto Ac. Tribunal da Relação do Porto, Proc. N.º 638/06.2TVPRT-E.P1, de 08-10-2012, in www.dgsi.pt: “I- Na ação de honorários pode o autor cumular diversos pedidos contra os mesmos R.R. por serviços prestados, nomeadamente em diversos processos.” (negrito nosso).
17. E esse tem sido o entendimento maioritário dos Tribunais Superiores, para o que se recorre, entre outros, aos seguintes acórdãos, que aqui por economia processual se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos, publicados in www.dgsi.pt: Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. Nº 3831/05, de 17-01-2006; e o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. Nº 2419/2005-6, de 07-04-2005.
18. Entende, por conseguinte, a autora/apelante, face a tudo quanto se vem de alegar, e sem outros considerandos desnecessários que, ao invés do respeitável entendimento do Tribunal “a quo”, pese embora o requerimento injuntivo agregar a nota de despesas e honorários, respeitantes a dois processos, é o Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Competência Genérica da Póvoa de Lanhoso, o competente territorialmente, para julgar.
19. Sempre e em qualquer dos casos, caso dúvidas subsistam, deitando mão do preceituado no art.º 105º, nº 3, do C.P.Civil, “… o processo é remetido para o tribunal competente”, a que a própria sentença recorrida faz alusão, e sendo o Juízo de Competência Genérica da Póvoa de Lanhoso, o Tribunal competente, sempre poderá a presente AECOP, ser remetida ao Juízo de Competência Genérica da Póvoa do Lanhoso, para ser apensada ao Proc. Nº 438/17.4GBPVL o que, desde já, se requer.
20. Assim sendo, entende a autora/apelante, ser por demais evidente, não se verificando a exceção, a que alude a al. e), do n.º 1, do art.º 278º, do C.P.Civil, ao se declarar, o Tribunal “a quo”, incompetente territorialmente, absolvendo a R/apelada da instância, violou, a douta sentença, ora em crise, ao declarar incompetente o Juízo de Competência Genérica de Póvoa de Lanhoso, para o conhecimento da ação (AECOP), entre outros, os art.s 73º, nº 1, 82º, nº 2 e 105º, nº 3, todos do C.P.Civil.
Termina entendendo dever dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que:
a) Julgue o Juízo de Competência Genérica de Póvoa de Lanhoso competente para o conhecimento da AECOP;
b) Caso assim se não entenda, deve a presente AECOP, nos termos do art.º 105º, n.º 3, do C.P.Civil, ser remetida ao Juízo de Competência Genérica da Póvoa do Lanhoso, para aí ser apensada ao Proc. N.º 438/17.4GBPVL, tudo com as consequências legais.
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Pela apelada M. D. foi apresentada resposta onde entende dever negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a douta decisão ora em crise.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questões a decidir no recurso são as de saber: 1) Se a sentença é nula; 2) Se o tribunal é competente para apreciar a presente ação de honorários.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C)A apelante veio invocar a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615º nº 1 alínea d) NCPC, por errada aplicação do direito.
Estabelece o artigo 615º nº 1 alínea d) NCPC que é nula a sentença quando ( … ) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A propósito da referida nulidade, conforme se refere no Código de Processo Civil anotado, Volume 2º, 3ª Edição, dos Drs. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, a páginas 737, “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (artigo 608º nº 2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado.”
Como se refere no Código de Processo Civil anotado, Vol. I, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, a páginas 764, “… é pacífica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões” (STJ 27-3-14, 555/2002). Para determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (STJ 23-1-19, 4568/13).”
Diga-se, desde já, que, face ao exposto, inexiste a invocada nulidade.
Com efeito, não há qualquer omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal a quo devesse apreciar, nem o conhecimento de quaisquer questões de que não pudesse tomar conhecimento.
É que, conforme se refere no acórdão do STJ de 27 novembro 2008, no processo 08B2608, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino, disponível em www.dgsi.pt, citando o Professor Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 686, “entre as nulidades da sentença não se inclui o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário.”
Havendo erro de direito, desconformidade da decisão com o direito aplicável, a questão tem de ser suscitada e apreciada em sede de recurso, quanto ao mérito da decisão.
A nulidade da sentença versa as matérias que são referenciadas no artigo 615º NCPC e, entre estas, não consta o erro de direito.
Termos em que improcede a invocada nulidade.
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A presente apelação visa saber qual o tribunal territorialmente competente para apreciar a ação de honorários de mandatário judicial, interveniente em duas ações, de dois tribunais diversos.
O tribunal a quo entendeu que tendo os serviços cujos honorários são solicitados, sido prestados em dois tribunais diferentes – Comarca de Braga, Instância Central, 1ª Secção, Família e Menores e Juízo de Competência Genérica de Póvoa de Lanhoso – é aplicável a regra do artigo 73º nº 1 NCPC, que não pode ser afastada agregando dois ou mais serviços prestados em diversas ações e intentar ação autónoma, pelo que entende que cada ação deverá ser intentada no tribunal da causa em que foi prestado o serviço.
Mas não é assim.
Desde logo importa notar que o artigo 73º NCPC trata da competência por conexão, não cuidando da competência material quando se referem a processos que correm em tribunais de competência especializada, como é o caso dos tribunais de família e menores.
Com efeito, como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa no seu Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 2ª Edição, a páginas 108-109, em anotação ao artigo 73º “o preceito apenas trata da competência por conexão, não pretendendo resolver a questão da determinação da competência material nos casos em que os serviços do mandatário são prestados no âmbito de processos da competência de tribunal ou juízo de competência especializada (v.g. família, propriedade intelectual, criminal, etc.).
Não se foi ao ponto de sobrepor o critério funcional decorrente do tribunal onde correu a ação (competência por conexão) às regras sobre a distribuição da competência em função da matéria em discussão (cf. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., p. 116). Por isso, ainda que a ação respeite a honorários decorrentes de intervenção em ação que correu termos em tribunal de competência especializada, deve ser instaurada no tribunal que for competente em função da matéria relacionada coim o pedido de condenação (v.g. juízo central cível, para pedidos de valor superior a €50.000,00) e, se houver necessidade ou for conveniente, deverá ser requisitado o processo, a título devolutivo, ao tribunal no qual foi tramitada a ação de honorários (STJ 28-5-02, 02A327, em cujo sumário se refere que se “estabelece uma norma de competência territorial – nada tem que ver com o problema da competência em razão da matéria – além de estabelecer uma norma de conexão. Os tribunais de família e menores são materialmente incompetentes para conhecer da ação de honorários instaurada pelo mandatário forense em ação que naqueles correm termos”. No mesmo sentido, cf. RP 12-9-19, 3329/16).
Pode acontecer que a dívida de honorários provenha de intervenções que ocorreram em diversos processos, justificando-se, então, o recurso ao disposto no art. 82º nº 2, que admite a instauração da ação em qualquer dos tribunais, à escolha do credor, desde que seja assegurada a competência em razão da matéria.”
Também José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil anotado, 1º Volume, 3ª Edição, a páginas 155-156 referem que “a competência do tribunal da causa na qual foi prestado o serviço não impede, nos termos gerais (art. 555), a cumulação de pedidos, da qual pode resultar a competência de mais um tribunal (em que os serviços hajam sido prestados). Há, nestes casos, uma competência alternativa e, em solução paralela à dos arts. 70-3 in fine e 82-1 in fine, o autor pode escolher, de entre os tribunais em causa, aquele em que proporá ação de honorários (Alberto dos Reis, Comentário I, ps. 204 e 206). Neste caso, a ação é apensada ao processo que correu nesse tribunal, ao qual devem ser apensados os restantes (idem, ps. 205 e 208), a menos que a apensação seja inconveniente (está pendente, por exemplo, uma execução de sentença, correndo nos autos da ação declarativa: art. 85-1).”
Importa notar que no caso da Comarca de Braga, Instância Central, 1ª Secção, Família e Menores, o tribunal é materialmente incompetente para apreciar da ação de honorários dos serviços prestados pela autora, pelo que nunca poderia aí correr uma tal ação (de honorários).
Já o mesmo se não dirá relativamente à ação intentada no Juízo de Competência Genérica de Póvoa de Lanhoso, relativamente à ação de honorários pelos serviços aí prestados pela autora à ré, em que seria aplicável o disposto no artigo 73º NCPC, sendo esse tribunal o materialmente competente para conhecer a presente ação de honorários, por força doi disposto no artigo 82º nº 2 NCPC, aplicável à situação por se tratar de intervenção em mais de um processo.
Assim sendo, tanto basta para se concluir que a presente apelação terá de proceder e a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, sem prejuízo da existência de outras circunstâncias que a tal obstem.
Face ao total decaimento da apelada, sobre esta recai a obrigação do pagamento das custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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D) Em conclusão:
1) O artigo 73º NCPC apenas trata da competência por conexão para a ação de honorários de mandatários judiciais ou técnicos e para a cobrança das quantias adiantadas ao cliente, mas não se sobrepõe às regras da competência em razão da matéria, daí que aquela competência não se aplique aos serviços prestados em tribunais ou juízos de competência especializada, como sucede, nomeadamente, com os tribunais de família e menores; 2) Se a dívida de honorários resultar de intervenções ocorridas em diversos tribunais é aplicável a regra prevista no artigo 82º nº 2 NCPC.
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III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, declara-se o tribunal recorrido materialmente competente para conhecer a presente ação, revogando-se a douta decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, sem prejuízo da existência de outras circunstâncias que a tal obstem. Custas pela apelada.
Notifique.
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Guimarães, 15/09/2022
Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira
2ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares