CRIME DE VIOLAÇÃO
CONSTRANGIMENTO SEXUAL
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DA PENA
Sumário

I - Comete um crime de violação o agente que, no exercício de pretensa terapêutica osteopata, introduz um dedo na vagina de uma paciente, sabendo que tal era contrário à vontade desta (e sendo que esta só não reagiu por tal ser de todo imprevisível e por pensar erradamente que tal pudesse ter alguma justificação terapêutica), assim a constrangendo à prática desse ato
II - O silêncio ou passividade da vítima neste caso não pode ser entendido como forma de consentimento do ato em questão
III - No caso em apreço, a suspensão de execução da pena de prisão contraria as exigências mínimas de prevenção geral e proteção do bem jurídico em causa

Texto Integral

Processo nº 3006/20.0JAPRT.P1



Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO
Após realização da audiência de julgamento no Processo nº3006/20.0JAPRT do Juízo Central Criminal de Penafiel J3, foi em 19 de abril de 2022 (referência 88546095) proferido acórdão, e na mesma data depositado, no qual – ao que aqui interessa - se decidiu (transcrição):
a) condenar o arguido AA, entre o mais, na pena de 3 (três) anos de prisão, pela prática, em 6 de julho de 2020, de 1 (um) crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1, al. b), do Código Penal.

*
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, para este tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:
CONCLUSÕES:
1. Erro na apreciação da prova - artigo 412º, n.º 3, al. a) e b), do Código de Processo Penal.
2. Segundo a nossa jurisprudência e doutrina mais avalizada, o erro na apreciação da prova [ alíneas b) e a), do n.º 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal} consubstancia-se num erro óbvio e patente entre as provas produzidas em sede de audiência de julgamento e os concretos pontos de facto que foram dados como provados nos factos dados como provados na douta decisão recorrida, tendo por referência as regras da experiência comum e do normal acontecer.
3. É o que se verifica no caso sub judice, na medida em que da análise das declarações da Ofendida BB, e das declarações do Arguido, resulta de forma evidente a existência de uma falha grosseira e ostensiva, na apreciação da prova, que aponta claramente para que os factos dados como provados, em 10, 13 e 14, no douto acórdão recorrido, sejam totalmente contraditórios entre si com o teor dos citados depoimentos.
4. A decisão recorrida ao dar como provados os factos constantes dos Pontos nº10, 13 e 14 dos Factos Dados Como Provados - os quais, por sua vez, foram o suporte essencial para se ter dado como provados os factos subsequentes, constantes dos Pontos nº 15° a 18°, da matéria de facto dada como provada - fê-lo com base numa apreciação errada e em total desconformidade com o que realmente se provou em sede de audiência de julgamento.
5. Dos elementos probatórios produzidos em sede de audiência de julgamento não se pode concluir (como se concluiu) que resultam provados os factos dados como provados naqueles Pontos da matéria de facto dada como provada, em 13 e 14, na douta decisão recorrida.
6. As conclusões que o Tribunal a quo retirou da prova produzida em sede de julgamento, não são lógicas aos olhos do homem médio e/ ou do homem comum, não fazendo qualquer sentido dar como provados os factos ali descritos, em 13 e 14, na medida em que os mesmos são totalmente contrários com o facto dado como provado em 10 ,dos factos provados.
7. Os factos dados como provados no Ponto nº 10 e 13 são absolutamente CONTRADITÓRIOS.
8. O Tribunal dá como provado em 10 (factos provados), que a Ofendida "nada disse ou manifestou: 11A ofendida BB, ainda que perturbada e incomodada, conquanto o arguido continuava a insistir para que prosseguisse, com o designado "movimento respiratório primário", nada disse ou manifestou .
9. O tribunal dá igualmente como provado em 13 (factos provados) que o Arguido " apesar de saber que a ofendida. não queria ... decidiu introduzir o dedo ... na vagina desta: "O arguido AA, apesar de saber que a ofendida não queria consigo manter contactos de natureza sexual, decidiu a pretexto de estar a realizar o procedimento terapêutico, introduzir o dedo, nos termos expostos, na vagina desta, bem sabendo que actuava contrariando a sua vontade e atentava contra a sua liberdade de autodeterminação sexual."
10. Entre os factos 10 e 13, existe uma insanável contradição, ou seja, dá o tribunal como provado que a Ofendida nada disse ou manifestou para de seguida, dar igualmente como provado que, o arguido, apesar de saber que a ofendida não queria consigo manter qualquer contacto de natureza sexual, decidiu introduzir o dedo na vagina.
11. Não pode o Tribunal dar como provado, que o arguido sabia que a Ofendida não queria manter consigo qualquer contacto de natureza sexual, se resulta dos factos provados, que a Ofendida nada disse ou manifestou.
12. O Ponto n.º 13, dos factos provados, deveria ter sido dado como não provado.
13. A douta decisão recorrida, incorre, neste particular, num manifesto erro na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, al. a) e b), do Código de Processo Penal.
14. O Tribunal dá como provado o facto 14., considerando que, o arguido "Constrangeu" a Ofendida a contacto de natureza sexual não consentido, sem no entanto, aduzir qualquer elemento de prova, que sustente tal entendimento/ conclusão.
15. Em parte alguma do depoimento da Ofendida, resulta algum tipo de constrangimento, seja de que tipo for, bem pelo contrário, no âmbito do tratamento o arguido, foi sempre, nas palavras da Ofendida, “PROFISSIONAL",
16. O tribunal dá, inclusive, como provado (10) que, após a introdução do dedo na vagina a mesma (ofendida) "nada disse ou manifestou", "ele (arguido) disse, olhe, posso procurar aqui o osso? Precisa mesmo de ajuda" e ao mesmo tempo que eu disse "PODE", ele introduziu o dedo na vagina",
17. Mesmo admitindo-se que o arguido introduziu o dedo na vagina, só o terá feito, após CONSENTIMENTO EXPRESSO da Ofendida, que após tal, "nada disse ou manifestou".
18. A vontade contrária da vítima tem de ser cognoscível, ou seja, esta tem de agir de forma a dar a conhecer a sua recusa perante o ato através da verbalização (um não) do choro, da própria linguagem corporal, ou outro sinal.
19. A Ofendida não só consentiu, como nada verbalizou, nada disse ou manifestou, após o arguido ter introduzido o dedo na vagina, não se verificando assim, manifestamente a condição ( contra a vontade) prevista no n º 3 do citado art. 164º.
20. A cognoscibilidade da vontade e o constrangimento, são elementos do tipo objetivo do crime, sendo manifesta a sua não verificação no caso em apreço.
21. Existe um claro e evidente erro de apreciação da prova, ao se ter dado provado de forma insuficiente o facto constante do Ponto n.014 da matéria de facto dada como provada, quando deveria ter sido dado como não provado.
22. A douta decisão recorrida, mais uma vez, incorre num manifesto erro na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, al. a) e b), do Código de Processo Penal.
23. Decorre da fundamentação do acórdão recorrido, o seguinte: ". . . e sendo certo que a referida introdução vaginal não faz parte do procedimento terapêutico visado obter, configura tal acto, sem necessidade de grandes considerações, de forma clara e objectiva um acto sexual abrangido pela modalidade de acção da al. b) do nºl do art. 164º do C. Penal, enquanto consistiu na introdução de uma parte do corpo do arguido, o dedo, na vagina da ofendida (e sendo também certo como atrás explanado que entendemos que a menção legislativa "praticar" abrange também "sofrer", como foi o caso)".
24. O artigo 164º n.º1, alínea b), do Código Penal, na interpretação de que constranger outra pessoa a praticar ato de introdução vaginal de parte do corpo abrange o comportamento de quem constranger outra pessoa a "sofrer" ato de introdução vaginal de parte do corpo, é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 29.º, nº1, da Constituição.
25. No direito penal, a letra da lei ergue-se como barreira intransponivel, pelo que praticar não pode abranger o comportamento de quem constranger outra pessoa a sofrer.
26. "Esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redação funcionam, por isso, sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade também outros comportamentos" ( Direito Penal. Parte Geral. Questões Fundamentais. A doutrina Geral do Crime, Coimbra, Gestlegal, 2019, pp. 225 e 213).
27. Mesmo dando-se como provado, que o arguido introduziu o dedo na vagina da ofendida, tal ato, não integra o tipo de legal do crime p. e p. no art. 164º nº1 b) do C.P., que especificamente, indica o termo "praticar" e não "sofrer" como foi o entendimento do coletivo, vertido na decisão recorrida.
28. O legislador distinguiu, de forma absolutamente clara e expressa, as condutas de “praticar" e "sofrer", nos seguintes moldes:
No art. 163º n º 2 do Código Penal, "quem por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim a ter tomado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa ­sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, ato sexual de relevo é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos".
No art. 164º n ° 1 b) do Código Penal," quem constranger outra pessoa a:
b) Praticar actos de introdução vaginal, anal ou oral, de partes do corpo ou objetos;
29. Decorre dos artigos 70.º e 71.º, n.º 3, do Código Penal e 374.º, n.º 2, 375.º, nº 1, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, que sejam especificados os fundamentos que presidiram à escolha da pena e à medida da sanção aplicada, sob pena de nulidade da sentença, cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-01-2013 (Proc. 14447 /08) e de 19-02- 2015 (Proc. 617 /11).
30. A decisão recorrida não especificou os fundamentos que presidiram à determinação da medida da pena de prisão.
31. O acórdão recorrido, especificou os fatores de medida da pena que considerou pertinentes no caso, por referência ao nº 2 do artigo 71.º do CP, mas não especificou como é que tais fatores relevam para as exigências de prevenção que se fazem sentir no caso e para a culpa do agente.
32. A decisão recorrida não especificou, por referência ao caso, o quantum de pena necessário para o ponto ótimo de tutela do bem jurídico violado e para a defesa do ordenamento jurídico, o quantum de pena necessário, dentro da moldura da prevenção, para a reintegração do agente na sociedade, bem como o quantum máximo de pena suportado pela culpa do arguido.
33. O acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação da medida concreta da sanção, à luz do preceituado nos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, e 379.º, n.º1, alínea a), do CPP.
34. O tribunal recorrido não especificou os fundamentos que presidiram à escolha da pena, ao não fundamentar a não aplicação de todas as penas alternativas à pena de prisão.
35. Da preferência legal pela aplicação de pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, decorrente dos artigos 70.º e 40.º, n.º 1, do CP, decorre para o tribunal o dever de fundamentar a não aplicação da pena não privativa da liberdade quando dê preferência à pena privativa da liberdade.
36. Além de dever fundamentar positivamente a aplicação da pena de prisão, o tribunal tem o dever de fundamentar a não aplicação da pena não privativa da liberdade - fundamentação negativa.
37. O Tribunal Constitucional já julgou «inconstitucionais, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as normas dos artigos 50.º, n.º1, do Código Penal e 374.º, nº 2, e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos» (Ac. n.º 61/2006).
38. O acórdão recorrido é totalmente omisso quanto à não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão em todas as suas modalidades.
39. O tribunal limitou-se a fundamentar a não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão simples, prevista no artigo 50.º do CP. não fundamentando a inadequação ou insuficiência de outras modalidades desta pena para a realização das finalidades da punição - a inadequação ou insuficiência da suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento deveres, da suspensão da execução da pena de prisão com imposição de regras de conduta e da suspensão da execução da pena de prisão com regime de prova, nos termos do disposto nos artigos 51.º, 52.º, 53.º e 54.º do CP.
40. O acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação da escolha da pena de prisão, à luz do preceituado nos artigos 374º, nº2, 375º, nº1, e 379º, nº1, alínea a), do CPP.
41. As normas dos artigos 50º, nº1, 51º, nº1, 52º, nº1, e 53º, nº1, do Código Penal e 374.º, nº 2, e 375º, nº1, do Código de Processo Penal, na interpretação de que não impõem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, em todas as suas modalidades, é inconstitucional, por violação do artigo 205.º, nº1, da Constituição da República Portuguesa.
42. O artigo 71º, nº2, consagra o princípio da proibição de dupla valoração, quando estabelece que, na determinação da medida concreta da pena o juiz não pode tomar em consideração as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime. Se o legislador já tiver agravado a moldura penal atendendo ao modo como a comunidade vivenda a violação do bem jurídico protegido pela incriminação, não pode depois o juiz invocar esta mesma circunstância para agravar a medida da pena num caso concreto, "sob pena de irremissível violação do princípio da proibição de dupla valoração" (Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial de Notícias, 1995, p. 236).
43. O tribunal recorrido violou o princípio da proibição de dupla valoração quando conclui que "no caso em apreço, são elevadíssimas as exigências de prevenção geral, já que a violação do bem jurídico em causa nesta circunscrição judicial é assustadora, sendo certo que o sentimento de reprovação social é extensivo à comunidade do país em geral".
44. O tribunal recorrido não podia ter considerado, entre "as circunstâncias a relevar em sede de determinação da medida concreta das penas (art. 71º, nº 2 do C.P.)", as exigências de "prevenção geral". As exigências de prevenção geral - as exigências de proteção da liberdade sexual, o bem jurídico violado com a prática do crime de violação - são critérios de medida da pena. Não constituem um fator de medida da pena.
45. Considerando o fator de medida da pena "grau de ilicitude do facto", não é legítimo concluir, como conclui o tribunal recorrido, que a ilicitude do facto é elevada, na medida em que, "entre a plêiade de condutas que podem preencher o tipo legal de ilícito em questão, apresenta-se a introdução da vagina da ofendida com parte do seu corpo, no caso o dedo, das mais gravosas".
46. Não pode ser considerada para o efeito de agravar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido "a falta de interiorização da respetiva atuação e das suas consequências, que se impõe concluir da negação dos factos".
47. A confissão poderá ser valorada, mas já não o silêncio do arguido quanto aos factos imputados ou a sua negação. Muito menos se pode fazer decorrer da negação dos factos imputados “a falta de interiorização da respetiva atuação e das suas consequências". Tal corresponderá, em bom rigor, ao cerceamento do direito de defesa e à negação do direito à não autoincriminação, ambos constitucionalmente consagrados.
48. O artigo 71.º, n.º 2, alínea e), do CP, interpretado no sentido de relevar negativamente para a determinação concreta da pena a negação dos factos imputados por parte do arguido, é inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, na parte em que determina que o processo penal assegura ao arguido todas as garantias de defesa e que o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.
49. O tribunal recorrido, não só não respeitou princípios e regras de determinação da medida concreta da pena, como valorou circunstâncias inadmissíveis de um ponto de vista legal e até constitucional.
50. A pena de 3 anos de prisão aplicada ao arguido está desfasada dos critérios legais ( e constitucionais) de determinação da medida concreta da pena.
51. De acordo com os artigos 70.º e 40.º, n.º 1, do CP, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição - a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
52. No caso em apreço, tendo aplicado ao arguido uma pena de três anos de prisão, o tribunal recorrido tinha o dever de fundamentar a não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, em todas as suas modalidades, nos termos dos artigos 50.º a 53.º do CP.
53. Ao não fundamentar essa não aplicação - sinal evidente de que nem todas as alternativas não privativas da liberdade foram consideradas - do acórdão recorrido não decorre a necessidade de aplicar ao arguido uma pena de prisão efetiva.
54. O acórdão é omisso quanto à não realização de forma adequada e suficiente das finalidades preventivas da punição, através da suspensão da execução da pena de prisão, com subordinação ao cumprimento de deveres, com imposição de regras de conduta ou com regime de prova (artigos 51.º, 52.º, e 53.º do CP), violando assim os artigos 50.º, n.º 1, e 70.º do CP e do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.
55. A ponderação de qualquer uma destas penas não privativas da liberdade, em cumprimento do disposto na lei e na Constituição, teria, certamente, levado o tribunal a concluir que ambas realizam de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas de reintegração do agente na sociedade e de defesa do ordenamento jurídico.
56. A aplicação de uma daquelas penas não privativas da liberdade não seria entendida, seguramente, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime.
57. A suspensão da execução da pena de prisão, em alguma das modalidades previstas nos artigos 51.º, 52.º e 53.º do CP, tutelaria a defesa do ordenamento jurídico, sem quebra das expetativas comunitárias quanto à validade e vigência da norma violada com a prática do crime.
58. A aplicação de qualquer uma destas penas não privativas da liberdade, satisfaria de igual modo a finalidade preventivo-especial da punição, atentos os factos dados como provados, nomeadamente sob o n.º 45 - "o arguido reconhece a ilicitude de condutas associadas a este tipo de crime, de vítimas e danos".
59. Dando como provado o facto 45 não podia o tribunal recorrido afastar a aplicação da suspensão da execução simples também com o argumento de o arguido '' até hoje não ter revelado qualquer interiorização da ilicitude dos factos", asserção que extrai, indevidamente, "da falta de confissão e consequentemente falta de arrependimento", uma vez que tal asserção (indevidamente) corresponde a uma interpretação inconstitucional do artigo 70.º do CP, atentatória do direito de defesa e do direito à não autoincriminação.
60. O artigo 70.º do CP, interpretado no sentido de poder relevar negativamente para a escolha da pena a não confissão dos factos imputados por parte do arguido, é inconstitucional, por violação do artigo 32º n.ºs 1 e 2, na parte em que determina que o processo penal assegura ao arguido todas as garantias de defesa e que o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.
61. A pena de 3 anos de prisão aplicada ao arguido deve ser substituída por pena não privativa da liberdade, por só assim se cumprir a Constituição e a lei.
62. A pena de prisão efetiva significa, no caso, a aplicação de uma pena desnecessária do ponto de vista preventivo.
Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser declarada a nulidade da douta decisão em crise, ser o arguido absolvido da prática do crime por que foi condenado, ou, subsidiariamente, ser substituída a pena de prisão efetiva, por uma pena não privativa da liberdade.''
*
Por despacho foi o recurso regularmente admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
--
Respondeu o Ministério Público e a assistente junto do tribunal a quo às motivações de recurso vindas de aludir, entendendo que este deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
--
Já nesta instância recursiva, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando igualmente pela improcedência do recurso.
--
Procedeu-se a exame preliminar e, colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior - artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) [1].
O essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso” – cfr. Ac. do STJ, de 15.04.2010, in http://www.dgsi.pt. [2].
O recurso do arguido abrange matéria de facto e de direito (cfr. artigos 402º, n.º 1, 403º e 428º do CPP), sendo as seguintes
as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal:
1. Da impugnação restrita da matéria de facto: erro notório na apreciação da prova e contradição insanável dos pontos 10º, 13º e 14º, 15º a 18º dos factos provados (alínea a, b e c) do n.º 2 do art.º 410 do C.P.P.
2. Da impugnação ampla da matéria de facto: erro na apreciação dos pontos 10º, 13º e 14º, 15º a 18º dos factos provados (als. a) e b), nº 3, do art.412 do C.P.P).
3. Do preenchimento do tipo legal de violação sexual: constrangimento sexual e a inconstitucionalidade do artigo 164º n.º 1, alínea b), do Código Penal
4. Da nulidade e inconstitucionalidade por falta de fundamentação na escolha (substituição) e determinação da pena
5. Da escolha e medida concreta da pena:
a) a proibição da dupla valoração
b) negação do direito à não autoincriminação na determinação e escolha da pena
6. Da suspensão da pena de prisão nas diferentes modalidades
7. Da proibição do exercício de profissão, função ou atividade.
***
Com relevo para a resolução das questões objeto do recurso importa recordar
a fundamentação de facto da decisão recorrida, que é a seguinte (transcrição):
“Factos Provados:
1. O arguido AA é terapeuta ocupacional e osteopata, exercendo a prática de tais actividades na Clínica de Saúde Integral F..., Lda.-, sita na Rua ..., Edifício ..., em ..., nesta Comarca do Porto Este.
2. A ofendida BB procurou os serviços prestados pelo arguido AA no sobredito estabelecimento por estar com contraturas musculares, tendo tido a primeira consulta com este no dia 4 de março de 2020, no âmbito da qual a intervenção do arguido logrou aliviar a dor de que padecia, nada tendo ocorrido que suscitasse qualquer dúvida;
3. Ficou então agendado o seu regresso à clínica para verificar o estado e evolução das queixas apresentadas, o que veio a suceder no dia 6 de julho de 2020, pelas 16:00 horas.
4. No âmbito da consulta referida em 3. a ofendida, como já havia procedido no primeiro atendimento, conforme indicação do arguido, despiu a roupa que envergava, à excepção da roupa interior (cuecas e soutien) e deitou-se na marquesa;
5. O arguido AA iniciou então o tratamento enquanto a ofendida se encontrava de decúbito ventral massajando as suas costas;
6. Subsequentemente, o arguido foi indicando à ofendida as várias formas em que esta se devia posicionar na marquesa, simultaneamente descrevendo os actos levados a efeito;
7. A dada altura quando a ofendida se encontrava em posição de decúbito dorsal o arguido referiu ser necessário normalizar o “movimento rotativo primário”, solicitando-lhe que que movimentasse a anca rotativamente para cima e para baixo, enquanto expirava e inspirava, o que a ofendida realizou;
8. A dado momento e a pretexto de que a ofendida não se encontrava a realizar tal movimento correctamente o arguido disse que teria de a ajudar e encontrar o pertinente osso;
9. No instante descrito em 8, nada tendo em concreto verbalizado a propósito, senão o referido, e sem que nada o fizesse prever, o arguido meteu o seu dedo pela lateral e por baixo das cuecas que a ofendida envergava e introduziu-lhe pelo menos um dos seus (do arguido) dedos na vagina, ao mesmo tempo que dizia “ continue, continue”, no sentido de esta continuar a inspirar e a expirar e a efectuar movimentos rotativos da anca, enquanto mantinha o dedo introduzido na vagina da ofendida nos termos expostos.
10. A ofendida BB, ainda que perturbada e incomodada, conquanto o arguido continuava a insistir para que prosseguisse com o designado “movimento respiratório primário”, nada disse ou manifestou.
11. Após a saída da consulta, a ofendida logo começou a questionar-se sobre o procedimento, designadamente, sobre a integração neste (e da sua necessidade) da introdução do dedo na vagina, tendo solicitado e obtido informação especializada de que tal não se verificava;
12. Tendo então ficado com a certeza de que o arguido se tinha de si aproveitado, escudado no tratamento terapêutico, para assim introduzir o dedo na sua vagina e deste modo satisfazer os seus instintos libidinosos, não mais regressando à dita clínica.
13. O arguido AA, apesar de saber que a ofendida não queria consigo manter contactos de natureza sexual, decidiu a pretexto de estar a realizar o procedimento terapêutico, introduzir o dedo, nos termos expostos, na vagina desta, bem sabendo que actuava contrariando a sua vontade e atentava contra a sua liberdade de autodeterminação sexual.
14. O arguido AA quis agir como agiu, com intenção de introduzir o seu dedo na vagina da ofendida, constrangendo-a a contacto de natureza sexual não querido a pretexto de estar a efectuar tratamento direcionado às queixas muscular e postural que esta apresentava e escudado na sua actuação enquanto terapeuta.
15. Por via dessa conduta a ofendida sofreu abalo psicológico, encontrando-se ainda hoje perturbada e envergonhada.
16. O arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente e com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos;
17. E actuou sempre sabendo que a mesma era proibida e punível por lei.
Mais se provou.
18. O percurso de desenvolvimento de AA Freitas decorreu em Moçambique, de onde o arguido é natural, junto dos progenitores e cinco irmãos, sendo o arguido o mais novo da fratria.
19. O pai do arguido trabalhava como informador dos serviços militares Moçambicanos e a mãe era enfermeira.
20. Após a revolução do 25 de abril de 1974, a família do arguido mudou-se para a África do Sul, e posteriormente, quando este contava 7 anos de idade, para Portugal, procurando melhores condições de vida, estabilização financeira e familiar.
21. Em Portugal, os irmãos mais velhos do arguido ficaram na cidade de Vizela, entregues a uma tia paterna e o arguido manteve-se com os progenitores, em Coimbra, na habitação da avó paterna.
22. Após um ano, os pais do arguido estabeleceram-se em Paços de Ferreira, tendo os irmãos do arguido, que se encontravam em casa da tia paterna, juntado aos progenitores e tendo o agregado familiar vindo a estabelecer-se profissionalmente, como empresários, na área de fábrica de solas para sapatos.
23. Contava o arguido 16 anos de idade, quando ocorreu o divórcio dos progenitores, tendo AA Freitas permanecido com a progenitora e os irmãos, mantendo contacto e proximidade com o progenitor.
24. Durante o percurso escolar, o arguido registou retenções no 10.º e 11.º ano de escolaridade, como consequência de fraca assiduidade na sequência de problemas de saúde e falecimento de uma das irmãs, vítima de leucemia.
25. AA Freitas ingressou no ensino superior e concluiu a licenciatura aos 23 anos de idade, na Escola Superior ..., como terapeuta ocupacional na vertente de Reabilitação Física.
26. Integrou o mercado de trabalho em 1998, numa clínica em Paços de Ferreira, onde permaneceu pelo período de 11 meses.
27. Posteriormente, a mãe e os irmãos mais velhos do arguido estabeleceram-se como proprietários de uma clínica, onde o arguido passou a exercer a atividade, na cidade ....
28. Em 2015, apresentou a demissão na clínica de propriedade familiar - X..., por incompatibilidades de gestão com os irmãos, vindo a estabelecer-se por conta própria, em fevereiro de 2016, como terapeuta ocupacional e osteopata, tendo ainda a clínica outras funções medicinais como: análises clínicas, Reiki, preparação para o parto, exercidas pelo arguido e/ou por outros profissionais de saúde.
29. A nível afectivo, o arguido refere ter tido a primeira relação significativa aos 21 anos de idade, pelo período de um ano, tendo o casal se separado por desgaste. Após esta relação, AA Freitas foi tendo relações afetivas, às quais não atribuiu significado.
30. Aos 26 anos de idade, AA Freitas conheceu aquela que viria a ser seu cônjuge, na clínica de propriedade familiar, como assistente técnica, tendo referido que a dinâmica entre o casal, inclusive na intimidade era muito gratificante, tendo o casal contraído matrimónio, contava o mesmo com 27 anos e o cônjuge 21.
31. CC passou a assistente do arguido ao longo do exercício das funções.
32. Da relação nasceram dois descendentes, actualmente com 22 anos e 8 anos de idade.
33. O casal residiu em apartamentos, onde foram proprietários, que foram vendendo de acordo com a satisfação das suas necessidades familiares e até aquisição de uma moradia, em ..., onde ainda se mantêm.
34. A dinâmica familiar é descrita como funcional e proporcionadora de interações afetivas entre os elementos do agregado.
35. Não obstante, AA Freitas refere que, como qualquer casal com 23 anos de matrimónio, vai tendo os seus períodos de desgaste e afastamento, inclusive na dinâmica sexual.
36. À data dos factos, descritos na acusação, à semelhança do que ocorre atualmente, AA Freitas exercia actividade profissional de terapeuta ocupacional e de osteopata, numa clínica de sua propriedade, auferindo, pelo menos o ordenado mínimo.
37. O cônjuge é sua assistente pessoal, auferindo também e pelo o ordenado mínimo nacional.
38. Actualmente comporta 2 créditos, para aquisição de equipamento da clínica um dos quais, por referência à data da elaboração do relatório social (janeiro de 2022) faltava liquidar cerca de 3.000€ e um segundo pelo qual paga uma prestação mensal, no valor de 300€.
39. A nível familiar, o casal comporta os referidos 300€ de crédito habitação e em despesas fixas mensais como água e eletricidade cerca de 100€.
40. As vivências quotidianas do arguido são registadas em função da atividade laboral e do convívio com o agregado familiar que constituiu.
41. Na rede vicinal e profissional, AA é caracterizado como o melhor profissional da área.
42. Não obstante, o presente processo é do conhecimento de alguns elementos, que não se pronunciam quanto aos factos dos presentes autos.
43. AA Freitas mantém o seu quotidiano, não havendo alterações na sua rotina diária.
44. O presente processo não teve impacto no exercício das funções, no entanto, o arguido receia que uma eventual condenação lhe provoque afastamento de clientes e deterioramento da imagem profissional.
45. O arguido reconhece a ilicitude de condutas associadas a este tipo de crime, de vítimas e danos.
46. A nível familiar, o arguido mantém o apoio do cônjuge e do irmão.
47. Nada consta no certificado de registo criminal do arguido.
--
B. Não resultaram não provados com interesse para decisão da causa quaisquer factos.
--
Motivação de Facto e Exame Crítico das Provas.
Na formação da sua convicção o Tribunal atendeu quanto à factualidade integralmente provada o tribunal atentou à prova produzida, com particular relevância o depoimento da ofendida/assistente BB, mas também as declarações do próprio arguido que negando ter introduzido o dedo na vagina da ofendida, corrobora no essencial todo o circunstancialismo do seu atendimento, queixas e o essencial dos procedimentos relevante para a sua contextualização. Mais ponderou o tribunal o relatório social de fls. 300 a 302 e o certificado de registo criminal junto a fls. 252.
A assistente relatou os factos de que foi vítima e bem assim as circunstâncias em que ocorreram, nos termos constantes da fundamentação de facto de forma inatacável e coerente. E se é certo que como é sabido, em matéria de crime sexuais, o depoimento dos ofendidos têm um especial valor, dado o ambiente de secretismo que os rodeia, sem testemunhas presenciais e, por vezes, sem vestígios que permitam uma perícia determinante, como é a situação dos autos (cfr. v.g. Ac. da Rel. do Porto de 6-3-1991, in Col. de Jur., ano XIII, tomo 2, pág. 287, Ac. do STJ de 2-2-2004 apud Ac. da Rel. de Coimbra de 9-3-2005, Col. de Jur. ano XXX, tomo 2, pág. 38 e Ac. da Rel. de Coimbra de 22-4-2009, proc.º n.º 376/04.0GAALB.C1, in www.dgsi.pt), assumindo assim assinalável importância, também aqui revela por si, uma inequívoca credibilidade, corroborada pela sua segurança, espontaneidade e tensão emocional do discurso, quer na descrição dos factos objecto dos presentes e sentimentos evidenciados, quer na narração das circunstâncias e envolvência, sem perder objectividade, como seguidamente se explanará, e que na concatenação com os demais meios de prova e circunstâncias envolventes sai amplamente reforçado.
É nos moldes descritos que a assistente circunstancia a primeira ida à clínica do arguido, por indicação de um amigo do namorado, as queixas manifestadas e o decurso de tal consulta que nas suas palavras decorreu com profissionalismo e eficiência, tanto mais que logrou aliviar a dor intensa de que padecia, altura em que logo agendou nova consulta que não ocorreu mais cedo em razão da pandemia. E como relata vai a esta segunda e última consulta (no dia 6 de Julho de 2020) apenas para verificar se estava tudo bem e apresentando contraturas ligeiras tudo se iniciando com normalidade, tendo-se deitado na marquesa e adoptado todas as posições que lhe foram solicitadas pelo arguido, até ao momento que este verbalizou que teria de verificar o movimento respiratório primário dando-lhe indicações sobre o modo como o devia realizar. No decorrer deste estando a ofendida de barriga para cima e posicionada como se estivesse na ginecologista, ainda que na situação em apreço deitada (nas suas palavras e para “visualmente”) como referiu, o arguido insistiu que não estava a efetuar tal movimento corretamente pelo que teria de a ajudar e procurar um especifico osso, o que fez perto da zona púbica, tenho sido nesse momento que inusitadamente lhe introduz (introdução completa) pelo menos um dedo na vagina por baixo das cuecas, sem as retirar (afastou-as para o lado), ao mesmo tempo que vai dizendo repetidamente “continue, continue”. E é neste momento que afirma ter sido “uma eternidade” e perante este ato que assumidamente a perturbou e a deixou muito desconfortável, que vai dizendo para si própria “o Sr. AA Freitas é profissional de saúde, se ele está a fazer isto, é porque é preciso”. Após o que já a ofendida sentada na marquesa o arguido centrando a sua actuação no seu pescoço, provocando um som/estalo e na sequência do seu grito AA Freitas lhe dá um beijo no pescoço e diz “já passou, já passou”. E é perante isto tudo, continuando o arguido, mais uma vez nas suas palavras, “como se nada fosse” que revela ainda ter ficado sem reacção e ter saído, com nova consulta marcada e sem nada ter verbalizado.
E é já fora da clínica que se confronta com a anormalidade da sobredita introdução vaginal e começa a pesquisar justificação “clinica” para o ocorrido procurando informações, o que consegue através de uma amiga que a põe em contacto com um membro do conselho de osteopatia que a esclarece ser tal actuação injustificável, “apreendendo” então ter sido usada pelo arguido “uma pessoa que lhe parecia de confiança e fez isto”, não mais tendo recorrido aos respectivos serviços. E ainda que já estivesse a ponderar sair de ..., decidiu faze-lo o mais rapidamente possível e apresentar queixa, já que contou com o apoio da mãe e do namorado outras pessoas podiam de tal não beneficiar (o que se conclui das suas palavras). Instada neste sentido, mais uma vez revelando uma objectividade notável, afirma não conseguir dizer que o arguido estivesse excitado, apenas que sempre que nas ditas circunstâncias se movia a sua mão batia no órgão sexual deste.
A humilhação, vergonha, sentimentos de culpa sentidos pela assistente ressaltam amplamente evidenciados pelo seu discurso angustiado e postura constrangida.
O arguido por seu turno negando, reitera-se, ter introduzido o dedo na vagina da ofendida ou sequer ter chegado perto, confirma ter atendido a ofendida duas vezes, como resulta da factualidade provada, apresentar esta dor nos ombros e na cervical e consequentemente alteração de postura, impondo uma intervenção adequada que os pacientes fiquem em roupa interior (o que solicita e apenas não ocorre se houver oposição) - o que o obrigou - como refere - a normalizar a cintura pélvica e escapular e depois o movimento respiratório primário (o que confirma apenas fez nesta segunda consulta) o que prosseguindo diz - importa e importou manipulação de osso junto à zona púbica.
As testemunhas, CC (mulher); DD (cunhada); EE (advogada); FF (médica); GG (fisioterapeuta e osteopata), nada de relevante acrescentaram.
A testemunha mulher revela nunca se ter apercebido de nada e estar então na clinica, sendo prática comum entrar sem aviso na sala onde o arguido e marido leva a efeito os procedimentos, para assim sustentar que tal não podia ter ocorrido. Ora do confronto com a forma e desenvolvimento do acto que deu origem ao presente, mesmo que o arguido pudesse contar com a entrada desta (o que não se apresenta normal de acordo com as regras da experiência - de onde decorre ser preservado o recato e privacidade dos pacientes, já que uma coisa é estes estarem em roupa interior perante o terapeuta, outra é ser assim observados pelo recepcionista ou outro funcionário não especializado) este dificilmente seria apreendido, a não ser que a visada o revelasse verbalmente.
A testemunha GG, limita-se a confirmar para o que aqui interessa a formação dada ao arguido e a concretizar o invocado “movimento respiratório primário” e a sua justificação.
As demais apenas referem as suas próprias experiências e a competência e profissionalismo do arguido.
Importa também atentar à inexistência de qualquer móbil ou motivação por parte da ofendida que a levasse inventar os factos em apreço (o que carece de qualquer indicio e nem sequer o arguido ousa aventá-lo). Pelo contrário, a denúncia dos factos implicou que os tivesse que partilhar, o que não só importou revivê-los como agravou o sentimento de culpa, vergonha e humilhação patentes no seu discurso e na forma como depôs, decorrentes não só do acto, mas dos sentimentos (ainda que objectivamente injustificados) que evidencia perante a sua falta de reacção imediata.
A intenção do arguido, por seu turno, revela-se amplamente patenteada na respectiva conduta e contexto em que ocorreu e que acabou por ser (imediata ou posteriormente) assim percepcionada. Na verdade, mesmo no contexto social despudorado, nas apontadas circunstâncias (e sendo certo que o arguido não é ginecologista) são pelo comum ou mais iletrado dos cidadãos, só compatíveis com um intuito libidinoso, uma vez que a vagina é o órgão sexual feminino, comportando a introdução de um dedo do arguido nesta, em si uma inequívoca conotação sexual, e evidente perigo para a liberdade de autodeterminação da visada, dos quais resulta também que o mesmo é imputável e tem consciência da ilicitude e antijuridicidade dos comportamentos do tipo dos que estão em causa nos presentes autos.
O tribunal atentou ainda ao relatório social do arguido quanto à respectiva situação social, familiar e profissional, corroborado pelos identificados depoimentos de familiares, amigos e clientes, ainda que relativamente ao rendimento auferido pelo arguido e mulher como sendo o ordenado mínimo nacional se imponha ser este corrigido no sentido de ser este provado pelo menos já que sendo ambos proprietários da clínica, frequentada por centenas de pacientes ou até mais como assumido pelo arguido, impõe-se ser superior o salário auferido, por simples recurso às mais simples regras do acontecer, ainda que não se possa concluir pelo montante concreto.
E relativamente à ausência de antecedentes criminais do arguido, considerou-se o Certificado de Registo Criminal”.
*
Conhecendo as questões suscitadas, cumpre decidir.
1. Da impugnação restrita da matéria de facto: erro notório na apreciação da prova e contradição insanável (alínea a, b e c) do n.º 2 do art.º 410 do C.P.P.
O recorrente suscita o erro de julgamento da matéria de facto, concretamente dos factos dados como provados nos pontos 10º, 13º e 14º, 15º a 18º com os seguintes fundamentos previsto no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal:
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Os vícios decisórios – a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova - previstos no nº 2 do art. 410º do CPP, traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e por isso, a sua evidenciação, como dispõe a lei, só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.
Não é permitido, para a demonstração da sua verificação, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida.
Posto isto, cumpre apreciar.
-
Da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Este vício ocorre, “(…) quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados, entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal” – Ac STJ 13.10.99, Colectânea de Jurisprudência – Acórdão s do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII, Tomo III, p. 184.
Como referem Simas Santos e Leal Henriques [3]: “Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade. Para os fins do preceito (al. b) do nº 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras da experiência.”
A contradição insanável ocorre ainda nas situações em que existe um vício “(…) ao nível das premissas que determina uma formação defeituosa da conclusão: se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível.” [4]
A contradição insanável ocorre no seio da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão. A fundamentação, para efeitos deste preceito e do próprio conceito, é não só aquela que se reporta ao facto, mas, também a que se reporta à decisão e a esta na sua relação com a fundamentação de facto.
A contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, revela-se em desarmonia intrínseca insanável, em termos de que a sua interligação se apresenta com resultados opostos sobre a mesma factualidade, não sendo possível, face ao texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, obter o facto seguro, sem dúvidas, saber qual a factualidade provada, percetível, consistente e conjugável harmonicamente entre si. – cfr. STJ 2015-03-12 (Pires da Graça) www.dgsi.pt.
Mas, a divergência de convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal formou não se confunde com qualquer vício do artigo 410º nº 2 do Código Processo Penal [5].
O que releva, neste aspeto, não é a interpretação ou a análise pessoal do recorrente, mas o resultado da avaliação e ponderação sobre as provas produzidas perante o tribunal, avaliadas segundo o princípio da livre convicção.
Ora, a pretexto do vício da contradição insanável, o recorrente mais não faz do que confrontar com os factos provados e não provados a sua interpretação na apreciação da prova para, desse modo, colocar em causa a valoração que o Tribunal a quo efetuou.
Em relação aos factos dados como provados nos pontos 10º e 13º, nenhuma contradição insanável se vislumbra no texto da decisão recorrida, quer entre si, quer em relação à fundamentação probatória que os suporta.
Contrariamente ao referido pelo recorrente, não existe contradição alguma entre o silêncio da vítima e o consentimento constrangido da mesma à introdução do dedo na vagina.
Nem o arguido podia deixar de conhecer, à luz das regras profissionais e da experiência, que apenas o constrangimento criado por si, a pretexto da enganosa terapia, levou a vítima a consentir nesse ato, jamais anuindo de forma livre e esclarecida ao propósito libidinoso que o arguido – claramente – lhe emprestou nesse contexto.
Pelo menos, não pode deixar de se inferir, à luz das regras comuns e da lógica, que a vontade contrária da vítima, no referido contexto ardiloso, seria cognoscível pelo homem médio, razoável, consciente e cuidadoso, colocado naquela posição.
O significado popular da expressão “quem cala, consente”, alavancado pelo recorrente, nunca foi tão deslocado.
O silêncio não tem – sem mais - esse valor no ordenamento jurídico (art.218º, do Código Civil) e não o tem sobretudo na dogmática do consentimento da vítima em direito penal e menos ainda no domínio dos crimes sexuais [6].
Adiante retomamos o tema do modelo do constrangimento adotado no crime de violação após a reforma de 2019 e a cognoscibilidade pelo agente da vontade contrária da vítima (art.164º, nº1 e 3, do Código Penal), valendo a propósito as considerações ali referidas para excluir qualquer contradição entre o silêncio da vítima e o seu dissentimento.
Inexiste, assim, o alegado vício.
-
Do erro notório na apreciação da prova.
O erro notório da apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, supõe factualidade contrária à lógica e às regras da experiência comum, detetável por qualquer cidadão de formação cultural média – cfr. STJ 2015-03-12 (Pires da Graça) www.dgsi.pt.
Estamos em presença de erro notório na apreciação da prova sempre que do texto da decisão recorrida resulta, com evidência, um engano que não passe despercebido ao comum dos leitores e que se traduza numa conclusão contrária àquela que os factos relevantes impõem. É necessário que perante os factos provados e a motivação explanada se torne evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum [7].
O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Para se verificar este vício tem pois de existir uma “ (…) incorreção evidente da valoração, apreciação e interpretação dos meios de prova, incorreção suscetível de se verificar, também, quando o tribunal retira de um facto uma conclusão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum” [8].
Também na doutrina, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Lisboa/S.Paulo, 1994, pág. 327, recorda que o erro notório na apreciação da prova verifica-se quando se evidencia a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência por se ter decidido contra o que se provou ou não provou ou por se ter dado por provado o que não podia ter acontecido. Este erro tem de ser ostensivo, que não escapa ao homem com uma cultura média. Dito de outro modo, o requisito da notoriedade do erro afere-se pela circunstância de não passar despercebido ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, acrescenta o mesmo Autor.
Por sua vez, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª ed., 2008, pág. 77, escrevem que tal vício ocorre quando se verifica “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que efetivamente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. (…) há um tal erro quando um ser humano médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis”.
Ao tribunal de recurso apenas cabe “ (…) aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significara que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração”. [9]
Daí que o eventual erro na apreciação da prova, por regra, nunca emerge como erro notório na apreciação da prova. Quando os recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art.412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e não invocar o vício do erro notório.
Contudo, estando em causa a “apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem aos julgadores do Tribunal a quo.
Deste modo, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum.
Como se escreve no ac STJ 2013-07-18 (Rui Gonçalves) in www.dgsi.pt, “são os Juízes de 1.ª instância quem de forma direta e “imediata” podem observar, as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que se obtêm a partir do que os arguidos e das testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações. É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas. A congruência dos testemunhos entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objetivamente comprováveis, quer dizer, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a um testemunho que a outro.
Para tal, a convicção do Tribunal tem de ser formada na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra. Não existindo prova legal ou tarifada que se impusesse ao Tribunal, o Tribunal julga a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção que sobre ela forma (art. 127.º do Código de Processo Penal)”.
Em síntese, o vício vindo de referir refere-se às situações de falha grosseira e ostensiva, na análise da prova e não se confunde com a mera discordância ou diversa opinião quanto à valoração da prova produzida levada a efeito pelo julgador, antes traduz-se em distorções de ordem lógica entre os factos provados ou não provados, ou na evidência de uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e, por isso, incorreta e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
Dito isto, nenhum erro notório se verifica na apreciação dos factos dados como provados nos pontos 10º, 13º e 14º, 15º a 18º, nem o recorrente o explica a partir do texto da decisão recorrida.
Consta-se, na verdade, que a análise efetuada pelo recorrente não se cinge ao teor da decisão recorrida, mormente à motivação da decisão de facto, antes convoca o conteúdo dos meios de prova por si elencados, sobretudo o depoimento da vítima, com a finalidade de contrariar a valoração da prova vertida na decisão recorrida quanto aos pontos de facto indicados, deste modo extravasando os limites da arguição do convocado vício decisório.
Da leitura da motivação de recurso resulta, isso sim, que nessa parte o arguido pretende impugnar a matéria de facto nos termos da impugnação ampla a que se refere o art. 412º, nºs 3, 4 e 6.
Na verdade, da leitura da decisão recorrida não sobressai qualquer erro clamoroso, que tenha resultado provado algum facto que não possa ter acontecido ou que a prova tenha sido valorada contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados.
Do seu texto e contexto lógico e de fundamentação não resulta que os factos dados como provados se contradigam entre si ou violem os conhecimentos adquiridos pelas regras da experiência comum.
Pelo contrário, quanto ao aludido excerto da matéria de facto provada a decisão recorrida apresenta-se bem estruturado, encontrando-se a factualidade provada e não provada, adequada, cristalina, detalhadamente fundamentada, com indicação e exame crítico das provas proficiente, concatenada com as regras da experiencia comum e de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.127º.
Nesta parte, tendo em conta todos estes ensinamentos e lendo a decisão recorrida não logramos descortinar onde a mesma é absurda, ilógica ou atentatória das regras da experiência comum.
O que o recorrente pretende é colocar em crise a convicção que o Tribunal recorrido formou perante as provas produzidas em audiência e substituir essa convicção pela sua própria convicção.
Ora, como já se disse, a divergência de convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal formou, não se confunde com o vício de erro notório de apreciação de prova nem qualquer outro do artigo 410º nº 2 do CPP.
Da leitura do texto da decisão recorrida conjugada com as regras da experiência comum, facilmente se percebe que a mesma é escorreita, doutamente fundamentada e os juízos que são feitos são apreendidos pelo leitor comum, isto é, são lógicos, prudentes, não arbitrários e estribam-se nas referidas regras da experiência.
Em conclusão, evidenciando a explicitação lógica e escorreita do modo como o julgador formou a sua convicção sobre os factos em apreço, o texto da decisão recorrida não padece nessa parte do vício previsto no art. 410º, 2, al. c), nem para o que aqui releva, qualquer outro vício desta norma, o que se declara.
Vistos aqueles factos provados, à luz do texto da decisão recorrida, não ressalta que o tribunal tivesse retirado uma conclusão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, com violação do princípio do in dubio pro reo e do direito ao silêncio.
Em parte alguma do texto da decisão recorrida se reconhece a existência de qualquer dúvida séria, fundada e insanável em matéria de facto que não tenha sido resolvida em benefício do arguido (art.32º, nº2, da C.R.P.).
--
2. Da impugnação ampla da matéria de facto (art. 412°, nº 3, do Código Processo Penal)
Nos termos do art. 428º, nº 1, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por outro lado, dispõe o art. 412º, nº 3, que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
No nº4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
E no nº6 “No caso previsto no nº 4 o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa
Quanto a esta última modalidade de impugnação impõe-se pois ao recorrente o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa. Tal ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo ser indicadas em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa e bem assim tem de ser referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
O recorrente insurge-se contra a decisão da matéria de facto, alegando que os factos dados como provados nos pontos 10º, 13º e 14º, 15º a 18º o foram em violação do disposto no artigo 127.º do Código do Processo Penal.
Sucede que a impugnação da decisão da matéria de facto, pela via mais ampla prevista no artigo 412º, do C.P.P., tendo havido documentação da prova produzida em audiência, com a respetiva gravação, impõe ao recorrente, como sobredito, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos dos seus nºs 3, 4 e 6.
Exige-se ao recorrente a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado [10].
Para além disso, a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que se traduz na anotação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, a que acresce a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considere mal julgado.
O recorrente terá, pois, de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.
O recorrente deverá referir o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
Ainda quanto às concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, resulta do nº 4 do dispositivo legal em análise que havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar as passagens (das gravações) ou os concretos segmentos de tais depoimentos em que se funda a impugnação e que no seu entender invertem a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º).
Saliente-se que a remissão para os suportes técnicos não é a simples remissão para a totalidade das declarações prestadas, mas para os concretos e precisos locais da gravação, que suportam a tese do recorrente, só assim se dando cumprimento à especificação das “concretas provas” que é dizer do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida [11].
Assim, quando se trate de depoimentos testemunhais, de declarações dos arguidos, assistentes, partes civis, peritos, etc, o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares e precisas passagens, nas quais ficam gravadas, que se referem ao facto impugnado [12].
No caso vertente, o recorrente indica os concretos factos que considera incorretamente julgados e o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Também especifica e explana em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa, com referência, no caso dos depoimentos, às concretas passagens ou os concretos segmentos de tais depoimentos com virtualidade de fazer inverter a decisão proferida sobre a matéria de facto – a alínea b) do n.º 3 do artigo 412.º.
Contudo, vista as provas indicadas pelo recorrente, conclui-se que o mesmo limita-se a colocar em crise a convicção do tribunal recorrido com base na sua própria e subjetiva leitura crítica da prova, em detrimento daquela que alicerçou a convicção adquirida pelo tribunal recorrido e que o acórdão explicita de forma clara e cabal.
Na situação que nos ocupa, as declarações da vítima foram devidamente sopesadas pelo tribunal, na sua conjugação com a restante prova, em parte as próprias declarações corroboratórias do arguido, tudo apontadas na motivação do acórdão, na estrita medida em que permitiram formar uma dada convicção no sentido factual dado como provado.
Da motivação de recurso fica-nos apenas um discurso de assumida discordância do recorrente quanto à análise crítica da prova efetuada pelo tribunal recorrido, qual opinião alicerçada em generalizações probatórias baseadas em concetualizações pessoais sobre a credibilidade dos depoimentos e o sentido das regras da experiencia, o que torna inviável a pretensão de sindicar a livre apreciação da prova, tal como vem consagrada no artigo 127º, do Código de Processo Penal.
O que o recorrente faz é ignorar o seu ónus de impugnação especificada, transformando-o num ónus, para o tribunal de recurso, de fazer um novo julgamento com apreciação da totalidade da prova produzida em 1ª instância, expondo a sua visão da prova e dos factos em substituição da convicção alcançada pelo tribunal a quo.
Visto o texto da motivação constata-se que aqueles factos foram dados como provados a partir do depoimento da vítima, conjugada toda a sobredita prova, de acordo com a experiência comum.
Ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, a convicção do tribunal não se baseou na prova indiciária (presunção indiciária) e menos ainda em juízos de probabilidade mais ou menos arbitrários ou dominados pelas impressões.
Essa convicção alicerçou-se na prova direta declarativa da assistente cuja credibilidade foi aferida a partir da sua análise critica combinada com os restantes meios de prova indicados no acórdão, tudo permitindo, num percurso lógico e objetivo, suportado pelas regras da experiência, concluir pela racionalidade da imputação feita ao recorrente.
Não havendo, como não deve haver, qualquer dúvida insanável, séria e fundada sobre a conclusão de facto a que chegou a decisão recorrida, nenhuma censura merece a mesma.
Posto isto, não houve valoração arbitrária da prova, pelo que haverá de se aceitar a sobredita autoria e materialidade dos factos pelo recorrente com o comprovado sentido subjetivo que o acórdão lhes conferiu, nos precisos termos que lhe vêm imputados.
Não se verificam motivos objetivos que justifiquem a modificação da matéria de facto provada (impugnada) e determinem o afastamento do raciocínio lógico desenvolvido pelo tribunal a quo, mas antes se confirmam os fundamentos em que se alicerçou a convicção do tribunal sobre a matéria provada.
O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem, portanto, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de primeira instância.
Ressalvada a violação dos princípios probatórios, como o da livre apreciação e do in dubio pro reo, o que aqui não se verifica, o juízo decisório da matéria de facto só é suscetível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objetivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
Tanto mais que a alteração da matéria de facto não decorre, por via do recurso, da mera possibilidade de a prova produzida permitir uma decisão de sentido distinto da tomada pelo julgador.
Exige-se, isso sim, que essa decisão diversa se imponha por ser evidente ou flagrante o erro do tribunal a quo, em função das provas produzidas, no julgamento da matéria de facto [13].
A negação e/ou diferente interpretação dos factos por parte do arguido, por si só, não impõe a alteração factual pretendida, mostrando-se plenamente justificada a credibilidade e interpretação conferida a toda a prova produzida e examinada em julgamento, em conjugação com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer.
Não se vislumbram razões, nem o recorrente as especifica, a partir das concretas provas produzidas, para sobrepor o seu juízo interpretativo ao que foi alcançado na decisão impugnada.
Tão pouco se mostrando incumpridas as regras da experiência comum, entende-se que a decisão da matéria de facto se deverá manter inalterada, respeitando a convicção pessoal do julgador no âmbito do uso do princípio que vigora neste domínio, o da livre apreciação da prova vertido no art.127º.
No caso foi efetuado um exame crítico e consistente às provas produzidas, tendo o tribunal a quo formado a sua livre convicção, quanto à autoria e circunstâncias como os factos ocorreram, sendo que a decisão recorrida só seria de alterar se se revelasse evidente que as provas não conduziriam àquela decisão, o que, in casu, não sucedeu, sendo irrelevante se a interpretação que o recorrente faz dessa prova é diversa da interpretação do julgador.
As valorações puramente subjetivas lançadas pelo recorrente, fundadas em meras especulações, não são bastantes para infirmar uma dada convicção racional, objetivável e suficientemente motivada do tribunal a quo.
Conforme jurisprudência superior que sendo seguida (RL 6.07.2021, CJ, III, pg.168-9, RP 24.09.2014 (Lígia Figueiredo) e RL 1.07.2020 (Cristina Almeida e Sousa), www.dgsi.pt), o silêncio da vítima não é objetivamente valorável como assentimento do ato (sexual) a que o arguido a sujeitou, nem podia ser interpretado pelo mesmo, no contexto ardiloso em que se desenrolou, como anuência daquela, ficando inclusivamente claro que o arguido não anunciou nem esclareceu previamente a introdução do dedo na vagina.
Nada obstava a que o tribunal a quo tivesse formado a sua convicção apenas num único depoimento, mesmo que se trate da assistente, o que – como sobredito – não ocorreu, perante a apontada conjugação das declarações desta com outros meios de prova.
Relevante é que esse depoimento seja prestado de forma séria e credível e o Tribunal de forma clara e concisa explicite as razões do seu convencimento (cfr. RC 17-05-2017 (Alice Santos) www.dgsi.pt), tanto mais que no caso não estão sequer em causa, como é usual neste tipo de crimes, duas versões diametralmente opostas, já que o arguido em parte corroborou as declarações da vítima.
Como geralmente acontece neste tipo de ilícitos de natureza sexual - em que, na sua generalidade, os factos não foram presenciados por terceiros - para a prova do cometimento dos mesmos assume particular importância o depoimento da vítima, quando se revele credível, em conjugação com a demais prova produzida, - cfr. Ac RC 9.02.2022 (Elisa Sales) processo: 144/20.2JACBR.C1.
Como se salienta no Acórdão do TRG, de 12-4-2010, in www.dgsi.pt «Em matéria de “crimes sexuais” as declarações do ofendido têm um especial valor, dado o ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento, em privado, sem testemunhas presenciais e, por vezes, sem vestígios que permitam uma perícia determinante, pelo que não aceitar a validade do depoimento da vítima poderia até conduzir à impunidade de muitos ilícitos perpetrados de forma clandestina, secreta ou encoberta como são os crimes sexuais”.
Por isso, o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração: pode dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido em detrimento dos depoimentos (mesmo que sem sentido contrário) de uma ou várias testemunhas; pode mesmo absolver um arguido que confessa, integralmente, os factos que consubstanciam o crime de que é acusado (v.g, por suspeitar da veracidade ou do carácter livre da confissão); pode desvalorizar os depoimentos de várias testemunhas e considerar decisivo na formação da sua convicção o depoimento de uma só, podendo ler-se no Ac. do STJ de 11.0.7.2007 disponível em www.dgsi.pt, “a prova produzida avalia-se pela sua qualidade, pelo seu peso na formação da convicção, e não pelo seu número”; não está obrigado a aceitar ou a rejeitar, acriticamente e em bloco, as declarações do arguido, do assistente ou do demandante civil ou os depoimentos das testemunhas, podendo respigar desses meios de prova aquilo que lhe pareça credível”.
No fundo, o recorrente pretende fazer vingar a sua versão dos factos radicada exclusivamente numa interpretação e valoração subjetiva da prova produzida em audiência, a sua, sobrepondo-a àquela que está subjacente à decisão recorrida.
Vista a motivação do acórdão, percebe-se que foram conjugados todos os elementos de prova produzidos, fazendo-se referência a todos, especialmente as declarações da assistente, bem assim às razões do convencimento do tribunal a quo perante esse material probatório.
O tribunal a quo apreciou a prova de modo racional, objetivo e motivado, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo a este tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP.
Nem se diga que o tribunal recorrido aceitou acriticamente a prova produzida, posto que só a partir de uma desenvolvida análise crítica da mesma deu como provados os factos aqui impugnados.
De tudo se conclui que inexiste erro de julgamento que importe corrigir, já que as provas produzidas, designadamente aquelas especificadas pelo recorrente, não impõem decisão diversa da recorrida.
Mostrando-se a decisão recorrida devidamente fundamentada, a mesma não é passível de crítica, não podendo, em tais circunstâncias, afirmar-se que houve violação das regras e/ou dos princípios de direito probatório, ainda que a interpretação do recorrente sobre as regras da experiência se mostre plausível.
Entende-se, nessa decorrência que a decisão da matéria de facto se deverá manter inalterada, respeitando a convicção pessoal do julgador no âmbito do uso do princípio da livre apreciação que vigora neste domínio, não nos merecendo aquela qualquer reparo ou censura.
Nestes termos, carece de fundamento a pretensão recursiva de modificação da matéria de facto.
--
3. Do preenchimento do tipo legal de violação sexual: constrangimento sexual
O recorrente insurge-se contra o preenchimento do tipo legal de violação sexual, p. e p. pelo art. 164º, n.º 1, al.b), do Código Penal (redação atual).
Do que se vem dizendo, e como se antevê, em face da decidida imodificabilidade da matéria de facto, impõe-se concluir pela correta subsunção dos factos ao direito, que se crê corretamente aplicado e interpretado pelo tribunal a quo.
Perante os factos demonstrados, entendeu acertadamente o tribunal a quo que a matéria assente configura o preenchimento do crime de violação p. e p pelo art.164º, nº1, al b), do Código Penal, transpondo-se aqui excertos relevantes da explanação deixada a esse respeito, à qual se adere por inteiro.
“Dispõe o art. 164º, nº1, quem constranger outra pessoa a: a) Praticar consigo ou com outrem cópula, coito anal ou coito oral; ou b) Praticar atos de introdução vaginal, anal ou oral de partes do corpo ou objetos; é punido com pena de prisão de um a seis anos; nº2 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa: a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos; é punido com pena de prisão de três a dez anos.
O nº3 da mesma disposição legal prescreve que para efeitos do disposto no n.º 1, entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática dos atos referidos nas respetivas alíneas a) e b) contra a vontade cognoscível da vítima.
O bem jurídico protegido pelo tipo inserto no art.164º é agora e inequivocamente a liberdade e autodeterminação sexual que o legislador continua a invocar para incriminar comportamentos que se prendem com a esfera sexual das pessoas.
(…)
E pese embora as sucessivas alterações em matéria de crimes sexuais a lei penal continuava a não tutelar ainda de modo claro e suficiente o bem jurídico – liberdade sexual. Na verdade, quer o art. 163º (coação sexual) quer o art. 164º (violação), crimes que constituem o núcleo da proteção da liberdade sexual, definiam o modo de constrangimento da vítima a sofrer ou a praticar “ato sexual de relevo” (no caso do art.163º) ou ato sexual de especial relevo (acto de penetração - no caso do art.164º), cingindo os meios - “violência, ameaça grave ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir”, o que despoletou diferentes entendimentos quanto aos conceitos em causa. A divergência decorria desde logo da ausência de um entendimento unânime sobre a forma como se deveriam interpretar os meios típicos de constrangimento (violência, ameaça grave, colocação da vítima em estado de inconsciência ou na impossibilidade de resistir) - exigidos pelos arts. 163.º e 164.º, especialmente os conceitos de violência e de ameaça grave
Por outro lado, o n.º 2 dos arts. 163.º e 164.º (na redação dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro nos termos expostos) criminalizou os actos sexuais constrangidos mediante “abuso de autoridade, a resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho” ou mediante aproveitamento de temor causado pelo agente , sendo que as situações de dissentimento/não consentimento ou de consentimento constrangido (que não chegassem ao patamar dos meios típicos) só seriam abrangidas por este número se se provasse que em causa estava uma destas relações ou o aproveitamento de temor, o que dificultava a sua aplicação e concretização.
A 11 de Maio de 2011 é aprovada em Istambul a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica (a Convenção de Istambul como é comummente designada) a qual tendo sido ratificada por Portugal a 21 de janeiro de 2013, entrou em vigor no nosso ordenamento jurídico a 01 de agosto de 2014.
A Convenção de Istambul, no seu artigo 36.º, veio então impor a criminalização da violência sexual, incluindo a violação, nos seguintes termos:
1. As Partes tomarão as medidas legislativas ou outras necessárias para assegurar a criminalização das seguintes condutas intencionais: a) A penetração vaginal, anal ou oral não consentida, de caráter sexual, do corpo de outra pessoa com qualquer parte do corpo ou com um objecto; b) Outros atos de caráter sexual não consentidos com uma pessoa; c) Obrigar outra pessoa a praticar atos de caráter sexual não consentidos com uma terceira pessoa.
2. O consentimento deve ser dado voluntariamente, por vontade livre da pessoa, avaliado no contexto das circunstâncias envolventes;
3. As Partes tomarão as medidas legislativas ou outras necessárias para assegurar que as tais disposições apliquem também a atos cometidos contra atuais ou ex-cônjuges ou parceiros, em conformidade com o direito interno.
Por seu turno, do Relatório Explicativo da Convenção resulta, em concreto, que para se estar perante a prática do crime de Violação, é necessário que as práticas sexuais sejam levadas a cabo de forma intencional e sem o livre consentimento da vítima, ficando a cargo das Partes estabelecer o que entendem por essa “intencionalidade (paragrafo 189); que as Partes deverão ter em conta, aquando da definição dos elementos constitutivos do crime de Violação, o caso M.C. versus Bulgária, decidido pelo TEDH, de cujo teor resulta que requerer, em todas as circunstâncias, a existência de prova de resistência física da vítima, pode dar azo a que certos casos de violação fiquem por punir e, assim sendo, que se comprometa a efectiva protecção da autonomia sexual das vítimas (Parágrafo 191). Do mesmo parágrafo se extraindo que fica a cargo das Partes incriminar a prática de quaisquer atos sexuais não consensuais, incluindo nos casos em que não haja provas de resistência física por parte da vítima. E ainda que independentemente da redacção especifica escolhida pelo legislador, em vários países as previsões legais com vista a incriminar, em todas as circunstâncias, a pratica de actos sexuais não consensuais, e alcançada com recurso a interpretação de termos tais como “coerção, violência, coação, ameaça, ardil, surpresa”, entre outros, deve ter em conta o contexto das situações especificas. Por sua vez, o Paragrafo 192, estabelece que durante a investigação criminal se deve analisar o contexto envolvente em que, cada um dos casos, é levado a cabo, de forma ser possível apurar se a prática de actos sexuais foi ou não livremente consentida em cada um deles, tendo sempre em consideração que as vitimas podem responder a violência sexual e à violação das mais variadas formas e não só através da resistência física.
Aqui também se salientando que nos crimes sexuais não se deve fazer uma acepção de género com base em estereótipos. E com idêntico relevo refere ainda o aludido Relatório nos Parágrafos 193 e 194 e ressalvado novamente que as Partes devem prever o crime de Violação com base na ausência de livre consentimento, que deve ser prestado de forma voluntaria e livre, avaliado de acordo com as circunstancias envolventes em que é prestado e tendo presente que a violência sexual pode ocorrer quer durante, quer após o termo das relações cfr. a propósito e de acordo com a respectiva tradução à qual por facilidade se adere, Daniela Madeira Balsinhas de Ávila Gomes, O crime de Violação à luz da Lei nº101/2019, de 6 de Setembro, Volume 1, Dissertação no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Ciências Jurídico-Forenses (conducente ao grau de Mestre) orientada pela Professora Doutora Sónia Mariza Florêncio Fidalgo e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Janeiro de 2020.
O texto da Convenção centrado na ideia de não consensualidade dos actos ou na ausência de consentimento livre, tendo em consideração o contexto das circunstâncias envolventes”) impunha assim a alteração dos art.s 163º e 164º do CP português, estendendo a criminalização a actos sexuais não consentidos livremente. O legislador português, porém, manteve o termo “constrangimento” e com a alteração operada pela Lei nº 83/2015 de 5 de Agosto de 2015 alterou no essencial o nº2 da disposição legal referida em último lugar que deixou de fazer referência aos casos de abuso de autoridade e relações hierárquicas, familiares, económicas ou de trabalho, passando apenas a exigir para o seu preenchimento o constrangimento “por meios compreendidos no numero anterior” (ainda que tivesse mantido tal formulação para os casos de agravação), depositou no aplicador a sua concretização. Neste sentido, entre outros, Maria da Conceição Ferreira da Cunha, A tutela da liberdade sexual e o problema da configuração dos crimes de coação sexual e de violação reflexão à luz da Convenção de Istambul, in Crimes Sexuais, E-Book, Centro de Estudos Judiciários, Coleção Formação Contínua, Jurisdição Penal e Processual Penal, Janeiro de 2021, p.15 e ss e Pedro Caeiro, Observações sobre a projectada reforma do regime dos crimes sexuais e do crime de violência doméstica; Revista portuguesa de Ciência Criminal, GESTELEGAL, set-dez. 2019, p. 632 e ss. Aplicador que não deixou de integrar de forma lúcida e esclarecida o preceito legal que surgiu da reforma de 2015 à luz do exigido pela Convenção de Istambul - como disso são exemplo os Acórdãos da Relação de Lisboa de 12 de Junho de 2019, relatado por Teresa Féria e do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Julho de 2019, relatado por Mário Belo Morgado, ambos in www.dgsi.pt.
A manutenção na tipificação do “constrangimento, levou o GREVIO, no seu relatório - cfr. GREVIO´s (Baseline) Evaluation Report, on Legislative and other measures giving effect to the provisions os the Council of Europe Covention on Preventimg and Combating Violence against Women and Domestic Violence (Istambul Convention), Portugal, Council of Europe, 21 January 2019, p. 49 - a apontar as medidas legislativas adoptadas por Portugal como insuficientes face às obrigações internacionais assumidas (ainda que sejam discutidos e discutíveis os concretos fundamentos que lhe deram origem - cfr. a propósito Maria da Conceição Ferreira da Cunha, ob cit. p. 22 e 23 e Pedro Caeiro, ob cit p. 642 e ss)
Em consequência os tipos legais de coacção sexual e violação foram novamente alvo de alteração desta feita pela Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro e que configurou aquela que é a redacção actual, a qual para o que agora nos interessa dispõe nos termos atrás enunciados, revelando-se essencial à dilucidação do caso concreto a resenha legislativa, jurisprudencial e doutrinal descrita, como a seguir se compreenderá - quer se entenda que o actual texto legal consubstancia um modelo de constrangimento/dissentimento - que poderá causar equívocos nos casos de ausência de consentimento livre, de consentimento viciado por indução em erro, aproveitamento de erro, uso de chantagens ou promessas, entre outros MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, ob cit fls. 27 e ss.; ou de um modelo «inacabado» de dissentimento, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “A reforma permanente dos crimes sexuais no ordenamento jurídico-penal português”, in Reformas Penales en la Peninsula Ibérica, A Jangada de Pedra”, Jornadas de las Secciones espanõla e portuguesa de la AIDP, Coleção de Direito Penal e Processual Penal, Cádiz, 16 y 17 de Julio de 2020, Agencia Estatal, p. 288, perfilhando que o constrangimento exige apenas dissentimento da vítima, ainda que com necessidade de caracterização do dissentimento relevante, mas com a certeza de que não se exige força física do agressor, nem a resistência da vítima. Exige, sim, a oposição íntima séria da vítima ao acto sexual.
A Lei nº 101/2019 procedeu a uma reordenação do tipo, considerando os actos sexuais obtidos por constrangimento como o crime fundamental (nº1) e o constrangimento por meios especialmente gravosos como crime agravado (nº2). O tipo fundamental de ambas as infracções consiste no constrangimento através de qualquer meio, sendo o emprego de violência ou ameaça grave uma qualificativa do ilícito (um tipo qualificado), que merece uma punição mais grave, posto que importa, por um lado, uma redução substancial da capacidade de resistência da vítima e, por outro, uma ofensa mais intensa ao bem jurídico protegido, - cfr. Anabela Miranda Rodrigues, ob. Cit, p. 288;Maria da Conceição Ferreira da Cunha, ob cit. p. 26; José Mouraz Lopes/Tiago Caiado Milheiro, Crimes Sexuais, Análise Substantiva e Processual, 2ª Edição, Almedina, Coimbra 2019 p.66 a 93; Liliana Correia, As alterações de 2019 ao Código Penal em matéria de crimes sexuais: os crimes de Coação Sexual e Violação Julgar Online, Dezembro de 2020.
No que respeita às modalidades da acção, e para o que no caso em apreço nos interessa o nº1 do art. 164º, als. a) e b) do C. Penal esta traduz-se na prática (“praticar”) acto sexual (ao invés da terminologia anterior que se reportava a “praticar” e “sofrer”), mas cuja única hipótese coerente e conforme com a descrita evolução do tipo e com as razões que determinam as sucessivas alterações, apenas se pode compaginar com a consideração de que “praticar” em sentido amplo integra também “sofrer”. Neste sentido que perfilhamos, Maria da Conceição Ferreira da Cunha, Ob cit, p. 26; José Mouraz Lopes/Tiago Caiado Milheiro, Crimes Sexuais, Análise Substantiva e Processual, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2019 , p.84 e Daniela Madeira Balsinhas de Ávila Gomes, O crime de Violação à luz da Lei nº101/2019, de 6 de Setembro, Volume 1, Dissertação no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Ciências Jurídico-Forenses (conducente ao grau de Mestre) orientada pela Professora Doutora Sónia Mariza Florêncio Fidalgo e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Janeiro de 2020, p. 48 a 55 propugnando esta última expressamente uma interpretação extensiva (legalmente permitida cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, Tomo I, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2019, p. 209 e ss.) no intuito de conceber a também a expressão “praticar” como sendo capaz de englobar todas as condutas, independentemente da vitima constrangida adoptar uma posição passiva ou activa na prática sexual. Em sentido contrário cfr. Liliana Correia, ob cit. p. 10 e TIAGO BRAGA NORTE, A Nova Construção dos Crimes Sexuais e de Violação à Luz da Lei 101/2019, de 6 de Setembro e as suas implicações, Dissertação no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Ciências Jurídico-Forenses (conducente ao grau de Mestre) na área de Especialização de Ciências Jurídico-Criminais, orientada pelo Senhor Professor Doutor Pedro Caeiro e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2020).
O n.º 3 do art. 164º estipula, na definição do que deve considerar-se como constrangimento para efeitos do disposto no n.º 1, refere que: entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática de ato sexual de relevo contra a vontade cognoscível da vítima.
Ao constrangimento bastará assim apenas o dissentimento da vitima, a prática ou sofrimento de actos de cariz sexual contra vontade da vitima não exigindo violência do agressor (agarrar, bater, empurrar p.ex.), nem a resistência da vitima, exige sim a oposição intima séria desta - ANABELA RODRIGUES, Ob cit, p.288 e Pedro Caeiro, ob cit. p. 631 e pode ser operado tanto pelos meios consagrados no n.º 2 do preceito, como por qualquer outro meio não previsto. A contrariedade da vontade englobará assim todas as situações em que o acto sexual de relevo não coincide com a vontade real da vítima, seja por ausência de vontade ou porque a vontade estava, de alguma forma, condicionada, ou seja, quando exista uma falta de conformidade entre a prática sexual e a vontade íntima, reveladora de uma clara limitação do bem jurídico (liberdade sexual).
Acresce que a vontade contrária da vítima tem de ser cognoscível. A cognoscibilidade enquanto manifestação através de factos ou circunstâncias que demonstrem ou possam demonstrar conhecimento por parte do agente de que a vítima tem a sua vontade limitada ou não está em condições de transmitir a sua vontade real. E independentemente das críticas que se apontem ao texto legislativo (cfr. Anabela Miranda Rodrigues; Maria da Conceição Ferreira da Cunha; Pedro Caeiro; Liliana Correia, nos contributos citados), a vontade contrária cognoscível terá de ser aferida por apelo ao agente enquanto homem médio, razoável, consciente e cuidadoso, colocado naquela posição.
Por outro lado, e no quadro legal explicitado, tem-se por assente que a incriminação não abrange apenas os casos de não consentimento claramente expresso da vítima, mas também as situações em que este inexiste, mas ainda assim estamos perante um constrangimento tipicamente relevante, porquanto determinável, neste sentido se inclinam ANABELA MIRANDA RODRIGUES ob. cit., p. 289 e MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, ob. cit. p. 32 a 35 - não se deverá exigir um dissentimento ostensivo para haver preenchimento do tipo de crime, tal como não será exigível um consentimento ostensivo para se excluir a tipicidade - importando valorar todas as circunstâncias em que o comportamento se desenrola, tendo em conta, evidentemente, as regras da experiência (designadamente as relativas a relacionamentos interpessoais íntimos e não só); sem preconceitos infundados, sem estigmas ou mitos do passado, mas atendendo às caraterísticas dos intervenientes e a todo o contexto envolvente nas elucidativas palavras da autora referida em último lugar única solução que se apresenta consentânea com as exigências impostas pela Convenção de Istambul nos termos expostos e transcritos, reiteramos nós.
No que respeita ao elemento subjectivo, apenas se exige o dolo, em qualquer das suas modalidades, não se exigindo qualquer elemento subjectivo específico” (itálico nosso)
Recortados estes ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais em torno da dogmática dos crimes sexuais, em especial daquele que aqui nos ocupa, não podemos deixar de concordar com o total acerto da subsunção jurídico penal dos factos dados como provados.
Efetivamente, “nas circunstâncias de tempo, lugar e contextuais descritas na fundamentação de facto, o arguido, terapeuta, no âmbito de uma consulta e procedimento terapêutico realizado para tratamento de dor e contraturas ao nível da cervical manifestadas pela ofendida, sem que nada o fizesse prever (e escudado na execução do dito procedimento) introduziu um dedo na vagina da ofendida, ao mesmo tempo que insistiu para esta continuar a realizar movimentos rotativos da anca e a inspirar e a expirar.
Aqui chegados, e sendo certo que a referida introdução vaginal não faz parte do procedimento terapêutico visado obter, configura tal acto, sem necessidade de grandes considerações, de forma clara e objectiva um acto sexual abrangido pela modalidade de acção da al. b) do nº1 do art. 164º do C. Penal, enquanto consistiu na introdução de uma parte do corpo do arguido, o dedo, na vagina da ofendida”.
E nada adianta lançar a confusão sobre a melhor interpretação da menção legislativa “praticar”, concretamente saber se abrange também “sofrer”, quando na realidade, por erro induzido pelo arguido, a vítima - constrangida – não adotou uma posição passiva na prática sexual ardilosamente provocada pelo arguido.
Note-se que o arguido solicitou à vítima que movimentasse a anca rotativamente para cima e para baixo, enquanto expirava e inspirava, o que a ofendida realizou, e sem que nada o fizesse prever, nem que o tivesse anunciado, o arguido meteu o seu dedo pela lateral e por baixo das cuecas que a ofendida envergava e introduziu-lhe pelo menos um dos seus (do arguido) dedos na vagina, ao mesmo tempo que dizia “ continue, continue”, no sentido de esta continuar a inspirar e a expirar e a efectuar movimentos rotativos da anca, enquanto mantinha o dedo introduzido na vagina da ofendida nos termos expostos.
Embora intencionalmente induzida em erro pelo agente, a vítima adotou uma posição ativa na prática sexual ardilosamente provocada por aquele, não se limitando a sofrê-la (comportamento sexual puramente passivo da vítima).
Posto isto, a vítima participou ativamente nos atos sexuais perpetrados pelo arguido, praticando-os consigo, sob o consentimento constrangido que o erro astucioso criado pelo arguido lhe criou.
Dito isto fica prejudicada a arguição de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente, com base na alegada violação do princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 29.º, nº1, da Constituição, na interpretação normativa – acolhida no acórdão recorrido - segundo a qual constranger outra pessoa a praticar ato de introdução vaginal de parte do corpo abrange o comportamento de quem constranger outra pessoa a "sofrer" ato de introdução vaginal de parte do corpo.
A atuação do arguido constrangeu a ofendida contra a sua vontade, sendo esta contrariedade cognoscível por aquele, conforme exigido pelo nº1 e nº3, do cit. art.164º.
Com efeito, retomando a bem fundamentada decisão recorrida: “Consistindo o constrangimento nos termos expostos obrigar outra pessoa a praticar ou a sofrer por qualquer outro meio, integrando tal obrigação e contrariedade da vontade todas as situações em que o acto sexual de relevo não coincide com a vontade real da vítima, seja por ausência de vontade ou porque a vontade estava, de alguma forma, condicionada, ou quando exista uma falta de conformidade entre a prática sexual e a vontade íntima, reveladora de uma clara limitação do bem jurídico (liberdade sexual), impõe-se concluir que o arguido constrangeu a ofendida a sofrer a introdução do seu dedo na sua vagina, ponderado o contexto e a envolvência da ocorrência descritas na factualidade provada.
Vejamos. A ofendida procurou os serviços do arguido como terapeuta para tratamento das suas contraturas musculares. O arguido foi solicitando à ofendida um comportamento postural alegadamente necessário à intervenção e no decurso do procedimento terapêutico sem anúncio ou previsão, introduziu-lhe um dedo na vagina, apresentando-se inequívoco que tal ocorreu contra a sua vontade - que ali estava para tratar um problema muscular e postural e não para manter com o arguido qualquer relacionamento de cariz sexual. E nem se diga que a postura que a ofendida adoptou no momento subsequente desmentirá tal conclusão, posto que o momento que importa atender prende-se com o antes e o durante a prática sexual, já que o depois não tem relevância jurídica. E ainda que possa atentar-se a tal momento para circunstanciar a vontade da vitima (no caso a ofendida) importa neste particular salientar que o arguido e a ofendida não se conheciam, os dois contactos mantidos (o ultimo dos quais em discussão nos autos) são-no, insiste-se, no âmbito de um quase acto médico ou deste modo socialmente equiparado, e assim num contexto profissional desarmante e inibidor de uma reacção imediata na vitima desprevenida em que qualquer um afrouxa os seus mecanismos de defesa e alerta (aliás perante a surpresa do acto - entendendo-se que o tipo necessariamente engloba tais actos a maioria das pessoas colocadas na situação da ofendida que está deitada numa marquesa, em cuecas e soutien e a ser objecto de uma terapia - pondere-se esta envolvência também ela objectivamente debilitante - consideradas as mais básicas regras da experiência - dificilmente agiria de forma diversa)”.
A cognoscibilidade assenta no reconhecimento pelo agente, da recusa interna da vítima, segundo um padrão do homem médio colocado na posição do agente, de forma a que se possa afirmar o dolo.[14]
A vontade contrária da ofendida era perfeitamente cognoscível para o arguido, enquanto homem médio, razoável, consciente e cuidadoso, colocado naquela posição de terapeuta/osteopata, ciente que, de acordo com a legis artis, a introdução do seu dedo na vagina daquela, não fazendo parte do procedimento terapêutico, era contrária à sua vontade mais íntima e atentatório da sua liberdade sexual, quando formada de forma livre e esclarecida.
O crime de violação verifica-se quando os atos sexuais são praticados contra a vontade da vítima, independentemente do meio utilizado para anular a liberdade sexual daquela.
Após a reformulação do art. 164º, com a reforma introduzida pela Lei nº101/2019, o crime considera-se praticado quando o agente atua sem o consentimento da vitima, seja qual for a forma de a constranger.
Com a alteração efetuada pela Lei n.º101/2019, a verificação do ilícito de violação fica sempre vinculada ao exercício de constrangimento sobre a vítima, seja por meio de violência ou ameaça grave, como prevê actualmente o artigo 164.º, n.º2, seja por qualquer outro meio [15], desde que contra a vontade cognoscível da vítima, nos termos do artigo 164.º, n.º1 e n.º3 do C.P.
As alterações introduzidas pela Lei n.º101/2019 consolidaram no dissenso o elemento basilar do crime de violação [16]
O dissenso ou ausência de vontade pressupõe que a vítima expresse a sua vontade, seja por palavras ou por comportamentos que indiquem que seria compreensível para o agente perceber que a vítima não queria a prática daqueles actos.
Mas, tal pressupõe que a vítima reúna condições para se expressar.
Daí que, caso a vítima se remeta ao silêncio aquando da prática dos atos, tal não significa necessariamente que não se preenche o tipo legal de violação, uma vez que não existiu uma oposição expressa ou tácita ao ato.
Na verdade, equivalem ao dissentimento da vítima as situações equiparáveis de ausência de vontade livre e esclarecida, na formação da decisão e/ou na execução do ato, em que o “consentimento se mostra constrangido”, como é o caso do consentimento viciado por fraude ou medo [17], bem assim consentimento viciado por indução em erro ou aproveitamento de erro [18].
O silêncio ou passividade da vítima, nestas hipóteses, em tudo semelhantes ao caso aqui tratado, nunca poderá ser entendido(a) como forma colaborar ou consentir a relação sexual. A cognoscibilidade por parte do agente das circunstâncias envolventes que limitam a formação ou exteriorização da vontade da vítima é bastante para efeitos de constrangimento desta, nos termos e para efeitos do disposto no nº1 e 3, do art.164º.
Na expressão “contra a vontade da vítima” cabem todas as situações em que a prática sexual não corresponde à vontade real da vítima, seja porque intimamente não a deseja, seja porque não tem capacidade de demonstrar a sua vontade de forma consciente [19], donde – como refere a decisão recorrida – “a necessidade de avaliar sempre as circunstâncias envolventes do caso, como por exemplo, a vulnerabilidade da vítima, o contexto social ou outras circunstâncias que possam diminuir a sua capacidade de expressar uma vontade consciente, de acordo com a Convenção de Istambul, no seu artigo 36.º, n.º2, bem como a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (acórdão MC vs. Bulgária, de 4 de dezembro de 2003)”.
O consentimento relevante pressupõe sempre uma vontade séria, livre e esclarecida por parte da vítima, considerando o contexto das circunstâncias envolvidas, conforme imposto pela Convenção de Istambul, o que não será o caso quando a vítima é induzida em erro e o agente dele se aproveita para praticar o ato sexual, só assim se conferindo melhor e mais adequada tutela à liberdade sexual.
A tutela da liberdade sexual, “enquanto liberdade da vontade, não sujeita a erros, vícios e pressões, liberdade para a pessoa se relacionar apenas com quem quer, nas circunstâncias que elege, e sem ter sido induzida em erro (pelo menos em erro grave)”, leva-nos a englobar no modelo de constrangimento/dissentimento, completado pela exigência de que a vontade da vítima seja “cognoscível”, acolhido pelo art.164º, nº1 e 3.
Em suma, no respeito pelo princípio da legalidade/tipicidade, o dissentimento abrange o consentimento viciado, baseado em erro da vítima, nas condições supra referidas.
Ao requisito da cognoscibilidade basta neste caso que o agente deva representar que aquela vontade possa estar limitada ou condicionada ou que a vítima pudesse não se encontrar em condições de manifestar a sua real vontade [20], conformando-se aquele com essa possibilidade (dolo eventual).
Se o agente convenceu a vítima de que ficaria curada de uma doença se aceitasse ter uma relação sexual consigo, no caso lhe introduzisse inopinadamente o dedo na vagina a pretexto e contexto do tratamento em curso, estará a usar um meio (engano) para constranger a vítima a ter relações sexuais contra a sua vontade.
Como é inequívoco que, nesta hipótese, a vontade da vítima foi viciada pelo próprio agente, ciente que sem tal condição/indução em erro a vítima não aceitaria /consentiria nesse ato.
Nas situações em que a vítima dá expressamente o seu assentimento ou nada diz, mas quando avaliadas as circunstâncias concretas, conhecidas do agente, se pode concluir que aquela anuência, silêncio ou passividade não é livre e esclarecida [21], não poderá aquele, pelo menos não deverá o homem médio, colocado na mesma posição, concluir com razoabilidade que tal comportamento corresponde à vontade real da vítima.
Em suma, verificar-se-á a cognoscibilidade da vontade contrária da vítima quando o agente sabe que a vítima, apesar da sua atitude passiva, não se encontra em condições de expressar conscientemente a sua vontade [22].
O preenchimento do crime de violação abrange-se, assim, os casos em que a vítima se encontra numa situação em que a formação ou expressão da sua vontade estão limitadas, por razões derivadas do seu estado físico ou psicológico, e por isso, a ausência do seu dissentimento ou consentimento.
Também na situação dos autos é inequívoco que o comportamento da vítima, que - diga-se - apesar do silêncio até foi cooperante com o solicitado pelo arguido quanto aos movimentos pretendidos desta, não condizia com a vontade intima, verdadeira, esclarecida e livre daquela, uma vez que foi influenciada por factores externos que a limitaram e eram bem conhecidos do arguido.
Ao centrar a discussão da vontade da vítima e da respetiva congonoscibilidade pelo agente no significado e interpretação do silêncio, quando – repete-se - até não foi inteiramente o caso, o recorrente afasta-se intencionalmente genuinuidade da vontade e dos seus limites.
Qualquer estudo de psicologia e sociologia nos ensina que muitas vezes o silêncio, passividade ou mesmo colaboração da vítima são motivadas por um consentimento constrangido.
No caso de consentimento constrangido, por vicio da vontade, como o dos autos, falar em vontade cognoscível do agente, quando a vitima está física ou psicologicamente impossibilitada de formar ou expressar a sua vontade de forma livre, séria e esclarecida, é reportar o seu conhecimento e conformação (pelo menos dolo eventual) às circunstancias que interferem na formação ou expressão da sua vontade, seja por que motivo for.
Nesta situação, a “cognoscibilidade prende-se com a existência de factos e/ou circunstâncias que demonstrem – possam demonstrar – conhecimento por parte do agente de que a vítima tem a sua vontade limitada ou que nem sequer tem condições de transmitir a sua vontade real. Não significa que o agente tem de conhecer, significa apenas que tem de poder conhecer” [23].
Nenhum sentido faz apelar, como pretende o recorrente, ao dissentimento ostensivo da vítima para integração (única) típica do constrangimento, num crime que se exige doloso e cuja ocorrência habitual em ambientes privados onera ainda mais a vítima, quando confrontada com o princípio do in dubio pro reo e preconceitos estereotipados, como aquele trazido ao recurso, que alavancados no tolhimento da vítima alimentam a dificuldade da prova para assim a tentar descredibilizar, não obstante o mais profundo desrespeito pela liberdade sexual.
Sendo o crime é doloso, o agente terá de representar e querer (ou ao menos conformar-se) com atuar contra a vontade da vítima, por conhecer – como foi o caso - as circunstâncias envolventes que viciam a formação ou expressão da vontade.
No mais, verificado está em toda a sua plenitude o elemento subjectivo do tipo, provado que em toda a relatada atuação o arguido agiu com consciência e vontade da factualidade descritiva do tipo legal em apreço.
Com efeito, representando o tipo de ilícito em todos os seus contornos objetivos, o arguido atuou com intenção de conseguir o resultado típico (introdução do seu dedo na vagina da ofendida).
Agiu comprovadamente com dolo direto, pois que se aproveitou do erro por si induzido, para no referido contexto e condições atuar nos termos dados como provados, sabendo e representando conscientemente os atos praticados, conformando-se com isso, desse modo ofendendo e afetando a sua liberdade sexual.
Em conclusão, à luz da redação atual, vigente ao tempo dos factos, nenhuma dúvida suscita que o arguido constrangeu a vítima, por meio de erro que lhe induziu e do qual se aproveitou (consentimento viciado), a praticar os atos sexuais pretendidos, a saber a introdução vaginal de partes do corpo (dedo do arguido) - art.164º, nº1, al b), do Código Penal.
Nesta medida, bem andou o acórdão recorrido, ao considerar o comportamento do arguido como subsumível à previsão do n.º 1, al.b), do art.164º, do Código Penal (redação atual e vigente ao tempo dos factos).
--
4. Da nulidade e inconstitucionalidade por falta de fundamentação na escolha (substituição) e determinação da pena
O recorrente alega que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação no que concerne à escolha, substituição e determinação da medida concreta da pena.
As decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, devem ser fundamentadas.
O artigo 205º nº 1, da CRP obriga a que as decisões dos tribunais “…que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Na densificação deste princípio constitucional o legislador ordinário, no âmbito do processo penal, estabeleceu no artigo 97º, nº 5 do Código de Processo Penal que na fundamentação devem “…ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Já sobre os requisitos da sentença, o art.374º nº 2 do Código de Processo Penal, determina que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal [24].
O legislador, em obediência ao referido princípio, cominou com a nulidade a ausência de fundamentação (artigo 379º, nº 1 al. a) do CPP).
Ora, salvo o devido respeito, o acórdão recorrido fundamentou a escolha, (não) substituição e determinação da pena concreta, de modo a elucidar as razões da concreta sanção aplicada.
Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo, como foi o caso, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.
Não se exige, numa fastidiosa explanação, que se descreva toda a panóplia de sanções e fatores abstratamente atendíveis para à margem do raciocínio lógico seguido, converter a decisão num exercício meramente académico, repleto de aventadas retóricas não suscitadas de forma pertinente pela acusação, contestação ou discussão da causa.
De outro jeito, teria o julgador de percorrer inutilmente todo o ordenamento jurídico penal e fundamentar a não aplicação da generalidade dos institutos e figurinos jurídicos nas diferentes interpretações e conhecimentos doutrinais e jurisprudências, aqui incluída os dos sujeitos processuais.
A lei impõe, isso sim, uma enunciação suficiente, ainda que sucinta, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão que o Estado de Direito Democrático exige.
Mas vejamos, nesta parte, a fundamentação do acórdão recorrido.
Após recordar que o crime de violação a que se reporta o art. 164º, nº 1, al. b) do Código Penal, é punido com pena de prisão de um a seis anos, com respeito ao caso dos autos escreveu-se na decisão recorrida o seguinte:
“No caso em apreço, são elevadíssimas as exigências de prevenção geral, já que a violação do bem jurídico em causa nesta circunscrição judicial é assustadora, sendo certo que o sentimento de reprovação social é extensivo à comunidade do país em geral.
A prevenção especial não se revela despicienda, já que sendo certo que o arguido não tem averbadas condenações anteriores e está social, familiar e profissionalmente integrado, a factualidade objecto dos autos foi no contexto da sua profissão de terapeuta e com claro aproveitamento desta.
Vejamos, então, quais as circunstâncias a relevar em sede de determinação da medida concreta das penas (art. 71º, nº 2 do C.P.):
- o dolo intenso (directo, dada a definição do art. 14º, nº 1 do C. Penal e a matéria fáctica provada), relativamente a toda a actuação;
- a ilicitude dos factos, elevada, considerada a concreta conduta praticada pelo arguido, de entre a plêiade de condutas que podem preencher o tipo legal de ilícito em questão, apresenta-se a introdução da vagina da ofendida com parte do se corpo, no caso o dedo, das mais gravosas;
- o contexto da actuação do arguido no âmbito de um procedimento terapêutico e a pretexto e num claro aproveitamento da sua posição de terapeuta e assim investido numa posição de dominância do respectivo contexto decorrente;
- a consequências da sua conduta, já que as condutas de natureza sexual, por mais simples (o que não é o caso) importam, notória e consabidamente transtornos e disfunções relacionais do foro intimo, familiar, social e profissional;
- a falta de interiorização da respectiva actuação e das suas consequências, que se impõe concluir da negação dos factos;
- A situação pessoal, social e profissional em que vivia o arguido, antes e à data dos factos, e aquela que decorre do meio familiar, profissional e social em que cresceu;
- A ausência de antecedentes criminais;
- As já enunciadas exigências de prevenção geral.
Ponderando os enunciados dados, entende-se como justa e adequada a aplicação ao arguido da pena de 3 (três) anos de prisão.
-
IV. Da não suspensão da execução da pena.
O art. 50º do C. Penal faz depender a substituição da pena de prisão até 5 anos pela suspensão da execução da pena de prisão, de esta pena de substituição realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no caso concreto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições de vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao ilícito e as circunstâncias deste.
As referidas finalidades são sobretudo de prevenção geral positiva e de prevenção especial positiva ou de ressocialização, reconhecido que a culpa não tem aqui qualquer papel e que também não relevam aqui finalidades de retribuição, como é consensual na doutrina e jurisprudência portuguesas, nomeadamente face à actual versão do art. 40º do C. Penal. Significa isto, aplicado às medidas de substituição em geral e em particular à suspensão da execução da pena, que são razões de prevenção especial e geral que estão na base da opção por pena desta natureza ou pela efectividade da pena principal privativa da liberdade, sendo os casos de finalidades antinómicas presentes num dado caso concreto decididos de acordo com as necessidades de prevenção geral positiva, critério que, em abstracto, a nossa lei impõe para decidir o conflito, operando aquelas finalidades de carácter geral como um verdadeiro limite à substituição. Isto é, nas hipóteses em que a pena de substituição se mostre mais adequada à satisfação de necessidades de prevenção especial, mas a tal se oponha a perspectiva da prevenção geral ou de defesa do ordenamento jurídico, “…em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral positiva hão de funcionar como limite ao que, de uma perspectiva de prevenção especial podia ser aconselhável (...) sendo um orientamento de prevenção agora de prevenção geral no seu grau mínimo o único que pode (deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial. Que assim é, quanto à prevenção geral, resulta do facto de nenhum ordenamento jurídico suportar pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal.
A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão cfr. ANABELA RODRIGUES, Critério de escolha das penas de substituição in Estudos em Homenagem ao “Prof. Eduardo Correia, I, Número especial do BFD, Coimbra1984 p. 40 e 41.
Descendo ao caso concreto infere-se dos factos provados que o arguido está social, profissional e familiarmente integrado e nada consta no seu certificado de registo criminal. E sendo certo que tal se apresenta relevante na ponderação que importa agora levar a efeito, também é um facto que os protagonistas de actos sexuais, e particularmente em contexto como o dos autos assim se apresentam, constituindo as condutas por si praticadas bastas vezes uma verdadeira surpresa no respectivo círculo.
Acresce, como já atrás se enunciou e se apresenta também neste momento importante que a factualidade objecto dos autos o foi no contexto da sua profissão de terapeuta e com claro aproveitamento desta - actividade que o arguido continua a exercer. O que aliado à circunstância de até hoje não ter revelado qualquer interiorização da ilicitude dos factos - o que se extrai - insiste-se - da falta de confissão e consequentemente falta de arrependimento - se apresenta inequivocamente revelador de uma personalidade pouco sensível aos valores protegidos pelas normas penais em causa e avessa às respectivas sanções.
Isto posto e ponderado resulta inequívoco que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, inviabilizando qualquer juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro deste arguido antes se apresentando este claramente desfavorável, estando também a suspensão impedida por prementes exigências gerais-preventivas, mostrando-se em concreto claramente injustificada e reveladora até de indulgência e prova de fraqueza face ao crime, pelo que se conclui pela sua não aplicação” (itálico nosso).
-
Dito isto, sendo ao caso aplicável (apenas) a pena principal de prisão, não era exigível ao Tribunal a quo fazer mais do que aquilo que resulta da motivação, sendo a mesma racional, lógica e assertiva cumprindo cabalmente o que resulta da lei, quer quanto à determinação da pena concreta de prisão, quer ainda quanto à sua não substituição, independentemente das variantes apontadas pelo recorrente.
O que o recorrente não concorda é com a valoração que o julgador efetuou, mas, essa discordância, ainda que legítima não é, só por si e pelas razões aduzidas, falta de fundamentação da decisão sobre a determinação e o modo de execução da pena de prisão, o que, no caso dos autos, manifestamente não aconteceu, inexistindo, por isso, qualquer ilegalidade e muito menos qualquer violação dos artigos 32º ou 205º da Constituição da República Portuguesa.
Nada impõe ao julgador a especificação do quantum de pena necessário para o ponto ótimo de tutela do bem jurídico violado e para a defesa do ordenamento jurídico, o quantum de pena necessário, dentro da moldura da prevenção, para a reintegração do agente na sociedade, bem como o quantum máximo de pena suportado pela culpa do arguido.
Como não se impõe ao julgador que percorra a panóplia das sanções aplicáveis, ainda que substitutivas, para fundamentar pela negativa a exclusão de todas e cada uma delas.
Ao fundamentar positivamente a pena de prisão efetiva, acompanhado da explanação suficiente das razões que levaram ao afastamento da sua suspensão, o tribunal a quo deu cumprimento bastante ao imperativo de fundamentação previsto no art.205º, da C.R.P..
Ao fundamentar a não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artigo 50.0 do Código Penal, o acórdão recorrido fê-lo em termos que explicitam a total inadequação ou insuficiência desta, independentemente das suas modalidades [25], para a realização das finalidades da punição, enfatizando as exigências de prevenção geral e especial que o caso impõe, não sendo, por isso, nulo por falta de fundamentação à luz do preceituado nos artigos 374º, nº2, 375º, nº1, e 379º, nº1, alínea a), do CPP.
Sendo considerações de prevenção geral e de prevenção especial de (res)socialização que estão na base da aplicação das penas de substituição, o tribunal deve recusar essa aplicação quando a execução da prisão se revele necessária, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, ou, não sendo o caso, a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
Em torno da não suspensão simples da execução da pena de prisão, o tribunal a quo desenvolveu considerações de prevenção geral, sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, que afastam a aplicabilidade de qualquer outra modalidade de suspensão da execução da pena e mesmo da pena de substituição prevista no art.46º, nº1, do Código Penal (proibição do exercício de profissão, função ou atividade).
Ainda que alguma destas penas de substituição pudesse responder às especiais necessidades de socialização do agente, as exigências de reprovação e prevenção do crime, pressuposto material de todas elas, ficariam postergadas se o tribunal não determinasse o cumprimento efetivo da pena de prisão, quando estas limitam e limitam sempre o valor da socialização em liberdade [26].
Tal explicação ficou clara na decisão recorrida, de tal modo que a fundamentação positiva da pena de prisão efetiva explana suficientemente os motivos da exclusão da suspensão da execução da pena, em qualquer das modalidades, e da pena de substituição prevista no art.46º, nº1, do Código Penal (proibição do exercício de profissão, função ou atividade).
Nesta conformidade, fica prejudicada a arguição de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente, com base na alegada violação do artigo 205.º, nº1, da Constituição da República Portuguesa, na interpretação de que os artigos 46º, nº1, 50º, nº1, 51º, nº1, 52º, nº1, e 53º, nº1, do Código Penal e 374.º, nº 2, e 375º, nº1, do Código de Processo Penal, não impõem a fundamentação da decisão de não proibição do exercício de profissão, função ou atividade (art.46º, nº1, do Código Penal) e de não suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, em todas as suas modalidades.
Improcede assim esta conclusão do recorrente.
--
5. Da escolha e medida concreta da pena
Segundo o recorrente a pena aplicada revela-se manifestamente excessiva e desproporcionada, perante as exigências de prevenção geral e especial e a culpa do arguido.
Como se viu, foi o recorrente condenado na pena de 3 (três) anos de prisão efetiva, pela prática, em 6 de julho de 2020, de 1 (um) crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1, al. b), do Código Penal.
Conclui que o tribunal recorrido violou o principio da proibição de dupla valoração ao considerar que "no caso em apreço, são elevadíssimas as exigências de prevenção geral, já que a violação do bem jurídico em causa nesta circunscrição judicial é assustadora, sendo certo que o sentimento de reprovação social é extensivo à comunidade do país em geral".
Concretizando, o recorrente defende que o tribunal recorrido não podia ter considerado, entre "as circunstâncias a relevar em sede de determinação da medida concreta das penas (art. 71°, nº 2 do C.P.)", as exigências de "prevenção geral". As exigências de prevenção geral - as exigências de proteção da liberdade sexual, o bem jurídico violado com a prática do crime de violação - são critérios de medida da pena. Não constituem um fator de medida da pena.
Contudo, basta atentar nas conclusões do recorrente para perceber a contradição flagrante da argumentação trazida ao recurso.
O recorrente tanto afirma que o minimo da pena deve situar-se, dentro da moldura legal, no quantum necessário para o ponto ótimo de tutela do bem jurídico violado e para a defesa do ordenamento jurídico (ponto 32), como escreve o seu contrário, isto é, a completa proibição da valoração das exigências de prevenção geral (ponto 44).
Na determinação do quantitativo minimo da pena deve o julgador atender, como o fez, às circunstâncias envolventes do concreto crime cometido pelo agente, especialmente de tempo, lugar e modo, dando assim satisfação às exigências de prevenção geral que o caso em apreço demanda para além da pressuposta pelos valores tutelados pela norma de conduta.
Na determinação da pena concreta o julgador deverá ter presente que «as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida da tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expectactivas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada» (cfr. Figueiredo Dias, in «Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, p.227) – cfr. artº 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
Foi o que o tribunal a quo fez na ponderação do limiar mínimo da punição, tendo presentes os princípios que imperam neste domínio, e que de resto o tribunal recorrido explanou em termos proficientes, não havendo dupla valoração, nos termos do art.29º, nº5, da CRP, quando são diferentes os pressupostos de facto interpretados ou as consequências juridicas decorrentes do mesmo facto.
A violação da proibição de dupla valoração, afloramento do princípio geral de direito penal "ne bis in idem", só existe se a apreciação de uma dada circunstância for feita mais do que uma vez sob a mesma perspectiva, qualitativa ou quantitativa, em prejuízo do arguido.
Naturalmente que no desvalor do ilicito considerado no nº1, do art.164º, interferem graus de intensidade diferentes de acordo com a ação tipica descrita.
No caso concreto, as circunstâncias agravantes gerais relacionadas com o contexto da atuação do agente surgem temperadas pela ação tipica de menor desvalor de ilicitude, a introdução vaginal de um dedo, o que não significa que ainda assim, no quadro global da comprovada conduta do arguido, a ilicitude do facto não seja elevada.
De qualquer modo, numa moldura de um a seis anos de prisão, o tribunal a quo aplicou uma pena de três anos, ou seja, pouco acima daquele limite minimo.
Perscrutada a fundamentação da decisão recorrida quanto à determinação da sobredita pena, são perfeitamente inteligíveis os fatores atendidos e de resto relevantes em sede de determinação da medida concreta e ali claramente evidenciados, de acordo com o disposto no artigo 71º do Código Penal.
Assim, para a determinação concreta da pena, balizada pela moldura penal abstrata, importa apreciar três fatores: a culpa manifestada pelo arguido na prática do(s) crime(s) em causa, como limite máximo da pena concreta; as necessidades de prevenção geral, como limite mínimo necessário para tutelar o ordenamento jurídico, de modo a repor a confiança no efeito tutelar das normas violadas em relação aos valores e bens jurídicos que lhe subjazem; e as necessidades de prevenção especial manifestadas pelo arguido, que vão determinar, dentro daqueles limites, qual o quantum da pena necessário para o reintegrar socialmente, se for caso disso, e/ou ter sobre ele um efeito preventivo no cometimento de novos crimes.
Nessa conformidade, nos termos do nº 2, do artº 71º, do Código Penal, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (na medida em que já foram valoradas pelo legislador ao fixar os limites abstratos da moldura legal), funcionem como atenuantes ou agravantes, circunstâncias essas que estão elencadas exemplificativamente no n.º 2 do referido preceito legal.
- a culpa revelada pelo arguido é, para o tipo legal de crime em apreço e dentro dos limites da sua conduta concretamente apurados, de elevada intensidade;
- o grau da ilicitude dos factos, sem perder de vista a gravidade própria valorada na moldura abstrata correspondente, afigura-se ligeiramente elevada, a determinar uma gradação da pena correspondente, atenta a intensidade e natureza dos atos praticados;
- do ponto de vista da liberdade de determinação sexual da vítima, a agressão cometida foi acentuada;
- o modo de execução da violação sexual pelo arguido reforça a ilicitude do facto, já que o arguido aproveitou-se do erro que induziu na vítima no contexto terapêutico, para a sujeitar ao seu desejo sexual;
- sem qualquer freio ético, o arguido não mostrou qualquer fator inibidor sobre a liberdade sexual da cliente/doente, não havendo justificação para o indesculpável;
- é relevante a gravidade das consequências ao nível psicológico e emocional da vítima, embora não sejam conhecidas lesões físicas relevantes dessa atuação;
- em todo o caso, o dolo do arguido, sendo direto, revela acentuada intensidade, traduzida no empenho revelado na execução dos atos que praticou e os obstáculos e as contra motivações sociais que teve de vencer para concretizar o seu propósito contra a sua cliente/doente;
- contra o arguido apresentam-se os fins ou motivos que determinaram, ainda que numa mesma ocasião, a satisfação dos seus desejos sexuais, os quais sobrepôs aos interesses da vítima;
- consubstanciam fatores de risco de reincidência, a ausência de consciência critica dos factos cometidos, o que sugere relevante perigosidade social, mostrando-se o arguido totalmente insensível no caso aos valores jurídico-penalmente tutelados;
- tudo sem que antes se tenha confrontado com a anomia e a anomalia da sua conduta, cujo significado e impacto na vítima facilmente adivinharia, sendo a conduta do arguido/clinico objeto da maior repulsa social;
- o comportamento do arguido, no contexto da sua atuação, é socialmente tido como grave e desonroso;
- o arguido beneficia de integração familiar, ocupacional e social;
- o arguido não tem antecedentes criminais;
- as exigências de prevenção geral neste tipo de crimes, é sabido, têm vindo a ganhar crescente relevância na sociedade contemporânea, a significar uma preocupação comunitária da maior grandeza pelas suas dimensões e gravíssimas consequências, tanto individual como coletivamente, constituindo a sua ofensa motivo de generalizado e crescente repúdio social.
Os crimes sexuais cometidos no contexto clinico profissional e de confiança estabelecida entre a vítima/utente e o agressor/terapeuta, como sucedeu na situação dos autos, constituem um dos fatores que provoca maior perturbação e comoção social, designadamente em face dos riscos (e danos) para bens e valores fundamentais que causam e da insegurança que geram e ampliam na comunidade. A necessidade de proteção do bem jurídico protegido também releva com particular intensidade em face da vulnerabilidade das vítimas no referido contexto.
O arguido regista um percurso de vida pessoal, familiar e profissional que pode ser enquadrado dentro dos parâmetros considerados normais, fatores favorecedores na sua reinserção social, mas que são habituais neste tipo de criminalidade.
Contudo, a atitude de negação do arguido perante os factos constitui um forte condicionalismo na identificação das necessidades individuais de reinserção social, donde a prevenção especial se faça sentir de modo particularmente intenso, pese embora não ter antecedentes criminais.
Embora o arguido não possa ser prejudicado pela negação dos factos, também dela não pode colher benefícios.
Ao negar a contrariedade cognocivel da vitima, o arguido nega o essencial da violação e, assim, prescinde de circunstâncias atenuantes como a confissão ou o arrependimento, o que não corresponde ao cerceamento do direito de defesa e à negação do direito à não autoincriminação, nem tão pouco do principio da presunção de inocência do arguido, consagrados no artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP.
Como refere o ac STJ de 8.3.2012 (processo nº 325/ 11.0JAPRT.P1): " Relativamente à sua conduta posterior ao crime, a mesma deverá ser tomada em consideração, na medida em que apresentou uma versão dos acontecimentos que não corresponde à realidade, não assumindo a sua responsabilidade nos factos dados como provados, procurando, antes, desresponsabilizar-se. Com efeito, sendo certo que o tribunal não pode valorar o silêncio do arguido ou seja o facto de este não prestar declarações, que é um direito que lhe assiste, o mesmo já não acontece quando ele prescinde desse direito e vem apresentar uma versão dos factos que não corresponde à realidade. Aqui, estamos perante um comportamento processual do arguido que, umas vezes mais, outras vezes menos, permite tirar importantes conclusões sobre a medida da sua culpa e o seu grau de perigosidade".
O direito ao silêncio não é equiparável à negação (mentirosa) dos factos por parte do arguido, apresentando-se esta como relevante manifestação expressa da sua personalidade, sem margem para qualquer dúvida séria e fundada onde, ao contrário do silêncio, aquele possa valer-se do principio do in dubio pro reo.
A conduta posterior ao crime, aqui incluído o comportamento processual do arguido revelador dessa personalidade, interfere na individualização judicial da pena (na sua escolha, na sua quantificação e eventual substituição) [27].
Por tudo isto, tendo em conta os critérios do art.71º e as finalidades da punição, não se mostra excessiva nem desproporcionada a pena aplicada de 3(três) anos de prisão para o crime de violação sexual p. e p. pelo art. 164º, n.º 1, al.b), cuja moldura é de um a seis anos de prisão.
Repare-se que a pena aplicada se situa ligeiramente acima do limite mínimo da moldura abstrata.
Sendo bastante elevadas as exigências de prevenção geral, que de todo podem ser desconsideradas, atenta a frequência e alarme social do cometimento deste tipo legal de crime, também as de prevenção especial, devidamente ponderadas na decisão recorrida, situam a necessidade e adequação de uma pena concreta bem acima do mínimo da moldura abstrata, não se mostrando excessiva aquela aplicada para alcançar as finalidades da punição, sem ultrapassar - no caso - a elevada medida da culpa (art.40º, nº1 e 2, do Código Penal).
Em conclusão, nenhum reparo nos merece a decisão recorrida, a qual em sede de medida da pena analisou e ponderou equilibradamente as circunstâncias relevantes in casu, sendo aquela de manter.
Tanto mais que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjetividade do julgador, pelo que a(s) pena(s) só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção [28], o que aqui não se verifica, havendo, por isso, de manter-se.
Por conseguinte, carece de fundamento, também nesta parte, a pretensão recursiva, mostrando-se respeitados os princípios e critérios de determinação atinentes, designadamente os previstos no nº2, do art.71º, do Código Penal.
-
6. Da suspensão da execução da pena de prisão
Aqui chegados, cabe decidir se a pena de prisão aplicada ao arguido é suscetível de ser substituída pela suspensão da sua execução, em qualquer das suas modalidades, sendo formalmente a única pena de substituição admissível no caso concreto.
Deve, pois, o tribunal decidir se se mostra aconselhável, in casu, a suspensão da execução da pena de prisão agora imposta ao arguido, prevista nos arts. 50º e seguintes.
Dispõe o artigo 50º, nº 1, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, sabido que estas se circunscrevem à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, n.º1, do Código Penal.
É em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e prevenção especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.
Seguindo de perto a impressiva clareza do Ac. STJ 14-05-2014 (Oliveira Mendes) www.dgsi, para suspensão da execução da pena “é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Em segundo lugar, é necessário que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade”.
Essencial é que as exigências mínimas de prevenção geral fiquem também satisfeitas com a aplicação da pena de substituição [29].
O período da suspensão é fixado entre um e cinco anos – cfr. nº 5.
Este preceito consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos, configurando a mesma uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.
Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
O sobredito prognóstico consiste na esperança de que o agente ficará devidamente avisado com a sentença e não cometerá nenhum outro delito - cfr. Jescheck in “Tratado de Derecho Penal”, Editorial Comares, Granada, 4ª Edição, pág. 760.
Tal prognóstico, ensina Figueiredo Dias, é reportado ao momento da decisão e não ao momento da prática do facto, razão pela qual devem ser tidos em consideração, influenciando-o negativa ou positivamente, designadamente, crimes cometidos posteriormente ao(s) crime(s) objecto do processo e circunstâncias posteriores ao facto, "ainda mesmo quando elas tenham já tomadas em consideração (...) em sede de medida da pena".
A este propósito, escreve Jescheck, ob. citada, pág. 761, o prognóstico requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitam uma conclusão acerca do comportamento futuro do agente, nas quais se incluem, entre outras, a sua personalidade (inteligência e carácter), a sua vida anterior (as condenações anteriores por crime de igual ou diferente espécie), as circunstâncias do delito (motivações e fins), a conduta depois dos factos (a reparação e o arrependimento), as circunstâncias de vida (profissão, estado civil, família) e os presumíveis efeitos da suspensão. De resto, a finalidade politico-criminal da suspensão da pena é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (...) Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência» - cfr. Figueiredo Dias, ob. citada, pág. 343, par. 519.
E o Tribunal deve estar disposto a correr um risco prudente ou aceitável. Porém, se tiver dúvidas sobre a capacidade do agente para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver negativamente a questão do prognóstico – cfr. Jescheck, obra e pág. citadas.
Ora, retomando o caso concreto, o Tribunal recorrido negou esse juízo prognóstico positivo, adiantando concretamente as razões atrás referidas.
No caso, razões de prevenção geral constituem um sério obstáculo à suspensão da pena aplicada ao arguido, independentemente da sua modalidade.
Com efeito, são muito elevadas as exigências de prevenção geral e integração, as quais se sobrelevam sobre o facto de o arguido se mostrar integrado e não ter antecedentes criminais.
Como já antes se deixou dito, estamos perante crimes com forte repercussão negativa na sociedade, que espera do sistema judiciário uma resposta firme, peremptória e severa no combate ao flagelo que constitui, além de causador de um grande alarme e reprovação social.
É certo que o arguido tem vindo a revelar um percurso normativo e encontra-se inserido social, familiar e profissionalmente.
No entanto, estas circunstâncias não o impediram de cometer o crime em causa nos autos, o que não nos permite afastar o risco de prossecução da atividade criminosa.
Com efeito, enquadrando-se o mesmo num perfil de abusador/agressor situacional, em que a agressão surge em circunstâncias específicas e de oportunidade, não deixa senão em aberto o risco de voltar a delinquir.
Assim, perante todo o circunstancialismo referido, consideramos não ser possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de suspender a execução da pena que lhe foi aplicada, independentemente da sua modalidade, tanto mais que são sobretudo fortíssimas exigências de prevenção geral que no caso são perseguidas como finalidade da punição.
A penosidade que a prisão acarreta e a introspeção que lhe imporá mostram-se também determinantes para o arguido repensar os valores infringidos pela sua conduta.
Pelo exposto, forçoso será de concluir que a pena de prisão em que o arguido foi condenado, deve ser uma pena de prisão efetiva e não suspensa, de qualquer modo, na sua execução, por inexistirem os pressupostos materiais legalmente previstos e admissíveis para o efeito, só assim se satisfazendo as exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
Com efeito, são muito elevadas as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, já que este tipo de criminalidade tem uma especial ressonância social sobretudo no contexto terapêutico e enganoso como aquele que aqui se apresenta.
Necessidades de prevenção geral decorrentes do maior sentimento de repulsa da comunidade no domínio destes crimes, intranquilidade pública e forte alarme social que lhes está associado.
Há, portanto, fortes expectativas comunitárias no poder contrafáctico das normas que cumpre respeitar e cuja vulneração impõe que a sanção a aplicar atinja a severidade correspondente à sanação dessa lesão, justificando resposta punitiva firme.
A suspensão da execução da pena, no caso concreto, além do alarme social e intranquilidade pública, cria no sentimento jurídico comunitário a maior repulsa e sinal de fraqueza quando o arguido, pese embora a gravidade do crime e as consequências danos que dele decorreram, nenhuma autocritica revela em relação à sua inaceitável atuação.
Não pode é o julgador valorizar como consciência critica ou conferir algum beneficio na atitude processual (contrária) de quem falsamente negou os factos, o que não viola o artigo 70.º do CP, nem é atentatório do direito de defesa e do direito à não autoincriminação (art.32º, nº1, da CRP), mostrando-se respeitado o principio da presunção da inocência (art.32º, nº2, da CRP).
Neste quadro factual, ao ser convocado para formular um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do arguido, não obstante a ausência de antecedentes criminais e a inserção social, familiar e ocupacional, o tribunal já não se depara perante um “risco prudencial” do agente não cometer novos crimes, antes a certeza que o perigo de perturbação da paz jurídica, resultante da manutenção do arguido em liberdade, se tornou comunitariamente insuportável.
Também a gravidade global do crime agora conhecido, associada ao dolo direto e intenso da sua atuação, a elevada culpa do agressor, a frequência com que este tipo de criminalidade ocorre e o impacto que tem na sociedade, não consentem no caso a suspensão da execução da pena, independentemente da sua modalidade.
Aliás, o juízo de prognose favorável teria de se fundamentar em factos concretos que apontassem de forma clara na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de atos ilícitos.
Ora, no caso não se vislumbram fatores atenuativos que permitam uma visão benevolente sobre o comportamento do arguido, solução que a sociedade jamais aceitará, sobretudo depois de ver atestada a incapacidade de o arguido assumir consciência critica sobre o seu comportamento, ao qual foi irrelevante a integração familiar, social e ocupacional que agora propala para garantir que evitará o que antes provocou dolosamente.
As necessidades de defesa do ordenamento jurídico e a tutela dos sentimentos de credibilidade e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais impõem no caso que o arguido cumpra a pena de prisão (efetiva) aplicada sobretudo quando, como também aqui ocorre, nenhuma consciência critica revela sobre o carácter ilícito da sua conduta, já que continua a negar os factos e, pior, justificando-os com o consentimento, que sabe ter viciado, da vitima.
De qualquer modo, como bem refere a decisão recorrida seguindo a doutrina de Anabela Rodrigues, in Critério de escolha das penas de substituição in Estudos em Homenagem ao “Prof. Eduardo Correia, I, Número especial do BFD, Coimbra1984 p. 40 e 41, em caso de conflito entre os vetores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral [30] .
Como escreve André Lamas Leite [31], “ a comunidade só é capaz de voltar a acreditar no bem jurídico em que se baseia a regra jurídico-penal infringida se o sistema que a suporta for capaz de demonstrar ao comum dos indivíduos que tal se fará, também, no respeito pela sua segurança. Na verdade, o direito à segurança é um direito fundamental clássico. Mais do que funcionar como limite da prevenção geral positiva, entendemo-lo como verdadeiro fundamento dessa teoria, dado inexistir confiança sem segurança”.
Consequentemente, improcede também nesta parte o recurso.
--
7. Da proibição do exercício de profissão, função ou atividade
Defende o recorrente que a pena de prisão aplicada deveria ser substituída pela proibição do exercício de profissão, função ou atividade (art.46º, nº1, do Código Penal), por ser adequada e suficiente para acautelar as finalidades da punição.
Contudo, valem aqui e por isso se reproduzem as considerações de prevenção geral supra referidas, as quais levaram ao afastamento de qualquer pena de substituição não privativa da liberdade, para se concluir que não merece reparo a decisão recorrida ao ordenar o cumprimento efetivo da pena de prisão aplicada.
A proibição do exercício de profissão, função ou atividade (art.46º, nº1, do Código Penal) não deverá ser decretada, como é caso, se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime».
Em suma, improcede também nesta parte o recurso.
***
3. DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência confirmar integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UCs (arts. 513º, nº 1, do CPP, 1º, nº 2 e 8º, nº 9, do RCP e tabela III anexa).
Notifique.

Acórdão elaborado pelo primeiro signatário em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelos Excelentíssimos Juízes Adjuntos,

Porto, 21.09.2022
João Pedro Pereira Cardoso
Paula Pires
Raul Cordeiro - com o seguinte voto de vencido (declaração): [votei vencido por entender que o recurso deveria ser julgado procedente quanto à suspensão da execução da pena de prisão aplicada, ainda que subordinada a condição. Com efeito, respeitando o diferente entendimento da 1.ª instância e da posição que fez vencimento, considero que, no caso presente, se mostram verificados todos os pressupostos legais para tal, pois que a pena aplicada não é superior a cinco anos e, “atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, [é de] concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” (n.º 1 do art. 50.º do C. Penal).
De todos os factos apurados ressalta, a meu ver, um juízo de prognose favorável ao arguido / recorrente AA, que permitia ao tribunal optar pela suspensão da execução da pena de prisão, sem pôr em causa a prevenção geral e especial positiva, como finalidades principais das penas (art. 40.º do C. Penal).
Efetivamente, importa, desde logo, evidenciar que o arguido não tem qualquer condenação criminal (facto 47.), seja por factos anteriores ou por factos posteriores aos que estão em causa nos autos, o que leva a concluir que tem pautado a sua vida por um padrão comportamental conforme ao direito, sendo este o seu primeiro contacto com o sistema de justiça penal. Neste aspecto, a sua “conduta anterior e posterior ao crime” não merece quaisquer reparos. E atente-se que brevemente fará 50 anos de idade (nasceu em 04-11-1972), o que não é despiciendo.
Relativamente às “circunstâncias deste” (do crime), sendo embora muito censurável a conduta, refletida na pena aplicada, o elevado grau de ilicitude resulta essencialmente, a meu ver, do contexto em que o arguido agiu (no seu estabelecimento e durante o tratamento da paciente, aproveitando-se dessa situação), sendo que o ato em si (introdução do dedo na vagina da ofendida) não é, seguramente, dos mais graves, de entre os suscetíveis de caberem na norma incriminadora. Creio que assumiria maior gravidade e censura a prática de cópula ou a introdução de um objeto na vagina da ofendida, porventura provocando-lhe lesões.
No que concerne “à personalidade do agente” e às “condições da sua vida”, importa referir que o arguido se encontra plenamente integrado em termos sociais, laborais e familiares. Com efeito, resultou provado, além do mais, que o mesmo sempre integrou o agregado familiar, fez os seus estudos, com conclusão da licenciatura aos 23 anos de idade, tendo iniciado atividade profissional em 1988, na sua área de formação, e vindo a estabelecer-se por conta própria em 2016, situação que mantém. Contraiu matrimónio aos 27 anos, relação que ainda perdura e da qual resultaram dois descendentes, atualmente com 22 e 8 anos de idade, integrando todos o agregado familiar, com dinâmica funcional e gratificante. As suas vivências quotidianas centram-se na atividade profissional e convívio familiar, sendo considerado, no seu meio, um bom profissional (factos 18. a 41.).
A personalidade do arguido e as condições da sua vida, evidenciadas nesses factos dados como provados, não merecem, assim, quaisquer reparos, sendo ambas normativas.
Embora este tipo de ilícitos sejam, frequentemente, cometidos por “pessoas de bem”, não deixa de ser diferente tratar-se de um arguido integrado social, familiar e profissionalmente, como é o caso, ou de uma pessoa que não reúne essas condições.
Tudo isso me leva a considerar serem as exigências de prevenção especial bastante reduzidas, pois que, num juízo de prognose, perante esta experiência judicial, será muito improvável que o arguido volte a praticar este tipo de actos.
É verdade que o arguido não colaborou com a descoberta da verdade, pois que não confessou os factos. Mas a opção pelo silêncio, tal como a negação dos factos, são posições processuais legalmente tidas como legítimas (n.ºs 1 e 2 do art. 343.º do CPP). Depois também sabemos que a ausência de confissão neste tipo de crimes acaba por ser muito comum, normalmente devido ao facto de, em regra, não haver testemunhas oculares.
Se a negação dos factos não beneficia, como é evidente, a posição do arguido, também não o pode prejudicar. Terá de ser vista como um comportamento processual neutro para a questão agora em apreciação.
Sendo as “finalidades da punição” a “protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1 do art. 40.º do C. Penal), onde pontificam as necessidades preventivas, não cremos que as mesmas fiquem comprometidas com a manutenção do arguido em liberdade. Na verdade, afigurando-se, num juízo de prognose e pelas razões já indicadas, diminutas as necessidades de prevenção especial, cremos que também as necessidades de prevenção geral ficam ainda suficientemente salvaguardadas sem o encarceramento do arguido AA Freitas.
Com efeito, embora nos crimes contra as pessoas, designadamente contra a liberdade sexual, porque frequentes, sejam muito elevadas as necessidades de prevenção geral, o contexto em que os factos foram praticados não é adequado a gerar alarme social (mas sim reprovação), sendo que o ato em si (introdução de um dedo) não é, como já dito, dos mais repudiantes. Seria seguramente objeto de maior censura social se tivesse ocorrido cópula.
Neste contexto, julgo que a sociedade toleraria uma pena suspensa na sua execução, sem que tal opção, a meu ver, pusesse em causa a validade da norma e a confiança na justiça penal.
Assim, ponderadas todas as aludidas circunstâncias, considero que a advertência contida na imputação dos factos e na respetiva condenação seriam, neste caso, suficientes para salvaguardar essas exigências de prevenção, especial e geral, com a consequente proteção do bem jurídico violado e a estabilização das expectativas comunitária, havendo, por isso, condições para suspender a execução da pena, por igual período de três anos, ainda que com a condição de o arguido entregar uma quantia pecuniária a instituição adequada de acolhimento de mulheres vítimas de crimes, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.
Pelo exposto, julgaria procedente o recurso nesses termos.]
_____________
[1] Diploma a que se referem os normativos legais adiante citados sem indicação da respetiva origem.
[2] Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP – Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19-10-95, Proc. n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28-12-95, que fixou jurisprudência então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. O STJ apenas pode sindicar a existência de eventuais nulidades, insanáveis, ou por omissão ou excesso de pronúncia, ou de produção de prova, ou meios de obtenção de prova, proibidos por lei (art. 410.º, do CPP) – cfr. STJ 2016-11-23 (PIRES DA GRAÇA) in www.dgsi.pt
[3] Código de Processo Penal, 2ª ed. II vol, pág.379.
[4] Ac do STJ de 28/10/1998 no Proc. Nº JSTJ00035662.
[5] Ac STJ 13/07/2005 e STJ de 17/03/2004, ambos do Cons. Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt
[6] Cfr. RL 6.07.2021, CJ, III, pg.168-9, segundo o qual o facto de a menor não reagir, não gritar por socorro, nem resistir às investiduras do arguido, não legitima sequer que se entenda que a menor consentiu na cópula. No mesmo sentido, RL 1.07.2020 (Cristina Almeida e Sousa), www.dgsi.pt: “Para além da reação expressa e ostensiva de oposição, o conceito de violência ali previsto é suficientemente amplo para incluir também o aparente assentimento oferecido como meio de evitar um mal superior, perante a ineficácia, a inaptidão ou inutilidade da resistência à prática sexual abusiva, para evitar a consumação desta”.
Também assim o a RP 24.09.2014 (Lígia Figueiredo) www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Ac. do STJ de 22/10/99 in BMJ 490, pág. 200.
[8] Ac. STJ 19/07/2006 (Oliveira Mendes) in www.dgsi.pt.
[9] Paulo Saragoça da Matta in “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253.
[10] Sobre o alcance de cada uma das especificações – cfr. Ac. TRL de 21.05.2015 (Francisco Caramelo) www.dgsi.pt.
[11] Albuquerque, Paulo Pinto de. Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed., 2009, Universidade Católica Editora, anotação ao art.412, pg.1121, acompanhando no mesmo sentido o ac RP 15.11.2006 CJ, 5, 204 e RP 19.01.2000, CJ, 1, 235.
[12] Na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente”, de acordo com o acórdão do STJ de fixação de jurisprudência de 8/3/2012 (AFJ nº3/2012), publicado no DR - I - Série, nº77, 18/4/2012.
[13] Nessa decorrência, repete-se, o legislador teve o cuidado de enunciar que as provas a atender pelo Tribunal ad quem são aquelas que “impõem” e não as que “permitiriam” decisão diversa - cfr. art. 412º, nº 3, al. b).
[14] CAEIRO Pedro, “Observações sobre a projetada reforma (…)” ob. cit, p.19.
[15] Por exemplo, a ameaça que não possa ser considerada grave, mas que é suficiente para coartar a vontade da vítima” CAEIRO, Pedro, em “Observações sobre a projectada reforma (…)” ob. cit., p.11.
[16] Assim José Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro, em “Crimes sexuais: análise (…)” ob. cit., p.68: “O meio utilizado será objectivamente típico sempre que tiver causado a prática de um acto sexual de relevo em dissintonia com a vontade da vítima.”
[17] Maria Clara Sottomayor, “O conceito legal de violação: um contributo para a doutrina penalista”, in Revista do Ministério Público 128, 2011, p. 307.
[18] Maria da Conceição Ferreira da Cunha, ob cit., fls. 27 e ss.
[19] LOPES, José Mouraz e Tiago Caiado Milheiro em “Crimes sexuais: análise (…)” ob. cit., p.70.
[20] Idem, p.72. Também Liliana Correia, As alterações de 2019 ao Código Penal em matéria de crimes sexuais:…pg.12-3: “No fundo, existe uma falta de conformidade entre a prática sexual e a vontade íntima, o que revela uma clara limitação do bem jurídico (liberdade sexual).
[21] Idem, p.70-71.
[22] Ibidem.
[23] Liliana Correia, As alterações de 2019 ao Código Penal em matéria de crimes sexuais:…pg.13.
[24] O que se pretende com a exigência de fundamentação é persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão.
A sentença, tal como os despachos que conheçam de mérito, isto é, que não sejam de mero expediente, só cumprem o dever de fundamentação, quando os sujeitos processuais seus destinatários são esclarecidos sobre a base jurídica e fáctica das decisões sobre eles tomadas. Com tal exigência consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz – cfr. Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230. Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova - (Ac. do STJ de 17-05-2007 Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção).
[25] A suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento deveres, da suspensão da execução da pena de prisão com imposição de regras de conduta e da suspensão da execução da pena de prisão com regime de prova, nos termos do disposto nos artigos 51.0, 52.º, 53.º e 54.º do Código Penal.
[26] Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, § 520, págs. 344 e Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2017, pg.77.
[27] José António Rodrigues da Cunha, A Colaboração do Arguido com a Justiça – A Confissão e o Arrependimento..., JULGAR - N.º 32 – 2017, pg.45 ss
[28] Ac RP 02.06.2010 www.dgsi.pt, onde se sustentou que “observados que se mostrem os critérios de dosimetria concreta da pena, sobra uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável”.
[29] Ac. RP 10.09.2014 (Eduarda Lobo) www.dgsi, recordando que se impõe que “a comunidade jurídica suporte a substituição da pena, pois só assim se dá satisfação às exigências de defesa do ordenamento jurídico e, consequentemente, se realiza uma certa ideia de prevenção geral. A sociedade tolera uma certa perda de efeito preventivo geral, isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição, mas nenhum ordenamento jurídico se pode permitir pôr-se a si mesmo em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. Em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral hão-de funcionar como limite ao que, de uma perspetiva de prevenção especial, podia ser aconselhável.
Citando o Ac. do STJ de 28.07.2007, Proc. nº 1488/07, rel. Consº. Rodrigues da Costa, louvado na lição de Figueiredo Dias, supra cit., o sentido das penas de substituição é “o de se imporem como limite às exigências de prevenção especial, constituindo então o conteúdo mínimo de prevenção geral de integração de que se não pode prescindir para que não sejam, em último recurso, defraudadas as expetativas comunitárias relativamente à tutela dos bens jurídicos”.
[30] Cfr. RL 28/10/2009 in www.dgsi.pt.
[31] André Lamas Leite, in Contributo para a evolução histórica das penas substitutivas, RJLB, Ano 5 (2019), nº 3, pg.256,
(disponível https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/121982/2/347608.pdf).