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DESPEDIMENTO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
DESCRIÇÃO CIRCUNSTANCIADA DOS FACTOS IMPUTADOS AO TRABALHADOR
NULIDADE DO DESPEDIMENTO
CADUCIDADE DA ACÇÃO DISCIPLINAR
Sumário
1. Pode considerar-se lícita a descrição na nota de culpa de um comportamento global, na medida que seja um complemento à descrição de factos concretos e constituintes das infracções imputadas. 2. Imputando a empregadora na nota de culpa meras generalidades – sem especificar em relação ao trabalhador quando, onde e como praticou a infracção disciplinar – colocando-o na contingência de se defender também com meras generalidades (negação genérica e descrição geral das suas funções profissionais), não se pode considerar sanada a nulidade da nota de culpa. 3. A empregadora pode determinar oficiosamente diligências probatórias, como forma de comprovar a sua decisão disciplinar, contando-se o prazo de 30 dias de caducidade do direito de aplicar a sanção (art. 357.º n.º 1 do Código do Trabalho) desde a data da última diligência realizada. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
No Juízo do Trabalho de Setúbal, vários trabalhadores propuseram acções de impugnação de decisões de despedimento, com fundamento disciplinar, deduzidas pela empregadora NAVIGATOR PULP SETÚBAL, S.A..
Na acção em que é trabalhador AA, este arguiu na sua contestação a excepção peremptória de nulidade da nota de culpa, a qual foi julgada improcedente no saneador.
Na acção em que é trabalhador BB, este arguiu idêntica excepção na sua contestação, a qual foi também julgada improcedente no saneador.
E o mesmo se passou na acção em que é trabalhador CC, onde a excepção peremptória de nulidade da nota de culpa também foi julgada improcedente no saneador.
Por seu turno, na acção em que é trabalhador DD, este arguiu a invalidade do processo disciplinar, por a decisão de despedimento ter sido proferida mais de 30 dias sobre a última diligência probatória. Também esta excepção foi julgada improcedente no saneador.
Mais foi determinado que todas as acções fossem apensadas ao processo 5420/21.4T8STB, com a consequente tramitação conjunta.
Inconformados com os aludidos despachos, os referidos trabalhadores apresentaram recursos, que ora se tramitam de forma unitária, face à regra do art. 645.º n.º 3 do Código de Processo Civil.
As conclusões dos recursos apresentados pelos trabalhadores AA, BB e CC são substancialmente idênticas. Estes trabalhadores concluem o seguinte:
A. O presente recurso de apelação tem por objecto o despacho saneador do douto Tribunal a quo proferido no âmbito do processo n.º (…), que correu termos no Juízo do trabalho de Setúbal - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (adiante abreviadamente designada por “despacho”) e que apreciou e julgou totalmente improcedente a excepção peremptória de nulidade da nota de culpa invocada na contestação apresentada pelo Recorrente.
B. O processo n.º (…) foi apensado ao processo n.º (…) que corre termos no Juízo do trabalho de Setúbal - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal.
C. Com efeito, com a pertinência devida para o objecto do presente recurso, salienta-se, por um lado, a impugnação da interpretação da matéria de facto dada como provada, porquanto a mesma padece de erro grosseiro na apreciação da prova documental junta aos autos, e, consequentemente, não foram retiradas as conclusões que se impunham ao Tribunal a quo, e por outro, a total desconsideração e errada interpretação e aplicação de normas de direito de carácter imperativo, que foram manifestamente violadas, designadamente, e sem exclusão de outras, as normas ínsitas no n.º 1 e na al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, e no n.º 1, do art.º 353.º, ambos do Código do Trabalho (adiante abreviadamente designado por “CT”).
D. E por isso, o despacho recorrido deverá ser revogado e, em seu lugar, ser proferida douta decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora que declare procedente a excepção peremptória de nulidade da nota de culpa, por falta da descrição circunstanciada dos factos imputados ao Recorrente, e, por seu turno, a ilicitude do despedimento com todas as consequências legais, nomeadamente com a condenação da Recorrida nos precisos termos peticionados na contestação junta aos autos que, por razões de economia processual, se dá aqui por integralmente reproduzida. Do erro na apreciação da matéria de facto dada como provada.
E. No que concerne à matéria de facto dada como provada na alínea D) do despacho ora em crise, o Tribunal a quo concluiu que a nota de culpa junta ao processo disciplinar, e devidamente comunicada ao Recorrente, contém as circunstâncias de modo, tempo e lugar das condutas que lhe são imputadas.
F. Sucede, porém, a ponderação efectuada pelo Tribunal a quo merece, com o devido respeito, que é muito, total censura, porquanto é manifesto que errou grosseiramente na apreciação dessa matéria factual e na submissão da mesma ao direito aplicável.
G. Com efeito, é por demais evidente que a nota de culpa não faz uma cabal indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos ocorreram, na medida em que não indica dias, horas, bem como o lugar e o modo/forma como o Recorrente alegadamente actuou.
H. Acresce ainda que, nenhuma imputação/referência concretas são feitas ao Recorrente ao longo da nota de culpa, designadamente sobre os montantes supostamente recebidos pelo Recorrente, e sobre a pessoa ou pessoas que lhe os entregava. E nem lhe poderiam ser feitas, uma vez que o Recorrente nunca praticou nenhum dos factos vertidos na nota de culpa.
I. Deste modo, atenta o teor da nota de culpa comunicada ao Recorrente, dúvidas não subsistem de que a Recorrida se limitou a deduzir na nota de culpa meras imputações vagas, genéricas e conclusivas.
J. E, como é sabido, não basta uma indicação genérica e imprecisa do comportamento imputado ao trabalhador, sendo necessário especificar os factos em que esse comportamento se traduziu, bem como as circunstâncias de tempo e lugar em que tais factos ocorreram. O que não foi feito na nota de culpa junta ao procedimento disciplinar. Da matéria de direito. Da invalidade do processo disciplinar por falta da descrição circunstanciada dos factos imputados ao Recorrente.
K. Com efeito, os factos imputados ao Recorrente, dados como provados no processo disciplinar, nomeadamente na nota de culpa, não foram devidamente circunstanciados como é imposto pela legislação laboral. (Cfr. n.º 1, do art.º 353.º, e al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, ambos do CT)
L. Como é sabido, a descrição dos factos deverá ser enquadrada no seu contexto próprio de tempo, modo e lugar, individualizando-os e especificando-os, para permitir ao trabalhador, sendo esse o caso, a sua impugnação. E o certo é que a Recorrida não o fez na nota culpa comunicada ao Recorrente.
M. Sobre este assunto, determina o n.º 1, do art.º 353.º, do CT, sob a epígrafe “nota de culpa”, que “no caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.” (negrito nosso)
N. E no que respeita à ausência da descrição circunstanciada dos factos na nota de culpa, impõe a al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, do CT, que “o procedimento é inválido se faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador.” (negrito nosso)
O. Destarte, é inequívoco que, também por esse motivo, o despedimento em causa deverá ser declarado ilícito por manifesta ausência da descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao Recorrente na nota de culpa, por imposição da citada al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, do CT.
P. Neste sentido, Vd. a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 14 de Novembro de 2018, no âmbito do processo n.º 94/17.0T8BCL-A.G1.S1, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que “a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, em termos de modo, tempo ainda que aproximado, e de lugar, de forma a permitir que aquele organize, de forma adequada, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar.”
Q. Vd. ainda, também a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 10 de Outubro de 2017, no âmbito do citado processo n.º 94/17.0T8BCL-A.G1, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que: (segue-se o sumário deste aresto).
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., o presente recurso de apelação deve ser considerado totalmente procedente e por provado e, em consequência, o douto despacho do Tribunal a quo deve ser totalmente revogado e, em sua substituição, ser proferida douta decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora que declare procedente a excepção peremptória de nulidade da nota de culpa, por falta da descrição circunstanciada dos factos imputados ao Recorrente, e, por seu turno, a ilicitude do despedimento com todas as consequências legais, nomeadamente com a condenação da Recorrida nos precisos termos peticionados na contestação junta aos autos.
Quanto às conclusões do trabalhador DD, são as que seguem:
I. O ora recorrente não se conforma com a decisão do douto Tribunal a quo que, no despacho saneador, julgou improcedente a excepção peremptória de caducidade de aplicação da sanção disciplinar de despedimento ao Recorrente.
II. Em sede de processo disciplinar foram inquiridas duas testemunhas, EE e FF que, nos competentes autos de inquirição se refere foram indicadas pelo Trabalhador arguido, ora Recorrente.
III. O Recorrente, em sede de processo disciplinar, não requereu quaisquer diligências probatórias, conforme reconhecido quer na douta decisão posta em crise, quer no relatório final do procedimento disciplinar a fls. 577.
IV. A Recorrida não determinou oficiosamente a inquirição das testemunhas e, de forma sub-reptícia, inquiriu-as como se fossem indicadas pelo Recorrente (falsamente diga-se desde já!!!)
V. As diligências probatórias em questão, por não terem sido determinadas oficiosamente ou requeridas pelo Recorrente, deveriam ter sido consideradas como não existentes pelo douto Tribunal a quo, perdendo o seu valor como prova, o que, afinal não veio a suceder.
VI. Não deveria ter tido lugar a inquirição da testemunha FF, efectuada a 22 de Setembro de 2021, devendo considerar-se como não realizada pelos motivos expostos.
VII. Mal andou o Tribunal a quo não determinando ainda que a última diligência probatória efectuada foi a tomada de declarações da testemunha GG, realizada a 7 de Setembro de 2021.
VIII. Por consequência, datando o relatório final de 8 Outubro de 2021, a Recorrida excedeu os prazos consignados no artigo 357.º n.ºs 1 e 2 do Código de Trabalho uma vez que medeiam 31 dias entre a última diligência probatória que deveria ter sido considerada e a elaboração do relatório final do processo disciplinar e as suas conclusões.
IX. Seguindo a nesta linha, o douto Tribunal a quo deveria cominar a ultrapassagem daqueles prazos com a caducidade da aplicação da sanção disciplinar de despedimento ao Recorrente e julgar procedente a excepção peremptória invocada por este na sua contestação.
X. Mal andou o douto Tribunal a quo ao não proceder assim e não determinar que o despedimento do Recorrente tivesse ocorrido de forma ilícita.
XI. Na verdade, o douto Tribunal a quo não se pronunciou sobre a validade dos depoimentos daquelas testemunhas, cerne de fundo da questão submetida pelo Recorrente e que influi no exame e boa decisão da matéria em causa.
XII. Assim, a decisão em crise padece de omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea d) CPC, deve ser considerado nulo o despacho saneador na parte da decisão que julgou improcedente a excepção peremptória da caducidade da aplicação da sanção disciplinar imposta ao recorrente pela sua entidade empregadora.
XIII. Considera o recorrente que, com a douta decisão em causa o douto tribunal a quo violou os artigos 357.º n.ºs 1 e 2 e 389.º do Código de Trabalho e artigo 615.º n.º 1 alínea d) CPC.
XIV. Deverá ser revogada a douta decisão alvo do presente recurso e ser substituída por outra que julgue procede a excepção peremptória de caducidade de aplicação da sanção disciplinar de despedimento ao Recorrente e, em consequência, determine a ilicitude do despedimento do A.
Nas suas respostas, a empregadora sustenta a manutenção dos julgados.
A Digna Magistrada do Ministério Público nesta Relação emitiu o seu parecer.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.
Consigna-se que se procedeu à consulta dos autos principais e seus apensos, pendentes na primeira instância, através do sistema electrónico de acompanhamento à actividade dos tribunais, Citius – art. 15.º n.º 2 al. b) da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, na sua redacção actual.
A – Matéria de facto respeitante ao trabalhador AA: A decisão recorrida considerou provado o seguinte, quanto a este trabalhador:
A) Em 14/05/2021, o Conselho de Administração da empregadora determinou a abertura do processo disciplinar ao A. e designou instrutores do mesmo, as Senhores Dras. HH e II.
B) Por carta datada de 21/05/2021, entregue em mão nesse dia, foi o A. suspenso preventivamente, sem perda de retribuição, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 354.º do Código do Trabalho.
C) Através de carta datada de 17/06/2021, registada no mesmo dia e recebida pelo destinatário em 21/06/2021, foi o A. notificado da nota de culpa, da possibilidade de consulta dos autos de procedimento disciplinar, do prazo de que dispunha para responder à mesma e de que era intenção da R. proferir, a final, decisão de despedimento com justa causa.
D) Na nota de culpa anexa à referida missiva foram imputados os seguintes factos:
13. “Em data não concretamente apurada, mas certamente antes de 1 de Janeiro de 2017, com periodicidade diária e até a presente data, alguns fornecedores de madeira da NVG (tais como, JJ da sociedade C..., LDA.; D..., LDA.; L..., LDA.; KK da sociedade H..., LDA.; LL da sociedade T..., LDA.; MM da sociedade N..., LDA.; NN da sociedade M..., LDA.; OO da sociedade A..., LDA. e M..., LDA.; N..., LDA.; e, L... das sociedades M..., LDA. e L..., LDA.), juntamente com os colaboradores com funções na recepção e pesagem, nomeadamente, o Trabalhador Arguido, PP e AA, os trabalhadores com funções de controlo e medição das cargas recebidas (particularmente, os trabalhadores QQ, RR, SS, GG, TT, UU, VV, WW e XX, DD, YY, CC, ZZ, AAA, BBB, BB, CCC, DDD, EEE, FFF, o operador de Recepção de Preparação de Madeiras J..., e os Supervisores de turno (GGG, HHH, III, JJJ e KKK), formularam e concretizaram, entre si, o propósito de possibilitar e aceitar o recebimento de cargas de madeira que, em condições normais, seriam recusadas (de acordo com as regras e procedimentos da NVG), a troco de contrapartidas pecuniárias solicitadas e entregues pelos fornecedores acima identificados.
14. As referidas contrapartidas monetárias eram entregues directamente pelos fornecedores aos Supervisores de turno ou aos Operadores MAET que se encontravam de serviço no local de medição de densidades.
15. Acresce que, nos casos de recepção de madeira irregular, como por exemplo, madeira queimada ou de espécies florestais não aceites, a fim de que não fosse visível, a mesma não era depositada em parque, mas sim de imediato canalizada para a trituração, de forma a não ser possível determinar a boa ou má qualidade da madeira recebida.
16. Por outro lado, mediante uma alteração ao intencional dos diversos mecanismos de medição que têm ao seu dispor, os referidos trabalhadores modificavam os valores finais sobre os quais incidem os montantes pecuniários a pagar pela NVG aos fornecedores, montantes esses significativamente superiores aos que na realidade deveriam ser liquidados, caso tais medições fossem correctamente realizadas, resultando num prejuízo para a NVG, que em regra ascende, pelo menos, entre € 200,00 a € 300,00 por cada carga entregue.
17. A introdução de forma fraudulenta de outras espécies poderá por regra compreender as espécies que não devem ser compradas como rolaria, tais como a Acácia e o Choupo, o que justifica por si só a recusa de tais espécies no processo produtivo da NVG em apreço.
18. Em caso de aceitação irregular destas espécies florestais, para a NVG, o prejuízo económico resulta, primeiramente por via do valor pago, ou seja, o fornecedor receberá indevidamente o pagamento de um tipo de madeira com menor valor, pelo valor semelhante ao eucalipto, que apresenta maior valor e preço no mercado.
19. Além do prejuízo económico, a aceitação irregular de outras espécies diferentes de eucalipto tem também grande impacto ao nível da certificação da NVG,
20. Na medida em que, sendo a NVG uma empresa certificada, de acordo com os esquemas de certificação FSC e PEFC, está obrigada ao cumprimento de normas específicas impostas par estes esquemas de certificação.
21. Sucede que, ao adquirir madeira certificada e fazendo a sua conversão em produto pasta ou papel, e este produto final que é vendido ao mercado como sendo de origem certificada.
22. Ora, sempre que é detectada uma irregularidade relacionada com a madeira (o que não sucedia propositadamente devido ao conluio em torno dos fornecimentos de madeira), a NVG é obrigada a desclassificar essa madeira, o que implica que o produto final (pasta ou papel) não possa ser vendido como de origem certificada no mercado.
23. Tal situação pode até, no limite, originar uma suspensão temporária ou definitiva do certificado obtido pela NVG, ficando, por isso, impossibilitada de comercializar pasta ou papel com essa característica, o que em diversos mercados é requisito fundamental para a comercialização.
24. Outro critério qualitativo inicialmente apreciado é o diâmetro da rolaria que constitui a maior parte da carga fornecida.
25. Seguidamente, aquando a medição de densidade, apresentando o Choupo e a Acácia menor densidade, o seu peso por volume será sempre menor do que o peso por volume do eucalipto, levando no final a NVG a pagar mais volume por cada fornecimento, resultando em prejuízo, uma vez que quanto menor for a densidade medida, maior será o volume calculado e consequentemente o valor pago ao fornecedor.
26. Para que tal aconteça, é imprescindível, nesta fase de medição de densidade, necessariamente, a conivência do respectiva Operador MAET.
27. Também na produção final, a entrega deste tipo de madeira em quantidades significativas acaba por reflectir na NVG uma menor produção de pasta.
28. Ou seja, se em cada 100 kg de madeira seca de eucalipto resulta a produção de 53 a 55 Kg de fibras de celulose, já em 100 Kg de Acácia resultara uma produção de cerca de 10% fibras de celulose a menos.
29. Sucede que, em violação das regras laborais e, na prossecução da actividade ilícita, os trabalhadores da NVG, em concreto, os Operadores MAET, aquando da medição de densidade, encostam e exercem pressão com a pinça da máquina nas paredes do respectivo tanque, conseguindo o resultado de valores que não correspondem a realidade, gerando desta forma densidades menores e prejuízo para a NVG, uma vez que o preço final da madeira recebida a pagar pela NVG aos seus fornecedores corresponde ao volume resultante da divisão do peso líquido pela densidade da amostra medida (sem prejuízo dos Operadores MAET utilizarem ainda outros possíveis mecanismos que defraudem a operação da NVG).
30. Portanto, os trabalhadores da NVG acima referidos, nomeadamente, o Trabalhador Arguido, possibilitaram o registo de entrada de madeira que não corresponde às características exigidas pelos procedimentos internos do Grupo NVG, sem qualquer desconto ou dando apenas um desconto simbólico, a troco de uma retribuição monetária.
31. Na operação de medida da densidade, estes operadores conseguiram também falsear a operação, mediante a respectiva retribuição monetária, de modo a que fosse registada uma densidade diferente (mais baixa) do que a densidade real da carga, beneficiando o fornecedor (uma vez que o volume e obtido como resultado da divisão do peso pela densidade, o que significa que, quanta menor a densidade, maior será o resultado).
32. Uma vez que toda estas operação é supervisionada por um Supervisor de Turno, também este recebeu a sua retribuição monetária para permitir que o processo se desenvolva normalmente.
33. Posteriormente, todos estes trabalhadores (incluindo o Trabalhador Arguido) violaram os procedimentos internos e o Código de Ética em vigor na NVG e, de forma ilícita, repartiram o dinheiro dessas vantagens económicas.
34. Na verdade e sem prejuízo de, num primeiro momento, inúmeros trabalhadores da NVG terem sido previamente constituídos arguidos no âmbito do processo-crime que corre termos sob o n.º 3250/18.0T9STB no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal pela prática de inúmeros ilícitos penais decorrentes da situação supra descrita, certo é que apenas recentemente a referida conduta foi igualmente imputada ao aqui Trabalhador Arguido.
35. Com efeito, na sequência da consulta ao mencionado processo-crime pela empresa Arguente, atendendo à sua qualidade de Assistente, resultou que a prática supra referida igualmente foi imputada ao Trabalhador Arguido e demais colegas.
36. Isto é, tal como resulta dos testemunhos prestados em sede de inquirição junto da Polícia Judiciária, no âmbito do processo-crime que corre termos sob o n.º 3250/18.0T9STB no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o Trabalhador Arguido encontra-se indiciado da prática de ilícitos penais, nomeadamente, o crime de corrupção passiva no sector privado, previsto e punido pelo artigo 8º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril.
37. A ser assim, destacam-se os seguintes extractos dos depoimentos que ora se transcrevem e que se encontram anexos aos presentes autos disciplinares:
38. Depoimento de LLL:
(...) “Relativamente aos factos em investigação nos autos, refere que acerca de seis anos, quando foi colocado neste serviço, ouviu logo comentários de que neste serviço existia o boato do pagamento de contrapartidas por parte dos fornecedores. Que logo ao início, quando foi ali colocado, uma ou outra vez, em data que não consegue precisar, alguns motoristas chegaram a entregar-lhe juntamente com a guias, uma nota de 10,00 ou 20,00 euros, tendo o declarante devolvido aos mesmos essas ofertas, ficando os mesmos envergonhados. (…) só no ano passado, no final do Inverno, um fornecedor, cujo nome se recorda apenas de "MMM" terá lhe entregue no meio de uma guia, uma nota de 10,00 euros montante que o declarante recusou devolvendo-lhe e pedindo-lhe que a guardasse (...).”
39. Depoimento de NNN:
(…) “Relativamente aos factos em investigação nos autos, refere que tal se tratava de uma situação sobre a qual corriam boatos há vários anos, ou seja, de trabalhadores que recebiam contrapartidas pagas pelos fornecedores para beneficiar as avaliações e medições dos fornecimentos de madeira que era entregue. (...) Que quando foi colocado neste local, uma vez, um fornecedor que não consegue identificar, junto do guiché existente, em vez de lhe entregar a guia do transporte, estendeu algumas notas, cujo valor desconhece. Que de mediato lhe chamou a atenção para o que estava a fazer, recusando receber essas notas, tendo o referido indivíduo pedido desculpa e entregue a guia (...).”
40. Depoimento de OOO:
(...) “Relativamente ao pagamento de contrapartidas pecuniárias por parte de fornecedores de madeira a colaboradores da Navigator em Setúbal, com funções de recepção no parque de madeiras, para que pelos mesmos fosse aceite a madeira que não preenchesse os critérios de aceitação ou para evitar que tais cargas fossem sujeitas a descontos, refere o declarante que tal prática em Setúbal já era notória e comentada há mais de 30 anos, altura em que acompanhava o seu pai, também madeireiro. Que durante cerca de 14 anos realizou uma prestação de serviços de transporte de madeira para a Navigator em Setúbal, antiga Portucel, sendo essa madeira oriunda das explorações próprias da Portucel. Que nesta altura continuou a perceber a existência e continuidade de tais práticas por parte dos referidos colaboradores da Navigator. Que há cerca de seis anos, a ..., para além do transporte de madeira para a Navigator, estabeleceu também um contrato de fornecimento de madeiras, tornando-se a já referida prestação de serviços de transporte residual. Que desde o início deste contrato de fornecimento, que em concreto, os chefes de equipa do parque de madeiras lhe começaram a exigir o pagamento de montantes pecuniários para que os fornecimentos da ... fossem aceites ou não fossem sujeitos a descontos, independentemente das cargas de madeira que levava. Ou seja, mesmo que a ... apresentasse madeira de qualidade, se não tivesse existido o qualquer pagamento a mesma seria recusada ou sujeita a descontos excessivos. Considera assim que se sentiu obrigado a proceder aos respectivos pagamentos, sendo essa a (única forma de poder continuar a actividade. (...) Que os montantes acordados inicialmente era o pagamento de total de cerca de 90,00 euros, correspondendo a 20,00 euros para os elementos da recepção/portaria, valor que era entregue à entrada aquando da pesagem e de 20,00 euros para o chefe de turno e 50,00 euros para o operador da máquina de medição de densidade, sendo supostamente estes 50,00 euros posteriormente divididos pelos restantes elementos do turno. Que estes valores eram habitualmente entregues quando o camião chegava junto do tanque de medição de densidade situado junto aos gabinetes do Chefe de turno e gabinetes dos responsáveis de área PPP e ....
(...) Que as quantias eram recebidas pelo operador de máquina de densidade ou pelo chefe de turno que se deslocavam junta a cabine do camião supostamente para ver a guia ou cumprimentar os motoristas. (...) Relativamente aos operadores de máquina de medição de densidade lembra-se de ter entregue a todos os que se encontravam de turno no momento da descarga, apenas conseguindo identificar a quem entregou valores pecuniários para além dos já referidos chefes de turno, o TT, o RR, o VV, o QQ, UU, QQQ, DDD, SS, PP, GG, WW, DD, também conhecido pela alcunha de "...", YY, CC, ZZ, AAA, BBB, BB, EEE, J... um recepcionista que conhece apenas pela alcunha de "RRR". Que no fundo existiam muitos outros a quem foram entregues quantias, cujos nomes não consegue precisar, sendo que se recorda de um recepcionista de nome LLL que se recusava a receber qualquer quantia ou a alinhar no referido esquema.
41. Depoimento de SSS:
(...) "Que desde há muitos anos que é comentado da existência de entrega irregular de madeira, a troco de contrapartidas pagas por madeireiros na Navigator em Setúbal (...)."
42. Foram também juntos aos autos do processo-crime uma agenda de um dos fornecedores de madeira da Navigator, M..., cujas anotações permitem concluir pelo efectivo pagamento de contrapartidas pecuniárias aos trabalhadores da empresa Arguente, entre os quais o Trabalhador Arguido, obviamente a troco da recepção de madeira irregular, sem descontos e benefícios na medição da densidade, prejudicando dessa forma a empresa Arguente.
43. Em inúmeras anotações na referida agenda, ao longos de vários anos, pode ler-se as datas, as quantias pagas e à frente as referências a "Recepção", "Densidade", "Chefe de Turno", "Esconder madeira queimada", "Esconder pinho", "Dei ao ..., HHH, P... e VV", isto repetidamente, vezes sem conta...
44. A actuação conjunta dos trabalhadores supra indicados (incluindo o Trabalhador Arguido) desencadeou um elevado impacto na economia nacional e regional, porquanto a actividade da NVG representa:
(i) 14% das exportações da região, com destino a mais de 120 países;
(ii) 44% da carga exportada pelo porto de Setúbal;
(iii) Cerca de 450 GWh de energia eléctrica renovável por ano (correspondente ao consumo anual de cerca de 380 mil Portugueses).
45. A NVG concede apoios à cultura e ao desenvolvimento social da região.
46. Ou seja, na presente data, apurou-se de forma inequívoca que os trabalhadores da NVG (no qual se inclui o Trabalhador Arguido) agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, de modo organizado e reiterado, com a intenção conseguida de obter vantagem económica prestada pelos fornecedores acima referidos, tendo para tanto desrespeitado o contrato de trabalho que celebraram com a NVG e as normas internas vigentes, causando significativos prejuízos à entidade empregadora.
47. Os fornecedores actuaram com o propósito conseguido de fazer com que os trabalhadores da NVG não cumprissem as funções para que foram contratados pela NVG, a troco de recompensa patrimonial, conseguindo vantagens económicas de forma desleal para a NVG.
48. Os trabalhadores da NVG (nomeadamente, o Trabalhador Arguido) e os fornecedores acima referidos, através da sua actuação organizada e reiterada, deliberadamente provocaram elevado prejuízo económico na actividade da NVG, que se estima em cerca de 4 milhões de euros por ano e, consequentemente, impactando o funcionamento do mercado regional, não permitindo que fornecedores idóneos e com mérito escoem a sua matéria-prima para as instalações da NVG sitas em Setúbal.”
E) O trabalhador, através do seu Ilustre Mandatário, apresentou reposta à nota de culpa.
F) O instrutor do processo procedeu à inquirição das testemunhas do trabalhador em 16 e 21 de Julho de 2021.
G) Foram efectuadas outras inquirições de testemunhas e juntos aos autos diversos documentos.
H) Por carta datada de 12/10/2021, recebida pelo trabalhador a 14/10/2021 foi-lhe dado conhecimento do relatório e decisão de despedimento com justa causa proferida pela entidade empregadora no âmbito do processo disciplinar que lhe movera.
No uso dos poderes previstos no art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, porque se trata de matéria documentada no procedimento disciplinar junto com o articulado de motivação do despedimento apresentado pela empregadora, e porque é relevante para a decisão do recurso, adita-se ao elenco fáctico ainda o seguinte:
I) Na resposta à nota de culpa, o trabalhador AA invocou nos pontos 1 a 21 a caducidade do procedimento disciplinar, nos pontos 22 a 27 a prescrição do dito procedimento, nos pontos 28 a 35 a falta de descrição circunstanciada da matéria de facto, nos pontos 36 a 38 a desconsideração da prova produzida no inquérito-crime, e nos pontos 39 a 55 defendeu-se dos factos imputados nos termos seguintes:
39. “O Arguido impugna todos os factos, e a prova documental junta ao processo disciplinar que os sustenta, que não forem adiante expressamente confessados serem verdadeiros ou desconhecidos, por, naturalmente, não corresponderem à verdade.
40. Com efeito, em 7 de Junho de 2018, o Arguido foi admitido ao serviço da Entidade Patronal, passando, a partir dessa data, a laborar sob ordem, direcção e fiscalização daquela,
41. Desempenhando, à data, a categoria profissional de recepcionista de materiais na sede social da Entidade Patronal, em regime de turnos rotativos de segunda feira a sábado, das 00:00h às 08:00h, das 08:00h às 16:00h e das 16:00h às 24:00h.
42. Pelo que, se aceita, por corresponder à verdade, o alegado nos artigos 1.º e 2.º da nota de culpa.
43. Contudo, o Arguido já não admite os restantes factos vertidos na nota de culpa, designadamente, e sem exclusão de outros, os factos ínsitos nos artigos 13.º a 44.º, que impugna veementemente por padecerem de falsidade, e por serem desprimorosos e ofensivos da honra e do seu bom nome do arguido.
44. Porquanto, em abono da verdade, o Arguido nunca praticou os factos de que vem acusado.
Senão vejamos:
45. Pese embora o Arguido desempenhar as funções de recepcionista, a realidade é que as suas funções se resumiam à inserção, no programa informático da Entidade Patronal, dos dados de avaliação da madeira que entra no parque madeiras (que eram recolhidos e indicados pelo colega que fazia equipa com o Arguido) e, bem assim, dos dados das guias de transporte dessa madeira.
46. Quer isto dizer que o Arguido nunca recepcionou a madeira fornecida pelos fornecedores da Entidade Patronal e, por sua vez, nunca procedeu à avaliação visual da mesma, nomeadamente se aquela preenchia ou não os critérios de aceitação da Entidade Patronal, por as suas funções serem exclusivamente as de inserção de dados no programa informático com que trabalhava.
47. Razão pela qual, o Arguido não saía do edifício da recepção durante o seu horário de trabalho, a não ser para ir à casa de banho ou para efectuar paragens para refeição de acordo com o seu horário de trabalho.
48. Mais, além de o Arguido não conseguir visualizar do seu posto de trabalho os veículos pesados e as respectivas cargas de madeira que entravam no parque de madeiras da Entidade Patronal, atente-se ainda que, à data da prática dos factos imputados, o Arguido desconhecia os critérios de avaliação da madeira que entrava no parque de madeiras, exigidos pela Entidade Patronal, por nunca ter tido formação para desempenhar essas funções.
49. Pois, as funções de recepção e avaliação visual da madeira que entrava no parque de madeiras eram sempre efectuadas pelo colega de equipa do Arguido que tinha formação para o efeito.
Ademais,
50. Considerando a categoria profissional e as funções específicas do Arguido, note-se também que, é manifestamente falso que o Arguido executou testes de densidades à madeira que entrava no parque de madeiras.
51. Porquanto, como é sabido, esses testes de madeira eram feitos pelos condutores MAET (Máquinas e aparelhos de elevação e transporte).
52. Com efeito, o Arguido tem sido, desde sempre, um trabalhador responsável e exemplar, na medida em que, no exercício das suas funções, sempre agiu com lealdade, de modo zeloso, diligente, empenhado e em cumprimento dos deveres laborais a que está obrigado.
53. Se assim não fosse, o Arguido não tinha o seu registo disciplinar limpo.
54. Destarte, atento todo o supra exposto, é manifesto que o Arguido não praticou os factos de que vem acusado e, por seu turno, não violou os deveres previstos nas alíneas c), e), g) e f), do n.º 1, do art.º 128.º do CT, e, por conseguinte,
55. Inexiste justa causa de despedimento ao abrigo do disposto no n.º 1, e nas alíneas a), d) e e), do n.º 2, do art. 351.º do CT, devendo, a final, ser proferida douta decisão que declare a absolvição do Arguido com o consequente arquivamento do presente procedimento disciplinar, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 357.º do CT.”
J) A decisão de despedimento proferida pela empregadora funda-se na matéria de facto que já constava da nota de culpa, supra referida em D).
B – Matéria de facto respeitante ao trabalhador BB: A decisão recorrida considerou provado o seguinte, quanto a este trabalhador:
A) Em 14/05/2021, o Conselho de Administração da empregadora determinou a abertura do processo disciplinar ao A. e designou instrutores do mesmo, as Senhores Dras. HH e II.
B) Por carta datada de 21/05/2021, entregue em mão nesse dia, foi o A. suspenso preventivamente, sem perda de retribuição, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 354.º do Código do Trabalho.
C) Através de carta datada de 17/06/2021, registada no mesmo dia e recebida pelo destinatário em 26/06/2021, foi o A. notificado da nota de culpa, da possibilidade de consulta dos autos de procedimento disciplinar, do prazo de que dispunha para responder à mesma e de que era intenção da R. proferir, a final, decisão de despedimento com justa causa.
D) Na nota de culpa anexa à referida missiva foram imputados os seguintes factos:
13. “Em data não concretamente apurada, mas certamente antes de 1 de Janeiro de 2017, com periodicidade diária e até a presente data, alguns fornecedores de madeira da NVG (tais como, JJ da sociedade C..., LDA.; D..., LDA.; L..., LDA.; KK da sociedade H..., LDA.; LL da sociedade T..., LDA.; MM da sociedade N..., LDA.; NN da sociedade M..., LDA.; OO da sociedade A..., LDA. e M..., LDA.; N..., LDA.; e, L... das sociedades M..., LDA. e L..., LDA.), juntamente com os colaboradores com funções na recepção e pesagem, nomeadamente, o Trabalhador Arguido, PP e AA, os trabalhadores com funções de controlo e medição das cargas recebidas (particularmente, os trabalhadores QQ, RR, SS, GG, TT, UU, VV, WW e XX, DD, YY, CC, ZZ, AAA, BBB, BB, CCC, DDD, EEE, FFF, o operador de Recepção de Preparação de Madeiras J..., e os Supervisores de turno (GGG, HHH, III, JJJ e KKK), formularam e concretizaram, entre si, o propósito de possibilitar e aceitar o recebimento de cargas de madeira que, em condições normais, seriam recusadas (de acordo com as regras e procedimentos da NVG), a troco de contrapartidas pecuniárias solicitadas e entregues pelos fornecedores acima identificados.
14. As referidas contrapartidas monetárias eram entregues directamente pelos fornecedores aos Supervisores de turno ou aos Operadores MAET que se encontravam de serviço no local de medição de densidades.
15. Acresce que, nos casos de recepção de madeira irregular, como por exemplo, madeira queimada ou de espécies florestais não aceites, a fim de que não fosse visível, a mesma não era depositada em parque, mas sim de imediato canalizada para a trituração, de forma a não ser possível determinar a boa ou má qualidade da madeira recebida.
16. Por outro lado, mediante uma alteração ao intencional dos diversos mecanismos de medição que têm ao seu dispor, os referidos trabalhadores modificavam os valores finais sobre os quais incidem os montantes pecuniários a pagar pela NVG aos fornecedores, montantes esses significativamente superiores aos que na realidade deveriam ser liquidados, caso tais medições fossem correctamente realizadas, resultando num prejuízo para a NVG, que em regra ascende, pelo menos, entre € 200,00 a € 300,00 por cada carga entregue.
17. A introdução de forma fraudulenta de outras espécies poderá por regra compreender as espécies que não devem ser compradas como rolaria, tais como a Acácia e o Choupo, o que justifica por si só a recusa de tais espécies no processo produtivo da NVG em apreço.
18. Em caso de aceitação irregular destas espécies florestais, para a NVG, o prejuízo económico resulta, primeiramente por via do valor pago, ou seja, o fornecedor receberá indevidamente o pagamento de um tipo de madeira com menor valor, pelo valor semelhante ao eucalipto, que apresenta maior valor e preço no mercado.
19. Além do prejuízo económico, a aceitação irregular de outras espécies diferentes de eucalipto tem também grande impacto ao nível da certificação da NVG,
20. Na medida em que, sendo a NVG uma empresa certificada, de acordo com os esquemas de certificação FSC e PEFC, está obrigada ao cumprimento de normas específicas impostas par estes esquemas de certificação.
21. Sucede que, ao adquirir madeira certificada e fazendo a sua conversão em produto pasta ou papel, e este produto final que é vendido ao mercado como sendo de origem certificada.
22. Ora, sempre que é detectada uma irregularidade relacionada com a madeira (o que não sucedia propositadamente devido ao conluio em torno dos fornecimentos de madeira), a NVG é obrigada a desclassificar essa madeira, o que implica que o produto final (pasta ou papel) não possa ser vendido como de origem certificada no mercado.
23. Tal situação pode até, no limite, originar uma suspensão temporária ou definitiva do certificado obtido pela NVG, ficando, por isso, impossibilitada de comercializar pasta ou papel com essa característica, o que em diversos mercados é requisito fundamental para a comercialização.
24. Outro critério qualitativo inicialmente apreciado é o diâmetro da rolaria que constitui a maior parte da carga fornecida.
25. Seguidamente, aquando a medição de densidade, apresentando o Choupo e a Acácia menor densidade, o seu peso por volume será sempre menor do que o peso por volume do eucalipto, levando no final a NVG a pagar mais volume por cada fornecimento, resultando em prejuízo, uma vez que quanto menor for a densidade medida, maior será o volume calculado e consequentemente o valor pago ao fornecedor.
26. Para que tal aconteça, é imprescindível, nesta fase de medição de densidade, necessariamente, a conivência do respectiva Operador MAET.
27. Também na produção final, a entrega deste tipo de madeira em quantidades significativas acaba por reflectir na NVG uma menor produção de pasta.
28. Ou seja, se em cada 100 kg de madeira seca de eucalipto resulta a produção de 53 a 55 Kg de fibras de celulose, já em 100 Kg de Acácia resultara uma produção de cerca de 10% fibras de celulose a menos.
29. Sucede que, em violação das regras laborais e, na prossecução da actividade ilícita, os trabalhadores da NVG, em concreto, os Operadores MAET, aquando da medição de densidade, encostam e exercem pressão com a pinça da máquina nas paredes do respectivo tanque, conseguindo o resultado de valores que não correspondem a realidade, gerando desta forma densidades menores e prejuízo para a NVG, uma vez que o preço final da madeira recebida a pagar pela NVG aos seus fornecedores corresponde ao volume resultante da divisão do peso líquido pela densidade da amostra medida (sem prejuízo dos Operadores MAET utilizarem ainda outros possíveis mecanismos que defraudem a operação da NVG).
30. Portanto, os trabalhadores da NVG acima referidos, nomeadamente, o Trabalhador Arguido, possibilitaram o registo de entrada de madeira que não corresponde às características exigidas pelos procedimentos internos do Grupo NVG, sem qualquer desconto ou dando apenas um desconto simbólico, a troco de uma retribuição monetária.
31. Na operação de medida da densidade, estes operadores conseguiram também falsear a operação, mediante a respectiva retribuição monetária, de modo a que fosse registada uma densidade diferente (mais baixa) do que a densidade real da carga, beneficiando o fornecedor (uma vez que o volume e obtido como resultado da divisão do peso pela densidade, o que significa que, quanta menor a densidade, maior será o resultado).
32. Uma vez que toda estas operação é supervisionada por um Supervisor de Turno, também este recebeu a sua retribuição monetária para permitir que o processo se desenvolva normalmente.
33. Posteriormente, todos estes trabalhadores (incluindo o Trabalhador Arguido) violaram os procedimentos internos e o Código de Ética em vigor na NVG e, de forma ilícita, repartiram o dinheiro dessas vantagens económicas.
34. Na verdade e sem prejuízo de, num primeiro momento, inúmeros trabalhadores da NVG terem sido previamente constituídos arguidos no âmbito do processo-crime que corre termos sob o n.º 3250/18.0T9STB no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal pela prática de inúmeros ilícitos penais decorrentes da situação supra descrita, certo é que apenas recentemente a referida conduta foi igualmente imputada ao aqui Trabalhador Arguido.
35. Com efeito, na sequência da consulta ao mencionado processo-crime pela empresa Arguente, atendendo à sua qualidade de Assistente, resultou que a prática supra referida igualmente foi imputada ao Trabalhador Arguido e demais colegas.
36. Isto é, tal como resulta dos testemunhos prestados em sede de inquirição junto da Polícia Judiciária, no âmbito do processo-crime que corre termos sob o n.º 3250/18.0T9STB no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o Trabalhador Arguido encontra-se indiciado da prática de ilícitos penais, nomeadamente, o crime de corrupção passiva no sector privado, previsto e punido pelo artigo 8º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril.
37. A ser assim, destacam-se os seguintes extractos dos depoimentos que ora se transcrevem e que se encontram anexos aos presentes autos disciplinares:
38. Depoimento de LLL:
(...) “Relativamente aos factos em investigação nos autos, refere que acerca de seis anos, quando foi colocado neste serviço, ouviu logo comentários de que neste serviço existia o boato do pagamento de contrapartidas por parte dos fornecedores. Que logo ao início, quando foi ali colocado, uma ou outra vez, em data que não consegue precisar, alguns motoristas chegaram a entregar-lhe juntamente com a guias, uma nota de 10,00 ou 20,00 euros, tendo o declarante devolvido aos mesmos essas ofertas, ficando os mesmos envergonhados. (…) só no ano passado, no final do Inverno, um fornecedor, cujo nome se recorda apenas de "MMM" terá lhe entregue no meio de uma guia, uma nota de 10,00 euros montante que o declarante recusou devolvendo-lhe e pedindo-lhe que a guardasse (...).”
39. Depoimento de NNN:
(…) “Relativamente aos factos em investigação nos autos, refere que tal se tratava de uma situação sobre a qual corriam boatos há vários anos, ou seja, de trabalhadores que recebiam contrapartidas pagas pelos fornecedores para beneficiar as avaliações e medições dos fornecimentos de madeira que era entregue. (...) Que quando foi colocado neste local, uma vez, um fornecedor que não consegue identificar, junto do guiché existente, em vez de lhe entregar a guia do transporte, estendeu algumas notas, cujo valor desconhece. Que de mediato lhe chamou a atenção para o que estava a fazer, recusando receber essas notas, tendo o referido indivíduo pedido desculpa e entregue a guia (...).”
40. Depoimento de OOO:
(...) “Relativamente ao pagamento de contrapartidas pecuniárias por parte de fornecedores de madeira a colaboradores da Navigator em Setúbal, com funções de recepção no parque de madeiras, para que pelos mesmos fosse aceite a madeira que não preenchesse os critérios de aceitação ou para evitar que tais cargas fossem sujeitas a descontos, refere o declarante que tal prática em Setúbal já era notória e comentada há mais de 30 anos, altura em que acompanhava o seu pai, também madeireiro. Que durante cerca de 14 anos realizou uma prestação de serviços de transporte de madeira para a Navigator em Setúbal, antiga Portucel, sendo essa madeira oriunda das explorações próprias da Portucel. Que nesta altura continuou a perceber a existência e continuidade de tais práticas por parte dos referidos colaboradores da Navigator. Que há cerca de seis anos, a ..., para além do transporte de madeira para a Navigator, estabeleceu também um contrato de fornecimento de madeiras, tornando-se a já referida prestação de serviços de transporte residual. Que desde o início deste contrato de fornecimento, que em concreto, os chefes de equipa do parque de madeiras lhe começaram a exigir o pagamento de montantes pecuniários para que os fornecimentos da ... fossem aceites ou não fossem sujeitos a descontos, independentemente das cargas de madeira que levava. Ou seja, mesmo que a ... apresentasse madeira de qualidade, se não tivesse existido o qualquer pagamento a mesma seria recusada ou sujeita a descontos excessivos. Considera assim que se sentiu obrigado a proceder aos respectivos pagamentos, sendo essa a (única forma de poder continuar a actividade. (...) Que os montantes acordados inicialmente era o pagamento de total de cerca de 90,00 euros, correspondendo a 20,00 euros para os elementos da recepção/portaria, valor que era entregue à entrada aquando da pesagem e de 20,00 euros para o chefe de turno e 50,00 euros para o operador da máquina de medição de densidade, sendo supostamente estes 50,00 euros posteriormente divididos pelos restantes elementos do turno. Que estes valores eram habitualmente entregues quando o camião chegava junto do tanque de medição de densidade situado junto aos gabinetes do Chefe de turno e gabinetes dos responsáveis de área PPP e ....
(...) Que as quantias eram recebidas pelo operador de máquina de densidade ou pelo chefe de turno que se deslocavam junta a cabine do camião supostamente para ver a guia ou cumprimentar os motoristas. (...) Relativamente aos operadores de máquina de medição de densidade lembra-se de ter entregue a todos os que se encontravam de turno no momento da descarga, apenas conseguindo identificar a quem entregou valores pecuniários para além dos já referidos chefes de turno, o TT, o RR, o VV, o QQ, UU, QQQ, DDD, SS, PP, GG, WW, DD, também conhecido pela alcunha de "...", YY, CC, ZZ, AAA, BBB, BB, EEE, J... um recepcionista que conhece apenas pela alcunha de "RRR". Que no fundo existiam muitos outros a quem foram entregues quantias, cujos nomes não consegue precisar, sendo que se recorda de um recepcionista de nome LLL que se recusava a receber qualquer quantia ou a alinhar no referido esquema.
41. Depoimento de SSS:
(...) "Que desde há muitos anos que é comentado da existência de entrega irregular de madeira, a troco de contrapartidas pagas por madeireiros na Navigator em Setúbal (...)."
42. Foram também juntos aos autos do processo-crime uma agenda de um dos fornecedores de madeira da Navigator, M..., cujas anotações permitem concluir pelo efectivo pagamento de contrapartidas pecuniárias aos trabalhadores da empresa Arguente, entre os quais o Trabalhador Arguido, obviamente a troco da recepção de madeira irregular, sem descontos e benefícios na medição da densidade, prejudicando dessa forma a empresa Arguente.
43. Em inúmeras anotações na referida agenda, ao longos de vários anos, pode ler-se as datas, as quantias pagas e à frente as referências a "Recepção", "Densidade", "Chefe de Turno", "Esconder madeira queimada", "Esconder pinho", "Dei ao ..., HHH, P... e VV", isto repetidamente, vezes sem conta...
44. A actuação conjunta dos trabalhadores supra indicados (incluindo o Trabalhador Arguido) desencadeou um elevado impacto na economia nacional e regional, porquanto a actividade da NVG representa:
(i) 14% das exportações da região, com destino a mais de 120 países;
(ii) 44% da carga exportada pelo porto de Setúbal;
(iii) Cerca de 450 GWh de energia eléctrica renovável por ano (correspondente ao consumo anual de cerca de 380 mil Portugueses).
45. A NVG concede apoios à cultura e ao desenvolvimento social da região.
46. Ou seja, na presente data, apurou-se de forma inequívoca que os trabalhadores da NVG (no qual se inclui o Trabalhador Arguido) agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, de modo organizado e reiterado, com a intenção conseguida de obter vantagem económica prestada pelos fornecedores acima referidos, tendo para tanto desrespeitado o contrato de trabalho que celebraram com a NVG e as normas internas vigentes, causando significativos prejuízos à entidade empregadora.
47. Os fornecedores actuaram com o propósito conseguido de fazer com que os trabalhadores da NVG não cumprissem as funções para que foram contratados pela NVG, a troco de recompensa patrimonial, conseguindo vantagens económicas de forma desleal para a NVG.
48. Os trabalhadores da NVG (nomeadamente, o Trabalhador Arguido) e os fornecedores acima referidos, através da sua actuação organizada e reiterada, deliberadamente provocaram elevado prejuízo económico na actividade da NVG, que se estima em cerca de 4 milhões de euros por ano e, consequentemente, impactando o funcionamento do mercado regional, não permitindo que fornecedores idóneos e com mérito escoem a sua matéria-prima para as instalações da NVG sitas em Setúbal.”
E) O trabalhador, através do seu Ilustre Mandatário, apresentou reposta à nota de culpa.
F) O instrutor do processo procedeu à inquirição das testemunhas do trabalhador em 16 e 20 de Julho de 2021.
G) Foram efectuadas outras inquirições de testemunhas e juntos aos autos diversos documentos.
H) Por carta datada de 12/10/2021, recebida pelo trabalhador a 15/10/2021 foi-lhe dado conhecimento do relatório e decisão de despedimento com justa causa proferida pela entidade empregadora no âmbito do processo disciplinar que lhe movera.
No uso dos poderes previstos no art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, porque se trata de matéria documentada no procedimento disciplinar junto com o articulado de motivação do despedimento apresentado pela empregadora, e porque é relevante para a decisão do recurso, adita-se ao elenco fáctico ainda o seguinte:
I) Na resposta à nota de culpa, o trabalhador BB invocou nos pontos 1 a 21 a caducidade do procedimento disciplinar, nos pontos 22 a 27 a prescrição do dito procedimento, nos pontos 28 a 35 a falta de descrição circunstanciada da matéria de facto, nos pontos 36 a 38 a desconsideração da prova produzida no inquérito-crime, e nos pontos 39 a 51 defendeu-se dos factos imputados nos termos seguintes:
39. “O Arguido impugna todos os factos, e a prova documental junta ao processo disciplinar que os sustenta, que não forem adiante expressamente confessados serem verdadeiros ou desconhecidos, por, naturalmente, não corresponderem à verdade.
40. Com efeito, em 1 de Outubro de 2000, o Arguido foi admitido ao serviço da Entidade Patronal, passando, a partir dessa data, a laborar sob ordem, direcção e fiscalização daquela,
41. Desempenhando, à data, a categoria profissional de condutor MAET (Máquinas e aparelhos de elevação e transporte) na sede social da Entidade Patronal, em regime de turnos rotativos de segunda feira a sábado, das 00:00h às 08:00h, das 08:00h às 16:00h e das 16:00h às 24:00h.
42. Pelo que, se aceita, por corresponder à verdade, o alegado nos artigos 1.º e 2.º da nota de culpa.
43. Contudo, o Arguido já não admite os restantes factos vertidos na nota de culpa, designadamente, e sem exclusão de outros, os factos ínsitos nos artigos 13.º a 44.º, que impugna veementemente por padecerem de falsidade, e por serem desprimorosos e ofensivos da honra e do seu bom nome do arguido.
44. Porquanto, em abono da verdade, o Arguido nunca praticou os factos de que vem acusado.
45. E mesmo que, por mera hipótese, os quisesse praticar, nunca o poderia fazer, uma vez que o Arguido nunca desempenhou executou os testes de densidades à madeira que entrava no parque de madeiras, bem como nunca fez qualquer tipo de selecção dessa madeira (quer visual, quer por testes de densidades).
46. Pois, note-se, a Entidade Patronal nunca atribui ao arguido o username e a password do programa que é utilizado na máquina MAET para realizar os testes de densidades da madeira que era descarregada por si.
47. Na verdade, não obstante o Arguido efectuar algumas descargas de veículos, as funções principais do Arguido resumiam-se à movimentação de madeira do parque onde se encontrava acondicionada para as mesas de trituração.
48. Mais, o Arguido tem sido, desde sempre, um trabalhador responsável e exemplar, na medida em que, no exercício das suas funções, sempre agiu com lealdade, de modo zeloso, diligente, empenhado e em cumprimento dos deveres laborais a que está obrigado.
49. Se assim não fosse, o Arguido não tinha o seu registo disciplinar limpo.
50. Destarte, atento todo o supra exposto, é manifesto que o Arguido não praticou os factos de que vem acusado e, por seu turno, não violou os deveres previstos nas alíneas c), e), g) e f), do n.º 1, do art. 128.º do CT, e, por conseguinte,
51. Inexiste justa causa de despedimento ao abrigo do disposto no n.º 1, e nas alíneas a), d) e e), do n.º 2 do art. 351.º do CT, devendo, a final, ser proferida douta decisão que declare a absolvição do Arguido com o consequente arquivamento do presente procedimento disciplinar, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 357.º do CT.”
J) A decisão de despedimento proferida pela empregadora funda-se na matéria de facto que já constava da nota de culpa, supra referida em D).
C – Matéria de facto respeitante ao trabalhador CC: A decisão recorrida considerou provado o seguinte, quanto a este trabalhador:
A) Em 14/05/2021, o Conselho de Administração da empregadora determinou a abertura do processo disciplinar ao A. e designou instrutores do mesmo, as Senhores Dras. HH e II.
B) Através de carta datada de 17/06/2021, registada no mesmo dia e recebida pelo destinatário em 18/06/2021, foi o A. notificado da nota de culpa, da possibilidade de consulta dos autos de procedimento disciplinar, do prazo de que dispunha para responder à mesma e de que era intenção da R. proferir, a final, decisão de despedimento com justa causa.
C) Na nota de culpa anexa à referida missiva foram imputados os seguintes factos:
13. “Em data não concretamente apurada, mas certamente antes de 1 de Janeiro de 2017, com periodicidade diária e até a presente data, alguns fornecedores de madeira da NVG (tais como, JJ da sociedade C..., LDA.; D..., LDA.; L..., LDA.; KK da sociedade H..., LDA.; LL da sociedade T..., LDA.; MM da sociedade N..., LDA.; NN da sociedade M..., LDA.; OO da sociedade A..., LDA. e M..., LDA.; N..., LDA.; e, L... das sociedades M..., LDA. e L..., LDA.), juntamente com os colaboradores com funções na recepção e pesagem, nomeadamente, o Trabalhador Arguido, PP e AA, os trabalhadores com funções de controlo e medição das cargas recebidas (particularmente, os trabalhadores QQ, RR, SS, GG, TT, UU, VV, WW e XX, DD, YY, CC, ZZ, AAA, BBB, BB, CCC, DDD, EEE, FFF, o operador de Recepção de Preparação de Madeiras J..., e os Supervisores de turno (GGG, HHH, III, JJJ e KKK), formularam e concretizaram, entre si, o propósito de possibilitar e aceitar o recebimento de cargas de madeira que, em condições normais, seriam recusadas (de acordo com as regras e procedimentos da NVG), a troco de contrapartidas pecuniárias solicitadas e entregues pelos fornecedores acima identificados.
14. As referidas contrapartidas monetárias eram entregues directamente pelos fornecedores aos Supervisores de turno ou aos Operadores MAET que se encontravam de serviço no local de medição de densidades.
15. Acresce que, nos casos de recepção de madeira irregular, como por exemplo, madeira queimada ou de espécies florestais não aceites, a fim de que não fosse visível, a mesma não era depositada em parque, mas sim de imediato canalizada para a trituração, de forma a não ser possível determinar a boa ou má qualidade da madeira recebida.
16. Por outro lado, mediante uma alteração ao intencional dos diversos mecanismos de medição que têm ao seu dispor, os referidos trabalhadores modificavam os valores finais sobre os quais incidem os montantes pecuniários a pagar pela NVG aos fornecedores, montantes esses significativamente superiores aos que na realidade deveriam ser liquidados, caso tais medições fossem correctamente realizadas, resultando num prejuízo para a NVG, que em regra ascende, pelo menos, entre € 200,00 a € 300,00 por cada carga entregue.
17. A introdução de forma fraudulenta de outras espécies poderá por regra compreender as espécies que não devem ser compradas como rolaria, tais como a Acácia e o Choupo, o que justifica por si só a recusa de tais espécies no processo produtivo da NVG em apreço.
18. Em caso de aceitação irregular destas espécies florestais, para a NVG, o prejuízo económico resulta, primeiramente por via do valor pago, ou seja, o fornecedor receberá indevidamente o pagamento de um tipo de madeira com menor valor, pelo valor semelhante ao eucalipto, que apresenta maior valor e preço no mercado.
19. Além do prejuízo económico, a aceitação irregular de outras espécies diferentes de eucalipto tem também grande impacto ao nível da certificação da NVG,
20. Na medida em que, sendo a NVG uma empresa certificada, de acordo com os esquemas de certificação FSC e PEFC, está obrigada ao cumprimento de normas específicas impostas par estes esquemas de certificação.
21. Sucede que, ao adquirir madeira certificada e fazendo a sua conversão em produto pasta ou papel, e este produto final que é vendido ao mercado como sendo de origem certificada.
22. Ora, sempre que é detectada uma irregularidade relacionada com a madeira (o que não sucedia propositadamente devido ao conluio em torno dos fornecimentos de madeira), a NVG é obrigada a desclassificar essa madeira, o que implica que o produto final (pasta ou papel) não possa ser vendido como de origem certificada no mercado.
23. Tal situação pode até, no limite, originar uma suspensão temporária ou definitiva do certificado obtido pela NVG, ficando, por isso, impossibilitada de comercializar pasta ou papel com essa característica, o que em diversos mercados é requisito fundamental para a comercialização.
24. Outro critério qualitativo inicialmente apreciado é o diâmetro da rolaria que constitui a maior parte da carga fornecida.
25. Seguidamente, aquando a medição de densidade, apresentando o Choupo e a Acácia menor densidade, o seu peso por volume será sempre menor do que o peso por volume do eucalipto, levando no final a NVG a pagar mais volume por cada fornecimento, resultando em prejuízo, uma vez que quanto menor for a densidade medida, maior será o volume calculado e consequentemente o valor pago ao fornecedor.
26. Para que tal aconteça, é imprescindível, nesta fase de medição de densidade, necessariamente, a conivência do respectiva Operador MAET.
27. Também na produção final, a entrega deste tipo de madeira em quantidades significativas acaba por reflectir na NVG uma menor produção de pasta.
28. Ou seja, se em cada 100 kg de madeira seca de eucalipto resulta a produção de 53 a 55 Kg de fibras de celulose, já em 100 Kg de Acácia resultara uma produção de cerca de 10% fibras de celulose a menos.
29. Sucede que, em violação das regras laborais e, na prossecução da actividade ilícita, os trabalhadores da NVG, em concreto, os Operadores MAET, aquando da medição de densidade, encostam e exercem pressão com a pinça da máquina nas paredes do respectivo tanque, conseguindo o resultado de valores que não correspondem a realidade, gerando desta forma densidades menores e prejuízo para a NVG, uma vez que o preço final da madeira recebida a pagar pela NVG aos seus fornecedores corresponde ao volume resultante da divisão do peso líquido pela densidade da amostra medida (sem prejuízo dos Operadores MAET utilizarem ainda outros possíveis mecanismos que defraudem a operação da NVG).
30. Portanto, os trabalhadores da NVG acima referidos, nomeadamente, o Trabalhador Arguido, possibilitaram o registo de entrada de madeira que não corresponde às características exigidas pelos procedimentos internos do Grupo NVG, sem qualquer desconto ou dando apenas um desconto simbólico, a troco de uma retribuição monetária.
31. Na operação de medida da densidade, estes operadores conseguiram também falsear a operação, mediante a respectiva retribuição monetária, de modo a que fosse registada uma densidade diferente (mais baixa) do que a densidade real da carga, beneficiando o fornecedor (uma vez que o volume e obtido como resultado da divisão do peso pela densidade, o que significa que, quanta menor a densidade, maior será o resultado).
32. Uma vez que toda estas operação é supervisionada por um Supervisor de Turno, também este recebeu a sua retribuição monetária para permitir que o processo se desenvolva normalmente.
33. Posteriormente, todos estes trabalhadores (incluindo o Trabalhador Arguido) violaram os procedimentos internos e o Código de Ética em vigor na NVG e, de forma ilícita, repartiram o dinheiro dessas vantagens económicas.
34. Na verdade e sem prejuízo de, num primeiro momento, inúmeros trabalhadores da NVG terem sido previamente constituídos arguidos no âmbito do processo-crime que corre termos sob o n.º 3250/18.0T9STB no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal pela prática de inúmeros ilícitos penais decorrentes da situação supra descrita, certo é que apenas recentemente a referida conduta foi igualmente imputada ao aqui Trabalhador Arguido.
35. Com efeito, na sequência da consulta ao mencionado processo-crime pela empresa Arguente, atendendo à sua qualidade de Assistente, resultou que a prática supra referida igualmente foi imputada ao Trabalhador Arguido e demais colegas.
36. Isto é, tal como resulta dos testemunhos prestados em sede de inquirição junto da Polícia Judiciária, no âmbito do processo-crime que corre termos sob o n.º 3250/18.0T9STB no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o Trabalhador Arguido encontra-se indiciado da prática de ilícitos penais, nomeadamente, o crime de corrupção passiva no sector privado, previsto e punido pelo artigo 8º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril.
37. A ser assim, destacam-se os seguintes extractos dos depoimentos que ora se transcrevem e que se encontram anexos aos presentes autos disciplinares:
38. Depoimento de LLL:
(...) “Relativamente aos factos em investigação nos autos, refere que acerca de seis anos, quando foi colocado neste serviço, ouviu logo comentários de que neste serviço existia o boato do pagamento de contrapartidas por parte dos fornecedores. Que logo ao início, quando foi ali colocado, uma ou outra vez, em data que não consegue precisar, alguns motoristas chegaram a entregar-lhe juntamente com a guias, uma nota de 10,00 ou 20,00 euros, tendo o declarante devolvido aos mesmos essas ofertas, ficando os mesmos envergonhados. (…) só no ano passado, no final do Inverno, um fornecedor, cujo nome se recorda apenas de "MMM" terá lhe entregue no meio de uma guia, uma nota de 10,00 euros montante que o declarante recusou devolvendo-lhe e pedindo-lhe que a guardasse (...).”
39. Depoimento de NNN:
(…) “Relativamente aos factos em investigação nos autos, refere que tal se tratava de uma situação sobre a qual corriam boatos há vários anos, ou seja, de trabalhadores que recebiam contrapartidas pagas pelos fornecedores para beneficiar as avaliações e medições dos fornecimentos de madeira que era entregue. (...) Que quando foi colocado neste local, uma vez, um fornecedor que não consegue identificar, junto do guiché existente, em vez de lhe entregar a guia do transporte, estendeu algumas notas, cujo valor desconhece. Que de mediato lhe chamou a atenção para o que estava a fazer, recusando receber essas notas, tendo o referido indivíduo pedido desculpa e entregue a guia (...).”
40. Depoimento de OOO:
(...) “Relativamente ao pagamento de contrapartidas pecuniárias por parte de fornecedores de madeira a colaboradores da Navigator em Setúbal, com funções de recepção no parque de madeiras, para que pelos mesmos fosse aceite a madeira que não preenchesse os critérios de aceitação ou para evitar que tais cargas fossem sujeitas a descontos, refere o declarante que tal prática em Setúbal já era notória e comentada há mais de 30 anos, altura em que acompanhava o seu pai, também madeireiro. Que durante cerca de 14 anos realizou uma prestação de serviços de transporte de madeira para a Navigator em Setúbal, antiga Portucel, sendo essa madeira oriunda das explorações próprias da Portucel. Que nesta altura continuou a perceber a existência e continuidade de tais práticas por parte dos referidos colaboradores da Navigator. Que há cerca de seis anos, a ..., para além do transporte de madeira para a Navigator, estabeleceu também um contrato de fornecimento de madeiras, tornando-se a já referida prestação de serviços de transporte residual. Que desde o início deste contrato de fornecimento, que em concreto, os chefes de equipa do parque de madeiras lhe começaram a exigir o pagamento de montantes pecuniários para que os fornecimentos da ... fossem aceites ou não fossem sujeitos a descontos, independentemente das cargas de madeira que levava. Ou seja, mesmo que a ... apresentasse madeira de qualidade, se não tivesse existido o qualquer pagamento a mesma seria recusada ou sujeita a descontos excessivos. Considera assim que se sentiu obrigado a proceder aos respectivos pagamentos, sendo essa a (única forma de poder continuar a actividade. (...) Que os montantes acordados inicialmente era o pagamento de total de cerca de 90,00 euros, correspondendo a 20,00 euros para os elementos da recepção/portaria, valor que era entregue à entrada aquando da pesagem e de 20,00 euros para o chefe de turno e 50,00 euros para o operador da máquina de medição de densidade, sendo supostamente estes 50,00 euros posteriormente divididos pelos restantes elementos do turno. Que estes valores eram habitualmente entregues quando o camião chegava junto do tanque de medição de densidade situado junto aos gabinetes do Chefe de turno e gabinetes dos responsáveis de área PPP e ....
(...) Que as quantias eram recebidas pelo operador de máquina de densidade ou pelo chefe de turno que se deslocavam junta a cabine do camião supostamente para ver a guia ou cumprimentar os motoristas. (...) Relativamente aos operadores de máquina de medição de densidade lembra-se de ter entregue a todos os que se encontravam de turno no momento da descarga, apenas conseguindo identificar a quem entregou valores pecuniários para além dos já referidos chefes de turno, o TT, o RR, o VV, o QQ, UU, QQQ, DDD, SS, PP, GG, WW, DD, também conhecido pela alcunha de "...", YY, CC, ZZ, AAA, BBB, BB, EEE, J... um recepcionista que conhece apenas pela alcunha de "RRR". Que no fundo existiam muitos outros a quem foram entregues quantias, cujos nomes não consegue precisar, sendo que se recorda de um recepcionista de nome LLL que se recusava a receber qualquer quantia ou a alinhar no referido esquema.
41. Depoimento de SSS:
(...) "Que desde há muitos anos que é comentado da existência de entrega irregular de madeira, a troco de contrapartidas pagas por madeireiros na Navigator em Setúbal (...)."
42. Foram também juntos aos autos do processo-crime uma agenda de um dos fornecedores de madeira da Navigator, M..., cujas anotações permitem concluir pelo efectivo pagamento de contrapartidas pecuniárias aos trabalhadores da empresa Arguente, entre os quais o Trabalhador Arguido, obviamente a troco da recepção de madeira irregular, sem descontos e benefícios na medição da densidade, prejudicando dessa forma a empresa Arguente.
43. Em inúmeras anotações na referida agenda, ao longos de vários anos, pode ler-se as datas, as quantias pagas e à frente as referências a "Recepção", "Densidade", "Chefe de Turno", "Esconder madeira queimada", "Esconder pinho", "Dei ao ..., HHH, P... e VV", isto repetidamente, vezes sem conta...
44. A actuação conjunta dos trabalhadores supra indicados (incluindo o Trabalhador Arguido) desencadeou um elevado impacto na economia nacional e regional, porquanto a actividade da NVG representa:
(i) 14% das exportações da região, com destino a mais de 120 países;
(ii) 44% da carga exportada pelo porto de Setúbal;
(iii) Cerca de 450 GWh de energia eléctrica renovável por ano (correspondente ao consumo anual de cerca de 380 mil Portugueses).
45. A NVG concede apoios à cultura e ao desenvolvimento social da região.
46. Ou seja, na presente data, apurou-se de forma inequívoca que os trabalhadores da NVG (no qual se inclui o Trabalhador Arguido) agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, de modo organizado e reiterado, com a intenção conseguida de obter vantagem económica prestada pelos fornecedores acima referidos, tendo para tanto desrespeitado o contrato de trabalho que celebraram com a NVG e as normas internas vigentes, causando significativos prejuízos à entidade empregadora.
47. Os fornecedores actuaram com o propósito conseguido de fazer com que os trabalhadores da NVG não cumprissem as funções para que foram contratados pela NVG, a troco de recompensa patrimonial, conseguindo vantagens económicas de forma desleal para a NVG.
48. Os trabalhadores da NVG (nomeadamente, o Trabalhador Arguido) e os fornecedores acima referidos, através da sua actuação organizada e reiterada, deliberadamente provocaram elevado prejuízo económico na actividade da NVG, que se estima em cerca de 4 milhões de euros por ano e, consequentemente, impactando o funcionamento do mercado regional, não permitindo que fornecedores idóneos e com mérito escoem a sua matéria-prima para as instalações da NVG sitas em Setúbal.”
D) O trabalhador, através do seu Ilustre Mandatário, apresentou reposta à nota de culpa.
E) O instrutor do processo procedeu à inquirição das testemunhas do trabalhador em 16 e 20 de Julho de 2021.
F) Foram efectuadas outras inquirições de testemunhas e juntos aos autos diversos documentos.
G) Por carta datada de 12/10/2021, recebida pelo trabalhador a 14/10/2021 foi-lhe dado conhecimento do relatório e decisão de despedimento com justa causa proferida pela entidade empregadora no âmbito do processo disciplinar que lhe movera.
No uso dos poderes previstos no art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, porque se trata de matéria documentada no procedimento disciplinar junto com o articulado de motivação do despedimento apresentado pela empregadora, e porque é relevante para a decisão do recurso, adita-se ao elenco fáctico ainda o seguinte:
H) Na resposta à nota de culpa, o trabalhador CC invocou nos pontos 1 a 21 a caducidade do procedimento disciplinar, nos pontos 22 a 27 a prescrição do dito procedimento, nos pontos 28 a 35 a falta de descrição circunstanciada da matéria de facto, nos pontos 36 a 38 a desconsideração da prova produzida no inquérito-crime, e nos pontos 39 a 51 defendeu-se dos factos imputados nos termos seguintes:
39. “O Arguido impugna todos os factos, e a prova documental junta ao processo disciplinar que os sustenta, que não forem adiante expressamente confessados serem verdadeiros ou desconhecidos, por, naturalmente, não corresponderem à verdade.
40. Com efeito, em 1 de Outubro de 2020, o Arguido foi admitido ao serviço da Entidade Patronal, passando, a partir dessa data, a laborar sob ordem, direcção e fiscalização daquela,
41. Desempenhando, à data, a categoria profissional de condutor MAET (Máquinas e aparelhos de elevação e transporte) na sede social da Entidade Patronal, em regime de turnos rotativos de segunda feira a sábado, das 00:00h às 08:00h, das 08:00h às 16:00h e das 16:00h às 24:00h.
42. Pelo que, se aceita, por corresponder à verdade, o alegado nos artigos 1.º e 2.º da nota de culpa.
43. Contudo, o Arguido já não admite os restantes factos vertidos na nota de culpa, designadamente, e sem exclusão de outros, os factos ínsitos nos artigos 13.º a 44.º, que impugna veementemente por padecerem de falsidade, e por serem desprimorosos e ofensivos da honra e do seu bom nome do arguido.
44. Porquanto, em abono da verdade, o Arguido nunca praticou os factos de que vem acusado.
45. E mesmo que, por mera hipótese, os quisesse praticar, nunca o poderia fazer, uma vez que o Arguido nunca desempenhou executou os testes de densidades à madeira que entrava no parque de madeiras, bem como nunca fez qualquer tipo de selecção dessa madeira (quer visual, quer por testes de densidades).
46. Pois, note-se, a Entidade Patronal nunca atribui ao arguido o username e a password do programa que é utilizado na máquina MAET para realizar os testes de densidades da madeira que era descarregada por si.
47. Na verdade, não obstante o Arguido efectuar algumas descargas de veículos, as funções principais do Arguido resumiam-se à movimentação de madeira do parque onde se encontrava acondicionada para as mesas de trituração.
48. Mais, o Arguido tem sido, desde sempre, um trabalhador responsável e exemplar, na medida em que, no exercício das suas funções, sempre agiu com lealdade, de modo zeloso, diligente, empenhado e em cumprimento dos deveres laborais a que está obrigado.
49. Se assim não fosse, o Arguido não tinha o seu registo disciplinar limpo.
50. Destarte, atento todo o supra exposto, é manifesto que o Arguido não praticou os factos de que vem acusado e, por seu turno, não violou os deveres previstos nas alíneas c), e), g) e f), do n.º 1, do art. 128.º do CT, e, por conseguinte,
51. Inexiste justa causa de despedimento ao abrigo do disposto no n.º 1, e nas alíneas a), d) e e), do n.º 2 do art. 351.º do CT, devendo, a final, ser proferida douta decisão que declare a absolvição do Arguido com o consequente arquivamento do presente procedimento disciplinar, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 357.º do CT.”
I) A decisão de despedimento proferida pela empregadora funda-se na matéria de facto que já constava da nota de culpa, supra referida em D).
D – Matéria de facto respeitante ao trabalhador DD:
No uso dos poderes previstos no art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, e porque se trata de matéria documentada no procedimento disciplinar junto com o articulado de motivação do despedimento apresentado pela empregadora, fixa-se o seguinte elenco fáctico relevante para a decisão do recurso deste trabalhador:
A) Através de carta registada datada de 17/06/2021, foi este trabalhador notificado da nota de culpa, da possibilidade de consulta dos autos de procedimento disciplinar, do prazo de que dispunha para responder à mesma e de que era intenção da R. proferir, a final, decisão de despedimento com justa causa.
B) Na reposta à nota de culpa, datada de 28.06.2021, este trabalhador não requereu a produção de prova.
C) Por despacho de 09.07.2021, a instrutora do procedimento disciplinar determinou a junção de extractos parciais do processo-crime com relevância disciplinar.
D) Por despacho de 02.08.2021, a instrutora do procedimento disciplinar determinou a junção do registo disciplinar do trabalhador.
E) Por despacho de 23.08.2021, a instrutora do procedimento disciplinar determinou a inquirição da testemunha GG para 07.09.2021, diligência que se realizou nessa data.
F) Por despacho de 13.09.2021, a instrutora do procedimento disciplinar determinou a inquirição da testemunha FF para 22.09.2021, diligência que se realizou nessa data.
G) Por carta datada de 12/10/2021, recebida pelo trabalhador a 16/10/2021 foi-lhe dado conhecimento do relatório e decisão de despedimento com justa causa proferida pela entidade empregadora.
APLICANDO O DIREITO Da nulidade das notas de culpa deduzidas aos trabalhadores AA, BB e CC
Acerca da exigência contida no art. 353.º n.º 1 do Código do Trabalho da nota de culpa conter a descrição circunstanciada dos factos imputados, Monteiro Fernandes[1] observa que a «jurisprudência tem formado, a este respeito, exigências correspondentes a critérios de graduação notoriamente diversos: é necessário que na nota de culpa figurem todas as circunstâncias de modo, tempo e lugar dos factos imputados ao arguido, que ela enuncie “precisa e concretamente” esses factos, não bastando a “reprodução abstracta e genérica das disposições legais” ou uma descrição em termos vagos da conduta infractora (desinteresse das obrigações de trabalho, recusa de tarefas que competiam ao trabalhador), nem a formulação de “simples juízos conclusivos.” (…) Compreende-se, decerto, a necessidade de formulação de um critério de adequação funcional que se contraponha à pretensão de colocar minúcias bizantinas como penhor da validade do processo disciplinar; mas o certo é que a lei exige a “descrição circunstanciada dos factos” que um enunciado obscuro e lacunoso jamais poderá preencher; e deve recordar-se, enfim, que o conteúdo da nota de culpa recorta o substrato factual da decisão – esta não poderá dirigir-se a factos não especificados na acusação – e, bem assim, da apreciação judicial que mais tarde venha a recair sobre ela.»
Por seu turno, Júlio Gomes[2] afirma que é «necessário, por um lado, proceder a uma acusação circunstanciada porque uma acusação genérica – como seria afirmar-se simplesmente que ‘o trabalhador x violou gravemente o dever de lealdade’ – não permite uma defesa eficaz», circunscrevendo a nota de culpa, «assim, em alguma medida, o objecto do procedimento, uma vez que apenas os factos que nela constam – e os factos que constem da defesa escrita do trabalhador – podem ser fundamento da decisão de despedir e, mais tarde, discutidos na eventual acção de impugnação do despedimento.»
Já para Pedro Furtado Martins[3], «exige-se que a nota de culpa contenha uma “descrição circunstanciada dos factos” de cuja prática o trabalhador é acusado. Significa isto que não basta uma indicação genérica e imprecisa do comportamento imputado ao trabalhador. É necessário especificar os factos em que esse comportamento se traduziu, bem como as circunstâncias de tempo e lugar em que tais factos ocorreram. (…) Contudo, importa não sobrevalorizar esta exigência, sob pena de a mesma se poder tornar inultrapassável, a ponto de ser mais difícil elaborar uma nota de culpa do que deduzir uma a acusação em processo penal. A razão que fundamenta as exigências quanto ao conteúdo da nota de culpa justifica igualmente que as deficiências da nota de culpa se tenham por sanadas sempre que o trabalhador demonstre ter compreendido a acusação.»
A jurisprudência vem afirmando que a nota de culpa desempenha a função própria da acusação em processo-crime, pelo que deve conter a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extraia a imputação de uma infracção ao trabalhador.[4] Embora também adiante, por vezes, que a deficiente descrição dos factos imputados na nota de culpa só constituirá nulidade do processo disciplinar quando se demonstrar que o trabalhador não a compreendeu e assim não teve a oportunidade de se defender[5] – é o chamado critério da “aptidão funcional da nota de culpa”.
No caso dos comportamentos reiterados ao longo do tempo, tem-se afirmado não ser exigível que na nota de culpa se proceda a uma indicação exaustiva dos factos e das datas em os mesmos ocorreram, dada a extrema dificuldade em estabelecer tais datas, bastando que ao trabalhador sejam fornecidos elementos suficientes para se aperceber cabalmente das imputações que lhe são dirigidas.[6]
Neste ponto, seguimos a jurisprudência do citado Acórdão do STJ de 19.12.2007, onde se decidiu ser “inválido o procedimento disciplinar em que a nota de culpa se limita a acusar genericamente o trabalhador de “desviar” clientela, ou potencial clientela, da empregadora, aumentando o dano desta, de adquirir (à empregadora), por interpostas pessoas, o material que transacciona, em condições privilegiadas e a preços inferiores à tabela, desobedecendo a ordens legítimas superiores que proíbem a venda de mercadorias a funcionários, e de existir uma prática concertada entre aquele trabalhador e outros trabalhadores, que é grave para a empregadora”, sem concretização de modo, tempo e lugar dos factos imputados.
Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.
Analisando as notas de culpa deduzidas aos trabalhadores AA, BB e CC, chama desde logo a atenção serem cópia uma das outras, nelas se imputando comportamentos globais, mas não circunstanciando em termos de modo, tempo e lugar a ocorrência dos factos, e em alguns casos nem sequer se estabelecendo a efectiva responsabilidade dos trabalhadores na produção de tais factos.
Com efeito, no ponto 13 a empregadora afirma que “em data não concretamente apurada, mas certamente antes de 1 de Janeiro de 2017, com periodicidade diária e até a presente data” alguns fornecedores de madeira, juntamente com os colaboradores com funções na recepção e pesagem, nomeadamente, o “Trabalhador Arguido” – como as notas de culpa são mera cópia umas das outras esta expressão engloba qualquer um dos trabalhadores acusados –, PP e AA, os trabalhadores com funções de controlo e medição das cargas recebidas – segue-se uma lista de 19 trabalhadores, entre eles o BB e o CC – o operador de Recepção de Preparação de Madeiras J..., e os Supervisores de turno – segue-se uma lista de cinco trabalhadores – “formularam e concretizaram, entre si, o propósito de possibilitar e aceitar o recebimento de cargas de madeira que, em condições normais, seriam recusadas (de acordo com as regras e procedimentos da NVG), a troco de contrapartidas pecuniárias solicitadas e entregues pelos fornecedores acima identificados.”
Segue-se a descrição genérica dos comportamentos alegadamente adoptados pelo “Trabalhador Arguido” – continuando sem especificar quem é essa pessoa, uma vez que a expressão é utilizada indistintamente – mas em lado algum se identifica quando, onde e como os trabalhadores AA, BB e CC receberam contrapartidas monetárias e quais os valores assim recebidos.
Como também não se diz quando é que estes trabalhadores alteraram os mecanismos de medição e quais os concretos prejuízos assim acusados, ficando-se por uma mera estimativa genérica de prejuízo económico de 4 milhões de euros por ano, sem que se descreva qual a medida de responsabilidade de cada um dos trabalhadores envolvidos em tal resultado.
E não se pode afirmar que a empregadora não tinha meios para apurar as concretas circunstâncias da conduta disciplinar de cada um dos trabalhadores contra quem deduziu as notas de culpa. Era assistente no processo-crime e menciona ter conhecimento de meios concretos de prova que lhe permitiriam identificar quem, quando e quanto recebeu contrapartidas monetárias – foram apreendidas agendas com anotações que permitiriam identificar quem recebeu e quanto recebeu, para além de existirem depoimentos de testemunhas identificando várias pessoas envolvidas naquele comportamento e imagens da videovigilância documentando a entrega de valores monetários e a alteração dos sistemas de medição.
Esta Relação já foi chamada a analisar o comportamento global que está aqui em causa, relativo a adulterações ocorridas na medição de cargas de madeira recebidas no complexo industrial explorado pela empregadora, mediante contrapartidas monetárias. Tal sucedeu no Acórdão de 16.12.2021, proferido no Proc. 395/21.2T8STB-P.E1 e publicado na DGSI. Mas ali a empregadora teve o cuidado de especificar datas e horas em que o trabalhador visado recebeu contrapartidas monetárias e distribuiu uma parte ao supervisor de equipa, assim concretizando a imputação da infracção.[7]
Mas tal concretização não consta das três notas de culpa apresentadas aos trabalhadores AA, BB e CC, e daí a diferença essencial na análise do seu caso.
Na verdade, a descrição de um comportamento global pode considerar-se lícita, na medida que seja um complemento à descrição de factos concretos e constituintes das infracções imputadas.
Os trabalhadores apenas podem defender-se de factos concretos e não de imputações genéricas e conclusivas.
E se podemos afirmar que a deficiente descrição dos factos imputados na nota de culpa só produzirá nulidade quando se demonstrar que o trabalhador não a compreendeu e assim viu coarctada a sua oportunidade de defesa, também devemos afirmar que, analisando as respostas às notas de culpa oferecidas pelos trabalhadores AA, BB e CC, estes são confrontados com a necessidade de se defenderem com base em meras generalidades.
A empregadora imputou-lhes meras generalidades – sem especificar em relação a cada um deles, quando, onde e como – e estes viram-se na contingência de se defenderem também com meras generalidades (negação genérica e descrição das suas funções profissionais que os impossibilitavam de ter qualquer intervenção nos comportamentos globais alegados).
Como se escreveu – e muito bem – no Acórdão da Relação do Porto de 18.10.2021, acompanhando o Acórdão da mesma Relação de 17.05.2021[8], “manda a boa-fé – artigo 126.º n.º 1 do CT/2009 – que o empregador (que acusa, dirige e decide o processo disciplinar), ao menos exponha de uma forma clara e precisa os factos que imputa na nota de culpa de modo a possibilitar minimamente ao trabalhador/arguido o exercício do seu direito de defesa, direito que não se resume à possibilidade de poder responder (ainda que em termos genéricos) às acusações.”
E, mais adiante, acrescenta: “ao direito de «acusar» por parte do empregador corresponde o direito de «defesa» do trabalhador. E se a entidade patronal não cumpre com o seu dever de acusar, descrevendo de forma circunstanciada os factos imputados, então, estará o trabalhador impossibilitado de exercer o correspectivo direito de defesa. Acrescendo que, não se trata propriamente de compreender o sentido da acusação, que numa primeira análise é facilmente apreensível até por um terceiro, mas, antes de circunscrever no tempo e no espaço as condutas imputadas ao trabalhador.”
Concluindo-se, pois, que as notas de culpa deduzidas aos trabalhadores AA, BB e CC não cumprem a exigência contida no art. 353.º n.º 1 do Código do Trabalho, e que tais deficiências não foram corrigidas, tanto mais que os trabalhadores não demonstraram nas suas respostas conhecerem quais os factos concretos com que eram visados, a consequência é a ilicitude do despedimento – art. 382.º n.ºs 1 e 2 al. a) do mesmo diploma.
Procedem, pois, os recursos deduzidos por estes trabalhadores, com prosseguimento dos autos para conhecimento dos demais pedidos que estes formularam.
Da caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar
Entende o trabalhador DD que as diligências probatórias a que se refere o art. 357.º n.º 1 do Código do Trabalho são apenas as requeridas na resposta à nota de culpa, devendo ser desconsideradas as determinadas oficiosamente pela empregadora.
Pedro Furtado Martins[9] opina em sentido contrário, notando que a interpretação proposta pelo trabalhador não tem apoio na letra da lei. Para este autor, “a razão de ser da solução prende-se com a noção de justa causa própria desta modalidade de despedimento, cujo núcleo essencial reside na impossibilidade imediata de subsistência da relação de trabalho, cuja ocorrência cabe, num primeiro momento, ao empregador avaliar. Avaliação que terá de se basear nos elementos probatórios recolhidos no decurso do procedimento, aí incluindo quer os carreados pelo trabalhador, quer os que resultam da iniciativa do empregador ou do instrutor por ele nomeado. Não faria sentido impor ao empregador a necessidade de tomar a decisão de despedimento nos 30 dias seguintes à conclusão das diligências de prova requeridas pelo trabalhador quando outras diligências houvessem sido realizadas.”
Esta é a orientação dominante na jurisprudência, defendendo que o empregador pode determinar oficiosamente diligências probatórias, como forma de comprovar a sua decisão disciplinar.[10]
Não existindo motivos para divergir desta interpretação, e verificando que as diligências realizadas oficiosamente pela empregadora não se afiguram, prima facie, impertinentes ou dilatórias, resta verificar que decorreram menos de 30 dias entre a última diligência probatória e a notificação da decisão final.
Ponderando ainda que não ocorre a invocada omissão de pronúncia – a decisão recorrida analisa especificamente a excepção invocada por este trabalhador, e a discordância da solução jurídica obtida não equivale ao não conhecimento da questão – resta declarar que o recurso deste trabalhador não procede.
DECISÃO
Destarte, decide-se:
a) conceder provimento aos recursos interpostos pelos trabalhadores AA, BB e CC, declarando a ilicitude do seu despedimento, prosseguindo os autos para conhecimento dos demais pedidos que estes formularam;
b) negar provimento ao recurso interposto pelo trabalhador DD, confirmando a decisão recorrida que lhe diz respeito.
Pela empregadora as custas do recurso dos trabalhadores AA, BB e CC.
Pelo trabalhador DD as custas do seu recurso.
Évora, 30 de Junho de 2022
Mário Branco Coelho (relator) Paula do Paço Emília Ramos Costa
__________________________________________________
[1] In Direito do Trabalho, 13.ª ed., 2006, pág. 585.
[2] In Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, vol. I, 2007, pág. 1003.
[3] In Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 4.ª edição, 2017, págs. 208-209.
[4] Cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.12.2007, proferido no Proc. 07S3422, relatado por Bravo Serra e disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2007, proferido no Proc. 06S3854, relatado por Sousa Peixoto e disponível para consulta no mesmo local.
[6] Cfr., mais uma vez, o mesmo aresto do Supremo de 24.01.2007.
[7] Vide os pontos 76, 77, 78 e 79 do elenco fáctico contido naquele Acórdão.
[8] Proferidos, respectivamente, nos Procs. 4163/19.3T8MTS-A.P1 e 7618/19.6T8VNG.P1, disponíveis na página da DGSI.
[9] Loc. cit., pág. 234.
[10] É o caso dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2017 e de 14.11.2018 (Procs. 69/13.8TTLRS.L2.S1 e 9291/17.7T8LSB.L1.S2), acompanhado pelos Acórdãos da Relação de Coimbra de 11.02.2010 (Proc. 550/08.0TTAVR.C1), da Relação do Porto de 23.05.2016 (Proc. 934/15.8T8VLG.P1) e da Relação de Guimarães de 20.04.2017 (Proc. 2535/14.9T8GMR-B.G1), todos publicados na página da DGSI.