ALTERAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Sumário


I. Após o prazo a que alude o n.º 2 do artigo 598º do Código de Processo Civil, ou seja, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, a parte só pode substituir testemunhas nos casos previsto no n.º 3 do artigo 508º do Código de Processo Civil, devendo requerer a substituição no prazo máximo de 10 dias.
II. O princípio do inquisitório, segundo a qual incumbe ao juiz ordenar oficiosamente todas as diligências probatórias que se mostrem adequadas a provar uma afirmação factual, tem de ser aplicado tendo em consideração outros princípios processuais, como o princípio dispositivo, o da auto-responsabilidade e da igualdade das partes e o da preclusão de direitos processuais probatórios, sem esquecer o dever de imparcialidade do juiz, não podendo servir para colmatar toda e qualquer “falta” das partes a respeito da apresentação dos meios de prova.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório
1. Vem o presente recurso interposto pela A., Cascata Curiosa, Lda., na acção com processo comum de declaração, que move contra A…, do despacho proferido na sessão da audiência de julgamento de 26/11/2019, que indeferiu o pedido de substituição de testemunha apresentado pela A..

2. O despacho recorrido é do seguinte teor [cf. acta de julgamento de 26/11/2019]:
«Constatando-se a fls. 231 e 233 que Autora foi notificada em 24-10-2019, da impossibilidade de notificação da testemunha, a sua substituição deveria ter sido requerida logo que a mesma tomou conhecimento, isto é, nos 10 dias decorrentes dessa notificação, nos termos do art.º 508º n.º 1 do CPC.
Neste exposto, por extemporâneo indefere-se o pedido de substituição, nos termos do art.º 508º n.º 1 do CPC.»

3. A recorrente pretende a revogação do despacho recorrido e que seja admitida a substituição da testemunha em causa, com os seguintes fundamentos [segue transcrição das conclusões do recurso]:
1.ª O douto Tribunal “a quo” interpretou o art.º 508º do CPC, no sentido em que existindo a notificação à parte da não notificação de uma testemunha não poderá no correr dos prazos ali fixados ser substituída a testemunha.
2.ª No caso foi requerida a substituição da testemunha não citado, no dia e na hora de início da audiência e julgamento.
3.ª Tal interpretação é uma interpretação literal do art.º 508 do CPC.
4.ª Devendo tal artigo ser interpretado no sentido e de acordo com o princípio inquisitório, estabelecido no art.º 411º do CPC, determinando que o Tribunal deve produzir de todas as provas que sejam essenciais para descoberta da verdade material.
5.ª Ora o art.º 508º do CPC, deverá ser interpretado de acordo pelo estabelecido art.º 411º do CPC e interpretado de forma ampla, conforme resulta das orientações da última revisão do CPC.
6.ª Pelo que interpretou mal e de forma incorrecta o douto Tribunal o art.º 508º do CPC.
7.ª Devendo o art.º 508º do CPC, no sentido em que, até ao início da audiência de julgamento poderá a testemunha não notificada ser substituída por outra testemunha, ou até manter-se o interesse daquela mesma testemunha, não tendo necessariamente que decair ou precludir qualquer direito por parte de quem a tivesse indicado.

4. Não se mostram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se podia/devia ter sido admitida a substituição da testemunha, requerida no início da audiência, no caso em que a parte, não requereu a sua substituição, no prazo de 10 dias, após lhe ter sido dado conhecimento da não notificação da testemunha em causa.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Com interesse para decisão relevam as ocorrências processuais mencionadas no relato dos autos, sendo ainda de considerar os seguintes factos documentados nos autos.
1. Por notificação datada de 24/10/2019 (certificação Citius) foi dado conhecimento à A. de que a testemunha B…, por si arrolada, não tinha sido notificada para comparecer à audiência marcada para 26/11/2019.
2. A A., no início da audiência de julgamento, apresentou o seguinte requerimento:
“Atento ao facto da testemunha não estar notificada, por não se encontrar presente, por se desconhecer o endereço, por quanto o que se tinha da testemunha era o que consta do rol de testemunhas apresentado, vem requer a substituição da mesma pela testemunha C…, a ser notificado nos Bombeiros de … por aí exercer o seu mister”.
3. Sobre este requerimento recaiu o despacho de indeferimento acima transcrito.
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B) – O Direito
1. A A. discorda do despacho que indeferiu a substituição da testemunha por si requerida, invocando, em síntese, que o artigo 508º do Código de Processo Civil deve ser interpretado de forma ampla, tendo-se em conta o princípio do inquisitório, estabelecido no artigo 411º do Código de Processo Civil, de forma a admitir-se que até ao início da audiência de julgamento poderá a testemunha não notificada ser substituída por outra testemunha, ou até manter-se o interesse daquela mesma testemunha, não tendo necessariamente que decair ou precludir qualquer direito por parte de quem a tivesse indicado.
Porém, é manifesto que não assiste razão à recorrente, não só porque a letra da norma não permite tal interpretação, como também porque o princípio do inquisitório não serve para suprir todas as faltas ou actuações menos diligentes das partes no cumprimento de regras processuais, sob pena de se violarem princípios estruturantes do processo civil, como o dispositivo, a igualdade das partes, a independência do tribunal e a imparcialidade do juiz (cf. artigos 20.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa).
Senão, vejamos:

2. No artigo 508º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Consequências do não comparecimento da testemunha”, prescreve-se, no que para o caso interessa, que:
«1 - Findo o prazo a que alude o n.º 2 do artigo 598.º, assiste ainda à parte a faculdade de substituir testemunhas nos casos previstos no n.º 3; a substituição deve ser requerida logo que a parte tenha conhecimento do facto que a determina.
2 - A falta de testemunha não constitui motivo de adiamento dos outros actos de produção de prova, sendo as testemunhas presentes ouvidas, mesmo que tal implique alteração da ordem referida na primeira parte do n.º 1 do artigo 512.º.
3 - No caso de a parte não prescindir de alguma testemunha faltosa, observa-se o seguinte:
a) Se ocorrer impossibilidade definitiva para depor, posterior à sua indicação, a parte tem a faculdade de a substituir;
b) Se a impossibilidade for meramente temporária ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificada, devendo tê-lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substituí-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias;
c) Se faltar sem motivo justificado e não for encontrada para vir depor nos termos do número seguinte, pode ser substituída.
(…)»
Quer isto dizer que, ultrapassado o prazo previsto no n.º 2 do artigo 598º, para a parte aditar ou alterar o rol de testemunhas já apresentado, ou seja até 20 dias antes da data em que se realize a audiência, a parte só pode substituir testemunhas nos casos previstos no n.º 3 do artigo 508º do Código de Processo Civil, devendo requerer a substituição da testemunha, logo que tenha conhecimento do facto que determina a substituição.
No caso concreto, a testemunha em causa não compareceu à audiência de julgamento por não ter sido notificada, sendo que foi dado conhecimento deste facto à parte que a arrolou – a A..
Deste modo, em face do disposto no artigo 508º, n.º 1 e 3, alínea b), do Código de Processo Civil, se a parte pretendia substituir a dita testemunha tinha que o requerer no prazo máximo de 10 dias, após lhe ter sido comunicado tal facto (cf. artigo 149º, n.º 1, do Código de Processo Civil)
Assim, tendo a comunicação da falta de notificação da testemunha sido remetida à A. em 24/10/2019, é manifesto que, quando a A. veio requerer a substituição da dita testemunha, na audiência de 26/11/2019, já havia decorrido o prazo previsto para esse efeito, pelo que, em face do normativo legal aplicável, a pretensão da A. tinha que ser indeferida.

3. E não cremos que a actual configuração do principio do inquisitório imponha solução diferente.
Nos termos previstos no artigo 411º do Código de Processo Civil (sob a epígrafe “Princípio do Inquisitório”): “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto a factos de que lhe é lícito conhecer.”
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, Almedina 2020, pág. 503): «O princípio do dispositivo funciona de um modo geral no que concerne à alegação dos factos, mas concede-se ao juiz a faculdade e, simultaneamente, o dever de, tanto quanto possível, aferir a veracidade desses factos. Continua a impender sobre as partes o ónus de indicação dos meios de prova, a observar, em regra, nos articulados (artigos 552.º, n.º 6 e 572.º, al. d)), mantendo-se o normativo do artigo 139.º, segundo a qual o decurso de um prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto. Mas, por outro lado, o preceito faz apelo à realização de diligências que importem à justa composição do litígio, enquanto o artigo 526.º impõe ao juiz um verdadeiro dever jurídico que deve exercer sempre que no decurso da acção se revele a existência de testemunhas não arroladas (…)» (sublinhado nosso)
Assim, como se concluiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/03/2019 (proc. n.º 141/16.2T8PBL-A.C1), a cuja fundamentação aderimos:
«II - A norma do artigo 411.º do Código de Processo Civil, segundo a qual incumbe ao juiz ordenar oficiosamente todas as diligências probatórias que se mostrem adequadas a provar uma afirmação factual, …, tem …. de ser aplicada tendo em consideração outros princípios processuais, como o princípio dispositivo, o da auto-responsabilidade e da igualdade das partes e o da preclusão de direitos processuais probatórios, sem esquecer o dever de imparcialidade do juiz.
IV – Em regra, se a parte podia ter requerido certa diligência probatória e não o fez, a intervenção do juiz substituindo-se a ela, violará o princípio da preclusão e o da auto-responsabilidade das partes conjugado com o princípio da igualdade das partes no processo, pois estaria a permitir a prática de um acto já precludido, a esvaziar a auto-responsabilidade de uma das partes e eventualmente a favorecer a outra.»
Em sentido idêntico, entendeu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/06/2019 (processo n.º 18561/17.3T8LSB-A.L1-2), que o princípio do inquisitório «… não pode servir para colmatar toda e qualquer “falta” das partes a respeito da apresentação dos meios de prova, pois se assim fosse estaria a fazer-se do mesmo uma interpretação normativa e aplicação prática em colisão com outros importantes princípios, do processo civil e até constitucionais, mormente o dispositivo, a igualdade das partes, a independência do tribunal e a imparcialidade do juiz (20.º e 62.º da CRP).» [Neste sentido, veja-se ainda o acórdão da Relação de Lisboa, de 26/09/2019 (proc. n.º 939/16.1T8LSB-G.L1-2)]

4. Deste modo, e com tais fundamentos, não merece censura o despacho recorrido que, por extemporâneo, indeferiu o pedido de substituição da testemunha, nos termos do artigo 508º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Em consequência, improcede a apelação.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Custas a cargo da Apelante.
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Évora, 13 de Julho de 2022
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança
(documento com assinatura electrónica)