DEDUÇÃO DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
TEMPESTIVIDADE
Sumário

Compulsados os autos constata-se que a notificação, enviada em 07-04-2021, pese embora tenha sido expedida, não foi a mesma recebida pelo demandante, tanto mais que na morada, para onde foi dirigida a missiva, já não existia, nessa data, qualquer serviço do mesmo pelo que nunca poderia a mesma ter sido recebida pela parte. Efetivamente, apenas a notificação que se seguiu, expedida em 19-04-2021, logrou alcançar o seu propósito, sendo efetivamente recebida pelo demandante. Assim, apenas esta notificação poderá ser considerada válida e eficaz, devendo o prazo para apresentação do PIC ser contado a partir da sua receção.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 4174/19.9T9LSB, do Juízo Local Criminal de …, foi proferido despacho judicial que admitiu a dedução do pedido de indemnização civil apresentado pelo “Instituto …IP” contra os arguidos AA e “BB.., Ldª”.

Os arguidos, inconformados com esse despacho, dele interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões:

1ª - O despacho recorrido, ao admitir o PIC, fê-lo indevidamente, uma vez que essa peça processual foi apresentada intempestivamente.

2ª - O PIC foi apresentado em 11-05-2021, fora do prazo de 20 dias legalmente estabelecido (artigo 77º, nº 2, do C. P. Penal).

3ª - Com efeito, a Secretaria do Tribunal enviou notificação ao lesado em 07-04-2021, e essa notificação presume-se feita no 3º dia útil posterior (12-04-2021).

4ª - Assim, o prazo para deduzir o PIC iniciou-se em 13-04-2021, tendo terminado em 03-05-2021.

5ª - Não existe qualquer motivo, legalmente previsto, para que o referido prazo tenha sido “reiniciado”.

*

O demandante respondeu ao recurso, defendendo a respetiva improcedência.

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância respondeu ao recurso, entendendo, também, que o mesmo não merece provimento.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo que o recurso é de improceder.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal.

Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

No caso destes autos, face às conclusões retiradas da motivação do recurso, e em muito breve resumo, a questão a conhecer é a seguinte: saber se o pedido de indemnização civil foi tempestivamente apresentado.

2 - O despacho recorrido.

O despacho objeto do recurso é do seguinte teor:

“Dispõe o artigo 77º, nº 2, do C. P. Penal, que o lesado tem 20 dias para deduzir PIC relativo aos prejuízos sofridos com a prática do crime.

Sucede que a lesada CC, IP foi notificada, por ofício expedido em 07-04-2021 (refª 86383431), nos termos do artigo 77º, nº 2, do C. P. Penal, e o pedido de indemnização civil deu entrada em 11-05-2021 (refª 7695756).

Mas, por motivos que se desconhecem, em 19-04-2021, a CC, IP voltou novamente a ser notificada, pelo que o prazo para deduzir o PIC reiniciou (vide refª 86498618).

Pelo exposto:

Por legal e tempestivo, admito o Pedido de Indemnização Cível aludido - cfr. artigo 77º, nº 2, do C. P. Penal.

Admite-se a prova nele constante (anote-se na capa com menção de fls).

Cumpra o disposto no artigo 78º do C. P. Penal, de imediato.

Junte ao processo físico o pedido de indemnização civil, fazendo menção na capa do processo, bem como no processo eletrónico, em marcador”.

3 - Elementos relevantes para a decisão.

a) Em 07 de abril de 2021, nos autos principais, foi expedida uma carta/ofício de notificação para o Instituto…I.P., nos termos do disposto no artigo 50º, nº 2, do RGIT (Referência “Citius” 86383431).

b) Em 19 de abril de 2021, nos mesmos autos, foi expedida uma nova carta/ofício para o Instituto …, I.P., nos termos do disposto no artigo 50º, nº 2, do RGIT (Referência “Citius” 86598618).

c) A primeira notificação, datada de 07-04-2021, foi enviada para a Avenida …, nº …, em ….

d) A segunda notificação, efetuada em 19-04-2021, foi enviada para a Avenida…, nº …, em …

e) Em março de 2019, o Instituto …, I.P., passou a ter sede na Avenida …, nº … em ….

f) Em 07-04-2021, o Instituto …, I.P., não tinha qualquer serviço ou dependência a funcionar na Avenida …, nº …, em ….

g) A notificação enviada, em 07-04-2021, para a Avenida …, nº …, em …, nunca poderia ter chegado ao conhecimento do Instituto …, I.P.

h) O Instituto … , I.P., apenas tomou conhecimento da situação posta nos autos após a nova notificação, efetuada em 19-04-2021.

4 - Apreciação do mérito do recurso.

Perante os elementos acima elencados, e como nos parece evidente, a notificação enviada ao Instituto …, I.P, em 07-04-2021, não pode, de forma alguma, considerar-se válida, uma vez que foi enviada para uma morada que, já nessa altura, não correspondia à sede (ou a quaisquer serviços, ou a qualquer dependência) do referido Instituto …, I.P.

Ou seja, o Instituto …, I.P., apenas se pode considerar como regularmente notificado com a nova notificação enviada em 19-04-2021, pelo que o prazo para apresentar o pedido de indemnização civil começou a correr após esse dia (19-04-2021).

Assim sendo, o pedido de indemnização civil apresentado, em 11-05-2021, pelo Instituto …, I.P., é tempestivo, tendo de ser admitido (como o foi no despacho revidendo).

Subscreve-se, pois, o que ficou explanado na resposta ao recurso apresentada pelo Exmº Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância: “(…) compulsados os autos constata-se que a notificação, enviada em 07-04-2021, pese embora tenha sido expedida, não foi a mesma recebida pelo demandante, tanto mais que na morada, para onde foi dirigida a missiva, já não existia, nessa data, qualquer serviço da …, pelo que nunca poderia a mesma ter sido recebida pela parte. Efetivamente, apenas a notificação que se seguiu, expedida em 19-04-2021, logrou alcançar o seu propósito, sendo efetivamente recebida por serviços da …. Assim, apenas esta notificação poderá ser considerada válida e eficaz, devendo o prazo para apresentação do PIC ser contado a partir da sua receção”.

Em jeito de síntese: a primeira notificação, expedida em 07-04-2021, foi dirigida para a morada onde, anteriormente, funcionaram serviços do Instituto … I.P., mas onde, nessa data, já não havia qualquer serviço de tal instituto, e, por via isso, essa notificação tem de considerar-se como inválida e ineficaz (não produzindo qualquer efeito). Apenas a notificação expedida em 19-04-2021 foi dirigida à morada onde funcionavam serviços do Instituto …, I.P., pelo que só a esta notificação pode atender-se para efeitos de início da contagem do prazo para apresentação do pedido de indemnização civil (prazo previsto no artigo 77º, nº 2, do C. P. Penal).

Perante o que se deixou dito, verifica-se que o Instituto …, I.P., apresentou, nos presentes autos, o pedido de indemnização civil de forma tempestiva.

Por conseguinte, o recurso interposto pelos arguidos não merece provimento, sendo de manter o decidido no despacho recorrido.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

*

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 13 de setembro de 2022

João Manuel Monteiro Amaro

Nuno Maria Rosa da Silva Garcia

Edgar Gouveia Valente