IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
DECISÃO POR MERO DESPACHO
REQUISITOS
Sumário

I - Nos termos do art. 39º, nº 2, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, a decisão do recurso mediante mero despacho pressupõe, cumulativamente, a desnecessidade da realização de audiência de julgamento e que não haja oposição dos sujeitos processuais.
II - Ainda que a arguida tenha dado o seu assentimento a que a decisão seja proferida mediante despacho, a mesma decisão será nula se no caso não se verificava o primeiro requisito, a desnecessidade da realização de audiência de julgamento, sobretudo quando o despacho que determinou a audição das partes para se pronunciarem sobre a prolação da decisão por despacho não mencionou, como era exigível, no referido contexto, os motivos da irrelevância da prova oferecida pela impugnante.
III - Assim, tal decisão é nula, nos termos do art. 120º, nº 2, al. d), do CPP.

Texto Integral

Processo nº 15471/21.3T8PRT.P1


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Fundação ..., com sede na Rua ..., Porto, veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições no Trabalho que lhe aplicou cinco coimas, sendo quatro no valor de €9.200,00 cada e uma no valor de €9.500,00, e a coima única de 19.995,00, pela prática das contraordenações previstas e puníveis pelos art. 12º, nº 2, e 554º nº 4, do Código do Trabalho.
Recebido o recurso, com efeito devolutivo, depois de obtida a concordância das partes, foi proferido despacho sem realização de audiência de julgamento, no qual se decidiu a final: “julgo o presente recurso improcedente por não provado e em consequência mantém-se a decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho, quanto à condenação da arguida em cinco coimas, sendo quatro no valor de €9.200,00 cada e uma no valor de €9.500,00 e na coima única de 19.995,00 pela prática de factos que no entender da mesma integram as contra-ordenações p. e p. pelos art. 12º nº 2 e 554º nº 4 ambos do Cód. do Trabalho (Lei nº 7/2009 de 12/02).”
Inconformada interpôs a arguida o presente recurso, concluindo:
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Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão:
a) deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, absolvendo-se a Recorrente da condenação na coima de €19.995,00, uma vez que não se verificam os factos determinantes da decisão da contraordenação e consequentemente da sanção aplicada, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 51º da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro;
b) sem conceder, no caso de se entender que a Recorrente não deve ser absolvida, deve a douta sentença ora recorrida ser anulada e devolvida para 
nova decisão após audiência de julgamento, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 51º da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro.
O Ministério Público alegou, concluindo:
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Por conseguinte, ao manter a decisão da ACT, nos seus precisos termos e ao considerar improcedente a impugnação apresentada, a sentença mostra-se absolutamente correta e fundamentada, não merecendo qualquer reparo.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso, parecer a que a recorrente não respondeu.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 412º, nº 1, do CPP, por remissão dos arts. 186º-J, do CPT, e 50º, nº 4, do RJCOLSS), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões colocadas pela recorrente:
I. Nulidade da sentença recorrida por falta de pronúncia sobre a impugnação da decisão administrativa relativa à matéria de facto;
II. Falta de pressupostos para condenação da recorrente.

II. Factos provados:
1. A arguida “Fundação ...” (Hospital ...), é detentora do NIPC ..., e tem sede na Rua ..., ... Porto;
2. A arguida apresentou um volume de negócios de €18.597.040,00.
3. Exerce a título principal a atividade dos estabelecimentos de saúde com internamento, entre outros CAES de atividade principal (CAE ...);
4. A arguida é legalmente representada por: AA, com NIF nº ..., residente na Tv. ...., nº .., ....-... Maia, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração e BB, com NIF nº ..., residente na Pç. ..., nº .., ...., ....-... Porto, na qualidade de Diretora Geral;
5. No dia 17.10.2017, pelas 17h:00m, foi efetuada ação inspetiva na entidade empregadora supra identificada e ora arguida;
6. No decurso da visita inspetiva foi identificada pela senhora inspetora autuante CC, que se encontrava no local de trabalho visitado, mais especificamente, no Pavilhão 1..., onde “fazia registos de biometria dos doentes”;
7. O Pavilhão 1... insere-se no local de trabalho supra identificado (Hospital ..., Porto, na Rua ..., ... Porto);
8. Da informação recolhida no decurso da ação inspetiva e da documentação apresentada pela arguida foi possível verificar que a referida trabalhadora: - Tem a categoria profissional de Enfermeira; - Encontra-se inserida numa equipa de enfermagem composta por dezasseis enfermeiros, uma das quais tem com a ora autuada um vínculo de trabalho dependente; - Tem como superior hierárquica a Enfermeira DD, que é responsável pelo serviço do Pavilhão 1..., de quem recebe orientações e ordens para a execução do trabalho, bem como chamadas de atenção, se for o caso; - Tal superior hierárquica trata da mesma maneira todos os enfermeiros que integram a sua equipa (“todos são enfermeiros; não os distingo pelo vínculo laboral”); a postura, maneira de agir, de chamar a tenção, de falar com eles é a mesma com todos (“são os meus enfermeiros”); - Cumpre horário de trabalho (Escala), elaborado pela supra referida superiora hierárquica, que para tal elaboração pede as disponibilidades apenas aos que trabalham em acumulação com outros locais; - Está obrigada a um sistema biométrico de registo das suas entradas e saídas, que é utilizado por todos os trabalhadores que prestam a sua atividade naquele hospital, estejam eles qualificados como trabalhadores independentes ou como trabalhadores por conta de outrem; - Está obrigada ao dever de assiduidade e, caso falte, terá que comunicar telefonicamente a ausência à sua superiora hierárquica, supra identificada, justificando ainda que oralmente, tal falta – procedimento igual todos, independentemente da natureza do vínculo; - Pode trocar o turno com qualquer elemento da equipa, independentemente do vínculo que cada um detém; no entanto tal troca fica sempre dependente da autorização daquela superior hierárquica; - Para marcação de férias, a trabalhadora depende da autorização da superior hierárquica, que pede a cada elemento da equipa que escolha e faça o plano de férias, sem que para ela, o vínculo com o hospital seja tido em conta; tal escolha é autorizada (ou não) pela Enfermeira DD, conforme a conveniência do serviço; - Utiliza, no desenvolvimento diário do trabalho, os equipamentos e instrumentos que lhe são disponibilizados pela ora autuada e que a esta pertence – nomeadamente computador, impressora, telefone fixo, material de escritório (ex: papel, canetas, pastas de arquivo, caixote do lixo), seringas, medicação, pensos, carros para distribuir medicação e/ou fazer pensos, tabuleiros para distribuir medicação, luvas de proteção e luvas esterilizadas, compressas, cateteres; - Tal como utiliza o mobiliário disponível no local de trabalho (ex: secretária, cadeiras, macas, camas), pertencente à ora recorrente; - Trabalha com os programas informáticos disponibilizados pelo beneficiário da atividade (K-HIS e PHC); - Está obrigada ao uso de uma farda – calças, túnica, casaco e socas – que lhe foi entregue pela aqui arguida e que tem o logotipo deste gravado; - Está obrigada ao uso de um Crachá de identificação que pode prender na túnica ou no casaco ou, em alternativa, usar pendurado ao pescoço, utilizando uma fita que tem gravado o nome do hospital e que lhe foi entregue pelo mesmo; - Trabalha em exclusividade para o Hospital ..., com o qual celebrou contrato de prestação de serviços, em 18.08.2015 – encontrando-se em situação de dependência económica do mesmo, para a sua subsistência.
9. A arguida foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-A, nº 1, da Lei nº 107/2009, na redação atual, para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação do trabalhador supra identificado ou pronunciar-se, dizendo o que tivesse por conveniente;
10. A arguida entendeu não regularizar a situação da trabalhadora acima referido, respondendo à notificação nos termos constantes dos autos;
11. A ACT efetuou a correspondente participação dos factos para os Serviços do Ministério Público, para fins de instauração de Ação de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho;
12. A conduta da arguida prejudicou a trabalhadora CC e a Segurança Social, respetivamente, com a não atribuição dos direitos inerentes ao trabalho subordinado, designadamente com o não pagamento dos subsídios de Férias e de Natal e das contribuições sociais e fiscais a que estava obrigada;
13. Analisada a prova documental resulta da ata de audiência em julgamento, de 15/05/2018, que o contrato de trabalho da enfermeira CC foi reconhecido pela arguida desde o dia .../.../2017, conforme a comunicação oficial remetida pelo Tribunal competente para análise da referida ação, sendo que o comprovativo de tal situação não foi entregue no decurso do procedimento inspetivo;
14. Na data da visita inspetiva, 17/10/2017, a situação da trabalhadora CC estava por regularizar;
15. A trabalhadora CC viu os seus direitos inerentes ao trabalho subordinado, designadamente, subsídios de Férias e de Natal 2017 e das contribuições sociais e fiscais regularizados, apenas em 11/09/2018;
16. No decurso da visita inspetiva foi identificada, pela senhora inspetora autuante, EE, que se encontrava no local de trabalho, mais especificamente, no Pavilhão 2..., onde “preparava medicação para administrar aos doentes”;
17. O Pavilhão 2... insere-se no local de trabalho supra identificado (Hospital ..., Porto, na Rua ..., ..., ... Porto); Da informação recolhida no decurso da ação inspetiva e da documentação apresentada pela ora autuada foi possível verificar que a trabalhadora supra identificada: - Tem a categoria profissional de Enfermeira; - Encontra-se inserida numa equipa de enfermagem composta por dez enfermeiros, um dos quais tem com a ora autuada um vínculo de trabalho dependente; - Tem como superior hierárquica a Enfermeira FF, que é responsável pelo serviço do Pavilhão 2..., de quem recebe orientações e ordens para a execução do trabalho, bem como chamadas de atenção, se for o caso; - Tal superior hierárquica trata da mesma maneira todos os enfermeiros que integram a sua equipa, “tendo em conta a qualidade do trabalho prestado e não o vínculo laboral de cada um com o Hospital” (“se tiver de chamar a atenção, chama, porque os chefia a todos”, “são tratados da mesma forma”)”; - Cumpre horário de trabalho (Escala), elaborado pela supra referida superior hierárquica, que para tal elaboração pede as disponibilidades apenas aos que trabalham em acumulação com outros locais; - Está obrigada a um sistema biométrico de registo das suas entradas e saídas, que é utilizado por todos os trabalhadores que prestam a sua atividade naquele hospital, estejam eles qualificados como trabalhadores independentes ou como trabalhadores por conta de outrem; - Os seus tempos de trabalho são controlados pela superior hierárquica; se a trabalhadora se atrasar ou quiser sair mais cedo tem que avisar ou pedir autorização, conforme o caso; - Está obrigada ao dever de assiduidade e, caso falte, terá que comunicar telefonicamente a ausência à sua superior hierárquica, supra identificada, justificando ainda que oralmente, tal falta – procedimento igual todos; Pode trocar o turno com qualquer elemento da equipa, independentemente do vínculo que cada um detém; no entanto tal troca fica sempre dependente da autorização daquela superior hierárquica; - Para marcação de férias, a trabalhadora identificada depende da autorização da superior hierárquica, que pede a cada elemento da equipa que escolha e faça o plano de férias, sem que para ela, o vínculo com o hospital seja tido em conta; tal escolha é autorizada (ou não) pela Enfermeira FF, conforme a conveniência do serviço; - Utiliza, no desenvolvimento diário do trabalho, os equipamentos e instrumentos que lhe são disponibilizados, pela ora autuada, e que a esta pertencem – nomeadamente computador, impressora, telefone fixo, material de escritório (ex: papel, canetas, pastas de arquivo, caixote do lixo), seringas, medicação, pensos, carros para distribuir medicação e/ou fazer pensos, tabuleiros para distribuir medicação, luvas de proteção e luvas esterilizadas, compressas, cateteres; - Tal como utiliza o mobiliário disponível no local de trabalho (ex: secretária, cadeiras, macas, camas), pertencente à ora autuada; - Trabalha com os programas informáticos disponibilizados pelo beneficiário da atividade (K-HIS e PHC); - Está obrigada ao uso de uma farda – calças, túnica, casaco e socas – que lhe foi entregue pela ora autuada e que tem o logotipo deste gravado; - Está obrigada ao uso de um Crachá de identificação que pode prender na túnica ou no casaco ou, em alternativa, usar pendurado ao pescoço, utilizando uma fita que tem gravado o nome do hospital e que lhe foi entregue pelo mesmo; - Trabalha em exclusividade para o Hospital ..., com o qual celebrou contrato de prestação de serviços, em 20.05.2016 – encontrando-se em situação de dependência económica do mesmo, para a sua subsistência.
18. A arguida foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-A, nº 1, da Lei nº 107/2009, na redação atual, para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação do trabalhador supra identificado ou pronunciar-se, dizendo o que tivesse por conveniente;
19. A arguida entendeu não regularizar a situação do trabalhador acima referido, respondendo à notificação nos termos constantes dos autos;
20. A ACT efetuou a correspondente participação dos factos para os Serviços do Ministério Público, para fins de instauração de Ação de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho;
21. A conduta da arguida prejudicou a trabalhadora EE e a Segurança Social, respetivamente, com a não atribuição dos direitos inerentes ao trabalho subordinado, designadamente com o não pagamento dos subsídios de Férias e de Natal e das contribuições sociais e fiscais a que estava obrigada;
22. Analisada a prova documental resulta da ata de audiência em julgamento, de 07/05/2018, que o contrato de trabalho da enfermeira EE foi reconhecido pela arguida desde o dia .../.../2017, mas o comprovativo de tal situação não foi entregue no decurso do procedimento inspetivo;
23. Na data da visita inspetiva, 17/10/2017, a situação a trabalhadora EE estava por regularizar;
24. A trabalhadora EE viu os seus direitos inerentes ao trabalho subordinado, designadamente, subsídios de Férias e de Natal 2017 e das contribuições sociais e fiscais regularizados, apenas, em 28/08/2018;
25. No decurso da visita inspetiva foi identificada pela senhora inspetora autuante GG, pelas 17H30 que se encontrava no local de trabalho, mais especificamente, Pavilhão 3..., onde chegou após uma reunião com a Direção de Enfermagem;
26. O Pavilhão 3... insere-se no local de trabalho supra identificado (Hospital ..., Porto, na Rua ..., ..., ... Porto);
27. Da informação recolhida no decurso da ação inspetiva e da documentação apresentada pela arguida foi possível verificar indícios que o trabalhador GG era detentor de contrato de trabalho;
28. Indícios confirmados pelo tribunal de 1ª Instância, no âmbito do Processo nº 3975/18.0T8PRT, que correu termos no juiz 3, Tribunal de Trabalho do Porto (cfr. de folhas 23 a 26, constante dos autos a folhas 51 e 52), que considerou existir contrato de trabalho entre o enfermeiro GG e a arguida desde o dia da sua admissão, no caso desde 27/09/2016, tendo esta decisão de primeira instância sido confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo nº 218/18.0Y7PRT;
29. Desta decisão consta que GG: - Executava a sua atividade nas instalações propriedade da arguida; - Utilizava instrumentos pertença da arguida e por esta disponibilizados, nomeadamente computador, impressora, telefone fixo, material de escritório (ex: papel, canetas, pastas de arquivo, caixote do lixo), seringas, medicação, pensos, carros para distribuir medicação e/ou fazer pensos, tabuleiros para distribuir medicação, luvas de proteção e luvas esterilizadas, compressas, cateteres; - Estava obrigado a cumprir horário de trabalho (escala) elaborado pela enfermeira chefe; - Estava obrigado a comunicar a impossibilidade de cumprimento da escala à sua superior hierárquica, como faziam os enfermeiros com contrato de trabalho por conta de outrem; - A troca de turnos era possível entre enfermeiros (do quadro de pessoal ou não), mas podia ser impedida pela enfermeira chefe; - Como contrapartida da atividade desenvolvida recebe da ré uma remuneração calculada com base no valor /hora de 6,80E, acrescido de 25% em horário noturno e fins de semana de 50% em dias de feriado, paga com periodicidade, por transferência bancária, sempre calculada em função do tempo (horas) de trabalho; - A marcação de férias de GG dependia da autorização da superior hierárquica, para compatibilização dos períodos de férias, o que era solicitado a todos os enfermeiros, independentemente do vínculo com o hospital; - Cumpria procedimentos/instruções de natureza obrigatória, como prescrições médicas para tratamento dos doentes e era controlado, não só pelo tempo de execução da sua prestação (escala de serviço), como de permanência nas instalações da Ré (obrigado a sistema biométrico de registo das suas entradas e saídas);
30. No âmbito de uma ação inspetiva desenvolvida na entidade empregadora supra identificada e ora autuada, no decurso de uma visita inspetiva ocorrida no dia 17.10.2017, pelas 16h:30m, a senhora inspetora autuante identificou HH que se encontrava no local de trabalho supra referido, mais especificamente, no Pavilhão 4..., onde “levava e trazia doentes ao bloco operatório”;
31. O Pavilhão 4... insere-se no local de trabalho supra identificado (Hospital ..., Porto, na Rua ..., ..., ... Porto);
32. Da informação recolhida no decurso da ação inspetiva e da documentação apresentada pela ora autuada foi possível verificar que o trabalhador supra identificado: - Tem a categoria profissional de Enfermeiro; - Encontra-se inserido numa equipa de enfermagem composta por doze enfermeiros, três dos quais têm com a ora autuada um vínculo de trabalho dependente; - Tem como superior hierárquica a Enfermeira-Chefe, ... II, que é responsável pelo serviço do Pavilhão 4..., de quem recebe orientações e ordens para a execução do trabalho, bem como chamadas de atenção, se for o caso; - Tal superior hierárquica trata da mesma maneira todos os enfermeiros que integram a sua equipa, “todos são iguais porque todos são enfermeiros”, e “tem por norma dar orientações e estabelecer regras iguais para todos” -; - Cumpre horário de trabalho (Escala), elaborado pela supra referida superior hierárquica, que para tal elaboração tem em conta os pedidos e necessidades de todos, quer “sejam trabalhadores dependentes ou independentes”; - Está obrigado a um sistema biométrico de registo das suas entradas e saídas, que é utilizado por todos os trabalhadores que prestam a sua atividade naquele hospital, estejam eles qualificados como trabalhadores independentes ou como trabalhadores por conta de outrem; Está obrigado ao dever de assiduidade e, caso falte, terá que comunicar telefonicamente a ausência à sua superior hierárquica, supra identificada, justificando ainda que oralmente, tal falta – procedimento igual para os enfermeiros do quadro (“as justificações escritas são com os recursos humanos”); - Pode trocar o turno com qualquer elemento da equipa, independentemente do vínculo que cada um detém; no entanto tal troca fica sempre dependente da autorização daquela superior hierárquica; - Para marcação de férias, o trabalhador identificado depende da autorização da superior hierárquica, que pede a cada elemento da equipa que escolha e faça o plano de férias, sem que para ela, o vínculo com o hospital seja tido em conta; - Utiliza, no desenvolvimento diário do trabalho, os equipamentos e instrumentos que lhe são disponibilizados pela ora autuada e que a esta pertence – nomeadamente computador, impressora, telefone fixo, material de escritório (ex: papel, canetas, pastas de arquivo, caixote do lixo), seringas, medicação, pensos, carros para distribuir medicação e/ou fazer pensos, tabuleiros para distribuir medicação, luvas de proteção e luvas esterilizadas, compressas, cateteres; - Tal como utiliza o mobiliário disponível no local de trabalho (ex: secretária, cadeiras, macas, camas), pertencente à ora autuada; - Trabalha com os programas informáticos disponibilizados pelo beneficiário da atividade (K-HIS e PHC); - Está obrigado ao uso de uma farda – calças, túnica, casaco e socas – que lhe foi entregue pela ora autuada e que tem o logotipo deste gravado; - Está obrigado ao uso de um Crachá de identificação que pode prender na túnica ou no casaco ou, em alternativa, usar pendurado ao pescoço, utilizando uma fita que tem gravado o nome do hospital e que lhe foi entregue pelo mesmo; -Trabalha em exclusividade para o Hospital ..., com o qual celebrou contrato de prestação de serviços, em 16.03.2015 – cfr. ANEXO IV – encontrando-se em situação de dependência económica do mesmo, para a sua subsistência.
33. A arguida foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-A, nº 1, da Lei nº 107/2009, na redação atual, para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação do trabalhador supra identificado ou pronunciar-se, dizendo o que tivesse por conveniente;
34. A arguida entendeu não regularizar a situação do trabalhador acima referido, respondendo à notificação;
35. A ACT efetuou a correspondente participação dos factos para os Serviços do Ministério Público, para fins de instauração de Ação de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho;
36. A conduta da arguida prejudicou o trabalhador HH e a Segurança Social, respetivamente, com a não atribuição dos direitos inerentes ao trabalho subordinado, designadamente com o não pagamento dos subsídios de Férias e de Natal e das contribuições sociais e fiscais a que estava obrigada;
37. Analisada a prova documental junta aos autos resulta da ata de audiência em julgamento, de 15/05/2018, que a arguida e HH acordaram que entre eles vigorava um contrato de trabalho desde 1 de Outubro de 2017, sendo que o comprovativo de tal situação não foi entregue no decurso do procedimento inspetivo;
38. Na data da visita inspetiva, 17/10/2017, a situação do trabalhador HH estava por regularizar;
39. O trabalhador HH viu os seus direitos inerentes ao trabalho subordinado, designadamente, subsídios de Férias e de Natal 2017 e das contribuições sociais e fiscais regularizados, em data posterior à data de audiência em julgamento;
40. Direitos que apenas foram cumpridos em data posterior à data da visita inspetiva.
41. No decurso da visita inspetiva foi identificada JJ, que se encontrava no local de trabalho, mais especificamente, no Pavilhão 4..., onde “ia fazer um levante a um pós-operatório;
42. O Pavilhão 4... insere-se no local de trabalho supra identificado (Hospital ..., Porto, na Rua ..., ..., ... Porto);
43. Da informação recolhida no decurso da ação inspetiva e da documentação apresentada pela ora autuada foi possível verificar que a trabalhadora supra identificada: - Tem a categoria profissional de Enfermeira; - Encontra-se inserido numa equipa de enfermagem composta por doze enfermeiros, três dos quais têm com a ora autuada um vínculo de trabalho dependente; - Tem como superior hierárquica a Enfermeira-Chefe, a Enfermeira-Chefe, ... II, que é responsável pelo serviço do Pavilhão 4..., de quem recebe orientações e ordens para a execução do trabalho, bem como chamadas de atenção, se for o caso; - Tal superior trata da mesma maneira todos os enfermeiros que integram a sua equipa, “tendo em conta a qualidade do trabalho prestado e não o vínculo laboral de cada um com o Hospital” (“se tiver de chamar a atenção, chama, porque os chefia a todos”, “são tratados da mesma forma”); - Cumpre horário de trabalho (Escala), elaborado pela supra referida superior hierárquica, que para tal elaboração pede as disponibilidades apenas aos que trabalham em acumulação com outros locais; - Está obrigada a um sistema biométrico de registo das suas entradas e saídas, que é utilizado por todos os trabalhadores que prestam a sua atividade naquele hospital, estejam eles qualificados como trabalhadores independentes ou como trabalhadores por conta de outrem; - Está obrigada ao dever de assiduidade e, caso falte, terá que comunicar telefonicamente a ausência à sua superiora hierárquica, supra identificada, justificando ainda que oralmente, tal falta – procedimento igual para os enfermeiros do quadro (“as justificações escritas são com os recursos humanos”); - Pode trocar o turno com qualquer elemento da equipa, independentemente do vínculo que cada um detém; no entanto tal troca fica sempre dependente da autorização daquela superior hierárquica; - Para marcação de férias, o trabalhador identificado depende da autorização da superior hierárquica, que pede a cada elemento da equipa que escolha e faça o plano de férias, sem que para ela, o vínculo com o hospital seja tido em conta; - Utiliza, no desenvolvimento diário do trabalho, os equipamentos e instrumentos que lhe são disponibilizados pela ora autuada e que a esta pertence – nomeadamente computador, impressora, telefone fixo, material de escritório (ex: papel, canetas, pastas de arquivo, caixote do lixo), seringas, medicação, pensos, carros para distribuir medicação e/ou fazer pensos, tabuleiros para distribuir medicação, luvas de proteção e luvas esterilizadas, compressas, cateteres; - Tal como utiliza o mobiliário disponível no local de trabalho (ex: secretária, cadeiras, macas, camas), pertencente à ora autuada; - Trabalha com os programas informáticos disponibilizados pelo beneficiário da atividade (K-HIS e PHC); - Está obrigada ao uso de uma farda – calças, túnica, casaco e socas – que lhe foi entregue pela ora autuada e que tem o logotipo deste gravado; - Está obrigada ao uso de um Crachá de identificação que pode prender na túnica ou no casaco ou, em alternativa, usar pendurado ao pescoço, utilizando uma fita que tem gravado o nome do hospital e que lhe foi entregue pelo mesmo; - Trabalha em exclusividade para o Hospital ..., com o qual celebrou contrato oral, de prestação de serviços, em Fevereiro de 2015.
44. A arguida foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-A, nº 1, da Lei nº 107/2009, na redação atual, para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação do trabalhador supra identificado ou pronunciar-se, dizendo o que tivesse por conveniente.
45. A arguida entendeu não regularizar a situação do trabalhador acima referido, respondendo à notificação;
46. A ACT efectuou a correspondente participação dos factos para os Serviços do Ministério Público, para fins de instauração de Ação de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho;
47. A conduta da arguida prejudicou a trabalhadora JJ e a Segurança Social, respetivamente, com a não atribuição dos direitos inerentes ao trabalho subordinado, designadamente com o não pagamento dos subsídios de Férias e de Natal e das contribuições sociais e fiscais a que estava obrigada;
48. A arguida foi notificada do teor do auto de notícia, e apresentou defesa aos autos, com junção de prova documental e indicação de prova testemunhal;
49. Analisada a prova documental junta aos autos resulta da ata de audiência em julgamento, de 07/05/2018, que a arguida e JJ acordaram que entre eles vigorava um contrato de trabalho desde 17 de outubro de 2017, sendo que o comprovativo de tal situação não foi entregue no decurso do procedimento inspetivo;
50. Na data da visita inspetiva, 17/10/2017, a situação da trabalhadora JJ estava por regularizar;
51. A trabalhadora JJ viu os seus direitos inerentes ao trabalho subordinado, designadamente, subsídios de Férias e de Natal 2017 e das contribuições sociais e fiscais regularizados, apenas em 06/07/2018;
52. Direitos que apenas foram cumpridos em data posterior à data da visita inspetiva.

III. O Direito
1. Nulidade da decisão
Alega a recorrente:
“2. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo violou e fez errada interpretação e aplicação do nº 2 do artigo 571º do Código de Processo Civil, ao considerar, e transcreve-se, “que a recorrente não questiona a factualidade que se encontra descrita nos autos de contraordenação e na decisão administrativa em crise, pelo que o Tribunal tem-nos como demonstrados”.
3. Ora, este entendimento do Tribunal a quo não está acompanhado de qualquer fundamentação, limitando-se a Meritíssima Juiz a declarar que assim é, não justificando os motivos que a levaram a essa conclusão a qual é, no mínimo, surpreendente e totalmente inesperada, face a toda a exposição vertida na impugnação judicial apresentada pela Recorrente.
4. Pela ausência total de fundamentação da decisão que considera que a Recorrente não “questiona a factualidade que se encontra descrita nos autos de contraordenação e na decisão administrativa em crise”, o Tribunal a quo está, também, a violar o disposto no nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal.
5. Pretende a Recorrente aqui demonstrar o contrário, ou seja, que na impugnação judicial apresentada e sobre a qual recai a sentença ora em crise, a Recorrente aí impugna, expressamente, facto a facto, os factos constantes nos autos de contraordenação e na decisão final condenatória em questão, nos termos do referido artigo 571º do Código de Processo Civil.
6. Logo, com o devido respeito, que é muito, mal andou a Meritíssima Juiz a quo quando, sem mais, e sem qualquer fundamentação de facto ou de Direito, considera como provados os factos 8,18, 33 e 44, elencados na decisão da qual ora se recorre.
7. Acresce que, perante a impugnação especificada que a Recorrente apresentou na impugnação judicial, se o Tribunal a quo não estava em condições de decidir mediante despacho, como fez, não deveria ter lançado mão do nº 2 do artigo 39º da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro; ao invés, deveria ter marcado a audiência de julgamento.
8. E na referida audiência produzir a prova a que a Recorrente se propôs, através dos meios de prova apresentados com o recurso de impugnação, que o Tribunal a quo também desconsiderou.
9. Não cabendo à Recorrente avaliar se o juiz está ou não em condições de decidir por simples despacho, quando lhe é questionado se se opõe a que assim seja, visto que tal prerrogativa é utilizada quando o juiz não considere necessária a audiência de julgamento.
10. Não podendo admitir-se que a Meritíssima Juiz a quo venha depois, na decisão por simples despacho que profere, considerar que a Recorrente não impugnou os factos nem apresentou meios de prova, quando opta pela aplicação do referido nº 2 do artigo 39º da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro.
(...)
40. De tudo o que vem exposto, como se demonstra, resulta à saciedade que a aqui Recorrente impugnou, no recurso de impugnação judicial, a factualidade descrita nos autos de contraordenação;
(…)
44. Sendo, por isso, evidente que a Recorrente não aceitou os factos articulados pela ACT.
45. Não se alcançando a razão pela qual o Tribunal a quo afirma que a Recorrente não questionou a factualidade descrita nos autos de contraordenação e na decisão administrativa, quando tais factos foram impugnados quer na defesa escrita, quer na impugnação judicial apresentada.
46. Violando o Tribunal a quo, com a atuação descrita, ao decidir como provados os factos elencados em 8, 18, 33 e 44, com o fundamento que a Recorrente não os impugnou, a norma descrita no n.o 2 do artigo 571º do Código de Processo Civil.
(...)
48. De facto, a aqui Recorrente não se opôs a que o Tribunal a quo decidisse mediante despacho, na convicção de que, como a norma supra descrita prescreve, o tribunal se encontrava em condições de decidir a causa, sem necessidade de realização de audiência de julgamento.
49. Ou seja, à Recorrente, face à posição do Tribunal a quo, e atendendo ao alegado no recurso de impugnação judicial, bem como aos documentos juntos e meios de prova apresentados, não restava outra conclusão que não a de crer que o Tribunal considerou suficiente o exposto pela Recorrente no recurso, com vista a uma decisão a esta favorável.
50. Razão pela qual não se opôs à decisão por simples despacho.”
Respondeu o Ministério Público: “a Recorrente concordou expressamente que a causa fosse decidida por despacho, o que implicou que o tribunal pudesse dispensar a realização de julgamento e decidir com base nos elementos constantes dos autos. Não pode valer o argumento de que estava convencida que a decisão lhe iria ser favorável. Ora, na verdade, os fundamentos em que assentou a decisão recorrida não seriam suscetíveis de serem refutados através de qualquer prova que viesse a ser produzida em julgamento.”
No mesmo sentido se pronunciou o Ilustre Magistrado do ministério Público junto deste Tribunal, referindo: “a ilustre julgadora “a quo” esteve habilitada a confirmar a decisão recorrida nos termos por que decidiu, pelo que, nenhuma das “conclusões” das alegações da recorrente podem subsistem perante a argumentação que foi expendida na douta decisão “sub iudice” e o que afasta qualquer vício ou erro de julgamento.”
Com interesse para o conhecimento da questão importa considerar o seguinte:
1. Consta do requerimento de impugnação judicial da decisão administrativa:
“(...)
22. Não havia nem nunca houve qualquer compromisso entre a impugnante e os trabalhadores, no que se refere ao número de horas que estaria disponível para prestar àquela,
23. Nem tão pouco quanto à longevidade da prestação.
Mas também porque,
24. Os trabalhadores em causa, não pretendiam assumir qualquer compromisso com a aqui impugnante, por forma a não comprometer outras atividades que as mesmas desenvolviam profissionalmente.
25. Nunca estando em causa qualquer regime de exclusividade ou semelhante, entre a impugnantes e os trabalhadores.
(...)
28. Nunca a impugnante estabeleceu um horário de trabalho para os trabalhadores.
29. A impugnantes tinha o seu período normal de laboração/funcionamento e a prestação de serviços das Enfermeiras (...) e do Enfermeiro (...), durante aquele horário estava dependente, apenas e somente, da própria disponibilidade de cada um.
30. Nunca a impugnante impôs ou definiu aos trabalhadores as respectivas horas de início e termo da prestação de serviço.
(...)
32. Bastando a disponibilidade comunicada pelas próprias trabalhadoras e a sua vontade de prestar serviços nos horários por si identificados e pretendidos e de acordo com as necessidades efectivas e variáveis da impugnante.
(...)
35. Nunca as Enfermeiras (...) e o Enfermeiro (...) estiveram proibidos de se ausentar, quando entendessem, das instalações da aqui impugnante.
36. E como nunca tiveram qualquer horário de trabalho fixo ou definido pela impugnante ou compromisso de carga horária ou disponibilidade, nunca os trabalhadores justificaram qualquer falta ou ausência, de acordo com os procedimentos da impugnantes aplicáveis ais colaboradores directos (com contrato de trabalho efectivo).
(...)
45. Nunca a impugnante impôs ou definiu para as Enfermeiras (...), e para o Enfermeiro (...), intervalos de descanso ou quaisquer outros.
46. O mesmo sucedendo relativamente a períodos de férias e ausências que eram determinadas e comunicadas pelas próprias trabalhadoras.
(...)
48. Sendo que, no que concerne as trocas entre Colegas, as mesmas eram totalmente permitidas (...), visto não passarem por qualquer crivo ou autorização da responsável de serviço.
49. O que sucedia diariamente.
50. É totalmente falso que o serviço prestado (...) fosse controlado mediante ordens e instruções da Enfermeira-Chefe.
51. Ou de qualquer outro colaborador ou cargo da impugnante.”
2. O mesmo se repete nos artigos 105º e seguintes da impugnação, relativamente a outros colaboradores.
3. Concluindo a impugnante pela indicação de prova testemunhal e documental.
4. O Ministério Público apresentou a seguinte promoção: “A presente impugnação vem pôr em causa a decisão proferida nos Processos de Contraordenação apensos que considerou verificada a prática, pela impugnante “Fundação ...”, de cinco contraordenações, p. e p. no art. 12º nº 2 do CT. A questão crucial suscitada pela impugnante prende-se com o teor das decisões proferidas em anteriores ARECT’s que versaram sobre a mesma temática e culminaram, em 4 dos casos, em homologação de acordos, no âmbito dos quais a impugnante reconheceu a existência da CIT’s com 4 prestadores de atividade e, num quinto caso, em decisão judicial no mesmo sentido. Entende a Impugnante que o facto de as decisões homologatórias reportarem a data do início do CIT a momento contemporâneo com a inspeção, afastaria os indícios de uso indevido de contrato de prestação de serviços em momento anterior. Assim, e uma vez que os fundamentos da Impugnação são essencialmente de natureza jurídica, considerando o efeito de caso julgado das decisões preferidas na ARECT’s, desde já se consigna nada se ter a opor á decisão da causa por mero despacho, nos termos do disposto no art. 39º nº 1 da Lei nº 107/2009 de 14-09. (...)”
5. Foi na sequência proferido o seguinte despacho: “Atenta a posição assumida pela Digna Mag. do Min. Púb. no seu requerimento que antecede e ao abrigo do disposto no art. 39º nº 2 da Lei nº 107/2009 de 14/09 notifique-se a aqui recorrente no sentido de vir esclarecer, no respectivo prazo legal, se se opõe a que seja proferida decisão por despacho.”
6. Tal despacho foi notificado à impugnante, mas sem cópia da promoção anterior.
7. A impugnante apresentou requerimento com o seguinte teor: “Fundação ..., Recorrente melhor identificada nos presentes autos, notificada do despacho com a referência n.o 428863248, vem informar que nada tem a opor a que V.Exa. decida por despacho, sem necessidade de julgamento.”
Nos termos do disposto no art. 39º, nº 2, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, regime jurídico do procedimento aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, na versão introduzida pela Lei nº 63/2013, de 27 de Agosto, o juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
Tal disposição tem a mesma redacção do art. 64º, nº 2, do Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, Regime Jurídico do Ilícito de Mera Ordenação Social, na versão introduzida pelo Dec. Lei nº 244/95 de 14 de Setembro (“O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham”).
Sobre a questão concreta em análise, embora sobre a norma do Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de Fevereiro de 2022, processo 223/20.6T8AMR.G1, acessível em www.dgsi.pt, nos seguintes termos:
“Decorre do predito normativo legal, designadamente do seu nº 2, que a decisão do recurso mediante mero despacho pressupõe a desnecessidade da realização de audiência de julgamento e não haja oposição dos sujeitos processuais (tratam-se de requisitos cumulativos).
O caráter despiciendo da audiência ocorrerá, em regra, quando, face ao objeto do recurso, não seja necessária a produção de prova, mostrando-se assim estabilizada a matéria de facto determinada na decisão administrativa.
Como doutamente menciona o Exmo. Juiz Desembargador António Beça Pereira [In “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 12ª Edição, 2019, Almedina, anot. 3 ao art. 64º, p. 196], «O recurso pode ser decidido por despacho nos termos do nº 2 quando o seu objeto consistir, unicamente, numa questão de direito, sendo, justamente por esse motivo, desnecessária a produção de qualquer prova. Para que isso aconteça, é preciso que seja possível considerar-se assentes os factos que são relevantes para se determinar a responsabilidade contra-ordenacional do arguido. E tais factos podem ter-se por assentes quando, sendo eles imputados ao arguido pela autoridade administrativa na sua decisão condenatória, aquele os aceitar como verdadeiros no recurso que, entretanto, interpôs. Isso não implica que o arguido tenha que admitir todos os factos de que é acusado; basta que aceite aqueles que forem tidos por suficientes para se apurar se lhe pode ser, efetivamente, imputada a contra-ordenação por que foi condenado pela autoridade administrativa e em que medida por ela deve responder. É o que ocorre, designadamente, quando o arguido, não questionando um único facto dos que constam na decisão da autoridade administrativa, sustenta que essa mesma realidade não se traduz no cometimento de qualquer ilícito. Ou quando, sem alegar outros factos, se limita a pôr em causa a medida da coima ou a considerar que não há lugar à sanção acessória que lhe foi aplicada. Ou também quando defende que, face aos factos que foram considerados provados, se deve concluir que atuou somente com negligência e não com dolo, como foi condenado. Ou ainda quando, perante o quadro descrito na decisão condenatória, afirma que a infração não se chegou a consumar, pois, se está na presença de uma tentativa.»
Cremos, porém, que outras situações, para além de o objeto do recurso se reconduzir a mera questão de direito, podem justificar a prolação de decisão por despacho judicial.
Será o caso de ser de julgar procedente alguma exceção, dilatória ou perentória, ou, mesmo que a questão suscitada no recurso contenda com a matéria de facto, o Tribunal entenda que o processo fornece todos os elementos necessários para o seu conhecimento, v.g., por a questão em apreço depender de prova documental, que já consta dos autos ou que o juiz, entretanto, no uso do poder que lhe é conferido pelo art. 72º, nº 2, do RGCO, solicitou para a eles ser junta (obviamente, notificando previamente os sujeitos processuais para lhes conceder a possibilidade de pronúncia sobre os novos elementos probatórios) – neste sentido, vide Manuel Simas Santos/Jorge Lopes de Sousa [In “Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral”, 2001, Vislis, anot. 5 ao art. 64º, p. 359], Manuel Ferreira Antunes [In “Contra-Ordenações e Coimas, Regime Geral”, 2ª Edição, Petrony, anot. 4 ao art. 64º, p. 409], Paulo Pinto de Albuquerque [In “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações”, UCE, anotações 3 e 4 ao art. 64º, p. 266], e Sérgio Passos [In “Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral”, Almedina, anot. 3 ao art. 64º, pp. 433-4346].
Por outro lado, o juiz, antes de decidir por despacho, deve notificar o arguido e o Ministério Público para que estes, querendo, possam deduzir oposição a essa forma de decisão.
Se ambos ou algum dos sujeitos processuais se opuserem, o julgador, ainda que considere a oposição infundada, terá de designar dia para audiência de julgamento, ficando vedada a possibilidade de decidir o recurso por despacho.”
No caso vertente, não só a recorrente impugnou, pelo menos parcialmente, a factualidade que consta da decisão administrativa, como indicou prova da matéria em questão.
É certo, como referido pelo Ministério Público, que a recorrente veio admitir, expressamente, que a decisão fosse proferida por despacho nos termos do normativo em análise. Mas isso não isentava a Mma. Juíza “a quo” da realização do julgamento, porquanto haviam sido invocados factos relevante para a decisão, pela recorrente, e apresentados meios de prova para comprovação dos mesmos.
Conforme se salienta no mencionado acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de Fevereiro de 2022:
“(...) uma das condições que o nº 2 do art. 64º do RGCO impõe para a possibilidade de a decisão ser proferida através de mero despacho é a de que o arguido e o Ministério Público “não se oponham”. Isto significa que não é necessário o acordo (expresso) desses sujeitos processuais, bastando a ausência de oposição, o que sucederá quer eles, notificados para o efeito, digam expressamente no processo que não se opõem à decisão por despacho judicial, quer nada digam, remetendo-se ao silêncio. [Neste sentido, também António Beça Pereira, ob. cit., anot. 8 ao art. 64º, p. 198].
Não se olvida que há doutas vozes na doutrina e na jurisprudência que (...) entendem que a oposição pode ser tácita, o que ocorre, por exemplo, quando o recorrente requereu a produção de prova, arrolando testemunhas [A título exemplificativo, na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., anot. 8 ao art. 64, p. 267, e Manuel Simas Santos/Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., anot. 2 ao art. 64º, p. 358; na jurisprudência, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.03.1992, in CJ, 1992, II, 164, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13/12/2017, Relatora Isabel Valongo, e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/05/2012, Relatora Maria Luísa Arantes, ambos citados na douta resposta do Ministério Público e disponíveis in www.dgsi.pt].
Perfilhamos distinto entendimento, o qual, todavia, vai entroncar na conclusão ali comumente defendida de que, nesses casos, sendo o recurso decidido por despacho, tal decisão pode ser ilegal por força da violação do princípio do contraditório e não realização de diligência que se mostrava indispensável para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, no caso, a audiência.
Aclarando melhor a nossa posição.
Não cremos que o facto de o recorrente ter impugnado a matéria de facto tida em consideração na decisão administrativa condenatória e arrolado prova testemunhal, signifique, por si só, expressa ou tacitamente, uma oposição antecipada e inequívoca à decisão do recurso por despacho judicial, ilibando-o de se opor expressamente a tal quando notificado pelo tribunal nos termos e para efeitos do disposto no art. 64º, nº 2, do RGCO, porquanto, ele não sabe, nem tem de saber, como vai decidir o juiz.
Ao indicar testemunhas na impugnação judicial, o arguido está apenas a admitir como possível, ou provável, a realização do julgamento, pois que nessa ocasião ainda não tem ideia de qual virá a ser a perspetiva do juiz, pelo que tal indicação de prova não é sinónimo de que não aceita que se possa decidir o recurso por despacho.
O impugnante até pode não se opor à anunciada decisão por despacho confiando que lhe vai ser dada razão e proferida uma decisão de absolvição, ou, então, que o Tribunal vai declarar a ocorrência de uma causa de extinção do procedimento contraordenacional, como a prescrição.
Porém, confluindo agora, ainda que por via travessa, para o entendimento veiculado pelo recorrente e pelo Ministério Público, também julgamos que o que não se pode extrair da ausência de oposição expressa do arguido, para efeitos do art. 64º, nº 2, do RGCO, é que a mesma consubstancie uma alteração da posição que o primeiro assumiu aquando da interposição do recurso, nomeadamente, não se pode extirpar daí uma confissão dos factos que antes foram impugnados [Com igual entendimento, António Beça Pereira, ob. cit., anotações 7 e 8 ao art. 64º, p. 198].
Até porque, como vimos, os requisitos do nº 2 do art. 64º dão cumulativos, e, nesse caso, sempre faltaria a verificação do primeiro, ou seja, da desnecessidade de realização de audiência.
Note-se que a possibilidade que o Tribunal tem de decidir por mero despacho não é um poder discricionário, dependente somente do seu próprio e não sindicável juízo, pressupondo sempre a dispensabilidade da audiência, pelo que a falta de oposição expressa dos sujeitos processuais a essa forma de decisão, não torna legal, sem mais, a decisão por despacho, quando, face ao objeto da impugnação judicial, se impunha a realização de audiência para produção de prova e cumprimento do princípio do contraditório.
In casu, constituindo um dos fundamentos do recurso de impugnação judicial interposto pela arguida da decisão administrativa a sua discordância quanto à própria factualidade ali dada por indiciada, e tendo a recorrente requerido a inquirição de testemunhas, não podia o Tribunal a quo ter decidido como decidiu, por despacho judicial, sem realização de audiência, pois esta era imprescindível para que a arguida pudesse, em contexto de contraditório, produzir os meios probatórios por si arrolados na impugnação judicial, com vista à corroboração ou não da sua tese recursória, e, dessarte, se cumprirem as finalidades do recurso, permitindo ao Tribunal proferir uma decisão conscienciosa e justa, munida da prova indispensável para o efeito.
Por conseguinte, padece a decisão recorrida de nulidade, por omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, prevista no art. 120º, nº 2, al. d), do Código de Processo Penal, a qual foi tempestivamente arguida (cf. artigo 410º, nº 3, do Código de Processo Penal) – disposições legais aplicáveis ex vi do art. 41º, nº 1, do RGCO.”
Estas considerações têm plena aplicação no caso vertente.
Efectivamente, vem a recorrente precisamente alegar que aceitou que a decisão fosse proferida por mero despacho precisamente no pressuposto de que o Tribunal iria considerar como provados os factos por si articulados, na sua impugnação, face à prova documental que juntara. Argumentar-se-á que tal erro apenas à recorrente será imputável. Porém, a recorrente não foi notificada da real motivação da notificação para se pronunciar sobre tal possibilidade, motivação que seria a que constava da promoção do Ministério Público, que não lhe foi notificada. Essa não comunicação da motivação legitima a asserção que a recorrente retirou da mesma.
Assim, carece de fundamento a argumentação de que a recorrente aceitou que a decisão fosse proferida por mero despacho, uma vez que essa decisão não se encontrava devidamente esclarecida.
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de Mio de 2018, processo 1566/17.1 T9LRA.C1, ainda acessível em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta: “I – No caso, verificado nos autos, em que o arguido impugnou a matéria de facto contida na decisão administrativa, solicitou a realização de diligências tidas como relevantes para a sua defesa e arrolou testemunhas, a posição silente daquele perante a notificação de despacho judicial proferido, “para em 10 dias, informar nos autos se se opõe a que a decisão final seja proferida sem a realização de audiência de julgamento, com a expressa advertência de que assim se considerará caso nada seja dito no referido prazo”, não corresponde a não oposição (tácita) à decisão por simples despacho, porquanto o despacho acima transcrito não mencionou, como era exigível, no referido contexto, os motivos da irrelevância da prova oferecida pelo contestante. II – A violação do direito de defesa por preterição da realização da audiência de julgamento – diligência essencial para a descoberta da verdade – constitui nulidade enquadrável na al. d) do nº 2 do art. 120º do CPP.”
No mesmo sentido veja-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Dezembro de 2011, processo 1214/10.0TBBNV.L1, com sumário acessível em www.pgdlisboa.pt.
Procede, portanto, este argumento do recurso, declarando-se nula a decisão sob recurso, nos termos do art. 120º, nº 2, al. d), do CPP, aplicável por força do disposto nos arts. 60º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, e 41º, nº 1, do Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, devendo ser substituído por outra que designe dia para realização de audiência de julgamento.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, consequentemente, declara-se nula a decisão recorrida, nos termos do art. 120º, nº 2, al. d), do CPP, devendo ser substituída por outra que designe dia para realização de audiência de julgamento.

Sem custas.

Porto, 12 de Setembro de 2022
Rui Penha
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes