RECURSO PENAL
FURTO QUALIFICADO
FURTO
AMEAÇA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PENA ÚNICA
Sumário


I. Pelas circunstâncias, em modelo repetido, da prática dos referidos crimes, na maioria das vezes, em locais não habitados, não se verificou, em concreto, afetação de outros bens jurídicos, designadamente pessoais. Quando surpreendido em atos de execução, o arguido abandonou sempre o local.
II. A atividade criminal do arguido situa-se, pois, no plano da pequena criminalidade.
III. Face a este retrato do ilícito global, as exigências de prevenção geral, medidas pela moldura penal definida para a proteção dos bens jurídicos atingidos, encontra-se, igualmente, num plano baixo/médio de intensidade.
IV. Sendo elevadas as necessidades de prevenção especial, assume particular importância o sucesso do programa de substituição de opiáceos com metadona em que o arguido participa em reclusão e da terapêutica antidepressiva, face aos episódios relatados de tentativa de suicídio, em meio prisional.
V. Entende-se mais consentânea com a medida da culpa, uma pena que corresponda ao quinto inferior da moldura penal do concurso.

Texto Integral

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório


1. O arguido, AA, não se conformando com o Acórdão proferido pelo tribunal coletivo do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada – Juiz ..., em 3 de março de 2022, veio interpor recurso.

O arguido foi condenado nos seguintes termos:

Pela prática do furto qualificado, na pena de prisão de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão; Pela prática de quatro furtos qualificados, e por cada qual, na pena de prisão de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão; Pela prática dos dois furtos qualificados na forma tentada, e por cada qual, na pena de prisão de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; Pela prática do furto qualificado, na pena de 2 (dois) anos de prisão; Pela prática do furto qualificado na forma tentada, na pena de 11 (onze) meses de prisão; Pela prática de dois furtos simples, e para cada qual, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; Pela prática do furto simples tentado, na pena de 9 (nove) meses de prisão; e pela prática da ameaça agravada, na pena de 1 (um) ano de prisão.

Em cúmulo jurídico, a pena única foi fixada em 9 (nove) anos de prisão efetiva (por reporte a uma moldura abstrata que vai dos 3 anos e 2 meses aos 23 anos e 10 meses de prisão).

2. Formulou as seguintes conclusões (transcrição):

“1.º O recorrente em sede de audiência de julgamento confessou os factos e colaborou, deste modo, para a descoberta da verdade material dos mesmos.

2.º O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não valorou tais circunstâncias e, em especial, à data dos factos o recorrente ter agido motivado pela circunstância de ser consumidor de drogas, situação que presentemente já não se verifica.

3.º Nos presentes autos, o Tribunal o quo não fez, na determinação da medida concreta da pena, salvo o devido respeito por opinião diversa, uma equitativa ponderação das circunstâncias que depunham a favor e contra o recorrente, privilegiando estas últimas em detrimento daquelas.

4.º Existiam, assim, nos autos elementos suficientes para o Tribunal a quo ter aplicado pena de prisão, em quantitativo bastante inferior.

5.º Por maiores que sejam quaisquer exigências de prevenção geral e até mesmo as de prevenção especial, a medida da pena nunca poderá ser superior à medida da culpa, sob pena de violação do art. 40.º, n.º 2 do Código Penal.

6.º O artigo 70.º do Código Penal elege como critério da escolha da pena a melhor prossecução das finalidades da punição, não olvidando o disposto no artigo 40.º do mesmo Diploma, o qual atribui à pena um fim utilitário.

7.º Por sua vez, o artigo 71.º do Código Penal estabelece no seu nº 1, a orientação base para a medida da pena a aplicar: “A determinação da medida da pena (…) é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

8.º Pelo que, a pena e a medida da pena encontrada, isto é, 9 (nove) anos de prisão efetiva, mostrou-se exagerada, é manifestamente injusta e desproporcional, principalmente quando comparada com a conduta de outros arguidos, pela prática dos mesmos crimes.

9.º Por todo o exposto, e salvo melhor opinião, considera-se justa e adequada a pena que se fixe próximo dos 5 (cinco) anos.

10.º Devendo, a mesma, ser suspensa na sua execução, por a simples ameaça da pena de prisão realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

11.º E isto porque, a possibilidade de suspensão justifica-se como uma nova oportunidade, de o recorrente se afirmar através de uma conduta conforme à lei.

12.º Desta feita a finalidade última de recuperação do recorrente, será atingida, afastando-o assim, da criminalidade sem, contudo, descurar as finalidades da punição.

13.º Até porque a conduta desconforme do recorrente prendeu-se, unicamente, com o consumo de estupefacientes, consumo este que, entretanto, o recorrente se libertou.

14.º A pena para ter um efeito dissuasor e simultaneamente moralizador e cumpridor da sua finalidade tem, porém, que ser adequada, proporcional e equilibrada.

15.º Entendemos que a pena aplicada, considerando a culpa e a forte dependência aditiva do recorrente, cujos efeitos dos consumos de conduziram a uma conduta desconforme ao direito, excedeu as necessidades de prevenção especial e geral, prejudicando a possibilidade de reinserção social e a sua subsistência.

16.º Nunca esquecendo, que o que está em causa é a esperança fundada de que a ressocialização em liberdade, do recorrente, possa ser alcançada, sem se descurar os fins da punição.

17.º Assim, a pena aplicada ao recorrente de 9 (nove) anos de prisão, salvo devido respeito, atenta contra o disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, assim como o espírito do nosso ordenamento jurídico-penal, que é o da reintegração social do agente, sendo que no Acórdão que ora se recorre houve a única preocupação em tutelar o bem jurídico protegido, fazendo-se completa tábua rasa do imperativo de ressocialização do recorrente.

18.º Pelo que se entende, e salvo o devido respeito, que deverá ser reapreciada a pena e a medida da pena em função do atrás exposto.

19.º A não consideração das circunstâncias supra explanadas e existentes nos autos, as quais beneficiariam a medida da pena aplicável em concreto, viola o disposto no art.º 40.º, nº2 do art.70º, 71.º e 50.º do C. Penal.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, deverá a decisão ora recorrida, ser substituída por outra que, ponderados todos os elementos de facto e de direito, objetivos e subjetivos aplique ao recorrente uma pena de prisão até 5 anos de prisão, contudo suspensa na sua execução, nos termos dos arts. 40.º, 70.º, 71.º e 50. º do Código Penal.

3. Respondeu a Ex.ma Procuradora da República, na 1.ª Instância, concluindo: (transcrição)

“1. Quanto à medida da pena o Ministério Público entende que a pena de 9 anos de prisão se mostra justa e adequada, em nada excessiva atentos os circunstancialismos apontados no douto acórdão, a gravidade dos ilícitos da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial. Isto é,

2. Nenhuma censura merece a determinação da medida da pena, sendo a pena aplicada ao arguido ora recorrente adequadas à sua culpa, à sua conduta anterior e posterior aos factos, às exigências de prevenção geral e especial e não peca por excesso, bem como é acertada face às condições pessoais e potencial de inserção social do arguido.

3. Em concreto, a medida da pena, tal como vem sendo unanimemente afirmado pela jurisprudência e doutrina, é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, a que acresce, como decorre do n.º 1, do artigo 77.º, do Código Penal, um critério específico– “a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente”.

4. Ainda que houvesse uma redução da pena única e a mesma se situasse nos 5 anos de prisão, além ser desadequada nunca seria caso de suspender a sua execução por se não verificarem os respetivos pressupostos, pois no caso vertente, são particularmente elevadas as exigências de prevenção geral, uma vez que, estes tipos de crime, assume relevantes proporções, com graves consequências, no seio da comunidade, as quais provocam grande alarme social e sentimento generalizado de insegurança e medo para além de situações análogas à dos autos sucederem com grande frequência, especialmente nesta comarca, o que provoca justificado temor na comunidade, abala a confiança que esta deve ter na eficácia do sistema penal, e impõe, consequentemente, uma necessidade acrescida de dissuadir a prática destes factos pela generalidade das pessoas e de incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes.

5. Por outro lado, a factualidade sob colação revela-se particularmente censurável, visto que a conduta do arguido denotou total, absoluto e reiterado desrespeito pelas normas penais vigentes, bem como os crimes em causa se revestem de incisiva gravidade e é profundamente atentatório dos bens jurídicos fundamentais de índole patrimonial, devassando esses bens pessoais do ofendido.

6. Por fim sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não atingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, aliás o recorrente já beneficiou tal oportunidade e a mesma foi revogada. Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais invocados pela recorrente., pelo que o recurso não merece provimento.”


4. O Ministério Público na 2.ª Instância emitiu parecer no sentido de que ao Recurso interposto pelo Arguido AA deve ser negado provimento, julgando-o improcedente e confirmando-se integralmente o acórdão recorrido


5. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer, defendendo, em síntese: (transcrição)

“(…)

Afigura-se-nos que tal decisão não suscita reparo, cumprindo as exigências legais.

No douto Acórdão recorrido, foi valorada em devida conta a situação familiar e socio-económica do arguido, os factos praticados e a personalidade do arguido, tudo em cumprimento do estatuído no artº 77ºnº1 do CPP. Atentou-se igualmente, nas repetidas condutas criminosas do recorrente, que manifesta uma tendência para a prática de crimes contra o património, a que não será alheio o consumo de estupefacientes.

Alega o arguido, que a pena aplicada é manifestamente excessiva.

Mas, as finalidades da pena são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo, no entanto, ultrapassar a medida da culpa – artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal.

Ora, no caso em apreço, o douto acórdão recorrido, teve em conta as necessidades de prevenção geral, e ponderou o facto de a natureza dos crimes de furto e receptação que são praticados para satisfação da dependência do consumo de estupefacientes e falta de inserção na área laboral, causam alarme e insegurança na sociedade, cumprindo decidir de forma a repor a confiança dos cidadãos na norma violada e a efectiva tutela dos bens jurídicos que se visa assegurar pela incriminação deste tipo de condutas.

Atendeu igualmente, na necessidade de prevenção especial e procedeu à avaliação da personalidade do arguido e da globalidade dos factos por ele praticados.

Foram considerados os antecedentes criminais do recorrente, que é demonstrativo de uma propensão para a prática de atos criminosos e ainda que as anteriores condenações sofridas e as respetivas penas aplicadas não constituíram fatores suficientes para o afastar da criminalidade.

Logo, com uma eventual suspensão da execução pena, o arguido não conseguiria interiorizar o desvalor jurídico-criminal da sua conduta.

A suspensão da execução da pena de prisão, com ou sem regime de prova, é sem dúvida substitutivo adequado das penas privativas de liberdade.

Quando nos termos do número 1 do artigo 50º do Código Penal, se determina “o tribunal suspende” …, fica bem claro que se trata de um poder-dever.

Porém, entendemos que este poder-dever não é, nem deve ser, mera substituição automática da prisão. Só deve ser decretada a suspensão da execução da pena quando o tribunal concluir, em face da personalidade do arguido, das condições da sua vida e outras circunstâncias, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.

Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá de futuro nenhum crime.

Mas se o tribunal tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.

Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível entre outras. Devem, portanto, ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial.

Ora, a clara incapacidade do arguido em interiorizar a ilicitude da sua conduta, demonstrada pelo facto de as anteriores condenações não terem logrado obter o efeito correctivo e dissuasor que visavam, justifica o cumprimento efectivo de pena de prisão, por necessário a realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

Portanto, a prognose feita no caso do arguido destes autos, só poderia ser negativa.

Foi decretada a pena de 9 (nove) anos de prisão efectiva ao arguido, que é justa, adequada e necessária aos crimes cometidos e à personalidade evidenciada por aquele, pelo que o Tribunal a quo, ao aplicar tal pena, não violou o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º e 77º, todos do Código Penal.

Nestes termos, e tendo ainda presente a moldura penal abstracta a considerar para a fixação da pena única, a qual se baliza entre os 3 anos e 2 meses e os 23 anos e 10 meses de prisão, é nosso entendimento que facilmente se aquilatará da justeza da fixação da pena única em 9 (nove) anos de prisão.

Bem andou o Tribunal a quo, não merecendo o Acórdão recorrido qualquer reparo.

No demais sufragamos os argumentos constantes da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público na primeira instância, que se encontram devidamente desenvolvidos e adequadamente sustentados, quer de facto quer de direito, e merecerem o nosso acolhimento.

As questões suscitadas no recurso foram adequada e sustentadamente analisadas e rebatidas pelo Ministério Público de Primeira Instância e que aqui se dão por reproduzidas.

Face ao exposto, emite-se o parecer no sentido de que:

Será de improceder o recurso em análise, mantendo-se o Acórdão recorrido”

Foi cumprido o disposto no art.º 417º n. 2 do CPP.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), visando, no caso, o reexame de matéria de direito.

Este Tribunal é, assim, chamado a apreciar e decidir a questão de saber se a pena única de 9 anos de prisão se mostra excessiva e se, sendo o caso, deve aquela ser reduzida e fixada em 5 anos de prisão, como pretende o recorrente, com suspensão de execução por igual período.

Cumpre decidir.

I. Fundamentação

1. os factos:

O Acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos: (transcrição)

“1. (NUIPC 188/21.7PGPDL)

1.a). Entre as 18h30 do dia 1.4.2021 e as 8h15 do dia 5.4.2021, o arguido AA, conhecido por “BB”, dirigiu-se à residência de CC, sita no Loteamento ..., ..., ..., ...;

Aí chegado, subiu o muro com cerca de 2m de altura que circunda a habitação e dirigiu-se ao anexo aí existente, onde destruiu a fechadura de uma das portas e por ela entrou;

Já no seu interior, o arguido AA retirou e levou com ele os seguintes objetos:

. 4 jantes 16" originais do Mercedes Benz SLK de CC (ainda nas caixas e com uma cobertura individual), no valor de €600,00;

. 1 piscina insuflável (com armação exterior cinzenta escura) e bomba d'água com filtro (capacidade de 10m3 de água), no valor de €200,00;

. 1 barco insuflável, com capacidade para 2 pessoas, no valor de €120,00;

. 1 tenda exterior, da marca Cru Kasa, no valor de €160,00;

. 1 estojo com chaves de caixa normais e compridas, roquetes (1 pequeno e um grande), nunca usado, no valor de €100,00;

. 2 preguiças vermelhas novas, no valor de €50,00;

. 1 caixa em madeira com material de ... (talocha, colheres de ..., escopros, malho de 2/3 kg, régua em alumínio amarela, martelos de carpinteiro - 1 grande azul e outro com cabo em tubo galvanizado, espátula, gancho de amarrar ferro, serrote de madeira, fita métrica de 20m, de cor castanha, com manivela para recolher), no valor total de €150,00;

. 1 martelo demolidor elétrico (num estojo preto), com brocas e punções, no valor de €150,00;

. 1 rebarbadora grande, verde com a cabeça cinzenta, com o botão de travar o disco avariado, numa caixa própria em cartão, no valor de €100,00;

. 1 rebarbadora média, nova, com muito pouco uso, num estojo plástico cinzento, no valor de €30,00;

. loiças cerâmicas diversas, algumas da cerâmica Vieira, no valor de €100,00;

. 3 pistolas de pintura, no valor total de €180,00;

. 1 máquina de soldar, no valor de €180,00;

. 1 conjunto de faróis traseiros, de Mercedes 190, versão americana, no valor de €120,00;

. 2 macacos hidráulicos, no valor de €180,00;

. 1 máquina de polir, no valor de €45,00;

. 1 lavadora de alta pressão, de cor amarela, no valor de €60,00;

. 1 serra elétrica de recorte, no valor de €100,00. (…)

2. (NUIPC 109/21....)

2.a). No dia 2.3.2021, pelas 16h15 horas, o arguido AA dirigiu-se à moradia em construção de DD, sita na Rua ..., ...;

Aí chegado, o arguido AA saltou o muro que circunda a moradia, dirigiu-se ao anexo aí existente e partiu a janela do armazém, sendo nessa altura surpreendido por DD; (…)

Naquele local existe diverso material de construção civil, nomeadamente, 300 escoras no valor de €7.000,00, tábuas de cofragem num valor total de €3.000,00, 6 mil telhas no valor total €3.500,00, escadas em alumínio e 3 escadotes no valor total de €900,00, bem como diverso material de jardinagem no valor total de €200,00;

2.b). Ao abandonar aquele local, o arguido AA apontou o dedo a DD e disse-lhe: “vou incendiar essa casa”, “vou queimar aqueles carros” e “vou partir-te as vidraças do ...” (referindo-se a um restaurante de que DD é proprietário); (…)

3. (NUIPC 178/21....)

No período compreendido entre as 15h30 do dia 27.3.2021 e as 7h45 do dia 30.3.2021, o arguido AA dirigiu-se à residência de EE, sita na rua ..., ...;

Aí chegado, saltou o muro que circunda a casa e forçou a janela da casa de banho, entrando na referida residência;

Já no seu interior, o arguido AA retirou e levou com ele uma aparafusadora da marca Black & Decker, uma plaina da marca Heiner e uma máquina de colar tubos PPR, no valor total de €285,00; (…)

4. (NUIPC 210/21....)

No dia 13.4.2021, entre as 19h45 e as 20h30, o arguido AA dirigiu-se à residência sita na rua ... em ..., pertencente a FF;

Aí chegado, forçou a janela da garagem e ali entrou;

Já no seu interior, o arguido AA retirou e levou consigo 6 canas de pesca com os respetivos carretos, no valor total de €2.000,00; (…)

5. (NUIPC 244/21....)

No dia 24.4.2021, entre as 10h20 e as 10h30, o arguido AA dirigiu-se à residência sita na Avenida ... em ..., pertencente a GG;

Aí chegado, o arguido galgou o muro com 2 metros de altura, forçou a porta da cozinha da casa e por ela entrou;

Já no seu interior, o arguido AA retirou e levou com ele um barco com 60 cm de cumprimento, que se encontrava no interior de uma redoma em vidro, no valor de €500,00; (…)

6. (NUIPC 339/21....)

No dia 23.5.2021, pelas 12h30, o arguido AA dirigiu-se à residência sita na ..., nº.4 A, ..., em ..., pertencente a HH;

Aí chegado, subiu uma parede com 2 metros que circunda a residência e deslocou-se em direção à porta das traseiras;

Porém, quando estava a tentar abrir a referida porta, foi surpreendido nessa atividade por II e de imediato abandonou o local; (…)

No interior da habitação existem vários utensílios domésticos, loiças e roupas, de valor superior a €102,00;

7. (NUIPC 236/21....)

No dia 21.4.2021, pelas 8h50, o arguido AA dirigiu-se à moradia em fase final de construção de JJ, sita na Estrada ..., ..., ...;

Aí chegado, o arguido AA entrou de forma não apurado no perímetro que circunda a moradia, e, já no terreno anexo à casa, foi surpreendido por KK, que lhe perguntou o que ali fazia, ao que o arguido AA saltou para outro terreno; (…)

8. (NUIPC 304/21....)

Entre as 20h00 do dia 9.5.2021 e as 9h00 do dia 15.5.2021, o arguido AA dirigiu-se ao terreno rural denominado Quinta ..., pertença de LL e sito na ..., ..., ..., o qual é murado;

Aí chegado, de forma não apurada acedeu ao perímetro da propriedade nela acedendo ao barracão de madeira ali existente, que tinha a porta aberta, entrando no mesmo;

Já no seu interior, o arguido AA retirou e levou com ele uma bicicleta preta da marca Team, no valor de €250,00; (…)

9. (NUIPC 346/21....)

No dia 25.5.2021, pelas 15h00, o arguido AA dirigiu-se ao terreno de MM, sito na Av. ..., ..., ...;

Aí chegado, saltou o muro circundante, entrando no referido terreno, sem autorização e contra a vontade da dona;

Já no seu interior, o arguido AA retirou e levou com ele quantidade não apurada de morangos e uma garrafa de gás no valor de €18,59; (…)

10. (NUIPC 378/21....)

Entre as 9h00 do dia 30.5.2021 e as 7h30 do dia 31.5.2021, o arguido AA dirigiu-se ao prédio rústico de estufas ..., pertença de NN e sito na Rua ..., ..., ...;

Aí chegado, subiu o muro de cerca de 3m de altura que circunda o prédio, dele retirando e levando consigo vários ..., no valor de €5,00 o kg, pertencentes à dona do prédio;

De seguida, dirigiu-se a uma casa de arrumos em madeira ali existente, forçou a fechadura da porta e entrou no seu interior, onde estroncou o cadeado de um armário e dele retirou e levou consigo os seguintes objetos, pertencentes a OO:

. uma plana de mão em madeira;

. um crochete de madeira;

. uma amoladora de facas elétrica;

. um fio/cordão em prata;

tudo no valor não alcançado; (…)

11. (NUIPC 405/21....)

No dia 13.6.2021, pelas 18h00, o arguido AA dirigiu-se ao terreno agrícola de PP, sito na ..., ..., ...;

Aí chegado, o arguido AA saltou o muro que circunda o terreno, com cerca de 2m de altura, e nele entrou, munido de um facão e usando luvas nas mãos, sendo surpreendido por QQ quando andava atrás das galinhas ali existentes; (…)

PP tinha naquele terreno cerca de 16 galinhas, no valor de 5,00 euros cada, e diversas árvores de fruta, não tendo autorizado o arguido AA a ali entrar, o que era do conhecimento deste; (…)

12. (NUIPC 393/21....)

Entre as 17h00 do dia 4.6.2021 e as 8h30 do dia 7.6.2021, o arguido AA dirigiu-se ao reservatório de água sito no arruamento ... do ..., em ... - ..., pertencente à Câmara Municipal ...;

Aí chegado, deslocou-se a uma janela ali situada a 1,50m de altura e por ela entrou; Já no interior, o arguido dali retirou e levou com ele os seguintes objetos pertencentes àquela Câmara Municipal;

. 1 facão da marca Brasil, no valor de €15,00;

. 1 sacho de jardinagem, no valor de €15,00;

. 1 bidão com 5 litros de gasolina, no valor de €10,00;

. 1 soprador de mão, da marca Mother Garden, no valor de €150,00; (…)

ii. Resulta do relatório social e do CRC do arguido:

13.a). AA de agregado de modesta condição socioeconómica, integra uma fratria constituída por seis elementos, sendo o segundo mais novo na ordem de nascimento, cujo processo de crescimento terá sido pautado por algumas fragilidades decorrentes do consumo abusivo de bebidas alcoólicas por parte do progenitor, com algum impacto na dinâmica familiar e algumas dificuldades das figuras parentais em conseguirem acompanhar e supervisionar o percurso educativo dos filhos. Nessa sequência, AA regista fraco aproveitamento escolar, associação a pares problemáticos e inicio do consumo de substâncias estupefacientes durante a adolescência, vindo a abandonar os estudos por volta dos quinze anos, altura em que somente conseguiu concluir o 6º ano de escolaridade.

Com um par de experiências laborais, uma no setor da construção civil, trabalhando como ... e outra, há cerca de dois anos, ligada ao ..., na empresa R..., onde terá celebrado contrato de trabalho, que terá rescindido. Desde então, deixou de ter qualquer ocupação laboral, mantendo-se na condição de desempregado até ser preso preventivamente à ordem do Proc.594/20.... Perante esse contacto judicial, a referida medida de coação foi alterada para a de Obrigação de Permanência na Habitação com recurso aos meios de vigilância eletrónica, a qual se manteve no período compreendido entre 23.7.2020 e 18.2.2021 em casa dos pais e sem registos de incidentes. Nesse processo, viria a ser condenado pela prática de vários crimes de furto, na pena de três anos e dez meses de prisão, suspenso na sua execução com regime de prova. Quando foi aplicada a medida de coação preventiva da sua liberdade, AA mantinha-se integrado no agregado de origem, na altura composto pelo próprio, pelos pais, a irmã RR (com 36 anos e desempregada) e quatro sobrinhos, com idades compreendidas entre os dezassete e sete anos de idade, todos estudantes, dois dos quais filhos de RR (com oito e treze anos). Os dois sobrinhos mais velhos nessa altura estavam à guarda da avó paterna, SS, o qual já não acontece, uma vez que ambos manifestaram vontade de integrar o agregado da respetiva progenitora. A gestão económica era e é assegurada através da atividade profissional do pai, que exerce a profissão de ... na Câmara Municipal ..., auferindo o salário mínimo regional, ficando ao cuidado da mãe, a gestão doméstica. RR, após um período integrada em programa ocupacional, encontra-se no presente desempregada e beneficiária de Rendimento Social de Inserção, no valor mensal de €24,00.

A nível aditivo, o início do consumo de substâncias opiáceas (heroína) terá tido início por volta dos dezassete anos e por influência do grupo de pares da altura, consumos que manteve durante cerca de seis anos e que viria a resultar na realização de dois tratamentos. O primeiro aconteceu em 2015 na ... contra as dependências, onde se manteve durante cerca de dois anos e o segundo ocorrer há cerca de dois anos, vindo a integrar a 23.7.2020, o programa de Opiáceos de Substituição com Cloridrato de Metadona na ..., no qual se mantém até ao momento em meio prisional. Há cerca de sete anos terá estabelecido relação marital com a mãe do seu filho, que conta com sete anos de idade, vindo a acontecer a rutura do casal há cerca de três anos em razão do seu envolvimento com o mundo das drogas, e por essa razão a mãe do menor terá proibido o contacto com o filho. Essa situação ter-se-á ultrapassado após ter recorrido judicialmente, passando a beneficiar da visita quinzenal do menor. A separação da companheira terá acentuado os consumos de substâncias estupefacientes e à data dos factos encontrava-se com consumos de substâncias ilícitas (sintéticas). Recluso à ordem dos presentes autos desde o passado mês de junho, AA revela fraco sentido crítico face aos factos de que vem acusado, tendendo a refugiar-se na problemática aditiva de que padece, vindo a sua ligação nos últimos anos com o Sistema de Justiça a ter impacto no seu quotidiano, uma vez que tem culminado em reclusão. De referir ainda que ultimamente estava a ter um forte impacto em seio familiar, provocando desacatos dada a pressão exercida junto dos pais para satisfação do consumo, e nessa sequência há um afastamento do progenitor, o qual assumiu uma postura de censura face à sua conduta desajustada, e a progenitora evidenciava um estado de exaustão e saturação receando algum desfecho trágico. Atualmente, em meio prisional regista uma infração disciplinar e beneficia da visita regular da mãe e de algumas irmãs.

Em meio prisional, resultante de um quadro depressivo terá efetuado duas tentativas de suicídio e nessa sequência encontra-se medicado. Aquando da sua reclusão, AA mantinha-se desempregado, gerindo o seu quotidiano em função das suas necessidades imediatas de consumo, passando a maior parte do tempo fora de casa, em que os progenitores não conseguiam ter qualquer ascendente sobre ele. AA revela fracos hábitos de trabalho, alguma imaturidade e reduzido sentido de responsabilidade, que tende a agir de forma impulsiva quando confrontado com contrariedades, revelando fraca capacidade ao nível da resolução de problemas. Segundo informação da autoridade policial, para além das ocorrências que se encontram comtempladas nos presentes autos, no período compreendido entre 20.3.2020 e 29.6.2021, é referenciado em várias ocorrências, indiciado da prática de crimes contra a propriedade, reserva da vida privada e desobediência. Oriundo de agregado familiar de modesta condição socioeconómica, AA conta atualmente com trinta anos, que até à sua reclusão nunca se conseguiu autonomizar, continuando a depender em meio livre dos progenitores, nas várias dimensões da sua vida. Com um processo de socialização marcado por algumas fragilidades, nomeadamente ao nível da supervisão parental bem como percurso escolar empobrecido, abandonou os estudos durante a adolescência sem conseguir concluir a escolaridade obrigatória e aproximando-se de pares pro-criminais. A sua desocupação aliada à proximidade a contextos de risco durante a juventude bem como as suas fracas competências ao nível da resolução de problemas e controlo de impulsos, culmina no seu envolvimento com o mundo da toxicodependência, resultando as tentativas de reabilitação em fracasso e na sua ligação ao sistema formal de justiça. Nesse contexto, vem revelando fraca adesão à intervenção externa, a qual se encontrava em curso por parte da DGRS, aquando a sua atual reclusão, no âmbito de medida de carater probatório;

b).O arguido já foi condenado:

- Por sentença de 30.9.2020, relativamente a factos integradores dos crimes de furto qualificado e dano simples, praticados em 6.6.2020, na pena de multa;

- Por sentença de 17.11.2020, relativamente a factos integradores do crime de furto qualificado, praticados em 1.5.2019, na pena de multa substituída por trabalho a favor da comunidade; e

- Por sentença de 18.2.2021, relativamente a factos integradores dos crimes de furto simples, qualificado e tentado, praticados entre 23.5.2020 e 1.7.2020, na pena única de prisão suspensa na sua execução com regime de prova”

O acórdão recorrido fundamentou, como se transcreve, a escolha e determinação da medida concreta da pena:

BC - Determinação da medida da pena:

Os crimes cometidos pelo arguido são puníveis, face à escolha acima preconizada:

. cada um dos furtos qualificado [artºs.203º e 204º, nº.2, al.e) do CP] dos pontos A.; AA.; i.;

1. (NUIPC 188/21.7PGPDL); 3. (NUIPC 178/21....); 4. (NUIPC 210/21....); 5. (NUIPC 244/21....) e 12. (NUIPC 393/21....), com pena de prisão de 2 anos a 8 anos; . cada um dos furtos qualificado tentados [artºs.22º, 203º e 204º, nº.2, al.e) do CP] dos pontos A.; AA.; i.; 2. (NUIPC 109/21....) e 6. (NUIPC 339/21....), com pena de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses;

. o crime de furto qualificado [artºs.203º e 204º, nº.1, al.f) do CP] dos pontos A.; AA.; i.; 8. (NUIPC 304/21....), com pena de prisão de 1 mês a 5 anos;

. o crime de furto qualificado tentado [artºs.22º, 203º, nº.1 e 204º, nº.1, al.f) do CP] do ponto A.; AA.; i.; 7. (NUIPC 236/21....), com pena de prisão de 1 mês a 3 anos e 4 meses de prisão;

. cada um dos furtos simples [artºs.203º, nº.1 e 204º, nº.4 do CP] a que se reportam os pontos A.; AA.; i.; 9. (NUIPC 346/21....) e 10. (NUIPC 378/21....), com pena de prisão de 1 mês a 3 anos;

. o furto simples tentado [artºs.22º, 203º, nº.1 e 204º, nº.4 do CP] do ponto A.; AA.; i.; 11. (NUIPC 405/21....), com pena de prisão de 1 mês a 2 anos;

. a ameaça agravada [artºs.153º, nº.1 e 155º, nº.1, al.a), todos do CP] do ponto A.; AA.; i.; 2. (NUIPC 109/21....), com pena de prisão de 1 mês a 2 anos.

Posto isto, importa determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido por cada qual dos ilícitos que cometeu.

(…)

No caso vertente as exigências de prevenção geral são bastante elevadas. Com efeito, estamos perante delitos que são alvo de grande censura comunitária e com os quais somos frequentemente confrontados na comarca. Ademais, o forte sentimento de insegurança gerado por situações desta natureza denota a necessidade de transmitir um sinal claro à comunidade no sentido da afirmação da validade das normas violadas, restabelecendo o sentimento de segurança abalado pelos crimes.

O grau de ilicitude deve ser considerado elevado, atendendo ao grau de violência exercido sobre as residências visitadas pelo arguido e ao modo furtivo que para tanto usava, bem como às consequências da sua conduta, atendendo aos bens que levou e aos estragos que provocou.

A intensidade do dolo corresponde ao dolo direto.

No que se refere aos antecedentes criminais, importa considerar a relevante lista de condenações já sofridas pelo arguido, por crimes de natureza patrimonial, donde se infere que a presente conduta não representou um episódio isolado na sua vida, antes denota uma personalidade insensível perante as normas jurídicas que regulam a vida em sociedade e revela resistência em se deixar influenciar positivamente pelas penas sofridas, o que resulta à evidência da circunstância destes fatos terem sido praticados pelo arguido em tempo de suspensão de execução da pena a que foi condenado anteriormente e é também evidenciado no relatório social.

Ainda ao nível da prevenção especial, há também a considerar a circunstância do arguido não ter uma forte rede efetiva de suporte familiar e, ultimamente, profissional, mantendo desde há muito uma vida à margem de qualquer atividade laboral, pautada pelo aditismo (estupefacientes) que não consegue ou não quer combater.

Pontua a seu favor a confissão destes factos…mas a seu desfavor o total alheamento pela reparação que é devida aos lesados...tudo para se dizer que se entende a culpa do arguido próximo da metade das molduras abstratas apontadas para os ilícitos que cometeu.

Tudo visto e ponderado, entende-se adequada em função da culpa do agente:

. para o furto qualificado [artºs.203º e 204º, nº.2, al.e) do CP] do ponto A.; AA.; i.; 1. (NUIPC

188/21.7PGPDL), tendo em conta o valor dos bens furtados, a pena de 3 anos e 2 meses de prisão;

. para cada um dos furtos qualificados [artºs.203º e 204º, nº.2, al.e) do CP] dos pontos 3. (NUIPC 178/21....); 4. (NUIPC 210/21....); 5. (NUIPC 244/21....) e 12. (NUIPC 393/21....), em razão da similitude do valor dos bens furtados, a pena de prisão de 2 anos e 10 meses de prisão;

. para o furto qualificado na forma tentada [artºs.22º, 203º e 204º, nº.2, al.e) do CP] dos pontos A.; AA.; i.; 2. (NUIPC 109/21....) e 6. (NUIPC 339/21....), a pena de prisão de 1 ano e 2 meses de prisão;

. para o furto qualificado [artºs.203º e 204º, nº.1, al.f) do CP] do ponto A.; AA.; i.; 8. (NUIPC 304/21....), a pena de 2 anos de prisão,

. para o furto qualificado na forma tentada [artºs.22º, 203º e 204º, nº.1, al.f) do CP] do ponto A.; AA.; i.; 7. (NUIPC 236/21....), a pena de 11 meses de prisão;

. para cada um dos furtos simples [artºs.203º, nº.1 e 204º, nº.4 do CP] dos pontos A.; AA.; i.; 9. (NUIPC 346/21....) e 10. (NUIPC 378/21....), a pena de 1 ano e 2 meses de prisão;

. para o furto simples tentado [artºs.22º, 203º, nº.1 e 204º, nº.4 do CP] do ponto A.; AA.; i.; 11. (NUIPC 405/21....), a pena de 9 meses de prisão;

. para a ameaça agravada [artºs.153º, nº.1 e 155º, nº.1, al.a), todos do CP] do ponto A.; AA.; i.; 2. (NUIPC 109/21....), tendo em conta o estado em que deixou a vítima, de terror que até hoje perdura a pena de 1 ano de prisão.

Em cúmulo jurídico e numa moldura abstrata que vai dos 3 anos e 2 meses aos 23 anos e 10 meses de prisão…pegando nos argumentos já acima apontados para a determinação da pena que aqui se não repetem…fixar a pena única em 9 anos de prisão.”

b. O direito

Nos termos do artigo 40.º, do Código Penal, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Por aplicação das normas constitucionais convocáveis (artigo 27.º, n.º 2 e 18.º, n.ºs 2 e 3), a determinação e escolha da pena privativa da liberdade regem-se pelo princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso e pelos respetivos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. acórdão deste Tribunal, 3.ª Secção, de 3.11.21, no proc. n.º 875/19.0PKLSB.L1.S1, e Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º).

A aplicação da pena tem como pressuposto que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de atuar de acordo com o direito, sendo o grau da culpa o limite da pena (artigo 40.º, n.º 2).

O artigo 71.º, no n.º 2, do Código Penal, enumera, de modo não taxativo, fatores que conformam a determinação da medida da pena que se referem à execução do facto (“o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência”, “os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram”), à personalidade do agente (“As condições pessoais do agente e a sua situação económica”, “a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”) e outros relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (“A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime”)[1].

Sendo a finalidade da pena a proteção de um bem jurídico e, sempre que possível, a reintegração social do agente e não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, a medida da pena corresponderá à medida necessária de tutela do bem jurídico sem ultrapassar a medida da culpa.[2]

Importa, pois, averiguar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação.

Do ponto de vista da prevenção geral, há que atender à imagem global do ilícito, à natureza do mesmo e do bem jurídico atingido, ao dano social, à potencialidade de violação de outros bens jurídicos, mormente, de natureza pessoal, ao impacto na comunidade.

O arguido vem condenado, na quase totalidade, por crimes de furto, qualificado (consumado ou tentado) ou simples.

Apreciada a conduta criminosa do arguido com maior detalhe, verifica-se que:

- integra 7 crimes de furto consumado, sendo 1 deles no valor de €250,00, outro no valor de €18,59 e um terceiro, no valor de €5,00;

- o crime em valor mais expressivo, o primeiro descrito no acórdão recorrido, consistiu na apropriação de objetos, avaliados em cerca de €2400,00.

- inclui 4 crimes de furto na forma tentada, sendo 1 no valor de €5,00;

- na generalidade dos casos, o local da prática do furto não correspondia a zonas de residência (anexo, garagem, barracão, terreno, casa de arrumos, casas em construção);

- os crimes foram praticados no período compreendido entre 2.3 e 31.5.21.

Contudo, a atividade delituosa do arguido, em paralelo e relacionada com o consumo de estupefacientes, tem expressão em 2 condenações anteriores, por crimes da mesma natureza, praticados, todos, entre maio de 2019 e novembro de 2020.

As condutas descritas são aptas a gerar, de uma vez, reflexos negativos na esfera patrimonial dos concretos ofendidos, e, pela reiteração da conduta criminosa, uma reação negativa difusa na comunidade, de insegurança quanto aos bens patrimoniais de particulares e instituições; não é despiciendo, contudo, o facto de significaram valores monetários de pequena ou nenhuma relevância, quer por crime, quer no conjunto das infrações em causa, com exceção de 1 situação, em que os bens objeto de furto foram avaliados em montante superior a 2000 euros.

Pelas circunstâncias, em modelo repetido, da prática dos referidos crimes, na maioria das vezes, em locais não habitados, não se verificou, em concreto, afetação de outros bens jurídicos, designadamente pessoais. Quando surpreendido em atos de execução, o arguido abandonou sempre o local. Por uma das vezes, contudo, enquanto se afastava, proferiu as declarações que integram o crime de ameaça descrito.

A atividade criminal do arguido situa-se, pois, no plano da pequena criminalidade.

Face a este retrato do ilícito global, as exigências de prevenção geral, medidas pela moldura penal definida para a proteção dos bens jurídicos atingidos, encontra-se, igualmente, num plano baixo/médio de intensidade.

Como se disse no acórdão deste tribunal, de 16.5.2019, no processo n.º 790/10.2JAPRT.S1:

“Há que considerar que não é tanto ao número de crimes que importa atender para avaliar a gravidade do comportamento global do agente, embora esse fator não possa ser ignorado evidentemente, mas sim essencialmente ao tipo de criminalidade praticado pelo agente, não sendo a repetição, ainda que intensiva, do mesmo tipo que pode agravar qualitativamente a tipologia criminosa. Por outras palavras, a acumulação de penas características da pequena/média criminalidade, ainda que em número elevado, não pode (a não ser que ocorram circunstâncias excecionais ligadas à personalidade do agente a impor exigências reforçadas de prevenção especial) conduzir a uma pena conjunta adequada à punição de um crime integrado na “grande criminalidade”, sob pena de violação da regra da proporcionalidade da pena.”

A conduta global do recorrente não se pode classificar como mera pluriocasionalidade, pois o arguido agiu com grande persistência criminosa durante o período mencionado e transportava já uma história de atividade similar, pelo menos, nos 2 anos antecedentes.

Regista-se que beneficiou da suspensão da execução de pena de prisão em que foi condenado, em momento anterior à prática dos factos a que respeita a pena em análise, revelando desapego por uma oportunidade de ressocialização, finalidade da prevenção especial.

O arguido participou e participa em programas dirigidos à dependência de estupefacientes (no caso, opiáceos e sintéticos): “o primeiro aconteceu em 2015 na ... contra as dependências, onde se manteve durante cerca de dois anos e o segundo ocorrer há cerca de dois anos, vindo a integrar a 23.7.2020, o programa de Opiáceos de Substituição com Cloridrato de Metadona na ..., no qual se mantém até ao momento em meio prisional”

Há algum tempo, a família, particularmente o seu pai, iniciou um processo de rutura com o arguido, por exaustão em relação à sua adição e pressões e exigências, àquela, associadas. Contudo, é visitado, no estabelecimento prisional, pela mãe e irmãs.

A companheira, mãe do seu filho, pôs termo ao relacionamento que ambos mantinham, também em razão da sua dependência de substâncias ilícitas.

E provável e compreensível que, na comunidade, seja similar o sentimento de cansaço aliado à insegurança, face à persistência da atividade delituosa do arguido.

Sendo elevadas as necessidades de prevenção especial, assume particular importância o sucesso do programa de substituição de opiáceos com metadona em que o arguido participa em reclusão e da terapêutica antidepressiva, face aos episódios relatados de tentativa de suicídio.

A moldura penal dentro da qual se terá de encontrar a pena única encontra-se prevista no nº 2 do artigo 77º do C. Penal – tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo exceder 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa.

No caso, ela corresponde ao intervalo entre 3 anos e 2 meses e 23 anos e 10 meses de prisão.

No quadro global do ilícito, entende-se mais adequado e proporcional situar a culpa em limiar inferior ao meio da moldura penal prevista para a pena única.

Como já se referiu, sendo expressivo o número de crimes praticados (11), eles integram-se claramente na pequena criminalidade, não violenta.

Não se elevando, em razão, apenas, do número de crimes, o patamar de criminalidade praticado pelo arguido, a determinação da pena operada aponta para alguma desproporcionalidade na aplicação de uma pena própria de uma criminalidade mais grave.

Entende-se mais consentânea com a medida da culpa, uma pena que corresponda ao quinto inferior da moldura penal do concurso.

Por todo o exposto e num juízo de proporcionalidade, julga-se equilibrada e proporcional à gravidade dos factos a pena de 7 anos e 3 meses de prisão.


III. Decisão

Nos termos expostos, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção Criminal, acorda em: --

Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido AA, reduzindo a pena única, aplicada no acórdão recorrido, condenando-o na pena única de 7 anos e 3 meses anos de prisão;

Mantendo-se em tudo o mais o acórdão recorrido.

Sem custas (art. 513º n.º 1 parte final do CPP).

Teresa de Almeida (Relatora)

Lopes da Mora (Adjunto)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

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[1] Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2.ª Edição, 2022, pag.57.
[2] Maria João Antunes, Ob. Cit., pag.55, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp. Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357.