RECURSO PENAL
RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
CONDENAÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
APRECIAÇÃO DA PROVA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I. O direito à revisão de sentença, consagrado como direito fundamental (artigo 29.º, n.º 6, da Constituição), que se efectiva por via de recurso extraordinário que a autorize (art.º 449ss do CPP), com realização de novo julgamento, possibilita a quebra do caso julgado de sentenças condenatórias que devam considerar-se injustas, por ocorrer qualquer dos motivos taxativamente previstos na lei (artigo 449.º do CPP). A injustiça da condenação sobrepõe-se à eficácia do caso julgado, em homenagem às finalidades do processo, assim se operando o desejável equilíbrio entre a segurança jurídica da definitividade da sentença e a justiça material do caso.
II. Constitui jurisprudência constante deste Tribunal a de que, para efeitos de admissibilidade da revisão com fundamento no n.º 1, al. d), deste preceito, são factos novos ou novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado; “novos” são também os factos e os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.
III. Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação; a novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova, seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção da prova, sendo que o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.
IV. A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada. Não basta a mera existência da dúvida; é necessário que ela se eleve a um patamar de solidez que permita afirmar a sua «gravidade», isto é, que, na ponderação conjunta de todos os factos e meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (artigo 127.º do CPP) e sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.
V. Neste caso, a motivação da revisão dirige-se diretamente à fundamentação da decisão recorrida em matéria de facto, pondo em causa a credibilidade de uma testemunha cujo depoimento teve um contributo decisivo para a condenação, alegando que esta prestou declarações no processo, durante o inquérito e em audiência de julgamento, não coincidentes quanto à justificação da sua ausência de casa – o que, na tese do recorrente, constituiria “dúvida razoável” sobre essa justificação, conduzindo a uma grave dúvida sobre a justiça da condenação –, deixando o ofendido sozinho quando o crime foi praticado.
VI. A alegada não coincidência das declarações da testemunha prestadas no inquérito e em julgamento não é um facto novo; não só porque não diz respeito a facto objeto de prova (facto probando) mas também porque, embora irrelevante para a decisão, pois só valem as declarações em julgamento (artigo 355.º do CPP), respeita à apreciação da prova dos factos do processo, em que se funda a decisão discutida no processo. Assim, o conhecimento que agora o recorrente diz possuir sobre a não realização de ato ou consulta médica (que a testemunha, em julgamento, indicou como razão para a sua ausência) não pode considerar-se facto novo para efeitos de revisão da condenação, pois tal conhecimento se refere à produção daquela prova, no que respeita à credibilidade da testemunha, discutida e avaliada em julgamento do processo.
VII. Os meios de prova apresentados – duas as testemunhas – também não são novos, desde logo porque, neste caso, o seu depoimento teria de dizer respeito a factos novos, suscetíveis de fundar decisão de absolvição, que não existem. Acresce que, se é certo que uma das testemunhas poderia ser apresentada em vista à prova de tais factos, se devesse ser feita (o que não é o caso), porque tinha sido ouvida no processo, a admissão da outra testemunha sempre ficaria condicionada à justificação, não apresentada, de que o requerente ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estava impossibilitada de depor no processo (artigo 453.º do CPP).
VIII. Nesta conformidade, impõe-se concluir que não se demonstra a descoberta de novos factos ou meios de prova que, por si só ou combinados com os que foram apreciados no processo, em que se fundamenta a decisão condenatória, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, ou, noutra formulação, que a aplicação da pena constitui resultado de inaceitável erro judiciário de julgamento da matéria de facto, sendo negada a revisão.

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório

1. AA, com a identificação dos autos, interpõe recurso extraordinário de revisão do acórdão Juízo Central Criminal ... (Juiz ...), Comarca ..., confirmado em recurso interposto para o Tribunal da Relação ... e transitado em julgado, que o condenou pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo art.º 165.°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão, e de um crime de coação, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 73.º e 145.º n.º 1, do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão.

2. Fundando o recurso na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal (CPP), por considerar terem sido descobertos novos factos, alega o recorrente, no essencial, circunstâncias de que teve conhecimento que, a seu ver, colocam em causa a credibilidade de uma testemunha, gerando dúvida razoável sobre o seu depoimento que, em consequência, levanta sérias dúvidas sobre a justiça da condenação.

É do seguinte teor o requerimento que apresenta (transcrição):

“O arguido, foi condenado nos autos à margem referenciados:

- como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo art.º 165 n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses DE PRISÃO EFECTIVA.

- como autor material e na forma tentada, de um crime de coação, p. e p. pelo art° 22.º, 23.º, 73 e 145.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses DE PRISÃO EFECTIVA

Em Cúmulo Jurídico das supra aludidas penas, na pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão efetiva.

2.º Com o devido respeito, que é muito, o arguido não se pode conformar com esta decisão, pelas razões que passará a expôr:

3.º Teve o arguido notícias, que no ano de 2017, a testemunha BB, não esteve presente em nenhum ato/consulta médica(o), no centro de saúde ou na unidade hospitalar da sua área de residência.

4.º Da referida informação, que veio ao conhecimento do Arguido, apresentou, o mesmo, participação criminal por falsidade de testemunho, cfr. Doc. 1 que se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais

5.º A Condenação do Arguido foi alicerçada, essencialmente, nas declarações para memória futura do Ofendido CC e nas declarações da sua mãe adotiva, testemunha do processo, as quais, para o Tribunal a quo e para o Tribunal ad quem, mereceram credibilidade.

6.º A justificação para que o A. se tenha introduzido na habitação do ofendido, foi o facto deste se encontrar sozinho em casa, no dia 3 de Abril de 2017, no período da manhã, (que serviu de base à sua condenação) devido à sua mãe adotiva se ter ausentado de casa.

7.º Surge, com efeito, a dúvida razoável se foi para, ir a uma consulta médica, como diz nas suas declarações em sede de inquérito perante a polícia judiciária a 26 de setembro de 2017, ou se foi para fazer um exame à coluna e fazer compras como disse perante o Tribunal de 1.ª instância a 3 de Maio de 2021, o que poderá ser esclarecido pelo depoimento da testemunha que indica neste momento – médica de família, que terá feito a consulta médica e/ou prescrito o exame à coluna.

8.º A testemunha, mãe adoptiva do ofendido, que pareceu credível às instâncias (primeira e de recurso) declarou, em fases distintas do processo, realidades diferentes para justificar a sua ausência de casa, no dia dos imputados factos.

9.º Uma consulta médica é um ato médico, sendo um exame à coluna um meio complementar de diagnóstico, que se poderá realizar, apenas e só, por prescrição médica.

10.º No pressuposto do que se diz a verdade ao Tribunal, inexistiam, à data do julgamento, fundamentos para colocar em crise o referido depoimento, no que concerne à justificação desta testemunha, relativamente à sua ausência de casa no dia 3 de Abril de 2017, da parte da manhã, uma vez que, segundo a própria, foi a única vez que deixou o filho sozinho. Cfr. Depoimento da testemunha BB em audiência de julgamento de 3 de Maio de 2021

11.º Levantando-se assim, sérias dúvidas sobre a justiça da condenação, por indiciária falsidade de testemunho.

12.º Assim, e nos termos do disposto no artº 453º, nº 3 do CPP, requer o arguido que sejam ouvidas as testemunhas que a final se indicarão.

A) DA DECISÃO RECORRIDA:

13.º Venerandos Juízes Conselheiros:

O ARGUIDO ESTÁ INOCENTE!!!

O ARGUIDO NÃO PRATICOU OS FACTOS POR QUE FOI CONDENADO!!!

14.º Da leitura do acórdão, de que ora se recorre, o arguido foi condenado pela prática dos seguintes factos:

1. No dia ... de Abril de 2017, pela manhã, sabendo que a BB se havia ausentado da residência, o arguido formulou o propósito de se introduzir nesse local e de se aproximar de CC, com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos.

2. Na execução desse propósito, o arguido dirigiu-se à varanda da sua residência e saltou para a varanda do quarto de CC, imediatamente contígua à sua.

3. Aí, o arguido bateu npo vidro da janela e disse a CC que o deixasse entrar porque BB tinha “mandado”, qo que o mesmo acedeu.

4. Já no interior do quarto de CC, o arguido baixou as calças e disse a este que despisse as calças e cuecas que trajava e que se voltasse de costas, sobre a cama, o que o mesmo fez.

5. Acto, continuo, o arguido aproximou-se de CC, colocou-se sobre o mesmo e introduziu o seu pénis erecto no ânus do Mesmo, aí o friccionando até ejacular.

6. De seguida, o arguido disse a CC que não contasse p sucedido a ninguém e que, se o fizesse, iria fazer mal a BB.

15.º Na motivação da matéria de facto foi considerado que o facto da mãe do ofendido estar ausente “… ao mencionar que na data dos factos tinha ido fazer exame médico e compras; que quando chegou o mesmo não a veio ajudar com as compras e chorou;” (sublinhado e itálico nossos)

16.º Em suma, poderá dizer-se que o arguido, e ora recorrente, foi condenado porque no dia 3 de Abril de 2017 a Sra. Testemunha BB, se tinha ausentado para realização de um acto médico/consulta médica, uma vez que, se estivesse em casa, os imputados factos, não teriam ocorrido!

17.º Analisando esta questão em concreto, e até atendendo à incongruência do depoimento da Sra Testemunha BB, nas declarações prestadas nas diferentes fazes do processo, e do conhecimento da notícia de que a Sra. Testemunha não terá tido comparecido em unidade médica na sua área de residência, suscitando-se, inevitavelmente, sérias dúvidas sobre a justiça da condenação.

18.º Mais, nas declarações da Testemunha, mãe adotiva do ofendido, esta informa que foi a única vez que deixou o seu filho (ofendido) sozinho em casa, que o CC andava sempre consigo.

19.º Por conseguinte, na data/hora em que terão ocorrido os factos em causa nos autos, a senhora testemunha, não esteve em nenhum ato médico/consulta médica no centro de saúde ou no centro hospitalar da sua área de residência, pelo que, o ofendido não estaria sozinho em casa, ou, quem sabe, sequer em casa!

20.º Os factos novos que acabaram de se relatar e que correspondem à verdade, conjugados e cotejados com a restante prova produzida nos autos, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

21.º Está em causa a privação da liberdade de um cidadão, reitera-se alicerçada em declarações para memoria futura de pessoa incapaz e num depoimento que parece não ser conforme à verdade, e cuja indiciária falsidade urge apurar, com base nos factos novos, ora carreados.

22.º Interrogamo-nos, desta forma, qual a conclusão a que o Tribunal chegará caso verifique, no âmbito dos seus poderes de indagação oficiosa, que a testemunha não compareceu a exame médico ou não esteve presente em qualquer consulta médica no dia 3 de Abril de 2017, quando prestou depoimento ajuramentado.

23.º A questão coloca-se com mais acuidade e com mais propriedade, tanto quanto a certeza desta testemunha, quando refere que nunca deixava o filho sozinho apenas o tendo feito nesse dia.

24.º Ora, provando-se que a testemunha não compareceu a qualquer ato médico ou exame complementar de diagnostico no dia dos imputados factos, para além da falsidade de testemunho, coloca-se em causa a ocorrência dos mesmos e, por conseguinte, a justiça da condenação, razão pela qual, se interpõe o presente recurso de revisão.

CONCLUSÕES:

1 - O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, na forma tentada, de um crime de coação, p. e p. pelo art° 22.º, 23.º, 73 e 145.º n.º 1 do Código Penal, na pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão efetiva; 2- O ARGUIDO ESTÁ INOCENTE!!!

3 - NÃO FOI O ARGUIDO QUEM PRATICOU OS FACTOS POR QUE FOI CONDENADO!!!

4 - Da leitura do acórdão, de que ora se recorre, o arguido foi condenado pela prática dos seguintes factos. [transcrição]

5 - Na motivação da matéria de facto foi considerado o facto da mãe do ofendido estar ausente “… ao mencionar que na data dos factos tinha ido fazer exame médico e compras; que quando chegou o mesmo não a veio ajudar com as compras e chorou;” (sublinhado e itálico nossos).

6 - Existe um facto novo, concretamente, a informação de não comparecência desta testemunha (mãe do ofendido) em qualquer acto médico ou consulta nas unidades de saúde da sua área de residência (centro hospitalar ... e centro de saúde), no ano de 2017;

7 - Informação essa que já foi reportada em participação criminal no DIAP ...- Tribunal de Comarca ...;

8 - Provando-se a falsidade de testemunho, surgirá a seria dúvida sobre a justiça da condenação, dúvida essa que sempre espavoriu a defesa!

9 - Tanto assim foi que se interpôs Recurso de facto e de direito!

10 - A testemunha, declarou em fases distintas do processo, realidades diferentes para justificar a sua ausência de casa, no dia dos factos.

11 - Colocando-se a questão, com particular acuidade, na exata medida da certeza desta testemunha quando refere que, único dia em que deixou o filho sozinho, foi a 3 de Abril de 2017.

12 - Está a liberdade de um cidadão, condenado pelas declarações para memoria futura de pessoa incapaz e num depoimento indiciariamente falso, cuja falsidade indiciária urge apurar, com base nos factos novos;

13 - Qual a conclusão a que o Tribunal chegará caso verifique, no âmbito dos seus poderes de indagação oficiosa, que a testemunha não compareceu a exame médico ou não esteve presente em qualquer consulta médica no dia 3 de Abril de 2017, num depoimento que deveria ser verdadeiro?

14 - O arguido não praticou os factos por que veio a ser condenado nos presentes autos.

15 - Os factos que se acabam de relatar e que correspondem à verdade, conjugados e cotejados com a restante prova produzida nos autos, suscitam sérias dúvidas sobre a justiça da condenação – cfr. 449.º, n.º 1, al. d) do CPP;

16 - É, pois, extremamente injusto que o arguido tenha sido condenado e vá cumprir uma pena de prisão efetiva que lhe foi aplicada por um crime que, repete, não cometeu.

17 - Assim, e nos termos do disposto no artº 453º, nº 3 do CPP, requer o arguido que sejam ouvidas as testemunhas que a final indicará.

18 - Face ao exposto requer-se a V. Exªs que produzida essa prova, seja autorizada a REVISÃO DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIA, nos termos do disposto nos Artigos 457.º e segs. do CPP.

PROVA: TESTEMUNHAL:

1 - BB, portadora do bilhete de identidade n.º ..., emitido a 20 de Abril de 2006, residente no largo ..., ... 2730-...

2 - Dra DD, médica, a notificar na extensão de saúde, Largo ..., ..., ... ...

Requer-se, a fim da descoberta da verdade material, que seja oficiado o centro hospitalar ... para informar se a Sra. BB, portadora do bilhete de identidade n.º ..., emitido a 20 de Abril de 2006, residente no largo ..., ... 2730- ..., esteve presente em algum ato médico a 3 de Abril de 2017 ou se lhe foi prescrito um exame à coluna no primeiro trimestre do ano de 2017.

DOCUMENTAL: 1 documento, Acórdão com nota do trânsito em julgado (D66S-6USZ-DZB0-LE9C).”

3. Na resposta, conclui o Ministério Público pela improcedência do recurso, nos seguintes termos (transcrição):

“1 O arguido AA veio recorrer, requerendo a revisão do douto acórdão proferido no âmbito dos presentes autos, pelo qual foi condenado (…)

2 - O arguido invoca a existência de factos novos, mormente que a testemunha BB, à data da prática dos factos não se deslocou a nenhum ato/consulta medica no centro de saúde e, por conseguinte, tal circunstância é inconciliável com os factos dados como provados.

3 – O arguido fundamenta a interposição do recurso extraordinário de revisão, na alínea d) do artigo 449.º, n.º 1, do C. de P. Penal.

4 - Ora, entende o Ministério Público que os factos novos que alega não invalidam em nada as declarações da testemunhadas quais resulta expressamente que à data da prática dos factos não se encontrava em casa.

5 - Ademais, também desconhece em concreto qual a instituição de saúde onde a testemunha efetuou o aludido exame, pelo que, não pode o arguido de forma genérica invocar que a mesma não esteve presente em qualquer unidade de saúde da zona de residência da testemunha, sem concretizar as entidades / instituições de saúde que se refere e sem sequer saber qual a instituição onde a mesma se deslocou naquela data.

6 - Por outro lado, desconhece-se por completo como o arguido chegou a tal informação, sendo de aventar a este propósito que este tipo de informações apenas pode ser fornecido pelas instituições de saúde aos próprios utentes!

7 - Ademais, o arguido também não esclarece como chega a tal informação.

8 - Face ao exposto bem andou o tribunal a quo ao concluir pela credibilidade da testemunha BB.

Termos em que, deverá ser negada a peticionada revisão de sentença.”

4. Pronunciando-se sobre o mérito do pedido, consigna o Senhor Juiz do processo (transcrição):

“(…) face aos termos do interposto, não se vislumbra fundamento de revisão, nos termos do art.º 449.º do CPP.

Com efeito, independentemente do motivo que tenha feito a mãe do ofendido sair de casa na data dos factos, o facto é que aí não estava aquando dos mesmos.

Sendo irrelevante se foi a consulta, a compras ou a qualquer outro lugar.

Eventuais discrepâncias sobre factos acessórios ou colaterais em nada relevam para a credibilidade do seu depoimento.

Inexiste qualquer dúvida sobre a justiça da condenação.”

5. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 455.º do CPP, tendo a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer, no sentido da denegação da revisão (transcrição):

“O recurso extraordinário de revisão é um direito reconhecido constitucionalmente no n.º 6 do art.º 29.º da Constituição aos “cidadãos injustamente condenados”.

“No conflito frontal entre o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, valor esse que é condição fundamental da paz jurídica comunitária que todo o sistema judiciário prossegue, e as exigências da verdade material e da justiça, que são também pressuposto e condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, o recurso de revisão pretende encontrar um ponto de equilíbrio, uma solução de concordância prática que concilie até onde é possível esses valores essencialmente contraditórios.

… esse equilíbrio é conseguido a partir do reconhecimento de que o caso julgado terá de ceder, em casos excepcionais e taxativamente enumerados, perante os interesses da verdade e da justiça.” – (Ac. do STJ de 3/04/2013, p. 157/05.4JELSB-N.S1, 3.ª secção).

O caso julgado concede estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito, segurança que é um dos fins do processo penal. Mas o fim do processo é também a realização da justiça. Por isso se não confere valor absoluto ao caso julgado, que deve ceder em situações de gravíssima e comprovada injustiça. O recurso de revisão representa, pois, a procura do adequado equilíbrio entre aqueles dois valores.

O n.º 6 do art.º 29.º da Constituição da República Portuguesa, estatui que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.

Tal direito constitucional está regulamentado pela Lei Processual Penal no artigo 449º e seguintes, elencando de forma taxativa, os fundamentos da revisão.

Estatui o artigo 449° n° 1 do Código de Processo Penal [transcrição].

No caso dos autos, o condenado indica como fundamento para o recurso de revisão, o conhecimento posterior de novos factos e novos meios de prova (artigo 449.º n.º 1 al. d) do CPP).

O fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do mesmo preceito legal).

Quanto ao primeiro pressuposto – descoberta de novos factos e/ou dos meios de prova - o STJ entende, que são novos tão só os factos e/ou meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal, ou sendo embora o facto e/ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, o condenado justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque é que não pode ou porque é que não entendeu, na altura, não dever apresentá-los, apoiando-se esta orientação na letra do art. 453.º, n.º 2, do CPP.

Quanto ao segundo pressuposto verifica-se que, para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos é, ainda, necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação. Isto é, a dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da gravidade que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da gravidade da dúvida.

Atente-se no Acórdão d do STJ, de 11/05/2000, in SASTJ, nº41,75):

E, como graves só podem ser consideradas as dúvidas que “atinjam profundamente um julgado passado na base de inequívocos dados presentemente surgidos”.

Como diz Paulo Pinto de Albuquerque no seu "Comentário do Código de Processo Penal.", 4.º edição, página 1208, “a lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa", sendo certo, ainda, que "não basta que se trate de factos ou meios de prova novos. O preceito exige ainda que os novos factos e/ou novos meios de prova, por si sós ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Não releva, pois, o facto e/ou o meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável".

Do que vem alegado pelo recorrente decorre, que os novos factos/ meios de prova, que, no seu entender, justificam a revisão da decisão que o condenou como autor da prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo art.º 165.º, nºs.1 e 2, do Código Penal e de um crime de coação, na forma tentada, p. e p. pelos artºs.22º., 23º., 73º e 145º., nº.1, do Código Penal, são, em síntese “A justificação para que o A. se tenha introduzido na habitação do ofendido, foi o facto deste se encontrar sozinho em casa, no dia 3 de Abril de 2017, no período da manhã, (que serviu de base à sua condenação) devido à sua mãe adotiva se ter ausentado de casa.

7.º Surge, com efeito, a dúvida razoável se foi para, ir a uma consulta médica, como diz nas suas declarações em sede de inquérito perante a polícia judiciária a 26 de setembro de 2017, ou se foi para fazer um exame à coluna e fazer compras como disse perante o Tribunal de 1.ª instância a 3 de Maio de 2021, o que poderá ser esclarecido pelo depoimento da testemunha que indica neste momento – médica de família, que terá feito a consulta médica e/ou prescrito o exame à coluna.

8.º A testemunha, mãe adoptiva do ofendido, que pareceu credível às instâncias (primeira e de recurso) declarou, em fases distintas do processo, realidades diferentes para justificar a sua ausência de casa, no dia dos imputados factos.

9.º Uma consulta médica é um ato médico, sendo um exame à coluna um meio complementar de diagnóstico, que se poderá realizar, apenas e só, por prescrição médica.

10.º No pressuposto do que se diz a verdade ao Tribunal, inexistiam, à data do julgamento, fundamentos para colocar em crise o referido depoimento, no que concerne à justificação desta testemunha, relativamente à sua ausência de casa no dia 3 de Abril de 2017, da parte da manhã, uma vez que, segundo a própria, foi a única vez que deixou o filho sozinho. Cfr. Depoimento da testemunha BB em audiência de julgamento de 3 de Maio de 2021

11.º Levantando-se assim, serias dúvidas sobre a justiça da condenação, por indiciaria falsidade de testemunho.”

Ora, como resulta evidente face aos factos invocados, no caso em concreto, não se verifica o requisito estatuído no aludido art.º 449, n.º 1, alínea d), do CPP que o recorrente chama à colação.

Na verdade, limita-se a pôr em causa a credibilidade do depoimento da testemunha em termos de não se saber se a mesma foi fazer exames médicos, foi a uma consulta ou fazer compras.

Ora, o certo é que, tal argumentação não coloca em crise a factualidade dada como provada; o ofendido encontrava-se em casa sozinho, o condenado entrou em casa do ofendido por essa razão, e praticou os factos porque foi condenado.

O alegado pelo recorrente, e os factos novos que agora apresenta como motivação do presente recurso, não invalidam em nada as declarações da testemunha, quando no essencial, a mesma afirma que não se encontrava em casa naquele período de tempo em que os factos que levaram à condenação do arguido, ocorreram.

Importa referir que, o facto de o recorrente alegar e tentar provar que a testemunha não esteve presente em qualquer unidade de saúde da área da sua residência durante o referido período de tempo, não releva. Tanto mais que não faz qualquer prova onde a mesma se encontrava. Uma consulta ou exame podem ter lugar, naturalmente, fora da sua área de residência. Mas, o que importa é que tal facto não coloca em crise a decisão proferida.

Não apresenta o recorrente factos novos que ponham em crise a credibilidade do testemunho da mãe do ofendido, e muito menos em crise a decisão proferida.

Face ao exposto bem andou o tribunal a quo ao concluir pela credibilidade da testemunha BB.

Anote-se ainda que o recorrente, utilizou todas as vias de recurso ao seu alcance, sendo certo que a sua pretensão não teve o efeito pretendido no Tribunal da Relação ..., que por acórdão de 11/01/2022, confirmou o Acórdão da primeira instância. Tendo em conta que o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível, utiliza agora a via do recurso extraordinário de Revisão, mas sem qualquer base sustentável.

Assim, e tendo em conta que não foram apresentados novos factos ou meios de prova, que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, esta decisão não poderá considerar-se injusta, e, como assim, não poderá ser concedida a sua revisão com fundamento na invocada alínea d) do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo.

Em suma, os fundamentos do requerimento de revisão não têm virtualidade para suscitar quaisquer dúvidas, muito menos graves, sobre a justiça da condenação, razão por que a pretensão do recorrente tem que soçobrar.

Face ao exposto, e porque não se mostram reunidos, a nosso ver, os fundamentos para considerar o caso em análise abrangido pela previsão normativa do artigo 449.º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Penal, emite-se o parecer no sentido de que: Será de improceder o recurso de revisão apresentado.”

7. O recorrente tem legitimidade para requerer a revisão (artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP), nada obstando ao conhecimento do recurso.

Colhidos os vistos, o processo foi remetido à conferência para decisão (artigo 455.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).

II. Fundamentação

Factos – sentença recorrida

8. A sentença recorrida, cuja revisão agora se pretende, julgou provados, na parte que agora interessa, os seguintes factos:

“1 - Desde data que não se conseguiu concretamente apurar, mas anterior a 2017, e até meados de Junho de 2019, o arguido residiu na habitação sita no Largo ..., ..., ..., ..., ..., no concelho ....

2 - No mesmo prédio, no ... andar ..., reside CC, juntamente com a sua curadora, BB.

3 - CC nasceu em .../.../1995 e padece de ..., tendo sido declarado inabilitado por sentença de 12/ 02/2016 proferida nos autos n.° 1651/14..., do Juiz ..., da Instância Local Cível de ..., do Tribunal da Comarca ....

4 - Devido à doença de que padece, CC apresenta atraso no seu desenvolvimento psicomotor e deficiência mental moderada, com discurso provocado, disártrico, lentificado e erros de sintaxe e semântica, sendo dependente de terceiros e incapaz de se determinar ainda que consiga fazer coisas rotineiras sozinho, como tomar banho, vestir-se ou comer.

5 - A habitação do arguido é contígua à residência de CC, circunstância que o levou a conhecer e a estabelecer uma boa relação de vizinhança com o mesmo e a sua curadora.

6 - Em virtude dessa proximidade, em data que não se conseguiu concretamente apurar, mas anterior a 2017, o arguido efectuou pequenos trabalhos de reparação e construção civil no interior da residência de CC.

7 - No dia 3/04/2017, pela manhã, sabendo que BB se havia ausentado da residência, o arguido formulou o propósito de se introduzir nesse local e de se aproximar de CC, com intenção de satisfazer os seus institutos libidinosos.

8 - Na execução desse propósito, o arguido dirigiu-se à varanda da sua residência e saltou para a varanda do quarto de CC, imediatamente contígua à sua.

9 - Aí, o arguido bateu no vidro da janela e disse a CC que o deixasse entrar porque BB tinha "mandado", ao que o mesmo acedeu.

10 - Já no interior do quarto de CC, o arguido baixou as calças e disse a este que despisse as calças e cuecas que trajava e que se voltasse de costas, sobre a cama, o que o mesmo fez.

11 - Acto contínuo, o arguido aproximou-se de CC, colocou-se sobre o mesmo e introduziu o seu pénis erecto no ânus do mesmo, aí o friccionando até ejacular.

12 - De seguida, o arguido disse a CC que não contasse o sucedido a ninguém e que, se o fizesse, iria fazer mal a BB. (…)”.

9. Da motivação da decisão condenatória em matéria de facto consta, designadamente, quanto às provas em que se funda a decisão de facto:

“A convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada das declarações do arguido, com o depoimento das testemunhas ouvidas e os documentos e prova pericial dos autos nomeadamente de fls. 2 a 10, 16 a 18, 22 a 26, 43v a 45, 64 a 71, 77 a 78v, 84, 85, 98 a 101, 139 a 142, 161 a 163, 172, 173, 193, 194, 217, 218, 234 a 264, 275 a 8v, 288 a 293, 296, 299, 313, 313v, 323 a 327 e 334, bem como vertidos no citius e ainda não numerados (os quais incluem nomeadamente CRCs, relatório social, perícias médico-legais, elementos clínicos, reportagem fotográfica, certidão de sentença cível e transcrição das declarações para memória futura prestadas pelo ofendido), todos analisados em audiência, face a um juízo de experiência comum, sendo que a prova produzida em audiência se encontra gravada.

(…) o ofendido foi credível ademais por corroborado pelos demais elementos probatórios dos autos ao, em sede de declarações para memória futura, em síntese, identificar o arguido como seu vizinho na data dos factos; ao referir que este "bateu à porta" (leia-se janela); ao que o ofendido abriu a janela (conforme as varandas contíguas fotografadas e assinaladas nos autos); ao que o "Sr. AA" (o arguido) a transpõe e "abusou de mim"; ao referir que o mesmo "ameaçou matar a mim e à minha mãe"; que (o arguido) fez sexo (com o ofendido); que "eu fiquei com dores no rabo"; que o arguido despiu-se e despiu o ofendido; que este ficou com medo; que a relação (sexual) foi "com força" e "deu dores"; ao mencionar que o arguido lhe "fez doer (no rabo) com a pila"; que o arguido lhe pediu para se virar de costas e ficar deitado na cama; que o mesmo entrou saltando pela janela (leia-se varanda); que lhe doeu muito mas não gritou com medo; que o ameaçou, dizendo que o matava e à mãe do ofendido, par este não dizer nado sobre o sucedido; que o arguido "com a pila (o) magoou e fez dores no rabo"; que tal sucedeu quando o ofendido estava deitado de barriga para baixo em cima da cama; que o arguido lhe "tocou com a pila no rabo, com força"; que nessa ocasião agarrou a(s) anca(s) do ofendido, no que contribuiu para os factos dados como provados.

O arguido foi credível (por corroborado pela demais prova) na parte em que mencionou que era vizinho do ofendido; que as varandas das respectivas residências "pegavam" (conforme documentado em fotografia dos autos); que moravam ambos no ... andar; que os números de porta eram distintos, mas o arguido morava no ... e o ofendido no ...; que este morava com a respectiva mãe, BB; ao mencionar que sabia (facto notório) que o ofendido padece (como padecia) de ...; que este fala devagar; ao mencionar que a sua falecida esposa convivia com a mãe do ofendido e esta o trazia a convívios; que procedeu a arranjos na casa do ofendido, no que contribuiu para os factos dados como provados.

Já não foi credível (ademais por desmentido pela prova em contrário) ao aventar que "não se passou nada"; que "não abusou do rapaz"; que o rapaz "anda normal" (pretendendo significar que não notou diferença no andar do ofendido); ao minimizar o atraso cognitivo do ofendido; ao negar que em 3/4/2017 (data dos factos) foi a casa do ofendido; ao negar que tenha alguma vez passado pela varanda da sua casa para a varanda de casa do ofendido (note-se que a falta de capacidade de efabulação deste e a sua menção dessa circunstância infirmam o aventado pelo arguido); ao negar o vertido em 9, 10, 11 e 12 supra (idem); ao aventar que a mãe do ofendido fez denúncia de idêntica natureza contra terceiro quando o ofendido estava na ... em ... (note-se a absoluta falta de suporte documental de tal alegação), no que contribuiu para os factos dados como não provados.

Note-se que se teve o mesmo por credível (por conforme ao mencionado relacionamento da mãe do ofendido com a falecida mulher do arguido) na parte em que mencionou que nunca teve nenhum problema (anterior) com a mãe do ofendido. O que contribuiu para a formação da convicção do Tribunal no sentido apontado. Nomeadamente no sentido de inexistir qualquer motivo para que a mãe do ofendido apresentasse uma denúncia sem fundamento contra o arguido. No que contribuiu este para os factos dados exemplificativamente como não provados.

Não foi credível (por infirmado pela prova em contrário) ao mencionar que à 2.ª feira levava os filhos à escola; que nas segundas-feiras ia ter com a sua companheira, a testemunha por si arrolada EE, pretendendo com tal aventar "álibi" ou significar a impossibilidade de cometimento dos factos apurados. Com efeito, como se afere do mais e também do depoimento da mencionada testemunha, o facto de no início da manhã ir por os filhos à escola e de no fim da manhã ir ter ou ter ido ter com a mencionada companheira em nada torna impossível que os factos tenham sucedido como apurado. Sempre haveria, como houve, um longo período da manhã em que poderia cometer os factos, como efectivamente cometeu. No que a concatenação de tais declarações e depoimento contribuiu também para os factos dados como não provados.

Note-se que a própria versão do arguido, desde logo, de "per si", e face a um juízo de experiência comum, se mostra contraditória em si e não crível. No que o arguido contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, para os factos provados e não provados, como sobredito.

A testemunha FF, Inspector da Polícia Judiciária, foi credível (por corroborado pela demais prova) ao mencionar que conheceu o ofendido; que é notório que este padece de ...; que sentiu dificuldade em falar com o mesmo; que sentiu dificuldade em perceber as circunstâncias dos factos em apreço; que face a tal pediu perícia (constante dos autos); ao mencionar que a mãe do ofendido comunicou à PSP e esta à PJ; que nesta foram tomadas declarações a mãe, ofendido e arguido; que o ofendido faltou a exame (documentado nos autos, mas feito posteriormente, conforme também documentado); ao mencionar que o ofendido percebia o que estava em causa, não conseguia era dizer o tempo; que este sabia identificar as partes do corpo; que foi específico quanto a quem e quanto ao facto que sucedeu; que explicou bem o que aconteceu; que o ofendido repetiu muitas vezes que tinha medo do arguido e mais disse: '"ele (arguido) foi-me ao cú"; ao mencionar que a mãe do ofendido estava muito aflita em relação ao filho e ao relatado; que a mesma estava (como está) convicta de que o filho está a dizer a verdade. No que contribuiu para os factos dados como provados. E bem ainda para infirmar os em contrário, nomeadamente aventados pelo arguido, no que contribuiu também para os factos dados como não provados.

A testemunha BB foi credível ao referir que é mãe do ofendido; que foi família de acolhimento durante 13 anos; que trabalhou em instituição ...; que foi criada com pessoa com ...; que o ofendido vive em sua casa desde os três meses de idade do mesmo; que enviuvou e gostava de ter um filho; que aos 6 anos de idade do ofendido lhe foi atribuída a guarda do mesmo; que este é hoje seu filho adoptivo; que o mesmo não se sabe defender; que o mesmo não sabe dizer não quando tem medo; que o mesmo conseguiu completar o 5.º ano de escolaridade; ao manifestar o seu nervosismo ao ver o arguido (em sala de audiências); ao mencionar que o ofendido se exprime muito mal, mas compreende-se; que o mesmo tem medo de adultos; que brinca a ver o (canal) Panda e com bonecas; que o mesmo confia, é bom menino e diz a verdade; ao mencionar que (ela testemunha) conheceu o arguido há cerca de 20 anos, ainda a ora falecida mulher do arguido era viva; que convivia com esta; ao mencionar que o arguido fez arranjos em sua casa; que as mencionadas casas de arguido e ofendido são contíguas; que o seu filho lhe contou o que o arguido lhe fez; que o arguido disse ao ofendido que a mãe tinha mandado abrir a janela; que o arguido disse que se (o ofendido) contasse matava a mãe (do ofendido); que perante o relatado pelo ofendido chamou logo a polícia; ao mencionar que os números de porta de entrada são distintos mas "as varandas são juntas"; que entretanto o arguido já não mora junto de si (e ofendido); que o ofendido tinha aulas na (mencionada) instituição onde a testemunha trabalhava; que o ofendido lhe disse a chorar que não se podia sentar; que o mesmo lhe pediu para se deitar e disse que lhe queria contar uma coisa; que o mesmo lhe disse "o Sr. AA é mau, não o ponhas aqui mais"; que uma vez a pedido da falecida esposa do arguido tomou conta do filho deste, GG; que quando o ofendido lhe contou o sucedido os lençóis da cama do mesmo estavam sujos; que o ofendido contou o sucedido à polícia; ao mencionar que na data dos factos tinha ido fazer exame médico e compras, ficando o ofendido sozinho em casa; que quando chegou o mesmo não a veio ajudar com as compras e chorou; que lhe contou que "o Sr. AA disse para eu abrir a porta da janela"; que o ofendido abriu persiana e porta da janela para o arguido entrar; que a polícia não levou a roupa da cama porque esta testemunha a lavou, no que contribuiu para os factos dados como provados. E para infirmar os em contrário, nomeadamente aventado pelo arguido, no que também contribuiu para os factos dados como não provados.

Também foi credível (por conforme à demais prova e juízo supra mencionado) ao mencionar que "é mentira dele (referindo-se ao arguido)" que o ofendido tenha tido qualquer problema na mencionada instituição. No que contribuiu para os factos dados exemplificativamente como não provados. (…)”

De direito

10. O direito à revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição, que dispõe: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

O direito à revisão, que se efetiva por via de recurso extraordinário que a autorize, nos termos dos artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), com realização de novo julgamento, possibilita a quebra do caso julgado de sentenças condenatórias que devam considerar-se injustas por ocorrer qualquer dos motivos taxativamente previstos na lei. A linha de fronteira da segurança jurídica resultante da definitividade da sentença, por esgotamento das vias processuais de recurso ordinário ou do prazo para esse efeito, como componente das garantias de defesa no processo (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), estabelece-se, enquanto garantia relativa à aplicação da lei penal (artigo 29.º da Constituição), no limite resultante da inaceitabilidade da subsistência de condenações que se revelem «injustas».

O juízo de grave dúvida sobre a justiça da condenação, por virtude da demonstração dos fundamentos contidos no numerus clausus definido na lei, que justifica a realização de novo julgamento, sobrepõe-se, assim, à eficácia do caso julgado, em homenagem às finalidades do processo – a realização da justiça do caso concreto, no respeito pelos direitos fundamentais –, desta forma se operando o desejável equilíbrio entre a segurança jurídica da definitividade da sentença e a justiça material do caso. O fundamento do caso julgado «radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito», sublinha Eduardo Correia, que acrescenta: «a força de uma sentença transitada em julgado há-de estender-se até onde o juiz tenha o poder e o dever de apreciar os factos submetidos a julgamento», sendo que «posta uma questão ante um magistrado, deve este necessariamente resolvê-la esgotantemente até onde deva e possa» (Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1963, pp. 302 e 304).

11. Num processo penal de tipo acusatório completado por um princípio de investigação, a que corresponde o modelo do Código de Processo Penal, as garantias e procedimentos que devem ser respeitados tendo em vista a formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (artigo 340.º e segs. do CPP), incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário (artigo 412.º do CPP) admissível, por regra, relativamente a todas as decisões in procedendo e in judicando (artigo 399.º), reduzem e previnem substancialmente as possibilidades de erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as «injustiças da condenação», o que eleva especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão.

A garantia do direito a um processo equitativo («processo justo»), nas suas múltiplas dimensões, tal como se consagra no artigo 32.º da Constituição e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que concorrem neste sentido, impõem que ao arguido, que tem o direito e o dever de estar presente em audiência, assistido por defensor (artigos 61.º e 332.º do CPP), seja dado o tempo e os meios necessários para preparação da sua defesa e apresentar os meios de prova a produzir e assegurada a faculdade de contradizer a prova contra si produzida em audiência (como se estabelece nos artigos 315.º, 327.º, 339.º, n.º 4, 340.º e 355.º do CPP).

12. A lei enumera os fundamentos e dispõe sobre admissibilidade da revisão no artigo 499.º do CPP. Estabelece a al. d) do n.º 1 deste preceito, em que o recorrente fundamenta o seu pedido:

«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: (…)

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. (…)»

3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada. (…)»

Importa ainda considerar o artigo 453.º (Produção de prova), que dispõe:

«1 - Se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas.

2 - O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.»

No caso sub judice, há, pois, que, em conformidade com estas disposições legais, averiguar se se descobriram novos factos ou novos meios de prova que, por si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. A revisão incide, assim, sobre a questão de facto, visando um julgado novo sobre os factos provados, com base em novos elementos de facto.

13. A compreensão do conceito de “justiça da condenação”, contido nesta alínea d), tem-se sedimentado por recurso a elementos históricos e sistemáticos de interpretação, tendo em conta a evolução da legislação.

Na sua formulação inicial, a possibilidade de revisão com fundamento em novos factos e em novos meios de prova requeria que estes constituíssem grave presunção de inocência do condenado. Dispunha o artigo 673.º, n.º 4, do CPP de 1929 que «Uma sentença com trânsito em julgado só poderá ser revista: (…) 4.º Se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciados no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado». 

No atual CPP, a possibilidade de revisão alargou-se, porém, para além das situações em que possa haver «graves presunções da inocência do acusado». Por virtude da nova formulação – «graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – expandiu-se o campo das possibilidades de revisão com base em novos factos ou novos meios de prova, em harmonia com o conteúdo do princípio da presunção da inocência e do direito a um processo justo, embora, como tem sido sublinhado, aquelas situações continuem a reconduzir-se ao núcleo essencial da previsão da al. d) do n.º 1 do artigo 449.º, com a limitação resultante do n.º 3 deste mesmo preceito, que se traduz na inadmissibilidade da revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada (sobre este ponto, Conde Correia, O «Mito» do Caso Julgado e a Revisão Propter Nova, Coimbra Editora, 2010, p. 381ss).

14. Nas circunstâncias do caso, a questão deverá, assim, analisar-se metodologicamente em dois momentos: (a) Na verificação e determinação da “novidade”, isto é, em determinar se são apresentados factos ou meios de prova que devam considerar-se “novos”; (b) Se reconhecida a novidade, na verificação da sua necessária aptidão para que se possam constituir fundadas bases de um juízo de fortes dúvidas sobre os fundamentos da condenação, se pode concluir que a aplicação da pena constituiu o resultado de inaceitável erro judiciário de julgamento da matéria de facto.

15. A jurisprudência consolidada deste tribunal tem sublinhado que, para efeitos da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, são novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e em que esta se fundou e que, sendo desconhecidos do tribunal no ato de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado. Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação. A novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova – seja pessoal, documental ou outro –, e não ao resultado da produção da prova (como se salienta, entre outros, no acórdão de 9.2.2022, Proc. 163/14.8PAALM-A.S1, citando o acórdão de 10.04.2013, Proc. 127/01JAFAR-C.S1, 3.ª Secção, em www.dgsi.pt).

«Novos» factos ou meios de prova são, em regra, apenas os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal [acórdãos de 9.2.2022, cit., e de 2.5.2018, Proc. n.º 1342/16.9JAPRT-E.S1, citando-se os acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1 (Sousa Fonte), de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 (Raul Borges), com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1 (Isabel São Marcos), em www.dgsi.pt]. Admitindo-se, no entanto, que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão estes ser excecionalmente considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento (assim, entre outros os acórdãos de 8.1.2014, no proc. 1864/13.33T2SNT-A.S1, e de 16.1.2014, no proc. 81/05.0PJAMD-A.S1, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2016, 2.ª ed. e anotação ao artigo 449.º, de Pereira Madeira).

16. A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada. Como se tem salientado, não basta a mera existência da dúvida; é necessário que ela se eleve a um patamar de solidez que permita afirmar a sua «gravidade» [como se nota, entre outros, nos acórdãos de 9.2.2022, cit., de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 cit. e de 29.4.2009, proc. 15189/02.6.DLSB.S1 (Pires da Graça)], isto é, que, na ponderação conjunta de todos os factos e meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (artigo 125.º do CPP) e sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.

Apreciação

17. Recordando a motivação do recurso, alega o recorrente, em síntese:

(a) que teve “notícias, que no ano de 2017, a testemunha BB, não esteve presente em nenhum ato/consulta médica(o), no centro de saúde ou na unidade hospitalar da sua área de residência”.

(b) que a condenação “foi alicerçada, essencialmente, nas declarações para memória futura do ofendido CC e nas declarações da sua mãe adotiva [BB], testemunha do processo”;

(b) que a mãe adotiva do ofendido declarou em audiência de julgamento que, deixando o ofendido sozinho, se havia ausentado de casa “para fazer um exame `coluna e fazer compras”, mas que, no inquérito, declarou que se tinha ausentado para “ir a uma consulta médica”, surgindo, assim uma “dúvida razoável” sobre a razão da ausência;

(c) que esta dúvida poderá ser esclarecido pelo depoimento da testemunha que indica neste momento [Dra. DD] – médica de família, que terá feito a consulta médica e/ou prescrito o exame à coluna”, requerendo a sua audição e nova audição da mãe adotiva do ofendido;

(d) que “poderá dizer-se que foi condenado porque no dia 3 de Abril de 2017 a Sra. Testemunha BB, se tinha ausentado para realização de um acto médico/consulta médica, uma vez que, se estivesse em casa, os imputados factos, não teriam ocorrido”;

(e) que “por conseguinte, na data/hora em que terão ocorrido os factos em causa nos autos, a senhora testemunha não esteve em nenhum ato médico/consulta médica no centro de saúde ou no centro hospitalar da sua área de residência, pelo que, o ofendido não estaria sozinho em casa, ou, quem sabe, sequer em casa”;

(f) que estas circunstâncias relativas à dúvida sobre a “justificação da ausência” são “factos novos” que “suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação”;

(d) que “inexistiam, à data do julgamento, fundamentos para colocar em crise o referido depoimento, no que concerne à justificação desta testemunha, relativamente à sua ausência, uma vez que, segundo a própria, foi a única vez que deixou o filho sozinho”;

(e) que, assim, perante um “depoimento que parece não ser conforme à verdade” se levantam “sérias dúvidas sobre a justiça da condenação, por indiciária falsidade de testemunho”, que “urge apurar, com base nos factos novos, ora carreados”;

(f) que “provando-se que a testemunha não compareceu a qualquer ato médico ou exame complementar de diagnóstico no dia dos imputados factos, para além da falsidade de testemunho, coloca-se em causa a ocorrência dos mesmos e, por conseguinte, a justiça da condenação”;

(b) que, “da referida informação, que veio [agora] ao [seu] conhecimento apresentou participação criminal por falsidade de testemunho”, em 15.2.2022, ao Ministério Público (DIAP ...), conforme documento junto.

18. O que acaba de se transcrever evidencia, em primeira análise, que a motivação da revisão se dirige diretamente à fundamentação da decisão recorrida em matéria de facto, pondo em causa a credibilidade da testemunha BB, por esta ter feito declarações no processo, durante o inquérito e em audiência de julgamento, não coincidentes quanto à justificação da sua ausência de casa – o que, na tese do recorrente, constituiria “dúvida razoável” sobre essa justificação, conduzindo a uma grave dúvida sobre a justiça da condenação –, deixando o ofendido sozinho quando o crime foi praticado.

O invocado “facto novo” resulta, na sua alegação, da circunstância de ter tido notícia de que a testemunha não esteve presente em nenhum ato ou consulta médica, no centro de saúde ou na unidade hospitalar da sua área de residência, pretendendo agora fazer prova desse facto por um “novo” meio de prova, a médica de família que indica como testemunha. Sem prejuízo de se notar que o facto provado é a ausência da testemunha no momento da prática do crime e não a justificação dessa ausência, a dita não coincidência de depoimento, sendo irrelevante para a decisão, pois que só valem em audiência de julgamento as provas aí produzidas com sujeição a contraditório (artigo 355.º do CPP), não constituía objeto da prova.

19. O presente recurso de revisão não se destina a reapreciar os fundamentos da decisão de facto da decisão recorrida, nem, em particular, a avaliar, nesse âmbito, da credibilidade de depoimentos prestados em audiência de julgamento em que se funda essa decisão. São matérias que dizem respeito ao recurso ordinário (artigo 399.º e segs. do CPP), que, neste caso, o requerente interpôs em devido tempo, com a extensão que entendeu necessária e por adequada.

O que interessa averiguar no presente recurso é se se descobriram novos factos ou novos meios de prova, posteriores ao trânsito em julgado da decisão condenatória, que, por si só ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (al, d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP).

E, antecipando a conclusão, a resposta é necessariamente negativa.

20. Como anteriormente se afirmou, a alegada não coincidência das declarações da testemunha BB prestadas no inquérito e em julgamento não é um facto novo; não só porque não diz respeito a facto objeto de prova (facto probando) mas também porque, embora irrelevante para a decisão, respeita à apreciação da prova dos factos do processo, em que se funda a decisão discutida no processo. Assim, o conhecimento que agora o recorrente diz possuir sobre a não realização de ato ou consulta médica não pode considerar-se facto novo para efeitos de revisão da condenação, pois tal conhecimento se refere à produção daquela prova, no que respeita à credibilidade da testemunha, discutida e avaliada em julgamento do processo.

Os meios de prova apresentados – as testemunhas BB e DD – também não são novos, desde logo porque, neste caso, o seu depoimento teria de dizer respeito a factos novos, suscetíveis de fundar decisão de absolvição, que não existem.

Acresce que, se é certo que a testemunha BB poderia ser apresentada em vista à prova de tais factos, se devesse ser feita (o que não é o caso), porque tinha sido ouvida no processo, a admissão da testemunha DD sempre ficaria condicionada à justificação, não apresentada, de que o requerente ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estava impossibilitada de depor no processo (artigo 453.º do CPP).

De qualquer forma, tendo em conta que o requerente, como diz, apresentou queixa contra a testemunha BB por crime de “falsidade de testemunho”, não havendo sentença transitada em julgado que o tenha considerado falso, em termos determinantes para a decisão, não há que ponderar da relevância dessa queixa em vista da verificação do fundamento a que se refere a al. a) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.

21. Em conformidade com o que vem de se expor, e em concordância com o Senhor Juiz do processo e com a posição do Ministério Público, impõe-se concluir, em conformidade com a exigência da al. d) do n.º 1 do artigo 499.º do CPP, que não se demonstra a descoberta de novos factos ou meios de prova que, por si só ou combinados com os que foram apreciados no processo, em que se fundamenta a decisão condenatória, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, ou, noutra formulação, que a aplicação da pena constitui resultado de inaceitável erro judiciário de julgamento da matéria de facto.

Pelo que deve ser negada a revisão.

III. Decisão

22. Pelo exposto, e com estes fundamentos, nos termos do disposto no artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, acordam os juízes em conferência na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão da sentença condenatória requerida pelo condenado AA.

Vai o recorrente condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigos 456.º do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).


Supremo Tribunal de Justiça, 6 de julho de 2022


José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria da Conceição Simão Gomes

Nuno António Gonçalves

(assinado digitalmente)