RECURSO PENAL
PROCESSO PENAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
ALÇADA
SUCUMBÊNCIA
RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
Sumário


I. O n.º 2 do artigo 400.º do CPP, que coincide com o artigo 629.º, n.º 1, do CPC, impõe dois critérios cumulativos de admissibilidade do recurso da sentença relativamente a matéria cível: o recurso é admissível “desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido” – o denominado critério da alçada ou do valor – “e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada” – o denominado critério da sucumbência.
II. A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a ação: a alçada dos tribunais da Relação em matéria cível é de € 30.000 (artigo 44.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto).
III. Mostra-se preenchido o primeiro critério, pois que o pedido de indemnização era de cerca de € 165 000. O mesmo não sucede, porém, quanto ao critério da sucumbência, pois que, tendo a decisão de 1.ª instância atribuído indemnização no valor de cerca de € 112 000, que a Relação elevou para cerca de € 116 000, a desvantagem que a decisão recorrida, que é o acórdão da Relação, implica para o recorrente, de € 3900, não é superior a metade da alçada da relação (€ 15000 euros).
IV. A medida da sucumbência que releva para efeitos de recurso do acórdão do tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1.ª instância e no acórdão da Relação (AUJ n.º 10/2015, DR 1.ª série, 26.6.2015).
V. Nesta conformidade, não se verificam as condições de admissibilidade (critérios gerais) do recurso estabelecidas no n.º 2 do artigo 400.º do CPP.
VI. O recurso às normas do processo civil quanto à não verificação da dupla conforme (artigo 671.º, n.º 3, do CPC), por aplicação subsidiária, nos casos omissos, ao processo penal, nos termos do artigo 4.º do CPP, resulta do disposto no n.º 3 do artigo 400.º do CPP; requisito essencial de aplicação das normas do processo civil, é, pois, que, sendo o recurso admissível nos termos do n.º 2 do artigo 400.º, por preenchimento dos critérios do valor (da alçada) e da sucumbência, seja necessário recorrer ao CPC, por se verificar a existência de uma lacuna que deva ser suprida.
VII. Embora não se verifique uma situação de dupla conforme (671.º, n.º 3 do CPC), uma vez que a condenação agravou a posição do recorrente, esta circunstância não opera autonomamente, independentemente das condições estabelecidas no n.º 2 do artigo 400.º do CPP (correspondente ao n.º 1 do artigo 629.º do CPC); não se verificando as condições de admissibilidade exigidas por este preceito, o recurso não pode ser admitido com fundamento na inexistência de dupla conforme.
VIII. O mesmo sucede quanto à convocação do regime do recurso de revista excecional [artigo 672.º, n.º 1, al. a), do CPC].
IX. Sem prejuízo de se notar que o recurso interposto não é um recurso de revista excecional, regulado no CPC, mas sim um recurso penal, regulado no CPP, o recurso de revista excecional, que pressupõe a existência de dupla conforme, não deixa de ser um recurso de revista, dependente da verificação dos mesmos requisitos formais relativos ao valor (alçada) e à sucumbência (n.º 2 do artigo 400.º do CPP).
X. Independentemente da questão de saber se a revista excecional é admissível em recurso de decisão proferida em processo penal que conheça de pedido de indemnização civil (questão que não tem de ser apreciada), também o recurso não poderia ser admitido com este fundamento.
XI. Conclui-se, assim, pela sua inadmissibilidade, por irrecorribilidade da decisão, devendo, em consequência, ser rejeitado o recurso (artigo 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP).

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. Por acórdão proferido em 6 de maio de 2021, no Juízo Central Criminal ... (Juiz ...) do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi o arguido AA, com a identificação que consta dos autos, condenado:

a. pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pela conjugação das normas consagradas na alínea b) do artigo 202º, no artigo 203º, e nas alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 204º, todos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;

b. pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pela conjugação das normas consagradas na alínea b) do artigo 202º, na alínea b) do nº 4 e no nº 1, ambos do artigo 205º, todos do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

c. em cúmulo jurídico, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, subordinada à condição de, após trânsito em julgado da condenação, mensalmente depositar € 750,00 à ordem dos presentes autos, e de, até final do prazo da suspensão, proceder ao depósito do valor do remanescente dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, «por conta dos pedidos de indemnização cível» em que foi condenado;

e, como demandado nos pedidos de indemnização civil:

d. no pagamento de € 112 965,50 à demandante “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia do ..., ...”, bem como a quantia, a liquidar em execução de sentença, relativamente aos paramentos e aos móveis vendidos, acrescida de juros de mora, contados à taxa de 4%, desde a data da notificação do pedido até integral e efectivo pagamento;

e. no pagamento de € 20 940,00 ao demandante BB, quantia acrescida de juros de mora contados, à taxa de 4%, desde a data da condenação e até integral pagamento;

f. no pagamento de € 17 300,00 ao demandante CC, quantia acrescida de juros de mora contados, à taxa de 4%, desde a data da condenação e até integral pagamento;

g. no pagamento de € 10 250,00 à demandante “C..., Lda”, quantia acrescida de juros de mora contados, à taxa de 4%, desde a data da condenação e até integral pagamento;

h. no pagamento de € 500,00 ao demandante DD, quantia acrescida de juros de mora contados, à taxa de 4%, desde a data da condenação e até integral pagamento.

2. Inconformados com a decisão, o arguido e a assistente e demandante “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ..., ...” interpuseram recurso para o Tribunal da Relação ....

3. Por acórdão de 10.2.2022, o Tribunal da Relação alterou a decisão em matéria de facto e:

i. revogou a condenação do arguido pela prática de um crime de furto qualificado;

ii. condenou o arguido, quanto aos factos descritos nos pontos 4 a 60 da matéria de facto provada, pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pela conjugação das normas consagradas na alínea b) do artigo 202º, na alínea b) do nº 4 e no nº 1, ambos do artigo 205º, todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

iii. condenou o arguido, em cúmulo jurídico da pena agora aplicada com a pena de 3 anos e 6 meses de prisão aplicada em 1ª instância pela prática de um outro crime de abuso de confiança agravado, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se decide suspender pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, subordinando-se a suspensão à condição de o arguido, após trânsito em julgado da condenação, mensalmente depositar € 750,00 à ordem dos presentes autos, e de, até final do prazo da suspensão, proceder ao depósito do valor do remanescente dos prejuízos patrimoniais, «por conta dos pedidos de indemnização cível» em que vai condenado;

iv. nos termos do n.º 3 do artigo 82.º do Código de Processo Penal, relegou as partes para os meios civis quanto ao pedido de indemnização civil nos autos formulado pelo demandante DD;

v. condenou o demandado (arguido) no pagamento de € 116 865,50 à demandante “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia do ..., ...”, bem como no pagamento de quantia, a liquidar em execução de sentença, relativamente aos paramentos e aos móveis vendidos, acrescida de juros de mora, contados à taxa de 4%, desde a data da notificação do pedido até integral e efectivo pagamento

No restante julgou improcedentes os recursos interpostos, confirmando decisão recorrida.

4. Não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, o arguido interpõe recurso deste para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando motivação de que extrai as seguintes conclusões:

«1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... que concedeu provimento parcial aos recursos interpostos pelo ora Recorrente e pela Recorrida “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia do ..., ...”, i) alterando os pontos 3 e 4, o corpo do ponto 8 e os pontos 61, 62, 78, 80, 82, 83, 89, 93 e 94 da matéria de facto provada, bem como os pontos b, k, e aa da matéria de facto não provada e ii) eliminando os pontos 54 e 55 da matéria de facto provada e do ponto j da matéria de facto não provada.

2. Nessa sequência, revogou a condenação do Recorrente pela prática de um crime de furto qualificado e condenou-o, inovatoriamente, quanto aos factos descritos nos pontos 4 a 60 da matéria de facto provada, pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pela conjugação das normas consagradas na alínea b) do artigo 202º, na alínea b) do nº 4 e no nº 1, ambos do artigo 205º, todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.

3. Em cúmulo jurídico da pena agora aplicada com a pena de 3 anos e 6 meses de prisão em 1ª instância aplicada pela prática de um outro crime de abuso de confiança agravado, condenou o Recorrente na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa por igual período, subordinando-se a suspensão à condição de o Recorrente, após o trânsito em julgado da condenação, mensalmente depositar € 750,00 à ordem dos presentes autos, e de, até final do prazo da suspensão, proceder ao depósito do valor do remanescente dos prejuízos patrimoniais, «por conta dos pedidos de indemnização cível» em que foi condenado.

4. Mais condenou agora o Recorrente no pagamento de € 116.865,50 à demandante “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia do ..., ...”, bem como no pagamento de quantia, a liquidar em execução de sentença, relativamente aos paramentos e aos móveis vendidos, acrescida de juros de mora, contados à taxa de 4%, desde a data da notificação do pedido até integral e efectivo pagamento.

5. Não se ignora que o artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, à data da prolação do Acórdão recorrido, estatui que não é admissível recurso de “Acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos” e a alínea b), do n.º 1, do artigo 432.º, do mesmo código, que dispõe que se recorre para o STJ de “decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”.

6. À luz destas normas, o STJ, em vários Acórdãos tem vindo a entender que não é admissível recurso do Acórdão da Relação que, em recurso, vem modificar o julgamento da matéria de facto e reverte a decisão da 1.ª instância em condenação em pena não privativa da liberdade.

7. Porém, o afastamento da norma legal expressa que estatui a irrecorribilidade da decisão em certos casos, onde se inclui o caso como o presente (afastamento da norma que veda o acesso ao STJ ao arguido condenado por um novo tipo de crime, pela primeira vez em 2.ª instância em pena não privativa da liberdade) justifica-se à luz da Constituição.

8. No caso concreto, os tipos de ilícito de furto e de abuso de confiança são, em vários níveis, diferentes, destacando-se, naturalmente, e desde logo a respetiva tipicidade objetiva.

9. O que significa que toda a defesa do Recorrente relativamente aos factos consubstanciadores do ilícito criminal imputado neste segmento foi pensada e executada tendo em conta o específico enquadramento jurídico feito pelo Ministério Público e pelo Tribunal de 1.ª instância.

10. Em face desse enquadramento jurídico, ao Recorrente não cabia ocupar-se de derrubar “qualquer imputação de subtração de coisa que lhe houvesse sido entregue por título não translativo da propriedade”.

11. Certamente se entenderá que, caso o enquadramento jurídico destes factos fosse, pelo contrário, o de abuso de confiança–nos termos feitos ex novo no Acórdão da Relação recorrido - a estratégia inerente à defesa técnica seria diferente.

12. Assim, pese embora a liberdade de apreciação da prova e de qualificação jurídica dos factos que se reconhece ao Tribunal recorrido, deverão prevalecer as garantias de defesa do Recorrente que, no caso concreto, não teve oportunidade de apresentar defesa técnica quanto ao tipo de ilícito pelo qual vem agora, inovatoriamente, condenado.

13. Esta ponderação está subjacente à aprovação da alteração ao artigo 400.º, n.º 1, alínea e), trazida pela Lei n.º 94/2021, de 11 de dezembro, que hoje, dia 21 de Março entra em vigor, e que vem consagrar a possibilidade de recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça em todos os casos de condenação inovatória pelo Tribunal da Relação.

14. Há, pois, uma identidade entre a situação dos presentes autos – condenação ex novo pela prática de um determinado tipo de crime (no caso abuso de confiança agravado), pela primeira vez, na instância de recurso – e os casos de condenação, em recurso, pela Relação, que aplique pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, no caso de decisão absolutória em 1.ª instância.

15. O CPP, no seu artigo 5.º, fixa o princípio de aplicabilidade imediata das normas processuais penais, sendo que, no caso concreto, a aplicação da nova norma i) não prejudica os actos válidos verificados no âmbito da lei anterior, ii) não representa um agravamento da posição do arguido e iii) não implica uma quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.

16. Assim, a restrição do direito ao recurso do arguido na situação sub judice, é constitucionalmente inaceitável, porquanto a mesma vai para além do razoável e proporcional, existindo, estamos em crer, fundamento bastante para contrariar a jurisprudência até agora produzida pelo STJ e que necessariamente será alterada pela nova redação do artigo 400.º n.º 1 alínea e) do CPP.

17. Reconhecemos, modestamente, que a interpretação defendida no presente recurso, ao invés da imediata adesão ao conforto trazido pela mera invocação de decisões anteriores deste colendo Tribunal, reclama uma análise que aceite ponderar os argumentos aduzidos baseada no valor último do direito do arguido a um processo criminal justo e garantístico da sua plena defesa, impossibilitando que alguém seja condenado por um determinado tipo de crime, em concreto, sem que tenha a oportunidade de rebater – pelo menos uma vez - os termos dessa condenação.

18. Com este enquadramento, não estando a decisão recorrida abrangida pelos casos de irrecorribilidade configurados no art.º 400.º do CPP, com a redação que hoje entra em vigor pela Lei n.º 94/2021, de 11 de dezembro, nem em qualquer outra norma legal, haverá que dar aplicação à regra geral definida no art.º 399.º e reconhecer-se a sua recorribilidade.

19. A recorribilidade de Acórdão da Relação é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluindo as nulidades, os vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo e os regimes penais substantivos aplicáveis (artigo 432 n.º 1 d) do CPP).

20. Nos autos houve a intervenção de juiz que não é o titular do processo que não se limitou à comunicação de uma alteração não substancial dos factos constantes da acusação e à redação do Acórdão. Tal procedimento constitui nulidade insanável, por violação do princípio do Juiz natural (artigo 135.º da LOSJ e artigo 32.º n.º 9 da CRP), que deve ser declarada (artigo 119.º alíneas a) e e) do CPP), sendo que ela torna inválido o acto em que se verificar bem como os subsequentes por ela afectados (artigo 122.º do C.P.P.), onde, naturalmente, se inclui o douto Acórdão proferido.

21. Foram tomadas declarações a perita que não foi indicada nos meios de prova constantes da acusação. A produção de um meio de prova que devia ser obrigatoriamente mencionado na acusação e não o foi, torna a própria acusação nula, de forma superveniente, porquanto viola o artigo 283.º n.º 3 do CPP.

22. Contrariamente à generalidade da jurisprudência que assume o n.º 3 do artigo 283º do CPP como uma norma imperativa, o Acórdão recorrido vem sustentar que a acusação só contém «as menções que nesse momento se entenda que aí devam constar», o que se afigura juridicamente inaceitável.

23. Por outro lado, o Acórdão recorrido erra também na aplicação do artigo 340.º do CPP, quando afirma que «esta norma literalmente abre a possibilidade da válida produção em julgamento de meios de prova que já poderiam ter sido indicados na acusação mas não o foram». [sublinhado nosso].

24. A aplicação do artigo 340.º não permite “corrigir” a omissão de indicação de um meio de prova, que só pode vir a ser produzido se invocada e comprovada a indispensabilidade desse meio de prova à descoberta da verdade e boa decisão da causa, o que não aconteceu no caso dos autos. Posto que, é inadmissível a produção daquele meio de prova.

25. As partes civis foram ouvidas como testemunhas, tendo prestado juramento legal, o que viola o artigo 133.º n.º 1 alínea c) do CPP.

26. O despacho que admitiu aqueles depoimentos ao apresentar como único fundamento «o bom andamento dos trabalhos», padece de falta de fundamentação, o que deve ser declarado.

27. Em relação à condenação criminal pela apropriação de dinheiros, reitera-se que o procedimento utilizado, acabou por funcionar como uma espécie de conta corrente entre as contas da igreja e a conta pessoal do recorrente, reembolsando-se este de quantias que adiantava por conta e em nome da igreja e depositando nas contas da igreja muito do que lhe era ofertado a título pessoal, de forma a cumprir a sua atividade pastoral e comunitária.

28. Não tendo sido possível apurar em rigor “o deve e o haver”, não há certeza bastante para uma condenação criminal neste segmento.

29. Em matéria cível, o Acórdão recorrido agrava a posição do Recorrente relativamente ao pedido cível apresentado pela Assistente Fábrica da Paróquia de ..., pelo que não se encontra constrangido pela existência de qualquer dupla conforme, podendo recorrer de Revista, nos termos do disposto nos artigos 400º nº 3 do Código de Processo Penal, 629.º, n.º 1, 631º, nº 1, 638º, 639º, 640º, 671º n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.

30. A aplicação das normas processuais civis no processo penal é extensível também ao disposto no artigo 672º do CPC, pelo que, caso se entenda não ser admissível o recurso de Revista quanto àquele pedido civil (sem conceder), será sempre de admitir o recurso de Revista Excepcional quer quanto à condenação que resulta do pedido de indemnização cível formulado pela Recorrida “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, quer quanto às condenações que resultam dos pedidos de indemnização cível formulados pelos Recorridos BB e “DD e Laura Medeiros, Lda., nos termos da alínea b) do artigo 672º do CPC, porquanto estão em causa interesses de particular relevância social.

31. Estão em causa interesses que assumem uma importância na estrutura e relacionamento social, que se entrecruzam com um grande número de pessoas, designadamente os fiéis/paroquianos, quanto ao seu relacionamento com as instituições religiosas, existindo por isso um interesse que ultrapassa significativamente os limites do caso concreto, assumindo um interesse verdadeiramente comunitário, conforme a cobertura mediática e jornalística o comprovam.

32. Entende o ora Recorrente, que o Tribunal da Relação não fez um exame crítico dos pontos de facto impugnados pelo Recorrente, inexistindo notoriamente, qualquer espécie de explicitação dos resultados do escrutínio dos meios de prova, sem que se afirme de forma devidamente justificada a existência ou inexistência de erro de julgamento da matéria de facto, explicando as razões (objetivas) que determinaram dar como provados ou não provados os factos em concreto e efetuar a sua própria valoração da prova e a sua própria análise crítica, quedando-se por afirmações genéricas para “justificar” a não modificação da matéria de facto nos termos peticionados pelo Recorrente, seja por não se reconhecerem os erros de julgamento enunciados, ou se contenha numa pura aceitação acrítica das provas, sem parte ativa na avaliação dos elementos probatórios adquiridos pelo tribunal.

33. Ainda para mais quando vem impor ao Recorrente uma exigência de técnica jurídica, que depois não aplica para si próprio.

34. Efetivamente é pouco normal assistirmos a um tribunal superior, para sustentar uma condenação, bastar-se com formulações de dúvida, em que nada é inequívoco, como se impõe para uma condenação penal.

35. Este procedimento do Tribunal da Relação, envolve, para além da manifesta insuficiência da fundamentação, a clara violação do princípio da imediação da prova, atento o disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, uma violação da disciplina processual no exercício pelo Tribunal dos poderes que lhe estão legalmente atribuídos em sede de reapreciação da matéria de facto, numa interpretação normativa que põe em causa o princípio ínsito no artigo 32.º da Constituição: «o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».

36. Ao não conhecer criticamente do recurso da matéria de facto interposto pelo arguido Recorrente, omitindo, na parte relativa aos objetos, qualquer análise substantiva ou referência sobre as contradições nos meios de prova invocados pelo Recorrente, o Venerando Tribunal da Relação incorreu na nulidade de omissão de pronúncia prevista no artigo 379.º alínea c) do CPP.

37. Da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, emerge a ocorrência de vícios decisórios e nulidades de conhecimento oficioso.

38. Defendendo-se (como faz o Acórdão recorrido) que o produto da venda foi integrado nas contas da paróquia, com o propósito de propiciar a utilização do dinheiro – que aconteceu nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar, isto é, enquanto o Recorrente exerceu funções -, não resta senão concluir – quanto alienação das 4 imagens - que não há um segundo crime de abuso de confiança.

39. Por outro lado, nenhuma das 4 imagens assumidamente vendidas tinha valor superior ao limite permitido, tal como acontece todos os demais bens considerados vendidos, com exceção dos 2 cálices, 1 lavanda e 1 crucifixo, referidos nas alíneas t., u. e y. do facto provado n.º 8. Pelo que o Recorrente, podia, em relação a cada um deles, livremente decidir da sua alienação.

40. O Acórdão recorrido erra ao assumir, sem fundamento válido para tal, que não existiu autorização para a venda dos bens, invertendo as regras sobre o ónus da prova e usando a ausência de um meio de prova em desfavor do Recorrente.

41. O Acórdão recorrido viola o princípio in dubio pro reo, o que resulta do próprio texto da decisão recorrida e que por isso pode ser sindicável pelo STJ. Não se afigura aceitável que se sustente uma condenação penal, que tem como pressuposto a certeza para além de qualquer dúvida, quando persistem incertezas da ordem das assumidas no próprio texto da condenação, conforme formulações destacadas no presente recurso.

Neste termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se que sejam apreciadas todas as questões suscitadas no presente recurso, devendo o douto Acórdão de que se recorre, na parte em que condena o arguido pela pratica de dois crimes de abuso de confiança agravado ser revogado e substituído por outro que absolva o arguido dos crimes pelos quais foi condenado e em consequência sejam julgados totalmente improcedentes por não provados os pedidos de indemnização cível deduzidos”.

5. Respondeu a assistente e demandante civil, formulando as seguintes conclusões:

«A. A admissibilidade do presente recurso

A.1 Inadmissibilidade do recurso de Revista, nos termos do artigo 671º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil

I. O presente recurso é legalmente inadmissível, nos termos do artigo 671.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, na medida em que, embora a decisão do Acórdão recorrido imponha uma obrigação de indemnização com um montante global superior ao que resultava do Acórdão da 1.ª Instância, tratando-se de segmentos indemnizatórios respeitantes a parcelas delimitadas e autónomas, os mesmos terão de ser analisados separadamente para aferir a existência de dupla conforme, concluindo-se, assim, que, sobre as parcelas indemnizatórios nas quais o Recorrente foi condenado em 1.ª Instância e cuja condenação foi confirmada (por total adesão) pelo Acórdão recorrido, verifica-se, efetivamente, a existência de dupla conforme, motivo pelo qual a revista, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, não poderá ser admitida.

II. No que respeita à parcela indemnizatória sobre a qual não se verifica dupla conforme, isto é, sobre o segmento indemnizatório de € 3.900,00, o recurso de revista também não se afigura admissível, em virtude de, atendo o valor em causa, manifestamente inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação em matéria cível, não estar verificado, pelo menos, um dos requisitos gerais de admissão do recurso: a sucumbência (cfr. artigo 629.º, nº 1, CPC).

A.2 Inadmissibilidade do recurso de Revista Excecional – artigo 672, n.º 1, alínea b), do CPC

III. Subsidiariamente, o Recorrente invoca a pretensa recorribilidade ao abrigo do regime da Revista Excecional (artigo 672.º, n.º 1, alínea b, do CPC). No entanto, por não estar em causa um interesse de particular relevância social, o presente recurso também não é admissível à luz do invocado preceito legal.

B. Alegados erros de julgamento em matéria de questões prévia

B.1 A alegada violação do princípio do juiz natural e nulidade insanável decorrente da alegada violação das regras de competência do tribunal

IV. Quanto à alegada violação do princípio do juiz natural e nulidade insanável decorrente da alegada violação das regras de competência do tribunal, a questão do Recorrente prende-se com o facto de a comunicação feita em 21.04.2021, nos termos do artigo 358.º, nº 1, ter sido subscrita, e a tramitação subsequente conduzida, pelo 1.º adjunto do tribunal coletivo ao qual o processo havia sido distribuído e não pelo Presidente do coletivo. Sucede que, atentos os factos invocados pelo Recorrente para fundamentar esta sua pretensão e considerando que, no caso em apreço, nem sequer se verifica qualquer alteração na composição do tribunal coletivo, é manifesto que não estamos perante uma situação que possa contender com o princípio do juiz natural, aderindo-se in totum à fundamentação do Acórdão recorrido quanto a esta questão.

B.2 A alegada invalidade decorrente da inquirição de pessoa não indicada na Acusação

V. No que respeita à alegada invalidade decorrente da inquirição de pessoa não indicada na Acusação, resulta expressamente do artigo 340.º, nº 4, alínea a), do CPP (na redação em vigor à data das decisões recorridas) e constitui entendimento pacífico na jurisprudência dos nossos Tribunais superiores que a não inclusão de determinada testemunha na Acusação não preclude a possibilidade de a mesma ser ouvida em sede de julgamento, desde que tal se mostre indispensável à descoberta da verdade e boa decisão da causa, o que se verificou in casu. Assim, esta pretensão do Recorrente é frontalmente contrária à letra da lei e aos princípios fundamentais que conformam o processo penal, não podendo, naturalmente, proceder.

B.3 A alegada invalidade decorrente da tomada de declarações a partes civis com desrespeito das regras processualmente estabelecidas

VI. Quanto à alegada invalidade decorrente da tomada de declarações a partes civis com desrespeito das regras processualmente estabelecidas, o Recorrente limita-se a invocações genéricas e sem qualquer sustentação legal, não conseguindo sindicar a decisão recorrida, que merece o nosso total acolhimento.

VII.    De facto, como se considerou no Acórdão recorrido, estando em causa relatos de pessoas com participação direta nos factos do processo, a interpretação do segmento «considerando por um lado o bom andamento dos trabalhos», feito constar da fundamentação dos despachos que admitiram tais depoimentos, é (só pode ser) no sentido de a inquirição daquelas concretas pessoas ser “fundamental ao bom andamento dos trabalhos, ao bom desenrolar da actividade de produção de prova, tendo em conta o seu objecto e o seu fim”, pelo que, “associando este juízo quanto à relevância no caso do meio de prova em questão à expressa indicação da norma em que a decisão se baseou (o artigo 145º do Código de Processo Penal), ficou o arguido a conhecer, com meridiana clareza, os fundamentos de facto e de direito das decisões que impugna” (cfr. pág. 149 do Acórdão recorrido), não ocorrendo, portanto, a falta de fundamentação que o Recorrente injustificadamente invoca.

VIII. Também a circunstância de as partes civis terem prestado juramento se revela inócua, na medida em que as partes civis sempre teriam o dever legal de prestar declarações e com verdade (art. 145.º, n.º 2, do CPP e, se o não fizerem, são puníveis nos mesmos exactos termos (cfr. art. 359.º do Código Penal - «CP»).

IX. Assim, a única solução legal para este recurso do Recorrente é a improcedência.

C. Alegados erros de julgamento em matéria de condenações em indemnização civil

C.1 “a) o não preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil”

X. O Recorrente alega, a título primário, que o Tribunal a quo não teria “analisado [...], nem apreciado, nem resolvido” a questão da falta de fundamentação da decisão da 1ª Instância em matéria de integração dos pressupostos da responsabilidade civil, o que qualifica como omissão de pronúncia – muito embora o faça “nos termos do que dispõe a alínea d), do nº 1, doartigo615ºdoCPC”, quando a disposição aplicável será, antes, o artigo

425º, nº 4, do CPP, na parte em que remete para o artigo 379º (nº 2, al. c)) do mesmo Código.

XI. Não lhe assiste qualquer razão: o Tribunal a quo conheceu, apreciou e decidiu fundamentadamente aliás, de modo materialmente irrepreensível a partir da estruturação racional e inteligibilidade da fundamentação dos actos decisórios – a questão invocada pelo Arguido no seu recurso para a Relação.

XII.    Apesar de se poder afirmar, em abstracto, que as responsabilidades penal e civil “são autónomas e apuradas segundo critérios próprios, não sendo coincidentes os [respectivos] pressupostos”, isso não significa que, em concreto, os seus fundamentos não possam coincidir – razão pela qual se pode dizer, com a própria Lei, que a responsabilidade civil se funda na prática do crime (cfr. artigo 71º do CPP). Ora, no caso concreto – como, aliás, sucede na generalidade dos crimes patrimoniais de dano dolosos –, não há qualquer divergência relevante entre os pressupostos de uma e outra responsabilidades. Nem o Recorrente a indica, pelo que, na realidade, o que está a exigir – como o douto Acórdão certeiramente assinala – é a repetição, a propósito dos pedidos civis de “toda a matéria de facto já enunciada”.

XIII. De todo o modo, a existir omissão de pronúncia, a consequência não seria, como o Recorrente pretende, a sua absolvição do pedido mas apenas e só a declaração da nulidade parcial do Acórdão recorrido e a remessa dos autos ao Tribunal a quo a fim de proferir nova decisão expurgada do alegado vício, o que, de todo em todo, se concede.

C.2 As restantes alegações

XIV. Subsidiariamente à questão que acaba de se referir, o Recorrente afirma ir “atacar, de seguida, os motivos que foram elencados para a condenação criminal” (p. 56) – o que faz num subcapítulo com a epígrafe “b) a condenação parcial do pedido formulado pela demandante Paróquia de ...”, na qual o faz uma série de alegações de índole variada. Sucede, no entanto, que, na verdade, os “motivos que foram elencados para a condenação criminal” – o Recorrente refere-se ao capítulo V da sua motivação – em vários aspectos não correspondem ao que aqui é alegado.

XV.    De facto, o Recorrente defende que, devendo os factos por si praticados ser medida por uma bitola diferente e mais frouxa em relação ao homem mediano, deveria ser sido reconhecida a “dúvida razoável”, fazendo afirmações em sede de responsabilidade criminal que, na sua maioria, limitam-se a meras generalidades.

C.3 A alegada falta de capacidade judiciária da ora Recorrida

XVI. O Recorrente invoca a da falta de capacidade judiciária da ora Recorrida para deduzir o pedido de indemnização civil, alegando a falta de junção aos autos da autorização do Ordinário diocesano (o Patriarca), nos termos do cânone 1288 do Código de Direito Canónico.

XVII. Como logo se compreende, mais uma vez, é patente logo a uma primeira leitura do trecho do Acórdão recorrido transcrito na própria motivação de recurso, não lhe assiste qualquer razão: “Apenas sucede que a autorização necessária resulta claramente do documento que consta de fls 896, datado de 15 de Janeiro de 2020 [emitido pelo Patriarcado de Lisboa, certificando a autorização dada ao pároco da paróquia de ..., nos termos e para os efeitos previstos no Cânone nº 1288º do Código do Direito Canónico, para em nome da paróquia constituir advogado por forma a especificamente intervir nestes autos], cuja validade e eficácia nenhum dos intervenientes processuais sequer colocou em questão. Pelo que improcede a irregularidade suscitada” (p. 243 do Acórdão recorrido).

XVIII. Acresce que, como bem afirma o Tribunal a quo, se houvesse falta de autorização, nem se estaria perante incapacidade, mas irregularidade de representação, sendo que a verificação de tais vícios geraria apenas o accionamento do mecanismo previsto no artigo 27º do Código de Processo Civil – são evidências que o Recorrente nem sequer põe em causa.

C.4 Os alegados vícios do Acórdão recorrido relativamente à condenação do Arguido na indemnização a favor da ora Recorrida

XIX. Em seguida, o Recorrente entra a pôr em causa a justeza da sua condenação a indemnizar a ora Recorrida, negando a existência de desproporção entre o património global do Recorrente e as suas despesas e concluindo pela ilegitimidade da Recorrida para deduzir o pedido cível e pelo não preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil.

XX.   Uma vez mais, não lhe assiste qualquer razão.

XXI. Mas, antes disso, e como é absolutamente evidente, tanto pela exposição, como pela conclusão final – salvo aparentemente quanto aos paramentos e móveis – trata-se assumidamente de alegar pretensos erros de julgamento da matéria de facto, sem cabimento em recurso para este Supremo Tribunal, o qual sem prejuízo do disposto no artigo 410º, nº 2, do CPP, “visa exclusivamente o reexame de matéria de direito” (art. 434º do CPP).

Sendo que as alegações que o Recorrente aqui faz não correspondem aos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP– o qual não é mesmo invocado por ele nesta sede, nem em sede de conclusões.

XXII. Já parece diferente a questão relativa à indemnização em quantia a liquidar em execução de sentença relativamente aos paramentos e móveis, quanto à qual o Recorrente invoca uma nulidade por falta de fundamentação, sem se dar ao trabalho de indicar as disposições legais aplicáveis. Sucede que o que aqui alega substancialmente o Recorrente é falta de prova – e não a falta de fundamentação –, pelo que não pode, pois, ser objecto do presente recurso.

C.5 As alegações do Arguido relativamente às restantes condenações em indemnização civil

XXIII. Quanto às alegações do Arguido relativamente às restantes condenações em indemnização civil, a ora Recorrida não entraria na sua análise – não fosse dar-se o caso de o Recorrente pretender retirar das suas alegações relativamente aos demais demandantes consequências que também a atingem.

XXIV. Assim, no que respeita à condenação nos pedidos formulados pelos demandantes BB e CC, além da alegada omissão de pronúncia quanto aos fundamentos da condenação – correspondente àquela que é alegada também quanto à ora Recorrida e que já ficou acima versada – o Recorrente alega que: a) o próprio Acórdão teria “feito [a] comprovação” de que a quantia de € 10.000 obtida pela venda das 4 imagens referidas no facto provado nº 8, als. a. a c., foi depositada nas contas da Paróquia de ..., pelo que o tribunal deveria ter dado como não provado; e, b) quanto aos restantes objectos em causa no pedido de BB, haveria uma omissão de pronúncia derivada do facto de a decisão se basear exclusivamente nas declarações do próprio lesado e de o tribunal se não ter pronunciado sobre as questões suscitadas pelo recorrente.

XXV. Quanto à 1ª questão invocada, o Recorrente altera, uma vez mais, o sentido da decisão recorrida, constatando-se facilmente pelo trecho transcrito que o Tribunal a quo não comprova coisa alguma; simplesmente afirma que não pode “afastar” uma “possibilidade” que, depois, assume como base, por força do princípio do in dubio pro reo. Também não é verdade que dessa admissão resulte que o Tribunal a quo deveria ter dado como não provada a apropriação de tal quantia.

XXVI. Uma vez mais, o que está em causa é – como sempre, no douto Acórdão recorrido – determinar se existe qualquer meio de prova que, nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, imponha decisão diversa da proferida– o que não sucede com a alegação do arguido–, como que o Tribunal recorrido o que faz, e bem, é extrair do imediato levantamento e 2/3 da quantia a conclusão da intenção da apropriação das 4 imagens vendidas.

XXVII. Mas tem se de acrescentar que há na já referida base de análise de que parte o Tribunal a quo, um lapso: na realidade, a quantia de € 3.000,00 que deu entrada em 04 de Fevereiro de 2016 na conta da ora Assistente na C... não proveio de um depósito, mas de uma transferência provinda de uma entidade designada “MCO SA”, conforme melhor conta do extrato de conta constante do Apenso 1, a fls. 29.

XXVIII. Diferentemente, o depósito que o Arguido invoca é, antes, o depósito efectuado “no dia 1 de Fevereiro, na conta bancária da paróquia de ... da C... - Fls. 29 do Apenso 1” (cfr. motivação do recurso do Arguido para a Relação, p. 43 e concl. nº 72; sublinhado nosso. Cfr. também p. 212 e concl. 168).

XXIX. Esta verificação torna toda a situação soberanamente clara, não sendo de todo admissível a possibilidade de que as quantias constituíssem o produto da venda das 4 imagens, assim se confirmando a total justeza da conclusão do douto Acórdão recorrido, no sentido de o Arguido ter pretendido fazer suas as peças de arte sacra que vendeu, afastando-se a alegação de que o produto da venda foi ou se mantém, no todo ou em parte, integrado no património da ora Recorrida.

XXX. Também quanto à 2ª alegação, falece razão ao arguido: para além de não existir omissão de pronúncia relativamente a meros argumentos mas apenas a questões, o Recorrente esquece, mais uma vez, que estamos perante uma apreciação da decisão de matéria de facto em recurso, com as limitações que o Tribunal recorrido claramente enuncia pelo que se mostra mais do que fundada – verdadeiramente imposta – a afirmação segundo a qual se mostra desnecessário “afastar cada um dos pormenores das declarações prestadas a que o recorrente se agarra”, uma vez que, “tendo o tribunal a quo decidido conferir credibilidade do relato que lhe foi trazido pelo demandante BB, a evidente probabilidade fáctica da veracidade de tal relato torna inatacável o juízo feito por corresponder à legítima concretização do princípio vertido no artigo 127º do Código de Processo Penal” (p. 186).

XXXI. E daí o irrepreensível da conclusão do Acórdão recorrido de inexistir qualquer meio de prova que, nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, imponha decisão diversa da proferida e, cumulativamente, dos autos constam meios de prova cuja interpretação conjugada evidencia a manifesta razoabilidade do decidido.

XXXII. Quanto ao alegado relativamente à condenação no pedido formulado pela demandante “Carlos Janeiro & Laura Medeiros, Lda.”, para além das questões de falta de fundamentação e de falta de valor probatório das declarações dos lesados, também esgrimidas quanto às condenações nos pedidos dos restantes lesados – e relativamente às quais se remete para o que atrás se disse – o arguido invoca a apreciação probatória das declarações da testemunha EE, em si e no seu confronto com as declarações dos demandantes DD e FF, e a necessidade de discutir a propriedade e titularidade dos bens que se deu como provado terem sido vendidos à Carlos Janeiro & Laura Medeiros, Lda..

XXXIII. Esta alegação do arguido é manifestamente improcedente, senão mesmo absurda, já que: a) quanto à credibilidade do depoimento da testemunha EE, é tema expressamente – e irrepreensivelmente – versado justamente na parte do Acórdão transcrita nesta parte da própria motivação de recurso; e b) por seu turno, a titularidade dos bens vendidos pelo arguido (incluídos aqueles que o arguido aqui refere) é amplamente – e irrepreensivelmente – versada no douto Acórdão recorrido (cfr. pp. 168 ss. e, relativamente a este lesado, ainda a pp. 173 ss.; cfr. também pp. 157 ss.).

XXXIV. O que se passa é que o Recorrente qualifica como omissão de pronúncia simplesmente a (alegada) falta de resposta a meros argumentos, sobretudo se esgrimidos retoricamente sob a forma interrogativa, e, sob aquela capa de omissão de pronúncia, o que está é a renovar a discussão da apreciação da prova, pretendo suscitar, na presente sede, uma decisão em matéria de facto fora dos casos do artigo 410º, nº 2, do CPP.

D.   Excurso: sobre os restantes vícios referidos nas conclusões

D.1 A alegada legitimidade da venda das peças de arte sacra

XXXV. O Recorrente invoca a alegada legitimidade da venda das 4 imagens, remetendo para afirmações que diz resultarem do texto do Acórdão recorrido, mas, que, na verdade, não constam daquela decisão, motivo pelo qual, contrariamente ao que defende, não estamos perante uma conclusão “possível de extrair da simples leitura do texto da decisão”.

XXXVI. De todo o modo, estamos perante uma alegação, totalmente nova no processo, na medida em que até aqui o que o Arguido vem defendendo é que não existe prova nos autos da inexistência de autorização para alienação das peças – ao passo que agora vem, aparentemente, invocar que nem seria necessária tal autorização.

XXXVII. E, ainda que o pároco pudesse canonicamente vender as peças de arte sacra em causa, isso nunca seria permissão para se apropriar do produto da venda – como ficou demonstrado que fez.

XXXVIII. Mas a verdade é que, em conformidade com o Direito Canónico, carecia mesmo de autorização. E esta necessidade de autorização era sobejamente conhecida pelo Arguido, na medida em que o mesmo assegurou ao demandante BB que estava a vender as peças “com autorização do Patriarca de Lisboa” (facto provado nº 10).

D.2 A alegada inexistência de prova de falta de autorização para a venda de peças de arte sacra

XXXIX. Sobre a alegada inexistência de prova de falta de autorização para a venda de peças de arte sacra, além de estarmos, mais uma vez, ante uma pura e simples invocação de um alegado erro de julgamento da matéria de facto – inadmissível no presente recurso –, resulta da prova produzida nos presentes autos, designadamente do testemunho de GG declarou, que, com toda a credibilidade que lhe vem da sua função de ecónomo, afirmou que o Recorrido não tinha pedido qualquer autorização (e não que desconhecia se tinha havido pedidos de autorização).

D.3 A alegada violação do princípio do princípio in dubio pro reo

XL.   Por fim, quanto à alegada violação do princípio do princípio in dubio pro reo, importam duas notas: uma primeira é que estamos perante mais uma conclusão simplesmente genérica, que não indica concretamente as violações do referido princípio que o Recorrente o pretende ver apreciadas por este Supremo Tribunal, apagando-se, antes, numa numa remissão global para as “formulações destacadas no presente recurso” e, pois, para toda a motivação; a segunda é que, de qualquer forma, e atendendo ao que vem alegado na motivação, e de uma forma geral, estamos perante mais uma descontextualização que traz consigo uma deturpação do real sentido do Acórdão recorrido.

XLI.    De facto, das expressões que o Recorrente invoca como “expressões de dúvida”, o que resulta não é a declaração ou manifestação de qualquer dúvida sobre os factos, mas simplesmente as conclusões retiradas da análise das questões suscitadas quanto à matéria de facto nos limites impostos pela necessária compatibilização ou coordenação entre a admissão de duplo grau de jurisdição em matéria de facto e o princípio da livre apreciação da prova do julgador com base nos princípios fundamentais que que regem a produção de prova em audiência de julgamento em 1ª Instância – imediação, oralidade e contraditório.

XLII. Sendo de anotar que as mais das vezes o douto Acórdão recorrido conclui a sua análise no sentido de que não só não existe qualquer meio probatório que imponha decisão diversa – o que já bastaria para manter a decisão –, mas, de que “cumulativamente”, a decisão do Tribunal de 1ª Instância corresponde à “única interpretação possível a retirar dos meios de prova produzidos nos autos é a que foi vertida no acórdão recorrido” (cfr. p. 175) ou, pelo menos, de que “dos autos constam meios de prova cuja interpretação conjugada evidencia a manifesta razoabilidade do decidido” (cfr. pp. 179, 183, 186 e 191).

XLIII. Isto basta para concluir pela falta de razão do Arguido e pelo acerto do douto Acórdão recorrido.

Termos em que deverá o recurso ser considerado inadmissível, ou, caso assim não se entenda, (…) ser o mesmo julgado totalmente improcedente”.

6. O Senhor Juiz Desembargador relator não admitiu o recurso em matéria penal, restringindo-o à matéria civil, em despacho do seguinte teor:

Não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, entre o mais:

a) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, excepto no caso de decisão absolutória em 1ª instância [alínea e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, na sua redacção actual];

b) De acórdãos proferidos pela relação, em matéria relativa à indemnização civil, quando a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor inferior a ½ da alçada do tribunal recorrido [nº 2 do artigo 400º do Código de Processo Penal].

O acórdão proferido por este Tribunal da Relação ... condenou o requerente, em cúmulo jurídico, em pena de prisão 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução, ou seja, em pena não privativa da liberdade.

No plano jurídico, o acórdão proferido por este Tribunal da Relação ... substituiu a condenação pela prática de um crime de furto qualificado aplicada em 1ª instância por condenação pela prática de um crime de abuso de confiança, previamente concedendo ao arguido a possibilidade de sobre a questão se pronunciar.

Aliás, tal era a previsibilidade dessa alteração que o próprio arguido, nas alegações que apresentou em recurso da decisão de 1ª instância, expressamente se referiu à hipótese.

Portanto, este Tribunal da Relação ... manteve a condenação do arguido que já vinha da 1ª instância, apesar de alterar o enquadramento jurídico dos factos, e manteve a condenação em pena não privativa da liberdade.

A argumentação do recorrente quanto à suposta violação do seu direito ao recurso não colhe, uma vez que o exerceu já relativamente à condenação aplicada em 1ª instância, e a garantia de recurso manifestamente não inclui a possibilidade de ao infinito provocar a re-apreciação judicial apenas porque são introduzidas alterações ao julgado.

A invocação da violação do princípio contraditório surge manifestamente deslocada, na medida em que apenas ocorreu a alteração da qualificação jurídica, obviamente não tendo sido decidida qualquer restrição do direito do arguido de discutir, valorar ou contestar qualquer meio de prova produzido.

E, repete-se, ao arguido foi expressamente concedida a possibilidade de se pronunciar quanto à alteração da qualificação jurídica.

A invocação, a favor da solução que o arguido defende, da inovação introduzida pela Lei nº 94/2021, de 21 de Dezembro, reforça a falta da fundamento da sua posição, na medida em que, como se disse, a decisão proferida em 1ª instância manifestamente não foi absolutória.

Pelo que, atento teor literal da alínea e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal [seja na redacção anterior, seja na posterior, à Lei nº 94/2021, de 21 de Dezembro], e salvo sempre melhor opinião, quanto à parte penal o recurso não é admissível.

Quanto à matéria civil, a decisão deste Tribunal da Relação traduziu-se no agravamento da posição do demandado em € 3 900,00, e respectivos juros, condenando-o num total de € 116 865,50 a título de capital.

Logo, tendo tido lugar a alteração do conteúdo e alcance da decisão recorrida, não ocorreu confirmação da decisão proferida em 1ª instância [tornando inaplicável, ainda que subsidiariamente, a regra prevista no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil].

Assim, e atento o disposto nos nº 2 e 3 do artigo 400º do Código de Processo Penal, o presente recurso deve ser admitido apenas na parte relativa à indemnização civil.

Pelo exposto,

a) Não admito o recurso interposto quanto à matéria penal;

b) Porque se trata de uma decisão susceptível de recurso autónomo [artigos 399º e 400º do Código de Processo Penal], porque o recorrente para tal possui legitimidade e está em tempo, e cumpriu as exigências de forma impostas pelo artigo 412º do Código de Processo Penal, admito, restrito à parte relativa à indemnização civil, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pelo arguido interposto do acórdão proferido por este Tribunal da Relação ..., recurso que subirá imediatamente e nos próprios autos, possuindo efeito suspensivo do processo.”

Desse despacho foi apresentada reclamação, nos termos do artigo 405.º do CPP, a qual foi indeferida por despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de abril de 2022 (apenso).

7. Na vista a que se refere o artigo 416.º, n.º 1, o Senhor Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer, por o recurso se limitar a matéria civil e não ser interveniente qualquer entidade a quem o Ministério Público deva representação.

8. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.


II. Fundamentação


9. As instâncias dão como provados os seguintes factos (com as alterações introduzidas pelo acórdão do Tribunal da Relação nos pontos 3, 4, 8, 61, 62, 78, 80, 82, 83, 89, 93 e 94 e a eliminação, pelo mesmo acórdão, dos pontos 54 e 55):

“1 - O arguido AA é sacerdote católico.

2 - Entre os anos de 2011 e 2017 recebeu da Diocese de ... a quantia mensal aproximada de € 820,00 líquidos, a título de remuneração enquanto sacerdote.

3 - Entre 01 de Outubro de 2011 e 19 de Setembro de 2015, o arguido desempenhou as funções de pároco e administrador da paróquia de ..., ....

4 - Entre 04 de Outubro de 2015 e 26 de Janeiro de 2017 desempenhou as funções de pároco e administrador da paróquia de ..., ..., ....

5 - Em cada um desses períodos competia ao arguido AA, na qualidade de pároco e administrador único, gerir os bens e administrar o património das paróquias de ... e de ....

6 - Todavia, a alienação de bens de cada paróquia, designadamente de peças de elevado valor religioso, histórico e cultural, só pode ser realizada após prévia autorização por parte do ordinário da diocese e, em certos casos, após licença da Santa Sé.

7 - Após ter iniciado funções na paróquia de ..., o arguido decidiu apropriar-se de móveis, objectos decorativos, imagens de arte sacra e objectos de culto que se encontravam na igreja e na residência paroquial, para, de seguida, efectuar a sua venda a comerciantes de antiguidades, fazendo suas as importâncias monetárias obtidas através da venda dessas peças.

8 - Deste modo, durante o período de tempo em que administrou a paróquia de ..., o arguido AA retirou do interior da igreja e da residência paroquial, fazendo seus, entre outros, os seguintes objectos, parte dos quais encontravam-se degradados, necessitando trabalhos de restauro, e não afectos ao culto.

a. uma imagem de Nossa Senhora da Conceição em madeira estofada e policromada, com 73 cm de altura, do século XVII/XVIII, avaliada em € 5 000,00;

b. uma imagem de Santa Luzia em madeira estofada e policromada, com 80 cm de altura, do século XVII/XVIII, avaliada em € 7 000,00;

c. duas imagens de roca em madeira, com vestes bordadas a ouro sob peanha em madeira marmoreada, uma representando Nossa Senhora com o Menino ao colo, e outra representando São José, de finais do século XVIII/século XIX, avaliadas em € 2 500,00;

d. uma cruz processional em prata trabalhada e relevada, com 2,56 m de altura, bem como 2 castiçais processionais em prata trabalhada, Ourivesaria Sarmento, punção Águia, avaliados em € 17 500,00;

e. 2 tocheiros em madeira dourada, com 1 m e 51 cm de altura, do século XIX, avaliados em € 2 500,00;

f. 1 tocheiro em madeira dourada trabalhada, com 1 m e 86 cm de altura, do século XVIII, avaliado em € 6 000,00;

g. 1 cálice em prata dourada, com 30 cm de altura, avaliado em € 4 000,00;

h. 1 cálice em prata dourada, com 27 cm de altura, punção Porto Coroa, do século XVIII, avaliado em € 2 500,00;

i. 1 relíquia em prata de S. Lenho, com 26 cm de altura, do final do século XIX, avaliada em € 4 000,00;

j. 1 urna em madeira dourada, com 76 cm de altura, do século XIX, avaliada em € 1 000,00

k. 1 palmatória em prata trabalhada com abafador de velas, ourivesaria Leitão, com 190g, avaliada em € 300,00;

l. 1 crucifixo em pau santo, do século XX, com Cristo em marfim indo-português, com 1,05 m de altura, do século XVII, avaliado em € 4 000,00;

m. 1 coroa em prata portuguesa, de finais do século XIX, avaliada em € 1 500,00;

n. 1 custódia em prata trabalhada, ourivesaria Aliança, punção javali/200g, de finais do século XIX, com 730g, avaliada em € 1 100,00;

o. 1 imagem de Nossa Senhora da Conceição em gesso policromado, avaliada em € 500,00;

p. 1 genuflexório em madeira de nogueira, estilo romântico, estufado a veludo vermelho, avaliado em € 200,00;

q. 1 cálice em prata dourada e branca, de finais do século XIX, avaliado em € 1 000,00;

r. 1 imagem do menino Jesus, policromada, sem vestes, com 38 cm de altura, avaliada em € 500,00;

s. 1 custódia em prata, fabricante “J. Alves”, 1957, adornada com minas novas, rubis, diamantes rosas e esmaltes, com resplendor em prata dourada, avaliada em € 15 000,00;

t. 2 cálices – um e sua paterna em prata trabalhada dourada e branca D. João V, do século XVII; outro adornado com safiras, rubis, crisólitas e esmeraldas, com estojo original; ambos avaliados em € 30 000,00;

u. 1 lavanda com gomil em prata, punção javali, do século XIX, com 4230g, avaliada em € 8 500,00;

v. 1 bandeja com 2 galhetas litúrgicas em prata portuguesa, cinzeladas, punção Águia, do século XX, com 1020g, avaliada em € 1 000,00;

w. 1 imagem de S. Vicente em pedra ançã, com vestígios de policromia, do século XVI/século XVII, avaliada em € 5 000,00;

x. 1 imagem de S. José com o Menino ao colo, em madeira estofada e policromada, com 41 cm de altura, do século XVII, avaliada em € 3 000;

y. 1 crucifixo em madeira de ébano, peanha de época com aro em prata cinzelada com relíquia no seu interior e Cristo crucificado em marfim com 34 cm de altura, com resplendor em prata, com 96,5 cm de altura total, avaliado em € 8 000,00;

z. paramentos antigos em número e de valor não apurados.

9 - Em data não apurada do início do ano de 2016, o demandante cível BB, comerciante de antiguidades, foi contactado pelo arguido AA para se deslocar à Igreja de ..., ..., ..., com vista a adquirir diversas peças de arte sacra.

10 - O arguido AA informou-o que estava a vender estas peças com autorização do Patriarcado de Lisboa, que as mesas não estavam afectas ao culto e que serviriam para financiar as obras da igreja de ....

11 - As peças apresentadas encontravam-se numa cave da igreja de ....

12 - O demandante BB tirou fotografias para mostrar ao antiquário CC, com o intuito de indagar do seu interesse na aquisição dessas peças, para, desse modo, intermediar a venda.

13 - Dado o interesse demonstrado pelo antiquário CC, o negócio foi concretizado pela quantia de € 10 000,00, e o antiquário BB recebeu € 2 000,00 do comprador por ter intermediado essa transacção.

14 - No dia 28 de Janeiro de 2016 o arguido AA entregou ao demandante cível BB, para as vender ao demandante cível CC, as seguintes imagens de arte sacra:

a. uma imagem de Santa Luzia em madeira estofada e policromada, com 80 cm de altura, do século XVII/XVIII;

b. uma imagem de Nossa Senhora da Conceição em madeira estofada e policromada, com 73 cm de altura, do século XVII/XVIII;

c. duas imagens de roca em madeira, com vestes bordadas a ouro sob peanha em madeira marmoreada, uma representando Nossa Senhora com o Menino ao colo, e outra representando São José, de finais do século XVIII/século XIX.

15 - O arguido AA, como contrapartida da venda das 4 imagens acima mencionadas, recebeu a quantia de € 10 000,00, a qual fez sua.

16 - O pagamento do preço foi realizado em numerário, por exigência do arguido AA, com o argumento que, desse modo, facilitava-se o pagamento ao empreiteiro das obras realizadas na igreja de ....

17 - Nesse dia o arguido AA emitiu declaração na qual escreveu «(…) vendi algumas imagens de Arte Sacra a BB e CC (…)».

18 - O demandante cível CC guardou as mencionadas imagens, que adquiriu ao arguido AA, no interior da sua loja localizada na rua ..., nesta cidade ....

19 - No dia 24 de Março de 2016, o antiquário CC vendeu a um cliente a imagem de Nossa Senhora da Conceição, pelo montante de € 2 850,00.

20 - Em data não apurada do mês de Maio de 2016, o antiquário CC vendeu a um cliente a imagem de Stª. Luzia, pelo montante de € 12 000,00.

21 - Por último, no dia 05 de Junho de 2016, este antiquário vendeu a outro cliente as 2 imagens de roca acima mencionadas, pela importância global de € 2 450,00.

22 - Na sequência deste processo, após ter sido contactado pela Polícia Judiciária, o demandante cível CC contactou os seus clientes para que fossem devolvidas as peças que tinha adquirido ao arguido AA …

23 -… Devolveu aos seus compradores as quantias monetárias que tinha recebido e o seu colega BB devolveu-lhe os € 2 000,00, que lhe tinha pago pela intermediação na venda das imagens pelo arguido AA.

24 - Deste modo, no dia 31 de Março de 2017, o demandante CC detinha no interior da loja acima mencionada as imagens que tinha comprado ao arguido.

25 - Entre os meses de Janeiro a Março de 2016, o BB foi contactado, por diversas vezes, pelo arguido AA para se deslocar à igreja paroquial, com vista a avaliar e a adquirir outras peças

26 - Dessas vezes que se deslocou à igreja de ..., o antiquário BB foi acompanhado pelo arguido AA e por um colaborador da paróquia chamado HH.

27 - Mais uma vez, o arguido AA argumentou que tais vendas se destinavam a custear as obras realizadas na igreja de ....

28 - Em datas não concretamente apuradas, mas compreendidas entre Janeiro e Março de 2016, o arguido AA vendeu a BB os seguintes objectos que retirou da paróquia de ...:

a. 1 cruz processional em prata trabalhada e relevada, com 2,56 m de altura, pelo preço de € 2 000,00;

b. 2 castiçais processionais em prata trabalhada e relevada, com 2,16 m de altura, pelo preço de € 2 000,00;

c. 2 tocheiros em madeira dourada, com 1,51 m de altura, pelo preço de € 800,00;

d. 1 tocheiro em madeira dourada trabalhada, com 1,8 m de altura, pelo preço de € 3 500,00;

e. 1 cálice em prata dourada, com 30 cm de altura, pelo preço de € 1 700,00;

f. 1 cálice em prata dourada, com 27 cm de altura, pelo preço de € 1 700,00;

g. 1 relíquia de S. Lenho, com 26 cm de altura, pelo preço de € 2 000,00;

h. 1 sacrário em madeira dourada, com 76 cm de altura, pelo preço de € 1 000,00;

i. 1 palmatória em prata com abafador de velas, pelo preço de € 250,00;

j. 1 crucifixo em madeira com Cristo em marfim, com 1,05 cm de altura, pelo preço de € 2 000,00;

k. 1 coroa em prata, pelo preço de € 700,00;

l. 1 custódia em prata, pelo preço de € 700,00;

m. 1 imagem de Nossa Senhora da Conceição em gesso, policromada, pelo preço de € 200,00;

n. 1 genuflexório em madeira, estufado a veludo vermelho, pelo preço de € 90,00;

o. 1 cálice em metal dourado e prateado, pelo preço de € 300,00.

29 - O pagamento destas peças foi sempre realizado em numerário, por exigência do arguido AA, com o argumento de que, deste modo, facilitava-se o pagamento ao empreiteiro das obras realizadas na igreja de ....

30 - Por solicitação do arguido AA, o demandante cível BB retirou da igreja de ... madeiras velhas e móveis danificados que deitou fora por não terem valor comercial.

31 - No dia 10 de Abril de 2017, o antiquário BB tinha em seu poder, guardados no interior da loja localizada na rua..., nº..., nesta cidade ..., os seguintes objectos que tinha comprado ao arguido AA:

a. 1 cruz processional em prata trabalhada e relevada;

b. 2 castiçais processionais em prata trabalhada e relevada; c. 2 tocheiros em madeira dourada;

d. 1 tocheiro em madeira dourada trabalhada;

e. 1 cálice em prata dourada, com 30 cm de altura; f. 1 cálice em prata dourada, com 27 cm de altura; g. 1 relíquia de S. Lenho, com 26 cm de altura;

h. 1 sacrário em madeira dourada, com 76 cm de altura.

32-No dia 17 de Abril de 2017, o antiquário BB tinha ainda em seu poder, guardados no interior da loja localizada na rua..., nº..., nesta cidade ..., os seguintes objectos que tinha comprado ao arguido AA:

a. 1 custódia em prata;

b. 1 imagem de Nossa Senhora da Conceição em gesso, policromada; c. 1 genuflexório em madeira, estufado a veludo vermelho.

33 - Por ultimo, no dia 27 de Abril de 2017, o antiquário BB tinha ainda em seu poder no interior da loja um cálice em metal dourado e prateado.

34 - O BB devolveu ao antiquário CC os € 2 000,00 que tinha recebido por ter intermediado a venda das imagens.

35 - Em data não apurada do mês de Janeiro de 2017, o arguido AA solicitou à testemunha EE que intermediasse a venda de algumas peças de arte sacra que se encontravam na igreja e na casa paroquial.

36 - A sociedade “C..., Lda”, dedica-se, para além do mais, à actividade comercial de compra e venda de antiguidades e de mobiliário moderno.

37 - No decurso do mês de Janeiro de 2017, os legais representantes da sociedade “C..., Lda”, DD e II, foram contactados pela testemunha JJ, que trabalha com a testemunha KK, restaurador de arte sacra, pessoas dos seus conhecimentos e com quem já tinham trabalhado.

38 - A testemunha JJ perguntou se estavam interessados na aquisição de antiguidades, nomeadamente peças de arte sacra.

39 - O DD, em nome da sociedade “C..., Lda”, informou que pretendia ver as peças para saber se estava ou não interessado.

40 - De seguida, a testemunha JJ entregou-lhe o contacto telefónico da pessoa que estava a intermediar a venda de arte sacra, EE, representante e amigo do pároco da igreja de ....

41 - O DD agendou com o EE uma deslocação à igreja de ... para ver as peças de arte sacra em questão.

42 - Em data não apurada de Janeiro de 2017, o DD deslocou-se às instalações da paróquia de ..., com o intuito de observar as peças que se encontravam para venda, onde foi recebido pelo EE.

43 - A testemunha EE dispôs as peças em cima de uma mesa que se encontrava colocada no interior da casa paroquial da igreja de ..., e informou que era o arguido AA quem as estava a vender.

44 - Em data não apurada do mês de Janeiro de 2017 o arguido AA entregou à testemunha EE, para que as vendesse à sociedade “C..., Lda”, representada pelo sócio-gerente DD, os seguintes móveis e objectos de arte sacra:

a. 1 santo em pedra policromado;

b. 1 imagem do menino Jesus em madeira, séculos XVIII/XIX;

c. 1 imagem de S. José com Menino em madeira, século XVII;

d. 1 coroa grande em prata, Águia;

e. 1 imagem de Cristo em marfim, cingalo-português, século XVII; f. 1 lavanda em prata, Javali;

g. 1 gomil em prata, Javali;

h. 1 cálice em prata com pedras, século XIX; i. 1 custódia em metal, século XX;

j. 1 custódia em metal com pedras, com nome na lateral “J. Alves”, 1957, com raios dourados;

k. 1 caixa pequena em prata;

l. 1 galheteiro em prata, Águia; m. 1 galheteiro em metal prateado; n. 1 coroa em metal prateado;

o. 1 cómoda em madeira, século XX; p. 4 estantes em madeira, românticas;

q. 1 canapé com tecido às riscas, século XX;

r. 1 armário em madeira com figuras entalhadas; s. 1 armário pequeno estilo do século XVII.

45 - Como contrapartida dessa venda o arguido AA recebeu a quantia € 10 250,00, a qual fez sua.

46 - Com efeito, DD, na qualidade de sócio gerente da sociedade “C..., Lda”, assinou o cheque nº ...40, datado de 02 de Fevereiro de 2017, sacado sobre a conta nº ...74 do banco “B...”, emitido à ordem do arguido AA.

47 - Este cheque foi entregue pelos sócios da sociedade “C..., Lda”, DD e II, à testemunha EE, num escritório de uma empresa de seguros localizada na zona de ... desta cidade ...

48 -Posteriormente, no dia 07 de Fevereiro de 2017, o cheque nº ...40 foi depositado na conta nº ...00, co-titulada pelo arguido e sua mãe, LL.

49 - Aquando da venda, o EE, na qualidade de representante do vendedor, o arguido AA, assinou uma declaração de venda emitida em nome da sociedade “C..., Lda”.

50 - A sociedade “C..., Lda”, remeteu para a Direcção Nacional da Polícia Judiciária a listagem de fls 188 referente aos bens por si adquiridos.

51 - No dia 20 de Abril de 2017, a sociedade “C..., Lda”, detinha em seu poder, guardados no interior do seu estabelecimento localizado no ..., nesta cidade ..., os seguintes objectos que tinha adquirido ao arguido AA, por intermédio da testemunha EE:

a. 1 custódia em metal branco, com pedraria;

b. 1 cálice em metal branco e amarelo, com pedraria; c. 1 lavanda e 1 gomil em prata.

52 - No dia 27 de Abril de 2017, o DD também detinha em seu poder, enquanto representante da sociedade “C..., Lda”, no interior do seu estabelecimento localizado no ..., nesta cidade ..., os seguintes objectos que tinha adquirido ao arguido AA, por intermédio da testemunha EE:

a. 1 imagem do Menino Jesus em madeira policromada, sem vestes, com 38,5 cm de altura;

b. 1 imagem de S. José com o Menino ao colo, em madeira estofada e policromada, com 41 cm de altura;

c. 1 bandeja com 2 galhetas em prata;

d. um crucifixo em madeira com Cristo em marfim, com 34 cm de altura, policromado, com resplendor em prata, tendo a peanha uma relíquia, com 96,5 cm de altura total.

53 - Por último, no dia 11 de Maio de 2017 a sociedade “C..., Lda”, detinha ainda em seu poder, guardada no interior do seu estabelecimento localizado no ..., uma imagem de S. Vicente em pedra, que tinha adquirido ao arguido AA por intermédio da testemunha EE.

56 - No dia 07 de Dezembro de 2018, a Directoria de Lisboa e Vale do Tejo da Polícia Judiciária entregou ao senhor padre MM, enquanto legal representante da Freguesia ..., as peças constantes do termo de entrega de fls 765 a 769.

57 - O arguido AA sabia que os objectos decorativos e de culto, imagens de arte sacra e demais móveis que retirou da igreja e da residência da paróquia de ..., tinham valor histórico, artístico e religioso, resultante da sua antiguidade, raridade e singularidade, bem como que não podia dispor deles, nem vendê-los, sem o conhecimento e o consentimento da Diocese de ....

58 - O arguido AA quis fazer seus os objectos decorativos e de culto, imagens de arte sacra e demais móveis que retirou da igreja e residência paroquial, apesar de saber que não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem autorização da Diocese de ..., causando um prejuízo à paróquia de ....

59 - O arguido AA quis vender esses objectos, que tinham um valor global não inferior a € 131 600,00, sempre com o propósito de fazer suas as quantias monetárias decorrentes das vendas que efectuou aos antiquários NN, CC e “C..., Lda”.

60 - O arguido AA agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

61- A paróquia de ... é titular das seguintes contas bancárias, as quais, no período entre 01 de Outubro de 2015 e o mês de Janeiro de 2017, podiam ser movimentadas pelo arguido AA enquanto administrador dessa paróquia:

“i. conta nº ...31 da “C...”;

ii. conta nº ...22 do “B...”;

iii. conta nº ... do “M...”.

62 - No dia 04-10-2015, antes do arguido AA iniciar funções como administrador, a paróquia de ... detinha, em produtos bancários e financeiros, um total de € 98 094,09, enquanto que no dia 31-03-2017, após ter cessado funções, o valor desses produtos bancários e financeiros era de € 9 351,92.

63 - Em data não concretamente apurada do ano de 2015, quando assumiu as funções de administrador da paróquia de ..., o arguido AA, aproveitando-se do fácil acesso ao saldo dessas contas, decidiu apropriar-se e fazer suas as quantias monetárias que aí estivessem depositadas, bem como as que viessem a ser creditadas nas referidas contas bancárias, resultantes designadamente de donativos.

64 - Para o efeito, decidiu efectuar levantamentos em numerário das contas da paróquia de ..., mediante a emissão de cheques que emitia ao portador, ordenar transferências bancárias para contas tituladas por si ou efectuar o depósito de cheques emitidos pela paróquia à ordem do próprio arguido, em contas tituladas por este.

65 - No dia 22 de Fevereiro de 2016, o arguido AA ordenou a transferência da quantia de € 228,33 da conta da “C...” com o nº ...31, titulada pela paróquia de ..., para a conta com o nº ...87 do “B...”, co-titulada por si e por OO.

66 - Entre os dias 08 de Fevereiro de 2016 e 24 de Janeiro de 2017, o arguido AA emitiu cheques no valor global de € 158 614,43, sacados sobre as contas do “B... nº ...22, e da “C...” nº ...31, ambas tituladas pela paróquia de ..., que depositou na conta nº ...87 do “B...”, co-titulada por si e por OO:

Nº do cheque
      Valor
Data do Movimento
Conta de débito do cheque
Conta de depósito do cheque
...84
    € 87 564,83
    08.02.2016
B... ...22
B... ...87
...27
    € 3 900,00
    11.11.2016
C... ...31
B... ...87
...26
    € 22 150,00
    11.11.2016
C... ...31
B... ...87
...28
    € 30 000,00
    16.12.2016
C... ...31
B... ...87
...30
    € 15 000,00
    23.01.2017
    ... de
    B...
Depósitos ...31
    ...87

67 - No dia 08 de Fevereiro de 2016, a quantia de € 87 564,43, proveniente do cheque com o nº ...84, sacado sobre a conta nº ...22, titulada pela paróquia de ..., foi creditada na conta do “B...” com o nº ...87, co-titulada pelo arguido AA e por OO.

68 - De seguida, o arguido AA efectuou diversos movimentos no valor global de € 92 696,02, conforme tabela infra:

Data do movimento
        Descrição do movimento
      Valor
    11 de Fevereiro de

      2016
    Cheque nº ...89 emitido a favor de

      I..., SA, depositado na conta desta nº
    ...30 da “C...” no dia
        11 de Fevereiro de 2016
    € 32 199,97
    24 de Fevereiro de

      2016
      Pagamento “...
          ...Car”
    € 1 439,26
    29 de Fevereiro de

      2016
    Cheque com o nº ...54, emitido ao

portador e levantado pelo arguido a 01 de Março
            de 2016
      € 12 000
04 de Março de 2016
        Pagamento “...

          S..., SA”
    € 1 120,84
09 de Março de 2016
    Cheque nº ...42 emitido a favor de

      I..., SA, depositado na conta desta nº
    ...30 da “C...” no dia
        09 de Março de 2016
    € 34 985,95
11 de Março de 2016
    Transferência bancária para conta titulada por

      PP
    € 10 950,00
69 - Com efeito, o arguido AA efectuou o pagamento de 2 facturas à empresa de construção civil “I..., SA”, referente a obras realizadas na casa paroquial de ..., nos valores de € 32 199,97 e de € 34 985,95, emitindo, para o efeito, os cheques nº ...89 e ...42, sacados sobre a conta do “B...” com o nº ...87, co-titulada por si e por OO.

70 - Por outro lado, para pagamento da viatura da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-IL-.., no valor de € 17 500,00, o arguido AA entregou a PP, de retoma, a viatura da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-EF-.., e, no dia 11 de Março de 2016, efectuou uma transferência no montante de € 10 950,00 da conta com o nº ...87 do “B...”, para a conta com o IBAN  ...88, titulada por PP.

71 - No dia 14 de Novembro de 2016, os cheques com os nºs. ...27 e ...26, nos valores respectivos de € 3 900,00 e € 22 150,00, foram sacados sobre a conta nº ...31 da “C...”, titulada pela paróquia de ..., e, de seguida, depositados na conta do “B...” com o nº ...87, co-titulada pelo arguido AA e por OO.

72 - De seguida, o arguido AA efectuou 2 movimentos no valor global de € 28 000,00, conforme tabela infra:

Data do movimento
    Descrição do movimento
        Valor
    17 de Novembro de

      2016
    Pagamento “...

      S..., SA”
        € 1000,00
    23 de Novembro de

      2016
    Cheque com o nº ...12,

    emitido pelo arguido a favor de

    “S..., SA”, e depositado


numa conta do “S...” no

    dia 23 de Novembro de 2016
        € 27 000,00

73 - No dia 19 de Dezembro de 2016, o cheque com o nº ...28, no valor de € 30 000,00, foi debitado na conta da “C...” com o nº ...31, titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da freguesia de ...”, e, de seguida, foi depositado na conta do “B...” com o nº ...87, co-titulada pelo arguido AA e por OO.

74 - De seguida, o arguido AA emitiu o cheque nº ...61, datado de 09 de Janeiro de 2017, no mesmo valor de € 30 000,00, sacado sobre a conta nº ...87 e, no dia 10 de Janeiro de 2017, depositou-o na conta da “C...” com o nº ...00, co-titulada por si e LL.

75 - No dia 24 de Janeiro de 2017 foi debitado o cheque nº ...30, no valor de € 15 000,00, da conta da “C...” com o nº ...31, titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da freguesia de ...”, o qual foi depositado na conta do “B...” com o nº ...87, co-titulada pelo arguido AA e por OO.

76 - O arguido AA emitiu o cheque nº ...21, datado de 17 de Fevereiro de 2017, no valor de € 41 000,00, sacado sobre essa conta com o número ...87, e, no dia 23 de Fevereiro de 2017, depositou-o na conta bancária da “C...” com o nº ...00, co-titulada por si e pela sua mãe, LL.

77 - De seguida, utilizando o saldo existente na conta bancária da “C...” com o nº ...00, no dia 24 de Fevereiro de 2017, o arguido AA efectuou um pagamento à “C..., SA”, no valor de € 5 790,00.

78 - Deste modo, entre os dias 04 de Outubro de 2015 e 26 de Janeiro de 2017, o arguido AA logrou apropriar-se de € 20 378,51 [€ 87 564,43 - € 32 199,97 - € 34 985,95 = € 20 378,51], de € 22 150,00, de € 30 000,00, de € 15 000,00 e de € 3 900,00, que se encontravam depositadas nas contas do “B...” com o nº ...22, e da “C...” com o nº ...31, tituladas pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia do ....

79 - No dia 15 de Setembro de 2016, o arguido AA procedeu ao levantamento, em numerário, da quantia de € 25 436,99, que fez sua, através do cheque nº ...23, sacado sobre a conta nº ...31 da “C...”, titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”.

80 - Deste modo, entre os dias 04 de Outubro de 2015 e 26 de Janeiro de 2017, o arguido AA logrou apropriar-se da quantia global de € 116 865,50 [€ 20 378,51 + € 22 150,00 + € 30 000,00 + € 15 000,00 + € 25 436,99 + € 3 900,00], que se encontrava depositada nas contas do “B...” com o nº ...22 e da “C...” com o nº ...31, ambas tituladas pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia do ...”.

81 - No dia 12 de Janeiro de 2017, o arguido AA solicitou a emissão de um cartão de débito associado à conta à ordem com o nº ... do “M...”.

82 - Entre os dias 09-03-2017 a 16-03-2017 alguém, cuja identidade se desconhece, dirigiu-se a caixas multibanco e, com aquele cartão com o nº ...80, efectuou o levantamento das seguintes quantias monetárias, em numerário, no valor global € 2 220, deixando a conta com o saldo de € 2,37: - No dia 09-03-2017, pelas 20 horas e 27 minutos e 20 horas e 30 minutos, efectuou dois levantamentos no valor de € 200, cada, no ATM do “Banco...”, localizado no “...”, ...; - No dia 10-03-2017, pelas 00 horas e 01 minutos e 00 horas e 02 minutos, efectuou dois levantamentos no valor de € 200, cada, no ATM localizado na Avenida ..., ...; - No dia 11-03-2017, pelas 16 horas e 22 minutos e as 16 horas e 23 minutos, efectuou dois levantamentos no valor de € 200, cada, no ATM localizado na Estrada ..., ..., ...; - No dia 12-03-2017, pelas 18 horas e 21 minutos, efectuou dois levantamentos no valor de € 200, cada, no ATM localizado na Avenida ..., ...; - No dia 13-03-2017, pelas 16 horas e 01 minutos e 16 horas e 02 minutos, efectuou dois levantamentos no valor de € 200, cada, no ATM do “M...” localizado na ...; - No dia 16-03-2017, pelas 14 horas e 25 minutos e 14 horas e 26 minutos, efectuou dois levantamentos, um no valor de € 20 e outro no valor de € 20, no ATM localizado Estrada ..., ..., ....

83 - No período de 15 de Setembro de 2015 a 26 de Janeiro de 2017, o arguido AA recebeu diversos donativos de fiéis, no valor de pelo menos € 26 500,00, que depositou, em numerário, por si ou por terceiros a seu mando, na conta bancária com o nº ...87, co-titulada por si e por OO, aberta na instituição bancária “B....

84 - Com efeito, nesse período, foram efectuados 4 depósitos em numerário na conta bancária com o nº ...87, do “...”, conforme tabela infra:

        Data do Depósito
          Valor
      15 de Setembro de 2015
          € 2 000,00
      22 de Setembro de 2015
          € 9 000,00
      02 de Novembro de 2015
          € 1 500,00
      04 de Novembro de 2015
          € 14 000,00
          Total
          26 500,00

85 - Após efectuar nos dias 15 de Setembro de 2015 e 22 de Setembro de 2015 o depósito em numerário das quantias de € 2 000,00 e € 9 000,00, na conta com o nº ...87, do “...”, o arguido AA efectuou, no dia 22 de Setembro de 2015, a transferência de € 10 900,00 dessa conta para uma conta titulada pela sociedade “T..., Ldª”.

86 - Após efectuar nos dias 02 de Novembro de 2015 e 04 de Novembro de 2015 o depósito em numerário das quantias de € 1 500,00 e € 14 000,00, na conta com o nº ...87, do “...”, o arguido AA emitiu o cheque nº ...75, datado de 07 de Dezembro de 2015, no valor de € 40 000,00, o qual depositou, no dia 10 de Dezembro de 2015, na conta da “C...” com o nº ...00, titulada por si e sua mãe, LL.

87 - De seguida, utilizando o saldo da conta da “C...” com o nº ...00, o arguido AA emitiu 2 cheques a favor de OO: um, no dia 29 de Dezembro de 2015, no montante de € 6 000,00; outro, no dia 29 de Março de 2016, no montante de € 12 500,00, os quais foram depositados na conta do “...P...” nº ... titulada por OO.

88 - No mês de Junho de 2016 o arguido AA adquiriu a viatura da marca ..., com a matrícula ..-RN-.., pelo valor de € 36 217,00.

89 - O arguido AA aproveitou-se do fácil acesso às quantias monetárias depositadas nas contas bancárias tituladas pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...” e quis fazer suas as quantias que retirou daquelas contas, através de levantamentos, de transferências bancárias e de emissão de cheques, no valor global de € 116 865,50, que gastou em proveito próprio, apesar de saber que não lhe pertenciam e que delas não podia dispor, por pertencerem à paróquia de ....

91 - O arguido AA agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

92 - A “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, ..., é titular da conta bancária com o nº ...51 do “B...”.

93 - Entre os dias 01-10-2011 e 19-09-2015, essa conta pode ser movimentada pelo arguido, enquanto administrador dessa paróquia.

94 - No dia 01-10-2011, a conta nº ...51, titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, apresentava o saldo de € 66 468,64, enquanto que no dia 19-09-2015, após o arguido AA ter cessado funções, o saldo dessa conta era de € 21 329,09.

b - todas as peças apresentadas pelo arguido AA ao antiquário BB se encontrassem em mau estado de conservação.

k - o arguido AA se tenha apropriado indevidamente das quantias monetárias de € 228,33 ou de € 2 000,00 que foram retiradas da conta bancária com o nº ...31 da “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, aberta na “C...”.

aa - todas as imagens vendidas pelo arguido AA se encontrassem muito deterioradas, não possuíssem valor relevante, e que todas as imagens por si vendidas não estivessem afectas ao serviço litúrgico.

95 - Para além dos valores pagos a título de vencimento pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, ..., no período temporal compreendido entre 07 de Julho de 2011 e 15 de Julho de 2015 o arguido AA ordenou as seguintes transferências da conta da paróquia do “B...” com o nº ...51 para a conta com o nº ...87, também do “B...”, titulada por si e por OO, no valor global de € 18 318,09:

a. no dia 19 de Dezembro de 2011, no valor de € 2 000,00; b. no dia 25 de Janeiro de 2012, no valor de € 2 000,00;

c. no dia 26 de Janeiro de 2012, no valor de € 900,00;

d. no dia 04 de Abril de 2012, no valor de € 500,00;

e. no dia 16 de Abril de 2012, no valor de € 1 350,00; f. no dia 16 de Abril de 2012, no valor de € 590,00; g. no dia 30 de Abril de 2012, no valor de € 650,00;

f. no dia 16 de Abril de 2012, no valor de € 590,00; g. no dia 30 de Abril de 2012, no valor de € 650,00;

h. no dia 20 de Agosto de 2012, no valor de € 1 800,00;

i. no dia 27 de Setembro de 2012, no valor de € 824,00;

j. no dia 18 de Outubro de 2012, no valor de € 1 200,00;

k. no dia 16 de Novembro de 2012, no valor de € 236,05;

l. no dia 22 de Novembro de 2012, no valor de € 2 445,00;

m. no dia 26 de Novembro de 2012, no valor de € 500,00;

n. no dia 01 de Março de 2013, no valor de € 1 323,04;

o. no dia 28 de Março de 2013, no valor de € 2 000,00.

96 - No mesmo período de 07 de Julho de 2011 a 15 de Julho de 2015, o arguido AA emitiu os seguintes cheques, sacados sobre as contas do “B...” com o nº ...51 e do “M...” com o nº ...17, ambas tituladas pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, os quais foram depositados nas contas com o nº ...87, do “B...”, e com o nº ...43 do “N...”, ambas por si (co)tituladas, no valor global de € 151 863,94:

    Número

    do cheque
    Valor
Data do Movimento
    Conta de débito

    do cheque

    Conta de
depósito do cheque
...03
    € 3 750,00
07 de Outubro de 2011
B... ...51
B... ...87
...94 e ...97
    € 3 107,26
10 de Outubro de 2011
B... ...51
B... ...87
...29
    € 545,00
16 de Março de 2012
    B...

    ...51

B...

    ...87
...79
    € 4 600,00
13 de Julho de 2012
    M...
    N...
    ...17
...43
...61€ 18 000,0019 de Julho de 2012
    B...

    ...51

B...

    ...87
...43
    € 867,00
15 de Novembro de 2012
B... ...51
N... ...43
...31€ 10 000,00
22 de Novembro de 2012
B... ...51
B... ...87
...66€ 40 000,00
29 de Novembro de 2012
B... ...51
N... ...43
...75
    € 8 000,00
11 de Janeiro de 2013
B... ...51
N... ...43
...25
    € 2 175,00
    15 de Maio de 2013
B... ...51
B... ...87
...22
    € 970,00
    15 de Maio de 2013
B... ...51
N... ...43
...50
    € 2 192,00
22 de Julho de 2013
    B...

    ...51

B...

    ...87
...91
    € 2 200,00
    25 de Novembro de

      2013
    B...

    ...51

B...

    ...87
...67
    € 800,00
    11 de Dezembro de

      2013
    B...

    ...51

    N...

...43
...31€ 26 000,00
26 de Dezembro de 2013
B... ...51
B... ...87
...70
    € 310,00
06 de Outubro de 2014
B... ...51
N... ...43
...17€ 10 500,00
28 de Novembro de 2014
B... ...51
B... ...87
...84
    € 1 000,00
22 de Dezembro de 2014
B... ...51
B... ...87
...18
    € 5 613,00
    29 de Abril de 2015
B... ...51
B... ...87
...12
    € 2 250,00
    29 de Abril de 2015
B... ...51
B... ...87
...72
    € 2 163,57
    27 de Agosto de

      2015
    B...

    ...51

B...

    ...87
...51
    € 6 821,11
    03 de Setembro de

      2015
    B...

    ...51

B...

    ...87
97 - Através de transferências bancárias para contas da sua titularidade e através da emissão de cheques que foram depositados em contas bancárias também da sua titularidade, o arguido AA retirou, de forma fraccionada, das contas tituladas pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, o valor global de € 170 182,03.

98 - Durante o mesmo período, o arguido AA efectuou os seguintes depósitos ou transferências, de contas da sua titularidade para a conta do “B...” titulada “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, no valor global de € 59 700,00:

a. no dia 22 de Novembro de 2011, transferiu da conta nº ...87 do “B...” para a conta nº ...51 do B... titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, a quantia de € 2 500,00;

b. no dia 27 de Abril de 2012, transferiu da conta nº ...87 do “B...” para a conta nº ...51 do B... titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, a quantia de € 8 000,00;

c. no dia 20 de Julho de 2012, emitiu o cheque nº ...00, no montante de € 6 500,00, sacado sobre a conta nº ...43 do “N...”, o qual foi depositado na conta nº ...51 do B... titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”;

d. no dia 02 de Novembro de 2012, emitiu o cheque nº ...62, no montante de € 8 100,00, sacado sobre a conta nº ...87 do “B...”, o qual foi depositado na conta nº ...51 do B... titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”;

e. no dia 30 de Novembro de 2012, emitiu o cheque nº ...59, no valor de € 7 000,00, sacado sobre a conta nº ...87 do “B...”, o qual foi depositado na conta nº ...51 do B... titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”;

f. no dia 08 de Maio de 2013, transferiu da conta nº ...43 do “N...”, para a conta nº ...51 do B..., titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, a quantia de € 3 300,00;

g. no dia 08 de Maio de 2013, transferiu da conta nº ...43 do “N...”, para a conta nº ...51 do B..., titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, a quantia de € 4 300,00;

h. no dia 13 de Junho de 2013, emitiu o cheque nº ...53, no valor de € 8 000,00, sacado sobre a conta nº ...43 do “N...”, o qual foi depositado na conta nº ...51 do B... titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”;

i. no dia 25 de Junho de 2013, emitiu o cheque nº ...45, no valor de € 2 000,00, sacado sobre a conta nº ...43 do “N...”, o qual foi depositado na conta nº ...51 do “B...” titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”;

j. no dia 01 de Julho de 2013, emitiu o cheque nº ...47, no valor de € 3 000,00, sacado sobre a conta nº ...87 do “B...”, o qual foi depositado na conta nº ...51 do B... titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”;

k. no dia 09 de Setembro de 2013, transferiu da conta nº ...43 do “N...”, para a conta nº ...51 do B..., titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”, a quantia de € 2 000,00;

l. no dia 27 de Janeiro de 2014, emitiu o cheque nº ...32, no valor de € 5 000,00, sacado sobre a conta nº ...87 do “B...”, o qual foi depositado na conta nº ...51 do B... titulada pela “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de ...”.

99 - O arguido AA emitiu ainda o cheque nº ...26, no montante de € 10 684,00, à ordem de “L...”, debitado no dia 02 de Janeiro de 2013, e bem assim emitiu o cheque nº ...18, no valor de € 2 000,00, debitado a 18 de Janeiro de 2013, ambos sacados sobre a conta nº ...43 do “N...”, por si titulada, os quais se destinaram ao pagamento de viagens a utentes do Centro Comunitário de ....

100 - Entre os dias 07 de Julho de 2011 e 15 de Julho de 2015 foram efectuados depósitos em numerário, no montante global de € 85 590,00 na conta com o nº ...87 do “B...”, e outros no montante global de € 64 260,00 na conta nº ...43 do “N...”, (co)tituladas pelo arguido AA, conforme tabela infra:

07-07-2011 a
31-12-2011
Ano 2012
Ano 2013
Ano 2014
01-01-2015 a
15-07-2015
    Total
conta ...87 “B...”
€ 43 430,00€ 10 580,00
    € 4 240,00
    € 5 900,00
€ 21 440,00€ 85 590,00
conta ...43 “N...”
€ 24 430,00
    € 22 630,00
€ 11 800,00
    € 5 400,00
€ 64 260,00
    Total
€ 43 430,00€ 35 010,00
    € 26 870,00
€ 17 700,00€ 26 840,00
149 850,00

101 - Nos dias 15 de Setembro de 2015 e 22 de Setembro de 2015, o arguido AA efectuou 2 depósitos em numerário, na sua conta nº ...87 do “B...”, no montante, respectivamente, de € 2 000,00 e de € 9 000,00.

102 - No dia 19 de Julho de 2012, o arguido AA o pagamento da viatura da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-EF-.., emitindo o cheque nº ...37, no valor de € 18 000,00, sacado sobre a conta do “B...” com o nº ...87 e tendo como beneficiária a sociedade “4..., Ldª”.

103 - A conta do “B...” com o nº ...87 é uma conta solidária titulada pelo arguido AA e por OO.

104 - A conta do “N...” com o nº ...43 foi aberta no dia 02 de Abril de 2012 e encerrada a 20 de Outubro de 2016, e era titulada pelo arguido AA.

105 - As contas da “C...” nº ...00 e ...00 são tituladas pelo arguido AA e pela sua mãe, LL.

106 - Após retirar as supra descritas quantias das contas tituladas pela paróquia de ... e de efectuar os depósitos e transferências supra referidos nas contas da sua titularidade, o arguido AA constituiu depósitos a prazo em seu nome e efectuou o pagamento de despesas genéricas, em proveito próprio, efectuando pagamentos em hipermercados, de refeições, lojas de vestuário, carregamentos de telemóveis, pagamentos de seguros, portagens, serviços de televisão e internet.

107 - Entre os anos de 2011 e 2017, o arguido AA adquiriu 19 veículos automóveis, que registou em seu nome, a saber:

    Marca
    Modelo
    Matrícula
Data do registo em nome do arguido
Data do registo seguinte
Período de seguro em nome do arguido
...
    ...
    DA...
01-09-2011
    21-02-2012
16-12-2011 a 16-06-2012
    ...
    ...
    ...LM...
31-10-2011
    03-01-2012
16-09-2011 a 21-12-2011
    ...
    ...
    QB...
15-11-2011
    22-05-2012
12-11-2011 a 12-11-2012
...
    ...
    ...EZ...
28-12-2011
    22-11-2012
19-12-2011 a 11-01-2013
    ...
    ...
    ...XI
06-03-2012
    27-02-2013
18-09-2012 a 03-10-2012
...
    ...
    ..-EF-..
13-08-2012
    23-07-2014
20-07-2012 a 23-07-2014
...
    ...
    ...RD
13-08-2012
    24-08-2012
29-06-2012 a 23-04-2013
    ...
    ...
    ...AG...
07-06-2013
    12-11-2013
11-06-2013 a 30-10-2013
    ...
    ...
    ...FT
11-09-2013
    09-06-2014
03-10-2012 a 30-04-2014
...
    ...
    ...NU...
01-11-2013
    04-02-2015
22-10-2013 a 21-10-2014
...
    ...
    ...ZE
19-08-2014
    01-07-2015
18-08-2014 a 18-08-2015
...
    ...
    ...LA...
10-02-2015
    22-06-2015
03-02-2015 a 22-10-2015
...
    ...
    ...PF...
23-07-2015
    14-12-2016
17-06-2015 a 17-06-2016
...
    ...
    ...ED...
01-03-2016
    07-07-2016
29-02-2016 a 28-06-2016
...
    ...
    ..-IL-..
31-03-2016
    06-06-2016
11-03-2016 a 10-03-2017
    ...
...
    ..-RN-..
05-07-2016
    16-03-2017
28-06-2016 a 14-03-2017
    ...
...
    ..-SN-..
22-03-201701-03-2017 a 23-08-2017
...
    ...
    ..-RL-..
16-01-201621-11-2016 a 20-12-2017
...
    ...
    ...AS...
10-07-2017
      10-07-2017
108 - No dia 30 de Maio de 2017, o arguido AA detinha, estacionada junto à sua residência, na rua ..., ..., ..., a viatura de marca ..., modelo ..., matrícula ..-RL-.., sua propriedade.

109 - No mesmo dia 30 de Maio de 2017, OO detinha, estacionado na rua..., ..., o veículo da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-SN-.., propriedade do arguido AA.

110 - Ainda no dia 30 de Maio de 2017, o arguido AA detinha, guardados no interior da sua residência localizada na rua ..., ..., ..., entre outros, os seguintes documentos e valores:

a. 1 papel manuscrito com a inscrição “Janeiro”, com vários valores respeitantes a “ofertas de missas”, “donativos”, “acts paroquiais” e “caixas de ofertas”;

b. vários recibos de donativos relativos à paróquia de ...;

c. 1 recibo emitido pelo Patriarcado de Lisboa, datado de 30 de Junho de 2017, no valor de € 12 000,00;

d. 1 factura da empresa “Car...”, datada de 01 de Março de 2017, respeitante à viatura com a matrícula ..-SN-..;

e. 1 contrato-promessa de compra e venda, respeitante à moradia situada na rua ..., ..., ...;

f. € 120,00 em numerário, numa carteira do arguido;

g. € 1 280,00 em numerário, dentro de uma carteira preta;

h. € 215,00 em numerário, no interior de um envelope branco com o timbre da paróquia;

i. € 1 550,00 em numerário no interior de um envelope pardo;

j. 1 factura com o nº ...93 da empresa “Car...”, no valor de € 5 790,00, como “adiantamento de aquisição de viatura”.

111 - O arguido AA nasceu no seio de uma família originária de uma aldeia do distrito ...; o pai exercia a actividade profissional de ... e a mãe era ...; vieram residir para ..., inicialmente num bairro degradado constituído por barracas, posteriormente num bairro camarário.

Após ter concluído o 12º ano de escolaridade, ingressou no seminário. Após 6 anos foi ordenado padre e obteve o aval do bispo para o exercício de funções sacerdotais, por o arguido AA não ter ainda 25 anos de idade.

Após ter deixado de exercer funções na paróquia de ..., o arguido AA passou a residir na rua ..., ..., ..., numa casa cedida por um amigo que não lhe cobrou renda.

Posteriormente, como o amigo pretendeu vender esse imóvel, o arguido AA passou a residir na rua ..., ..., ..., cujo arrendamento de € 1 250,00 mensais é suportada por um casal amigo.

Tem vindo exercer as funções de padre, designadamente na celebração de missas e de outras cerimónias religiosas, em igrejas e em capelas de ..., de ... e de ....

Leciona as disciplinas de história da Igreja e de formação bíblica a adultos; tem também desenvolvido a actividade de ..., e em Janeiro de 2020 ....

Em condições normais, aufere o rendimento líquido mensal de € 2 000,00.

Não tem antecedentes averbados no seu certificado do registo criminal.”

Objeto, admissibilidade e âmbito do recurso

10. O arguido interpôs recurso da decisão do Tribunal da Relação em matéria penal e em matéria civil.

Por despacho do Senhor Desembargador relator, o recurso não foi admitido na parte penal com fundamento no disposto na al. e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, segundo o qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância

A reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho que não admitiu o recurso nesta parte (supra 6), nos termos do artigo 405.º do CPP, foi indeferida por despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de abril de 2022, no uso de competência delegada pelo provimento do Presidente n.º 27/21, de 28 de outubro de 2021

Nos termos da 1.ª parte do n.º 4 deste preceito, a decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento.

Sendo o caso, não há que apreciar o recurso em matéria penal, ficando o conhecimento do recurso limitado à matéria civil.

11. Assim sendo, o recurso tem por objeto o acórdão proferido pelo tribunal da Relação que, conhecendo do recurso interposto do acórdão condenatório da 1.ª instância que condenou o arguido e demandado no pagamento de € 112 965,50 (bem como a quantia, a liquidar em execução de sentença, relativamente aos paramentos e aos móveis vendidos, acrescida de juros de mora, contados à taxa de 4%, desde a data da notificação do pedido até integral e efectivo pagamento”) à demandante “Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia do ..., ..., modificou a matéria de facto e alterou aquele montante, condenando ao demandado a pagar-lhe a importância de € 116 865,50, ou seja, mais € 3900, mantendo, na parte restante, a decisão recorrida quanto ao pedido de indemnização.

Relembrando o que consta da motivação, alega o recorrente que (a) “o acórdão recorrido agrava a posição do Recorrente relativamente ao pedido cível apresentado pela Assistente Fábrica da Paróquia de ..., pelo que não se encontra constrangido pela existência de qualquer dupla conforme, podendo recorrer de Revista, nos termos do disposto nos artigos 400.º n.º 3 do Código de Processo Penal, 629.º, n.º 1, 631.º, nº 1, 638.º, 639.º, 640.º, 671.º n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil” e que (b) “a aplicação das normas processuais civis no processo penal é extensível também ao disposto no artigo 672.º do CPC, pelo que, caso se entenda não ser admissível o recurso de Revista quanto àquele pedido civil (sem conceder), será sempre de admitir o recurso de Revista Excepcional”.

12. Nos termos do artigo 71.º do CPP (princípio da adesão), “[o] pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”. A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil (artigo 129.º do Código Penal).

Dispõe o artigo 403.º, n.º 1, do CPP que “é admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas”. Estabelecendo o n.º 2 do mesmo preceito que, para efeitos do n.º 1, é autónoma a parte da decisão que se referir a matéria civil [al. b)].

Quanto ao recurso da decisão sobre o pedido de indemnização civil deduzido no processo penal, estabelece o artigo 400.º, n.º 2, do CPP que, “sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º [recurso para a relação] e 432.º [recurso para o Supremo Tribunal de Justiça], o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”. Estabelecendo o n.º 3 do mesmo preceito que[m]esmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”.

Impõe, por conseguinte, este n.º 2 do artigo 400.º, que coincide com o artigo 629.º, n.º 1, do CPC, dois critérios cumulativos de admissibilidade do recurso da sentença relativamente a matéria cível: o recurso é admissível “desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido”o denominado critério da alçada ou do valor – “e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada” – o denominado critério da sucumbência.

A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a ação. A alçada dos tribunais da Relação em matéria cível é de € 30.000 (artigo 44.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto).

Mostra-se preenchido o primeiro critério, pois que o pedido – o pedido de indemnização era de € 165 836,58 – é de valor superior à alçada do tribunal da relação.

O mesmo não sucede, porém, quanto ao critério da sucumbência. A desvantagem que a decisão recorrida implica para o recorrente, de € 3900, não é superior a metade da alçada da relação (€ 15000 euros).

Como se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 10/2015 do Supremo Tribunal de Justiça (Proc. n.º 687/10.6TVLSB.L1.S1-A, DR  1.ª série, n.º 123, de 26.6.2015), em interpretação do artigo 629.º, n.º 1, do CPC (que, referiu-se anteriormente, coincide, na sua previsão, com a do o artigo 400.º, n.º 2, do CPP): “Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1.ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição do recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1.ª instância e no acórdão da Relação”.

Pelo que, nesta conformidade, se deve concluir que não se verificam as condições de admissibilidade do recurso estabelecidas no n.º 2 do artigo 400.º do CPP.

13. O recurso ao processo civil quanto à não verificação da dupla conforme – conformidade de decisões das instâncias –, por aplicação subsidiária ao processo penal, como o recorrente reconhece, resulta do disposto no n.º 3 do artigo 400.º do CPP. Diz o recorrente que “não se encontra constrangido pela existência de qualquer dupla conforme, podendo recorrer de Revista, nos termos do disposto nos artigos 400.º n.º 3 do Código de Processo Penal, 629.º, n.º 1, 631º, nº 1, 638º, 639º, 640º, 671º n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.”

Constitui jurisprudência pacífica a de que o aditamento do n.º 3 ao artigo 400.º do CPP, operado pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, leva a que se devam aplicar subsidiariamente as normas pertinentes do Código de Processo Civil, por força do artigo 4.º do CPP, isto é, quando, nos casos omissos, as disposições do CPP não possam aplicar-se por analogia.

Requisito essencial de aplicação das normas do processo civil, é, pois, que – sublinha-se –, sendo o recurso admissível nos termos do n.º 2 do artigo 400.º, por preenchimento dos critérios do valor (da alçada) e da sucumbência, seja necessário recorrer ao CPC, por se verificar a existência de uma lacuna que deva ser suprida.

14. A dupla conforme impede o recurso de revista. Dispõe o artigo 671.º, n.º 3, do CPC que “[s]em prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível [n.º 1, al. a), do mesmo preceito e 629.º, n.º 2, do CPC], não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

Disse-se a este propósito no acórdão de 27 de maio de 2020, Proc. 45/18.4JAGRD.C1.S1 (ECLI:PT:STJ:2020:45.18.4JAGRD.C1.S1, com abundante citação de jurisprudência), que agora se acompanha:

“Como se consignou no acórdão de 19.12.2018, no Proc. 10179/12.3TDLSB.L2.S1A (em www.dgsi.pt), (…) a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, muito em particular com a introdução do n.º 3 ao artigo 400.º do CPP, constituiu uma alteração profunda do regime de admissibilidade dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões sobre os pedidos de indemnização cível enxertados em processo penal. (…) a admissibilidade de recurso para o STJ, restrito à matéria cível, passou a ser apreciada de acordo com os critérios próprios de recorribilidade do Código de Processo Civil (CPC). (…) Como a recorribilidade da decisão em matéria cível deixou de estar dependente da recorribilidade da decisão relativa à matéria penal, o acesso a este Supremo Tribunal passou a dever obediência ao regime jurídico do recurso de revista previsto no CPC, pois que o legislador processual penal, ao aditar o mencionado n.º 3 ao artigo 400.º do CPP, não definiu normas próprias de admissibilidade do recurso para a parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, o que deve conduzir o julgador, perante esta lacuna, a socorrer-se dos pertinentes normativos do processo civil. Citando Pereira Madeira (comentário ao artigo 400.º em Código de Processo Penal comentado, Henriques Gaspar et alii, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2016, p. 1202): “Por força do disposto no artigo 4.º do CPP, e uma vez que a ação civil se autonomiza dos destinos da causa penal, importa ter em conta que a admissibilidade de recurso não está condicionada apenas pelas circunstâncias do n.º 2 do artigo 400.º. A pretendida igualação com o regime de recursos da ação civil importa, com efeito, que os casos de admissibilidade previstos no artigo 721.º [atual artigo 671.º] do Código de Processo Civil na redação do DL 303/2007, de 24 de Agosto, nomeadamente o de «dupla conforme», previsto no n.º 3, sejam aqui aplicáveis”.

A alteração ao artigo 400.º do CPP (por aditamento do n.º 3) pela Lei n.º 48/2007 (…) foi justificada pela necessidade de garantir a igualdade entre todos os recorrentes em matéria cível, dentro e fora do processo penal (cfr. Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4ª ed., Universidade Católica Editora, 1049). Assim, se, com esta alteração, introduzindo uma quebra ao princípio de adesão, se quis consagrar idênticas possibilidades de recurso quanto à indemnização civil no processo penal e no processo civil, nada se dizendo de diferente no Código de Processo Penal, a norma do artigo 671.º, n.º 3, do novo CPC [dupla conforme], de conteúdo essencialmente idêntico ao da norma do n.º 3 do artigo 721.º do CPC de 1961, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), não pode deixar de se aplicar ao processo penal, sob pena de se criar uma situação de desigualdade, que o legislador manifestamente não quis, consoante o pedido de indemnização for deduzido em processo civil ou em processo penal [cfr. expressamente neste sentido, entre outros, os acórdãos  de 07.09.2016, no Proc. 56/10.0GARMR.E1.S1 (Pires da Graça) e de 11.02.2016, Proc. 4632/09.3TDLSB.L1.S1 (rel. Cons. Nuno Gomes da Silva)].

A norma do n.º 3 do artigo 400.º do CPP surge, porém, como complemento do n.º 2 do mesmo preceito, que estabelece os critérios gerais de recorribilidade. Como se afirma no acórdão de 7.9.2016 (Pires da Graça), Proc. 256/10.0GARMR.E1.S1 “O legislador ao aditar a norma do n.º 3 do art. 400.º do CPP, (…) não exclui os pressupostos processuais de admissibilidade do recurso relativa à indemnização civil, que vêm condicionados por regras processuais de natureza cível, como é o caso do n.º 2 do artigo 400.º do CPP, que faz depender essa admissibilidade de recurso, da interligação entre o valor da alçada e o valor da sucumbência. A dupla conforme do regime processual civil surge como complemento do n.º 2 do artigo 400.º do CPP, como que o reverso em termos cíveis, da al. f) do n.º 1 deste artigo em termos penais”.

15. Ora, no presente caso, embora não se verifique uma situação de dupla conforme, prevista no artigo 671.º, n.º 3 do CPC, uma vez que a condenação agravou a posição do recorrente, esta circunstância não opera autonomamente, independentemente das condições estabelecidas no n.º 2 do artigo 400.º do CPP (correspondente ao n.º 1 do artigo 629.º do CPC).

Pelo que, não se verificando as condições de admissibilidade exigidas por este preceito, o recurso não pode ser admitido com fundamento na inexistência de dupla conforme.

16. O mesmo sucede quanto à convocação do regime do recurso de revista excecional – artigo 672.º, n.º 1, al. a), do CPC, o qual dispõe que “[e]xcecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) [e]steja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

Defende o recorrente, como se viu, que “entendendo-se não ser admissível o “recurso de revista”, “será sempre de admitir o recurso de Revista Excepcional” previsto no artigo 672.º do CPC, por estarem “em causa interesses que assumem uma importância na estrutura e relacionamento social, que se entrecruzam com um grande número de pessoas, designadamente os fiéis/paroquianos, quanto ao seu relacionamento com as instituições religiosas, existindo por isso um interesse que ultrapassa significativamente os limites do caso concreto, assumindo um interesse verdadeiramente comunitário, conforme a cobertura mediática e jornalística o comprovam”.

Sem prejuízo de se dever notar que o recurso interposto não é um recurso de revista excecional, regulado no CPC, mas sim um recurso penal, regulado pelas normas processuais penais, o argumento não procede.

Como se extrai diretamente da letra do preceito, em conjugação com o artigo 671.º, o artigo 672.º visa “atenuar os efeitos da regra geral consagrada no n.º 3 do artigo 671.º da inadmissibilidade de recurso de revista em situações de dupla conforme introduzindo exceções justificadas pela necessidade de tutela interesses de ordem social ou jurídica, neste caso ligados à melhor aplicação do direito ou à segurança e estabilidade na interpretação normativa” (assim, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Almedina, 2020, p. 430).  “A admissão da revista excecional pressupõe, portanto, a existência de dupla conforme; ou, dito de outra forma, a dupla conforme impede o recurso de revista, salvo se for excecionalmente admitida”, sendo necessário que se verifiquem os requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista (Maria dos Prazeres Beleza, Restrições à admissibilidade do recurso de revista e revista excecional, a Revista, Supremo Tribunal de justiça, n.º 1, 2022, pp.27 e 35)

O recurso não deixa, porém, de ser um recurso de revista, dependente da verificação dos mesmos requisitos formais relativos ao valor (alçada) e à sucumbência (n.º 2 do artigo 400.º do CPP).

Pelo que, independentemente da questão de saber se a revista excecional é admissível em recurso de decisão proferida em processo penal que conheça de pedido de indemnização civil, também o recurso não poderia ser admitido com este fundamento.

17. Em conformidade com o que vem de se expor, se impõe concluir pela inadmissibilidade do recurso, por irrecorribilidade da decisão, devendo, em consequência, ser rejeitado o recurso (artigo 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP).


III. Decisão.

18. Pelo exposto, e com estes fundamentos, acordam os juízes da 3.ª Secção Criminal em rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo arguido e demandado AA.

Vai o recorrente condenado na importância de 4 UC, nos termos do n.º 3 do artigo 420.º do CPP.


Supremo Tribunal de Justiça, 13 de julho de 2022.


José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria da Conceição Simão Gomes

Nuno António Gonçalves

(assinado digitalmente)