DIREITO AO RECURSO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
QUESTÃO NOVA
Sumário

I - O direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida.
II - Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu”.

Texto Integral

APELAÇÃO n.º 3092/21.5T8PNF.P1
Secção Social


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. No Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel, AA intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra R..., SA., pedindo: a imediata reintegração no seu posto e local de trabalho; o pagamento da retribuição, já vencida, referente ao mês de setembro e outubro de 2021, no montante de 2.193,54€ (700,00€ + 87,00€ + 199,77€ + 110€) x 2; pagamento das prestações vincendas até final. A título do pedido subsidiário peticiona: a distribuição imediata de serviço para o A. realizar, na qualidade de motorista; pagamento da retribuição do mês de setembro de 2021, no montante de 2.193,54€ (700,00€ + 87,00€ + 199,77€ + 110€) x 2; prestações vincendas até final.
Alegou, em suma, que celebrou com a R um contrato de trabalho, que esta lhe comunicou a dado passo a transmissão do estabelecimento, a que o a se opôs e que a ré acabou por despedir verbalmente o A.
Realizada a audiência de partes, não se logrou obter a resolução do litígio por acordo.
Regularmente citada, a R. contestou, alegando que a transmissão do contrato de trabalho do A se operou para entidade terceira e que, ainda que tal não tivesse sucedido, o contrato de trabalho do A teria caducado.
Tendo o Tribunal a quo entendido que havia acordo das partes quanto aos factos pertinentes para apreciação do mérito da acção, foi convocada audiência prévia na qual foi concedida a oportunidade às partes de produzirem alegações.
I.1 Subsequentemente o tribunal a quo fixou à causa o valor de 2.193,54€ e proferiu sentença, fixando a matéria de facto e aplicando-lhe o direito, concluindo-a com o dispositivo seguinte:
A) Declaro a ilicitude do despedimento do Autor AA;
B) Condeno a Ré “R..., SA.” a reintegrar o Autor AA sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
C) Condeno a Ré “R..., SA.” a pagar ao Autor AA as retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, à razão de:
a. Vencimento – 700,00
b. 6 Diuturnidades – 87,00€
c. Subsídio de Agente Único – calculado nos termos da cláusula 16ª da Convenção Coletiva de Trabalho publicada nos B.T.Es. n.ºs 8 de 29.02.80 e 14 de 15.05.82, e posteriores alterações e Portarias publicadas nos BTE nº 30 e 31 de 15.08.1980 e 22.08.1983.
D) Quantias estas acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal, desde a citação da R em 8/11/2021, sobre todas as prestações e até integral pagamento.
E) Absolve-se a R do que ademais é peticionado.
Custas por A e R na proporção do decaimento.
Notifique e registe.
[..]».
I.2 Inconformada com a sentença, a Ré empregadora apresentou recurso de apelação. As alegações de recurso foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1ª O A. foi admitido ao serviço da R., por contrato individual de trabalho, como motorista de serviço público rodoviário de passageiros, tendo o local de trabalho dentro do concelho de Amarante, executando serviços, ao abrigo de concessões atribuídas à R. pela Câmara Municipal de Amarante.
2ª Por deliberação da Câmara Municipal de Amarante, de 23 de agosto de 2021, foram revogadas todas as concessões de serviço de transporte público rodoviário de passageiros no concelho de Amarante, de que a R. era titular, a partir das 23h59 do dia 31 de Agosto de 2021.
3ª A partir de 1 de setembro de 2021, a exploração dos referidos serviços de transporte público passou a ser assegurado pela empresa R..., Lda, na qualidade de nova concessionária da concessão do transporte público rodoviário de passageiros no concelho de Amarante, por lhe ter sido adjudicada em concurso público, conforme comunicado pela Câmara Municipal de Amarante.
4ª A Câmara Municipal de Amarante havia privado a R. das instalações que lhe estavam atribuídas no terminal rodoviário de Amarante, que passaram a ser utilizadas pela nova concessionária, R..., Lda.
5ª A R. comunicou ao A. e à ACT a transmissão do contrato de trabalho para a nova concessionária nos termos previstos no artigo 285º do Código de Trabalho e da Lei nº 18/2021, tendo a ACT reconhecido a transmissão do contrato de trabalho para a nova concessionária.
6ª O A. reconheceu o efeito de transmissão, tendo requerido a providência cautelar nº 2333/21.3T8PNF para ser integrado nos quadros da nova concessionária R..., Lda, que estava legalmente obrigada à transmissão operada ope legis (não por efeito da vontade da A., mas por ato de adjudicação em concurso pela autoridade pública concedente), e a respeitar os direitos adquiridos do A., pelo que a eventual oposição do A. constitui venire contra factum proprium.
7ª A transmissão da exploração de todas as concessões do serviço de transporte público rodoviário de passageiros no concelho de Amarante para a nova concessionária R..., Lda, por força do concurso público, implica a transmissão dos contratos dos trabalhadores afetos àqueles serviços, por força dos artigos 285º, nº 10, do Código de Trabalho e da Lei nº 18/2021.
8ª O sentido da Lei nº 18/2021 foi de garantir aos trabalhadores dos transportes a transmissão para os novos concessionários, por força de concurso público, indicando claramente que tal transmissão ocorre por efeito da “adjudicação”, que se há-de entender por “inicio da exploração da concessão”.
9ª Tratando-se de concessão de serviço público, os direitos dos trabalhadores estarão sempre salvaguardados, porquanto as regras da contratação pública impõem aos concessionários o cumprimento das obrigações laborais, podendo a concessão ser revertida para o concedente ou objeto de nova concessão, sempre assegurando a transmissão dos contratos de trabalho afetos à concessão.
10ª A Lei nº 18/2021 visou especificamente garantir a transmissão dos contratos de trabalho dos motoristas afetos ao serviço de carreiras para as novas concessionárias de serviço público.
11ª De outro modo, sempre se teria de entender ter ocorrido a caducidade do contrato de trabalho, por terem sido extintos os serviços efetuados pelo A., por revogação das concessões de que a A. era titular, não havendo outro serviço que lhe possa ser atribuído.
12ª A douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 285º, nº 10, do Código de Trabalho e no artigo 3º da Lei nº 18/2021.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida.
I.3 O recorrido não apresentou contra-alegações.
I.4 O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se pela improcedência do recurso, na consideração, no essencial, do seguine:
«[..]
o recorrido ao ter exercido o seu direito de oposição fê-lo de modo a reagir a possível ulterior resolução do seu contrato de trabalho com justa causa, na sequência da transmissão da concessão poder resultar num prejuízo sério para si, por sua incerteza em relação à futura estratégia organizativa que a nova empresa concessionária pudesse vir a desenvolver; a quem cabe assumir os custos ligados à prestação dos serviços, nos quais se incluem, designadamente, os custos com o pessoal.
Do exposto, temos quer foi correctamente aplicado o regime previsto nos artºs. 285º. e 286º.-A, do Código do Trabalho, para concluir pela reintegração do trabalhador recorrido, com manutenção dos inerentes direitos que lhe assistem.
Como, sem reparo, foi julgada improcedente a excepção de caducidade.
[..]».
I.5 Respondeu a recorrente, referindo, no essencial, o seguinte:
- “tendo [..] cessado a exploração do serviço a que o trabalhador estava afeto (cuja exploração transitou para a nova concessionária do serviço), se não houver transmissão do contrato de trabalho, haverá extinção do posto de trabalho, exatamente o que a lei pretende evitar.
Assim, atentos os pressupostos enunciados no douto parecer do MP, a conclusão deveria ser exatamente a contrária, promovendo-se a procedência da apelação, assim se protegendo os direitos do trabalhador ao posto de trabalho agora afeto à nova concessionária (e não à recorrente).
I.6 Foram cumpridos os vistos legais, remetido o projecto aos excelentíssimos adjuntos e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos ao ter concluído pela ilicitude do despedimento do Autor, com condenação da recorrente nos consequentes efeitos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo considerou provados, mercê do acordo das partes em sede de articulados, os factos seguintes:
a) Por contrato de trabalho celebrado em 13 de setembro de 2000, o A. foi admitido ao serviço da Ré, para sob as ordens, direção e fiscalização dos seus legais representantes exercer as funções de motorista na condução de veículos pesados de transporte de passageiros.
b) A Ré dedica-se à atividade dos Transportes Públicos de Passageiros e encontra-se inscrita na ANTROP – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários de Passageiros.
c) Por seu turno o A. encontra-se inscrito no STRUN – Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte.
d) Ao serviço da Ré auferiu ultimamente o A. a seguinte retribuição mensal:
• Vencimento – 700,00
• 6 Diuturnidades – 87,00€
• Subsídio de Agente Único – calculado nos termos da cláusula 16ª da Convenção Coletiva de Trabalho publicada nos B.T.Es. n.ºs 8 de 29.02.80 e 14 de 15.05.82, e posteriores alterações e Portarias publicadas nos BTE nº 30 e 31 de 15.08.1980 e 22.08.1983.
• Subsídio de Refeição – 110,00€.
e) O horário de trabalho do A. é um horário livre, de 40 horas semanais, 8 horas diárias distribuídas de segunda-feira a sexta-feira, com descanso semanal ao domingo e descanso complementar ao sábado.
f) O local de trabalho é em ....
g) Através de carta datada de 25.08.2021 a Ré comunicou ao A., invocando o disposto no art. 286º do Código do Trabalho, que o A. a partir de 31.08.2021 deveria considerar-se desvinculado da Ré, passando o seu contrato de trabalho a vigorar com a R..., Lda.
i) A Ré, informava que todas as autorizações para a exploração do serviço público de transporte regular de passageiros no Município de Amarante tinham sido revogadas e transmitidas para outra empresa, denominada, Sociedade R..., Lda.
j) A R executava serviços dentro do concelho de Amarante, ao abrigo de concessões que lhe haviam sido atribuídas pela Câmara Municipal de Amarante.
k) Por deliberação da Câmara Municipal de Amarante, de 23 de agosto de 2021, foram revogadas todas as concessões de serviço de transporte público rodoviário de passageiros no concelho de Amarante, de que a R. era titular.
l) Tal revogação tornou-se efetiva às 23h59 do dia 31 de Agosto de 2021.
m) A exploração dos referidos serviços de transporte público passou a ser assegurado pela empresa R..., Lda, na qualidade de nova concessionária da concessão do transporte público rodoviário de passageiros no concelho de Amarante, por lhe ter sido adjudicada em concurso público.
n) A Câmara Municipal de Amarante havia privado a R. das instalações que lhe estavam atribuídas no terminal rodoviário de Amarante, que passaram a ser utilizadas pela nova concessionária, R..., Lda.
o) A R. comunicou ao A. e à ACT a transmissão do contrato de trabalho para a nova concessionária.
p) À comunicação referida em g) veio o A., juntamente com mais colegas de trabalho, responder alegando que se opunha por a empresa R... lhe ter transmitido que não iria respeitar os seus direitos, nomeadamente a antiguidade na empresa, recusando-se a pagar diuturnidades, mais alegando que a política de organização do trabalho da R... não lhes merecia confiança e tinham fundadas dúvidas quanto à solvabilidade da empresa.
q) O sindicado STRUN onde o A. está filiado, dirigiu também uma comunicação à Ré em 03.09.2021 dando-lhe conta da oposição do A à transmissão do estabelecimento.
r) E, por comunicação datada de 14.09.20221 o STRUN enviou novamente comunicação à Ré a reiterar todo o conteúdo da anterior comunicação referindo, que os trabalhadores, seus associados, incluindo o A. não aceitam ser “transferidos” para a empresa R..., Lda., pretendendo, antes, continuar ao serviço da Ré.
s) Por comunicação datada desse mesmo dia (14.09.2021), o A. comunicou à Ré a sua inteira concordância com o teor da comunicação do S.T.R.U.N. e reiterando que a RÉ lhe deveria distribuir os serviços que durante muitos anos tinha desempenhado, mantendo-se disponível para trabalhar.
t) A Ré respondeu em 28 de setembro de 2021 ao A. mantendo que o contrato de trabalho do A foi transmitido para a R....
u) A R deixou de dar trabalho ao A. e de lhe pagar a retribuição.
ii) Factos Não Provados
Inexistem.

II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A recorrente discorda da sentença, por alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, por ter concluído pela ilicitude do despedimento do Autor, em consequência condenando-a nos consequentes efeitos legais, conforme referido no relatório, defendendo que foi feita “[..] errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 285º, nº 10, do Código de Trabalho e no artigo 3º da Lei nº 18/2021”.
Na parte da fundamentação da sentença que aqui releva, consta, no essencial, o seguinte:
-«[..]
Importa de seguida aferir se ocorreu transmissão do contrato de trabalho do A para a R....
Prevê o art. 285º do Cód. do Trabalho, na redacção introduzida pela - Lei n.º 18/2021, de 08/04, que tem por epígrafe “efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento”:
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3 - Com a transmissão constante dos n.os 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
[..]
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
[..]
8 - O transmitente deve informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral:
a) Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;
b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituam, nos termos do n.º 5.
9 - O disposto no número anterior aplica-se no caso de média ou grande empresa e, a pedido do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no caso de micro ou pequena empresa.
10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.
[..]»
Por seu turno, resulta do artigo 286.º CT, que tem por epígrafe “Informação e consulta dos trabalhadores e de representantes dos trabalhadores”:
1 - O transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre a data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes, bem como sobre o conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações se a informação for prestada aos trabalhadores.
2 - O transmitente deve, ainda, se o mesmo não resultar do disposto no número anterior, prestar aos trabalhadores abrangidos pela transmissão a informação referida no número anterior, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações.
3 - A informação referida nos números anteriores deve ser prestada por escrito, antes da transmissão, em tempo útil, pelo menos 10 dias úteis antes da consulta referida no número seguinte.
4 - O transmitente e o adquirente devem consultar os representantes dos respectivos trabalhadores, antes da transmissão, com vista à obtenção de um acordo sobre as medidas que pretendam aplicar aos trabalhadores na sequência da transmissão, sem prejuízo das disposições legais e convencionais aplicáveis a tais medidas.
[..]
8 - Para efeitos dos números anteriores, consideram-se representantes dos trabalhadores as comissões de trabalhadores, as associações sindicais, as comissões intersindicais, as comissões sindicais, os delegados sindicais existentes nas respetivas empresas ou a comissão representativa, pela indicada ordem de precedência.
9 - O transmitente deve informar imediatamente os trabalhadores abrangidos pela transmissão do conteúdo do acordo ou do termo da consulta a que se refere o n.º 4, caso não tenha havido intervenção da comissão representativa.
[..].
No caso dos autos é inequívoco e pacífico, pois que as partes o não discutem, que se verificariam todos os pressupostos de direito substantivo para que se operasse a transmissão, sendo certo que seria até aplicável o disposto no n.º 10 do art.º 285º CT atrás citado, na medida em que ocorreu adjudicação de contratação de serviços que se concretizou por concurso público, no setor público, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de transportes.
Porém, certo é que está comprovado que não foram cumpridos os procedimentos e prazos a que alude o art.º 286º CT, pelo que se verifica invalidade procedimental, não tendo sido cumpridos os deveres de informação a que a R e a transmissária estavam adstritas.
Para além disso, ficou provado que o A deduziu oposição à transmissão, e que o fez alegando que a empresa R... – transmissária - lhe transmitiu que não iria respeitar os seus direitos, nomeadamente a antiguidade na empresa, recusando-se a pagar diuturnidades, mais alegando que a política de organização do trabalho da R... não lhe merecia confiança e tinha fundadas dúvidas quanto à solvabilidade da empresa.
Olhemos o disposto no artigo 286.º-A CT, que consagra o direito de oposição do trabalhador:
1 - O trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão, cessão ou reversão de empresa ou estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, nos termos dos n.os 1, 2 ou 10 do artigo 285.º, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança.
2 - A oposição do trabalhador prevista no número anterior obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos dos n.os 1, 2 ou 10 do artigo 285.º, mantendo-se o vínculo ao transmitente.
3 - O trabalhador que exerça o direito de oposição deve informar o respetivo empregador, por escrito, no prazo de cinco dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do artigo 286.º, mencionando a sua identificação, a atividade contratada e o fundamento da oposição, de acordo com o n.º 1.
[..].
Resulta, assim, do artigo 286º-A do Código do Trabalho nº 1 que o trabalhador pode opor-se à transmissão do seu contrato de trabalho numa de duas situações: ou porque a transmissão lhe pode causar prejuízo sério; ou porque a política de organização do trabalho do adquirente não lhe merece confiança.
Nos termos do nº 3 do mesmo artigo, o direito de oposição deve ser exercido através de comunicação escrita dirigida ao empregador, mencionando a sua identificação, a atividade contratada e o fundamento da oposição.
O direito de oposição e o modo do seu exercício está, portanto, expressamente consagrado, podendo fundamentar-se em duas ordens de motivos – citando o acórdão TRP, proferido no Proc 2203/20.2T8VFR.P1, relator António Luís Carvalhão, de 20-09-2021, disponível em www.dgsi.pt:
- o primeiro, fundado no prejuízo sério para o trabalhador, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente (embora não seja de exigir um prejuízo sério efetivo, mas um mero juízo de prognose sobre um prejuízo sério no futuro);
- o segundo, fundado na falta de confiança do trabalhador quanto à política de organização do trabalho do adquirente.
Com efeito, o que o legislador visa proteger nesta norma é o trabalhador, respeitando a liberdade contratual, envolvendo a liberdade de escolha do parceiro da relação negocial, diminuindo a desigualdade originária das partes.
Quanto ao prejuízo sério, deve ser entendido como o dano relevante para a vida do trabalhador, que altere substancialmente as suas condições económicas familiares, ou mesmo na sua esfera jurídica, e não aquele se traduza em simples transtornos ou simples incómodos, devendo a análise ser feita caso a caso.
Quanto à falta de confiança na política de organização do trabalho do adquirente, ainda que envolva um juízo de prognose do trabalhador, de conteúdo subjetivo e indeterminado, essa não confiabilidade poderá ser de alguma forma sindicada pela análise dos factos invocados, dos quais possa resultar essa desconfiança à luz de um critério objetivo e razoável, tendo em conta a perspetiva de um trabalhador médio, possuidor dos conhecimentos e na concreta situação do trabalhador em causa.
Como refere Júlio Manuel Vieira Gomes [e] também a desconfiança na política de organização de trabalho se exprime, de algum modo, no receio de um prejuízo futuro. Acresce que, como atrás já dissemos, nos parece que a desconfiança há de ter que se fundar em alguns indícios concretos, sob pena de não vermos qualquer utilidade em a lei exigir a indicação desse “fundamento”.
Também no Ac TRG proferido no Proc 3951 18.2T8FAR.E1, relator Mário Branco Coelho, de 27-05-2021, publicado no mesmo local, se pode ler: no Acórdão da Relação de Guimarães de 07.05.2020, defendeu-se que (…) o trabalhador deveria demonstrar os factos concretos aptos a demonstrar a falta de confiabilidade da política de organização de trabalho da adquirente, devendo este fundamento ser apreciado “não de um ponto de vista subjectivo, mas de um ponto de vista objectivo, com base em factos concretos que a demonstrem, tendo em conta a perspectiva de um trabalhador médio, possuidor dos conhecimentos e na concreta situação do trabalhador em causa.
Na doutrina, porém, têm sido manifestadas posições que apontam para a livre disponibilidade deste fundamento de resolução do contrato de trabalho.
Maria do Rosário Palma Ramalho nota que está em causa “uma alegação absolutamente subjectiva, de conteúdo indeterminado, e que, de novo, implica um juízo de prognose do trabalhador, uma vez que antes de integrar a nova empresa ele não pode, verdadeiramente, conhecer a respectiva política de organização do trabalho. Assim, crê-se que, na prática, este requisito tem o efeito de tornar irrestrito o direito de oposição. Contudo, como o trabalhador tem que fundamentar a sua oposição (art. 286.º-A n.º 3, parte final), não se vê que fundamento poderá apresentar neste caso.
Por seu turno, João Leal Amado escreve que o fundamento da “ausência de confiança, trata-se de um sentimento, de uma crença, de algo emocional e do foro puramente interno do trabalhador, algo insusceptível, enquanto tal, de ser demonstrado ou desmentido em tribunal, de ser comprovado pelo trabalhador ou de ser contestado pelo empregador.”
Júlio Gomes interroga-se, porém, sobre se a alegação de falta de confiança não deverá assentar em alguns indícios concretos, embora admita graves dificuldades na aferição deste requisito, pois não apenas está em causa um exercício de prognose, ou seja, uma conjectura acerca do que poderá acontecer, como o trabalhador pode estar colocado perante uma situação de absoluto desconhecimento dos factos essenciais relativos à política de organização do trabalho do adquirente, e ser precisamente esse desconhecimento o fundamento íntimo da sua desconfiança. Citemos a seguinte passagem do seu escrito, a propósito dos dois fundamentos previstos no art. 286.º-A n.º 1:
«O primeiro consiste no temor de um prejuízo sério – este ainda não se verificou, mas pode vir a ocorrer por causa da transmissão da posição de empregador. Exige-se aqui um exercício de prognose, referindo a lei alguns exemplos (“nomeadamente”) de situações em que essa prognose parece justificar-se. Trata-se, em todo o caso, nos exemplos propostos, de situações objectivamente graves como sejam a “manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente”. Como se trata apenas de exemplos, parece-nos haver espaço para outras situações em que também se pode formular um juízo de prognose de prejuízo sério, como sucederá, por exemplo, com uma mudança significativa de local de trabalho. Mas esta exigência contrasta fortemente com a parte final do mesmo n.º 1: o trabalhador pode, no fim de contas, opor-se à transmissão da posição de empregador simplesmente por “a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança”. Este último fundamento já foi classificado de subjectivo e insindicável. Com efeito, se for suficiente dizer “não confio na política de organização de trabalho” do transmissário, não se vê como é que se trata aqui de um genuíno fundamento. Dito por outras palavras de que é que adianta o trabalhador ter que referir um fundamento no escrito em que exerce o seu direito de oposição, se o fundamento em causa é totalmente incontrolável e arbitrário? No limite poderá o trabalhador “desconfiar” do que ignora por completo? Se o transmissário é, por hipótese, uma sociedade que só agora se constituiu poderá o trabalhador alegar que desconfia de uma política de organização do trabalho que ainda nem sequer existe? Perguntamo-nos, por isso, se a falta de confiança não terá que assentar em alguns indícios concretos que devam ser referidos, mencionados, tanto no caso de oposição, como no caso de resolução. Reconhecemos, no entanto, que se trata de uma questão muito delicada, tanto mais que a informação a que o trabalhador abrangido pela transmissão da unidade económica tem direito – e que lhe deve ser fornecida directamente pelo seu próprio empregador, o transmitente – não abrange, de acordo com a letra da lei, elementos sobre a política de organização de trabalho do transmissário, mas apenas sobre as medidas (que podem ser, obviamente, medidas de gestão de recursos humanos) por este planeadas
No caso dos autos o A invocou na sua oposição que a empresa transmissária, R..., lhe tinha transmitido que não iria respeitar os seus direitos, nomeadamente a antiguidade na empresa, recusando-se a pagar diuturnidades, mais alegando que a política de organização do trabalho da R... não lhe merecia confiança e tinha fundadas dúvidas quanto à solvabilidade da empresa.
Como se vê, o A alegou factos concretos dos quais decorriam as suas desconfianças quanto à politica de organização do trabalho da transmissária, isto apesar de não ter sido cumprido, quanto a si, integralmente o dever de informação a que tinha direito.
Julgamos, assim, que o A tinha um fundamento válido para a oposição, pois que a transmissária não reconhecia a sua antiguidade e anunciou não lhe pagar diuturnidades, que no caso já ascendiam a 6 e sendo a antiguidade do A não despicienda, pois que reportada a 13 de setembro de 2000.
Acrescia o facto de se tratar de empresa com quem o A não contratara e que declara não assumir o pagamento de um crédito salarial, sendo certo que a Ré não rebateu na sua carta de resposta estas questão que tinha sido concretamente suscitada pelo Autor.
O nº 2 do artigo 286º-A do CT, que dispõe que “A oposição do trabalhador prevista no número anterior obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 285.º, mantendo-se o vínculo ao transmitente”.
A oposição do trabalhador implica, assim, a manutenção do contrato com o transmitente.
Porém, esta norma deve ser interpretada em conjugação com as normas referentes à cessação do contrato de trabalho, nomeadamente nos casos em que seja absolutamente impossível para o transmitente continuar a receber a prestação de trabalho.
Ora, a R invoca a excepção de caducidade do contrato de trabalho do A, alegando que foram extintos os serviços efetuados pelo A., por revogação das concessões de que a R. era titular.
Como se vê, tal alegação não é bastante para fundar a procedência de excepção de caducidade.
Na verdade, o artigo 286º-A nº 2 do CT estabelece que a oposição do trabalhador obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, mantendo-se o vínculo ao transmitente. Esta redação levaria a crer que existiria sempre a possibilidade de o trabalhador manter o vínculo com o transmitente. No entanto, tal não se verifica em todas as situações: a transmissão poderá reportar-se à totalidade da empresa, a transmissão poderá ser parcial, mas o transmitente deixa de dispor de um posto de trabalho compatível e disponível, o transmitente poderá extinguir-se na sequência da transmissão, poderá ocorrer uma cisão, uma fusão (por incorporação ou por constituição de uma nova sociedade).
Segundo Júlio Gomes, “Algumas reflexões…”, Ob. Cit., p. 98, nestes casos, deverá atribuir-se uma nova interpretação ao artigo 346º nº 1 do CT, à semelhança do que se verifica no ordenamento jurídico alemão. Assim, tendo o trabalhador optado por manter a sua relação contratual com o transmitente, a relação contratual extingue-se por extinção do empregador. Neste caso, segundo o mesmo autor, o trabalhador terá direito à mesma compensação que receberia se, não tendo ocorrido transmissão da unidade económica, o empregador se extinguisse e fosse encerrada a unidade económica.
Nestas situações, David Falcão e Sérgio Tenreiro Tomás entendem que deve operar a caducidade, tendo o trabalhador direito a uma compensação calculada nos termos do artigo 366º do CT, embora reconheçam que “esta solução está no plano do direito a constituir.”
Por outro lado, situações existem em que o transmitente não ficará totalmente impedido de receber o trabalho, apesar da transmissão, caso em que o transmitente deverá, primeiramente, atribuir-lhe um novo posto de trabalho. Nesses casos e, como sublinha Telma Patrícia Fernandes Garcia, no seu “O direito de oposição dos trabalhadores na transmissão da unidade económica”, ISCTE, 2018, pág 77, publicado em https://repositorio.iscte-l.pt/bitstream/10071/18791/4/master_telma_fernandes_garcia.pdf o transmitente poderá promover o despedimento por extinção do posto de trabalho ou o despedimento coletivo (se cumpridos os demais requisitos). Nestes casos, a iniciativa da cessação do contrato terá que advir do próprio transmitente que não consegue atribuir um posto de trabalho ao trabalhador, pelo que não se deve admitir a cessação do contrato de trabalho por caducidade.
No caso dos autos, a R não alegou qualquer circunstância que a impedisse de receber a prestação de trabalho do A, pelo que terá de ser julgada improcedente a excepção de caducidade.
Concluímos, assim, que a oposição do trabalhador ora A obstou à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 285.º, mantendo-se o vínculo ao transmitente, ora R.».
II.2.1 Nos termos do artigo 639.º do CPC, estando em causa um alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, cabe ao recorrente proceder à indicação dos fundamentos que evidenciem esse erro na apreciação jurídica da causa e que justificam o pedido de alteração ou anulação da decisão, fazendo constar das conclusões, nomeadamente, o seguinte. i) a norma violada, o que pressupõe também a indicação das razões jurídicas para essa afirmação; ii) concretizando o sentido com que, no seu entender, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão recorrida; iii) invocando-se erro na determinação da norma aplicável, indicando-se qual a norma que deveria ter sido aplicada.
Como elucida Abrantes Geraldes, cabe ao recorrente apresentar nas conclusões os fundamentos que justifiquem a alteração ou anulação da decisão recorrida, “traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido (..)” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013 p. 118].
As conclusões não só exercem a função de delimitação do objecto do recurso (art.º 653.º 3/CPC), mencionando concretamente as questões suscitadas contra a decisão recorrida, como também devem conter a condensação dos fundamentos que as sustentam e sobre os quais se deve debruçar o Tribunal ad quem, apreciando a sua razoabilidade, relevância e pertinência para decidir sobre a solução pretendida pelo recorrente.
Não é forçoso que esses fundamentos constem pormenorizadamente nas conclusões, mas já devem constar suficientemente desenvolvidos nas alegações, pelo menos de modo a permitir que se perceba qual o raciocínio jurídico do recorrente.
O direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida. Em poucas palavras, o recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua discordância, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que este tribunal se debruce sobre elas e decida se procedem ou não.
Por outro lado, assentando a decisão recorrida numa pluralidade de fundamentos, a menos que o eventual erro na construção do juízo que alicerçou um deles seja prejudicial em relação aos demais, impõe-se ao recorrente que impugne, nos termos enunciados, todos aqueles que sejam bastantes para alicerçar a decisão.
Servem as considerações que antecedem para que melhor se perceba a afirmação que, desde já, se passa a deixar, ou seja, no caso concreto, percorrendo as conclusões verifica-se que não se encontram colocadas verdadeiras questões de direito para evidenciar o alegado erro de julgamento, nomeadamente, para pôr em causa todos os fundamentos que estão na base da decisão recorrida. Na verdade, confrontando as alegações de recurso com a contestação, constata-se que a recorrente praticamente reproduz aqui o ali alegado, nada acrescentando de relevante, muito menos com o propósito de evidenciar, com razões jurídicas devidamente sustentadas, o alegado erro de direito que se limita a afirmar na conclusão 12.ª, ou seja, que a “sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 285º, nº 10, do Código de Trabalho e no artigo 3º da Lei nº 18/2021”.
Passamos a justificar esta asserção.
Da fundamentação da sentença que, importa assinalar, é clara, criteriosa e aprofundada na enunciação do direito aplicável, retira-se que o Tribunal a quo, começando por afirmar que «No caso dos autos é inequívoco e pacífico, pois que as partes o não discutem, que se verificariam todos os pressupostos de direito substantivo para que se operasse a transmissão, sendo certo que seria até aplicável o disposto no n.º 10 do art.º 285º CT atrás citado, na medida em que ocorreu adjudicação de contratação de serviços que se concretizou por concurso público, no setor público, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de transportes.», veio depois, após a interpretação e aplicação do direito aos factos, a concluir pela ilicitude do despedimento na consideração de dois fundamentos distintos, resultando inequívoco a afirmação de que cada um deles é bastante para conduzir à decisão final. Passamos a justificar esta asserção.
O primeiro deles, assenta na consideração de não estar “[..] comprovado que não foram cumpridos os procedimentos e prazos a que alude o art.º 286º CT, pelo que se verifica invalidade procedimental, não tendo sido cumpridos os deveres de informação a que a R e a transmissária estavam adstritas
Mas como decorre da sentença, “Para além disso”, como segundo fundamento, por ter ficado “[..] provado que o A deduziu oposição à transmissão, e que o fez alegando que a empresa R... – transmissária - lhe transmitiu que não iria respeitar os seus direitos, nomeadamente a antiguidade na empresa, recusando-se a pagar diuturnidades, mais alegando que a política de organização do trabalho da R... não lhe merecia confiança e tinha fundadas dúvidas quanto à solvabilidade da empresa”, vindo o Tribunal a quo a concluir, após se debruçar sobre a determinação do sentido e alcance do art.º 286.º A n.º1, do CT, como segue:
No caso dos autos o A invocou na sua oposição que a empresa transmissária, R..., lhe tinha transmitido que não iria respeitar os seus direitos, nomeadamente a antiguidade na empresa, recusando-se a pagar diuturnidades, mais alegando que a política de organização do trabalho da R... não lhe merecia confiança e tinha fundadas dúvidas quanto à solvabilidade da empresa.
Como se vê, o A alegou factos concretos dos quais decorriam as suas desconfianças quanto à politica de organização do trabalho da transmissária, isto apesar de não ter sido cumprido, quanto a si, integralmente o dever de informação a que tinha direito.
Julgamos, assim, que o A tinha um fundamento válido para a oposição, pois que a transmissária não reconhecia a sua antiguidade e anunciou não lhe pagar diuturnidades, que no caso já ascendiam a 6 e sendo a antiguidade do A não despicienda, pois que reportada a 13 de setembro de 2000.
Acrescia o facto de se tratar de empresa com quem o A não contratara e que declara não assumir o pagamento de um crédito salarial, sendo certo que a Ré não rebateu na sua carta de resposta estas questão que tinha sido concretamente suscitada pelo Autor.
O nº 2 do artigo 286º-A do CT, que dispõe que “A oposição do trabalhador prevista no número 6ª O A. reconheceu o efeito de transmissão, tendo requerido a providência cautelar nº 2333/21.3T8PNF para ser integrado nos quadros da nova concessionária R..., Lda, que estava legalmente obrigada à transmissão operada ope legis (não por efeito da vontade da A., mas por ato de adjudicação em concurso pela autoridade pública concedente), e a respeitar os direitos adquiridos do A., pelo que a eventual oposição do A. constitui venire contra factum proprium.anterior obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 285.º, mantendo-se o vínculo ao transmitente”.
A oposição do trabalhador implica, assim, a manutenção do contrato com o transmitente».
Em seguida, o tribunal a quo enfrentou ainda a questão suscitada pela Ré, ou seja, a “excepção de caducidade do contrato de trabalho alegando que foram extintos os serviços efetuados pelo A., por revogação das concessões de que a R. era titular”, vindo a concluir, com base nas razões que deixou na fundamentação acima transcritas, sustentando-se na doutrina enunciada, o seguinte:
-«No caso dos autos, a R não alegou qualquer circunstância que a impedisse de receber a prestação de trabalho do A, pelo que terá de ser julgada improcedente a excepção de caducidade.
Concluímos, assim, que a oposição do trabalhador ora A obstou à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 285.º, mantendo-se o vínculo ao transmitente, ora R. ».
Pois bem, percorrendo as conclusões de recurso, bem assim as alegações, nada se encontra que tenha como objectivo pôr em causa o primeiro fundamento referido pelo Tribunal a quo, em concreto, “que não foram cumpridos os procedimentos e prazos a que alude o art.º 286º CT, pelo que se verifica invalidade procedimental, não tendo sido cumpridos os deveres de informação a que a R e a transmissária estavam adstritas”. A recorrente, limita-se a afirmar conclusivamente [conclusão 5.ª] que “comunicou ao A. e à ACT a transmissão do contrato de trabalho para a nova concessionária nos termos previstos no artigo 285º do Código de Trabalho e da Lei nº 18/2021, tendo a ACT reconhecido a transmissão do contrato de trabalho para a nova concessionária”.
Significa isso, desde logo, que nessa parte a sentença não foi impugnada e, logo, transitou em julgado, o que só por si é suficiente para determinar a improcedência do recurso. Com efeito, repete-se, resulta inequivocamente da sentença da sentença ter o tribunal a quo entendido que cada um dos distintos fundamentos em que se alicerça a sentença é bastante para conduzir à decisão final.
Ora, conforme decorre do art.º 628.º do CPC, o trânsito em julgado ocorre quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal. E, como observa o Acórdão desta Relação de 03-06-2019 [Proc.º 2388/17.5T8VLG.P1, Desembargador Domingos Morais, disponível em www.dgsi.pt] I - A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior, cujo objecto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. II - Embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.[..]».
Prosseguindo pelas conclusões, em seguida refere a recorrente [conclusão 6.ª] que “O A. reconheceu o efeito de transmissão, tendo requerido a providência cautelar nº 2333/21.3T8PNF para ser integrado nos quadros da nova concessionária R..., Lda, que estava legalmente obrigada à transmissão operada ope legis (não por efeito da vontade da A., mas por ato de adjudicação em concurso pela autoridade pública concedente), e a respeitar os direitos adquiridos do A., pelo que a eventual oposição do A. constitui venire contra factum proprium”.
Buscando na contestação, alegou ai a recorrente o seguinte:
13. E o A também assim reconheceu [a transmissão do contrato de trabalho para a nova concessionária] de modo que requereu a providência cautelar n.º 2333/21.3T9PNF para ser integrado nos quadors da nova concessionária R..., Lda.
14. Em momento posterior, o A. mudou de ideias e não teria aceitado integrar o quadro de pessoal daa ova concessionária R..., por esta se recusar a pagar diuturnidades e a reconhecer a antiguidade».
Constata-se, pois, que a recorrente fez aquela simples alegação, que de resto não demonstrou nem se propôs demonstrar, mas sem que dela procurasse retirar qualquer efeito jurídico, mormente, como agora vem dizer, “ que a eventual oposição do A. constitui venire contra factum proprium”.
Trata-se, pois, da introdução de uma questão de direito que não foi submetida à apreciação da 1.ª instância, o que vale por dizer que estamos perante uma questão nova, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, in fine, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].
Continuando a percorrer as conclusões, verifica-se que em parte alguma se encontra qualquer alegação, muito menos argumento jurídico – assim acontecendo também nas alegações – para pôr em causa o segundo fundamento que sustenta a decisão recorrida, ou seja, que a oposição do autor à transmissão operou efeitos, dado estar suportada em fundamentos válidos, “implica[cando], assim, a manutenção do contrato com o transmitente».
Com efeito, a recorrente limita-se a afirmar que a transmissão operou, tendo a sentença feito “errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 285º, nº 10, do Código de Trabalho e no artigo 3º da Lei nº 18/2021”, pois que “De outro modo, sempre se teria de entender ter ocorrido a caducidade do contrato de trabalho, por terem sido extintos os serviços efetuados pelo A., por revogação das concessões de que a A. era titular, não havendo outro serviço que lhe possa ser atribuído” [conclusões 7 e sgts].
Ora, a invocação da caducidade do contrato de trabalho consta da contestação, referindo ai a recorrente, o seguinte:
«19. De outro modo, sempre se teria que entender ter ocorrido a caducidade do contrato de trabalho por terem sido extintos os serviços efetuados pelo A., por revogação das concessões de que a A. era titular”.
Como bem se vê, a recorrente replicou literalmente o alegado na contestação, com a diferença que agora acrescentou, diga-se, sub-repticiamente, a expressão “não havendo outro serviço que lhe possa ser atribuído”.
Porventura pretenderá contraditar a conclusão do Tribunal a quo, que concluiu, recorda-se, «No caso dos autos, a R não alegou qualquer circunstância que a impedisse de receber a prestação de trabalho do A, pelo que terá de ser julgada improcedente a excepção de caducidade”, mas se assim é, aquele acrescento, ademais conclusivo, de nada lhe serve, pois também aqui consubstancia a introdução de uma questão nova, remetendo-se para as considerações que a esse propósito deixámos acima.
Em suma, como cremos ter ficado devidamente evidenciado, a recorrente não trouxe aqui qualquer argumente jurídico devidamente sustentado para evidenciar o alegado desacerto da decisão recorrida. Limitou-se a replicar a contestação, como se pretendesse um segundo julgamento da causa, bem assim a tentar introduzir duas questões novas.
Concluindo, inexiste fundamento para sustentar o recurso, que improcede.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).

Porto, 12 de Setembro de 2022
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira