COMPLEMENTO DE DESEMPENHO
NATUREZA RETRIBUTIVA
PRESSUPOSTOS DE ATRBUIÇÃO
ÓNUS DE PROVA
Sumário

I - O Complemento de Desempenho, que visa premiar o desempenho do trabalhador, consubstancia uma prestação complementar que terá, ou não, natureza retributiva consoante esteja, ou não esteja, antecipadamente garantido, sendo que, em caso de dúvida e ex vi da presunção consagrada no art. 258º, nº 3, do CT, haverá que se concluir no sentido da sua natureza retributiva.
II - Tendo a Ré instituiu o pagamento do Complemento de Desempenho, cuja atribuição foi condicionada “à confirmação de nível de desempenho”, o qual era aferido através da avaliação individual de cada trabalhador e do cotejo desse desempenho com o desempenho dos restantes trabalhadores, verificada essa condição, encontra-se tal prestação antecipadamente garantida, não ficando ao critério da Ré a possibilidade de a atribuir ou não, tendo pois natureza retributiva ou, pelo menos na dúvida quanto a essa natureza, assim deverá ser concluído ex vi da presunção do art. 258º, nº 3 [mas não integrando a retribuição-base].
III - Não decorrendo da factualidade provada que a Ré tenha provado o contrário, ou seja, que tenha provado a sua natureza de mera liberalidade ou não retributiva, tanto mais tendo em conta a periodicidade e regularidade do seu pagamento à A., desde 2012 a 2019, tal prestação tem natureza retributiva.
IV - Porém, cessando licitamente os pressupostos justificativos da atribuição do Complemento de Desempenho, cessará igualmente a obrigação do seu pagamento, sendo que é à Ré, dada a natureza retributiva do complemento, que compete o ónus de alegação e prova dos factos determinantes da cessação lícita da obrigação desse pagamento, prova essa que, no caso, não foi feita.

Texto Integral

Procº nº 5020/20.6T8VNG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1285)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

AA, aos 31.07.2020, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X..., S.A., tendo formulado o seguinte pedido:
“deverá a presente acção ser julgada procedente por provada, considerando-se a parcela remuneratória paga a titulo de “Complemento de Desempenho”, como retribuição, condenando-se a Ré a pagar à Autora as diferenças salariais inerentes à sua integração na remuneração base cujos valores desde janeiro de 2020 a 30/09/2020 ascendem a 405,00€, bem como as que se vierem a vencer na pendência dos autos.
Deverá ainda a Ré,
ser condenada no pagamento dos juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.”
Alegou, para tanto e em suma, que, trabalhando para a R., beneficiou, em termos retributivos, de montantes relativos a Complemento de Desempenho, o qual, todavia, a R. deixou de lho pagar a partir de 2020, sem razão justificativa.

A R. contestou a acção, defendendo, em síntese, que a prestação pecuniária em apreço não integra o conceito de retribuição, porquanto o respectivo pagamento está dependente da avaliação positiva do desempenho do trabalhador, avaliação essa que, na situação da A., decaiu.

Proferido despacho a fixar o valor da acção em €10.800,00, bem como despacho saneador tabelar, com dispensa de indicação do objecto do litígio e temas da prova e realizada a audiência de discussão e julgamento, cujo encerramento ocorreu aos 17.11.2021, foi, aos 23.11.2021, proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos contra ela formulados.

Inconformada, a A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou improcedente a presente ação, absolvendo a Ré dos pedidos contra a mesma formulados.
2. Com o devido respeito considera a recorrente que o Mm.º Juiz a quo, atenta a matéria de facto dada como assente, não fez uma correta interpretação das normas jurídicas aplicáveis, designadamente, dos art.ºs 258º, 1, 2 e 3, 260º al. c) e 129º n.º 1 al. d) todos do Código do Trabalho.
3. Pelo que a interpretação conjugada dos referidos preceitos legais determinaria um outro resultado interpretativo, oposto ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, o que determinaria uma decisão diversa, no sentido da procedência da pretensão da recorrente.
4. O entendimento da Autora assenta no facto de que a Ré durante sete anos consecutivos, desde 2012 a 2019 inclusive, pagou à trabalhadora uma prestação pecuniária regular, periódica no valor anual de 540,00€ (paga trimestralmente) que acrescia à remuneração base e diuturnidades.
5. Conforme dispõe o art.º 258º n.º 1, 2 e 3 do CT considera-se retribuição a prestação que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, em dinheiro ou em espécie. Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
6. As prestações regulares e periódicas, como acontece com o denominado “Complemento de Desempenho” pagas pelo empregador à trabalhadora, independentemente da designação, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração de trabalho.
7. Cabe ‘pois ao empregador provar que as quantias que paga destinam-se a compensar/incentivar o mérito do trabalhador na atividade que exerce na empresa.
8. No caso em apreço consta do Despacho da DRH de atribuição do Complemento de Desempenho datado de 15/07/2012 que “o pagamento de cada uma das prestações fica condicionado à confirmação de nível de desempenho, bem como à permanência do trabalhador, pelo período em referência, na empresa em efetivo exercicio de funções e sob o seu poder executivo”.
9. Pese embora o referido Despacho indique como condicionante do recebimento por parte do trabalhador do Complemento de Desempenho ao que parece ser uma avaliação de desempenho, fá-lo de uma forma vaga e imprecisa, sem concretizar o procedimento ou critério de avaliação.
10. Alega a Ré que a retirada do Complemento de Desempenho a partir de janeiro de 2020 se deveu ao facto da Autora ter reduzido o nível de desempenho e o rendimento do seu trabalho.
11. Na verdade a Autora em 2019 obteve uma avaliação sensivelmente mais baixa de 3,87 (numa escala de 0 a 5), comparativamente com os anos anteriores, mas o mesmo já acontecera nos anos de 2013 e 2014 em que a nota baixou de 17 para 16 (numa escala de 0 a 20) e a prestação recebida a título de complemento de desempenho manteve-se inalterada.
12. De todo o modo nunca a ré esclareceu a partir de que nota avaliativa o trabalhador teria direito a este complemento, ou a partir de que nota avaliativa deixaria de o receber.
13. Aliás a comunicação enviada pela Direção de Recurso Humanos à Autora em 31/12/2019 sob a referência “Alteração de prestações compensatórias” onde é mencionado que esta alteração se deveu “… a política de compensação definida pela Empresa para o ano económico de 2020, o seu quadro retributivo deixará de incluir o pagamento de Complemento de Desempenho a partir do próximo dia 1 de janeiro de 2020”.
14. Em momento algum, como se extrai da comunicação, a Ré esclareceu que a retirada do referido Complemento se deveu à redução do nível de desempenho da Autora.
15. O Mm.º Decisor desvalorizou assim a prova documental junta aos autos.
16. Encontrando-se pois demonstrado que a Ré pagava à Autora uma prestação pecuniária que denominava de Complemento de Desempenho com regularidade trimestral, num valor fixo, durante sete anos, sem se saber qual o seu concreto fundamento, deverá valer a presunção prevista no art,.º 258º n.º 3 do CT, integrando tal prestação a retribuição da Autora.
17.Pelo que não poderá deixar de ser paga sendo ainda insuscetível de qualquer redução conforme art.º 129ºn.º 1 do CT.
18. Assim a sentença sob recurso não fez a correta interpretação das normas jurídicas aplicáveis nomeadamente do disposto nos art.ºs 258º n.ºs 1, 2 e 3, 260º al. c) e 129º n.º 1 d) todos do Código do Trabalho.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência ser a decisão proferida revogada e substituída por outra que considere a parcela remuneratória paga a título de Complemento de Desempenho como retribuição, integrativa na retribuição base.”

A Ré contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1.º A Sentença ora em crise não merece, nos temas em causa, objectiva censura.
2.º Com efeito, a decisão do Tribunal a quo analisa devidamente a questão da natureza retributiva da prestação, excluindo-a do conceito de retribuição por aplicação da al. c) do n.º 1 do art.º 260.º do Código do Trabalho e, em consequência, da aplicação do princípio da irredutibilidade da retribuição plasmado no art.º 129.º do mesmo legal compêndio.
3.º Relativamente à alegada regularidade da prestação em causa, e sendo esta uma das características da prestação que permite que a mesma se subsuma ao conceito de retribuição ínsito no n.º 2 do art.º 258.º do Código do Trabalho, também é verdade que a verificação dessa característica não é determinante para, por si só, conferir natureza retributiva a determinada prestação.
4.º Ademais, a Recorrente desconsiderou todo o raciocínio jurídico posterior desenvolvido pelo Tribunal a quo, bem como a factualidade dada por provada.
5.º O Tribunal a quo veio dar por provado, com interesse para a boa decisão da causa, que “a atribuição, pela R. aos seus colaboradores, do apelidado Complemento de Desempenho, dependia da avaliação do desempenho profissional destes, quer individualmente, quer em equipa.
Facto este que a A. não podia desconhecer, porquanto apôs a sua assinatura no documento junto ao processo a fls. 37 v.º, do qual se retira expressamente que tal atribuição fica condicionada ‘à confirmação de nível de desempenho’”, conforme consta dos pontos m) a t) do elenco da matéria de facto provada, matéria essa que não foi impugnada pela Recorrente, mas antes expressamente aceite por esta.
6.º Ora, a prova produzida nos autos, parece ser suficiente para subsumir a prestação em causa à previsão constante da al. c) do n.º 1 do art.º 260.º do Código do Trabalho.
7.º Note-se que a própria Lei veio acolher a tese da retribuição modular ou padrão, de acordo com a qual se exclui do conceito de retribuição em sentido estrito as prestações cujo pagamento não é justificado pela prestação de trabalho em si mesma, mas por outra específica motivação – conforme tem vindo a ser entendido, de forma uniforme e pacífica, pela Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e demais Tribunais Superiores.
8.º O acolhimento de tal tese significa que o princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no art.º 129.º do Código do Trabalho não incide sobre a globalidade da retribuição auferida, mas apenas sobre a retribuição estrita, retribuição estrita esta que não inclui, entre outras, as prestações associadas ao desempenho do trabalhador que não se encontram antecipadamente garantidas.
9.º Aliás, a própria Lei é expressa ao excluir do conceito de retribuição “as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais (…) cujo pagamento, nos períodos de referência respetivos, não esteja antecipadamente garantido” – art.º 260.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho.
10.º Face ao exposto, tendo ficado provados os citados pressupostos – designadamente, que a atribuição do Complemento de Desempenho dependia do efetivo desempenho da trabalhadora Autora, não se encontrando antecipadamente garantido o seu recebimento – não poderia o Tribunal a quo ter decidido em sentido diferente do que consta da sentença recorrida, mostrando-se devidamente ilidida a presunção prevista no n.º 3 do art.º 258.º do Código do Trabalho.
11.º Em segundo lugar, focando-se agora no teor da comunicação de cessação de atribuição do Complemento de Desempenho, vem a Recorrente alegar que “a referida comunicação em momento algum referiu que a exclusão do aludido Complemento de Desempenho resultou da menor avaliação da trabalhadora no Ano de 2019” – o que, uma vez mais, não corresponde à verdade.
12.º Com efeito, haverá, antes de mais, que sopesar o acervo documental carreado para os autos, a saber, a Ordem de Serviço n.º ..., e o Despacho de atribuição do Complemento de Desempenho, resultando à saciedade da análise do mesmo que a atribuição desta prestação estava dependente da confirmação do nível de desempenho, ponderados os resultados do processo de avaliação de desempenho do ano anterior.
13.º Nesta, nunca será demais apontar que estes factos foram devidamente dados por provados, não tendo sido essa prova impugnada pela Recorrente no âmbito dos presentes autos recursórios.
14.º Ainda, não poderemos olvidar que a comunicação entregue à Autora/ Recorrente remetia expressamente, não só para a política de compensação da Empresa, corporizada, neste âmbito, no já referido acervo documental, designadamente na Ordem de Serviço n.º ...,, como também “para as razões que lhe foram transmitidas na reunião ocorrida com a sua hierarquia” (sic).
15.º Ora, se é verdade que o próprio Tribunal a quo considerou constituir a dita política de compensação da Empresa o critério constante da referida Ordem de Serviço, relativo ao resultado da avaliação de desempenho da Autora/ Recorrente, também é verdade que este mesmo Tribunal deu como provado que “a partir de meados de 2019 a A. reduziu o nível de desempenho, o rendimento do seu trabalho e a entrega que antes depositava no desenvolvimento das suas funções” (facto n.º r) da matéria de facto provada), tendo “o depoimento da testemunha BB foi bastante esclarecedor no sentido de se perceber as concretas razões que levaram ao abaixamento da avaliação de desempenho da A. no ano de 2019” (sic) – tendo esta testemunha confirmado que tal motivação foi devidamente transmitida em reunião prévia à comunicação escrita agora em causa.
16.º Ademais, note-se a menção à “política de compensação da Empresa” foi ainda suficiente para remeter para as regras próprias de atribuição do Complemento de Desempenho, regras essas das quais a trabalhadora Recorrente era sobejamente conhecedora – conforme também ficou comprovado (factos p) e q) da matéria de facto provada).
17.º Ficou ainda devidamente comprovado nos autos recorridos que a fundamentação da cessação de atribuição da prestação em causa encontra respaldo na diminuição do nível de desempenho da Autora/ Recorrente, conjugada com as condições de que dependia a atribuição e/ou manutenção da atribuição da dita prestação, encontrando-se esses factos devidamente plasmados na comunicação em causa, tendo ainda sido comunicados pela hierarquia à trabalhadora Recorrente – pelo que, uma vez mais, não poderá colher a argumentação esgrimida pela Autora/ Recorrente.
18.º Desta forma, dúvidas não poderão restar de que, não só a atribuição daquela prestação era condicional à confirmação (e manutenção, diga-se) de elevado nível de desempenho, sendo esse facto do conhecimento da Autora/ Recorrente, como foi a diminuição desse nível de desempenho que levou à cessação de atribuição da prestação em causa, o que foi devidamente comunicado à Recorrente, quer através da missiva escrita que consta dos autos, quer através de reunião presencial com a respectiva hierarquia.
19.º Pelo que nada impedia que a Recorrida, face aos pressupostos que determinaram a atribuição da prestação em causa, determinasse a cessação dessa atribuição, por terem deixado de se verificar os aludidos pressupostos, sendo tal atuação permitida por Lei, atendendo ao disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 260.º do Código do Trabalho.
Tudo visto, impõe-se que seja negado provimento ao recurso apresentado pela Autora/ Recorrente, pela manifesta regularidade e validade da Decisão a quo, pois só assim se fará aplicação conforme do Direito e poderá haver fundado motivo para se clamar ter sido feita JUSTIÇA”.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida, ao qual as partes não responderam.

Colheram-se os vistos legais.

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II. Objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, tem o recurso por objecto saber se o prémio de desempenho integra a retribuição da A., bem como se integra a retribuição base, e se a sua retirada determina diminuição ilícita da retribuição.
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III. Fundamentação de Facto

A. É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
Factos provados:
“a) A A. foi admitido ao serviço dos C..., em 4 de junho de 1990;
b) Desde aquela data trabalhou sob as ordens, direção e fiscalização da aludida empresa;
c) Por cisão na empresa C... foi criada a T..., SA., para a qual foi transferido o contrato de trabalho da A.;
d) Em observância ao disposto no D.L. 133/94, de 14 de maio, ocorreu a fusão da T..., S.A. Y..., S.A. e W..., S.A.;
e) Os direitos e obrigações que integravam a empresa jurídica da T..., S.A. transmitiram-se para a P... S.A., mantendo-se a trabalhadora ao serviço desta nova empresa;
f) Em resultado da reestruturação prevista no D.L. n.º 219/00, de 9 de setembro, foi constituída a K..., S.A., assumindo esta todo o conjunto de direitos e obrigações da P... S.A., atualmente designada X... S.A.;
g) Aquando da admissão ao serviço dos C... a A. exerceu funções de operadora de telecomunicações, passando posteriormente a exercer as mesmas funções de OAT, sob as ordens, direção e fiscalização da R., detendo atualmente a categoria profissional de Técnica Especialista nível V;
h) Desde outubro de 2012 até dezembro de 2019 a A. recebeu a prestação denominada Complemento de Desempenho, cujo valor acrescia à remuneração base e diuturnidades, que era paga trimestralmente, nos seguintes termos: no ano de 2012 recebeu a quantia anual de € 135; no ano de 2013 recebeu a quantia anual de € 540; no ano de 2014 recebeu a quantia anual de € 540; no ano de 2015 recebeu a quantia anual de € 540; no ano de 2016 recebeu a quantia anual de € 540; no ano de 2017 recebeu a quantia anual de € 540; no ano de 2018 recebeu a quantia anual de € 540; no ano de 2019 recebeu a quantia anual de € 540;
i) Mediante comunicação datada de 31 de dezembro de 2019 e cuja cópia consta de fls. 21 dos autos, a R. comunicou à A. que “pelas razões que lhe foram transmitidas na reunião ocorrida com a sua hierarquia e considerando a política de compensação definida pela Empresa para o ano económico de 2020, o seu quadro retributivo deixará de incluir o pagamento de Complemento de Desempenho a partir do próximo dia 1 de janeiro de 2020.”;
j) A A. obteve, ao serviço da R., as seguintes avaliações de desempenho: no ano de 2012 a nota final de 2017 numa escala de 0 a 20; no ano de 2013 a nota final de 16 numa escala de 0 a 20; no ano de 2014 a nota final de 16 numa escala de 0 a 20; no ano de 2015 a nota final de 17 numa escala de 0 a 20; no ano de 2016 a nota final de 4 numa escala de 0 a 5; no ano de 2017 a nota final de 4 numa escala de 0 a 5; no ano de 2018 a nota final de 4 numa escala de 0 a 5; no ano de 2019 a nota final de 3,87 numa escala de 0 a 5;
k) A partir de janeiro de 2020 a R. deixou de liquidar à A. a prestação referida em h);
l) A A. é filiada no Sindicato ...;
m) O Complemento de Desempenho encontra-se previsto na Ordem de Serviço n.º ..., (codificação ...), de 24 de março de 2000, cuja cópia está junta a fls. 36 v.º e 37 dos autos;
n) Naquela Ordem de Serviço, aplicável a todos os trabalhadores da R., consta que “o Complemento de Desempenho revestirá a forma de um prémio que em cada ano poderá ser fixado e atribuído, com reporte ao trabalho prestado no ano anterior, ponderados os resultados obtidos em processo de avaliação, sendo o respetivo valor pago num máximo de quatro prestações trimestrais ao longo do ano civil seguinte àquele a que respeita a avaliação”;
o) O mérito ou demérito do trabalhador é apurado com recurso à nota obtida por este no âmbito do processo de avaliação de desempenho realizado anualmente, entre janeiro e abril de cada ano, e com impacto no pagamento do Complemento de Desempenho no ano subsequente ao ano a que respeita a avaliação;
p) Consta do despacho de atribuição do Complemento de Desempenho datado de 15 de julho de 2012 e que produziu efeitos à data de 1 de julho de 2012, cuja cópia mostra-se a fls. 37 v.º dos autos, que “o pagamento de cada uma das prestações fica condicionado à confirmação de nível de desempenho”;
q) A A. apôs a sua assinatura naquele despacho;
r) A partir de meados de 2019 a A. reduziu o nível de desempenho, o rendimento do seu trabalho e a entrega que antes depositava no desenvolvimento das suas funções;
s) O nível de desempenho não é aferido apenas através da avaliação individual de cada trabalhador, mas também do cotejo do desempenho de cada trabalhador com o desempenho dos restantes trabalhadores da equipa;
t) A R. atribuiu, e continua a atribuir, aos seus trabalhadores, valores a título de Complemento de Desempenho, sendo essa atribuição condicional à confirmação do nível de desempenho dos mesmos.”
Factos não provados:
“Nada mais foi dado como provado, com relevo para a decisão da causa, designadamente que:
1. A A. tenha alcançado a categoria profissional de Técnica Especialista nível V em janeiro de 2012, tendo ficado acordado desde aí que para além do incremento na retribuição base atinente a tal evolução seria atribuída à A. uma parcela no valor de € 135, paga de forma trimestral, denominada de Complemento de Desempenho;
2. A exclusão do pagamento da prestação Complemento de Desempenho não tenha resultado da baixa avaliação do desempenho da trabalhadora, mas de um mero ato de gestão da Empresa;
3. A R. haja procedido à alteração dos métodos de avaliação dos seus trabalhadores;
4. O pagamento, pela R. à A., do denominado Complemento de Desempenho tenha criado na segunda uma expectativa de ganho que iria perdurar no tempo, pelo que fazia depender os gastos da sua vida pessoal e familiar daqueles valores remuneratórios;
5. A R. continue a pagar a outros trabalhadores em iguais circunstâncias às da A. o referido Complemento de Desempenho.”
*
B. Alteração oficiosa da al n) dos factos provados:
Na Ordem de Serviço nº ..., ... mencionada nas als. m) e n) consta ainda, para além do referido em n), o seguinte: “ 1. O Complemento de Desempenho, instituído pelo presente diploma, é atribuível a trabalhadores que revelem elevados níveis de desempenho e visa compensar melhorias estruturais de desempenho dentro do mesmo nível de responsabilidade”, o que se adita ao que já consta da al. n).
Assim, passará tal alínea a ter a seguinte redacção:
n) Naquela Ordem de Serviço, aplicável a todos os trabalhadores da R., consta que:
“1. O Complemento de Desempenho, instituído pelo presente diploma, é atribuível a trabalhadores que revelem elevados níveis de desempenho e visa compensar melhorias estruturais de desempenho dentro do mesmo nível de responsabilidade.
2. Forma de atribuição
2.1. O Complemento de Desempenho revestirá a forma de um prémio que em cada ano poderá ser fixado e atribuído, com reporte ao trabalho prestado no ano anterior, ponderados os resultados obtidos em processo de avaliação, sendo o respetivo valor pago num máximo de quatro prestações trimestrais ao longo do ano civil seguinte àquele a que respeita a avaliação
(…)”;
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IV. Fundamentação de Direito

1. Como referido, tem o recurso por objecto saber se o prémio de desempenho integra a retribuição da A., bem como se integra a retribuição base, e se a sua retirada determina diminuição ilícita da retribuição.

2. Na sentença recorrida, para além de considerações de natureza jurídica e ordem geral, referiu-se o seguinte:
“Efetuada esta breve resenha teórica, analisemos então o caso concreto. No que diz respeito à prestação denominada de Complemento de Desempenho, relembremos que a R. provou, como lhe competia – sob pena de se cair na alçada do n.º 3 do art.º 258.º do C. do Trabalho – que a atribuição daquele, que reveste a forma de prémio, está dependente do desempenho individual de cada trabalhador, bem como da comparação entre tal desempenho e o desempenho dos restantes trabalhadores da equipa. Por outro lado, nada nos inculca a ideia de que a R. se tenha obrigado antecipadamente perante a A. a liquidar aquele Complemento de forma automática, independentemente da necessidade de preenchimento de um qualquer critério. Sendo as coisas assim, o apontado Complemento não pode deixar de ser qualificado como um incentivo ou prémio de motivação, diretamente relacionado com o desempenho profissional ou com o mérito do trabalhador. E se assim é, a sua natureza retributiva está expressamente excluída pelo art.º 260.º n.º 1 c) do C. do Trabalho.
Sequentemente, tendo-se demonstrado que o referenciado Complemento não constitui contrapartida da prestação de trabalho ou da disponibilidade da trabalhadora, mas antes visa incentivar esta a alcançar objetivos, aquele, mesmo quando recebido com periodicidade e regularidade, não integra o conceito de retribuição.
Em consequência, entendemos que o Complemento de Desempenho não faz parte da retribuição em sentido estrito da A., não estando, assim, abrangido pelo princípio da irredutibilidade a que acima aludimos. De resto, a R. teve razões objetivas para o retirar à A. De facto e face à matéria de facto tida por assente, a aqui trabalhadora, no ano de 2019 e em comparação com os anos em que recebeu o dito Complemento de Desempenho – seja, de outubro de 2012 até dezembro de 2019 –, apresentou uma avaliação de desempenho menos positiva. Sublinhe-se que a mais baixa notação final obtida pela A. nos anos de 2013 e de 2014 (de 16 valores numa escala de 0 a 20 valores) corresponde, numa escala de 0 a 5 valores, a 4 valores, ou seja, a mesma nota que a A. teve nos anos de 2016 e 2017, todas elas ainda assim superiores à nota obtida naquele ano de 2019 (de 3,87 valores numa escala de 0 a 5 valores).
Do que se conclui que a presente ação deverá improceder.”

Do assim decidido discorda a Recorrente alegando em síntese que: a mencionada prestação pecuniária foi paga pela Ré à A. durante sete anos consecutivos (de 2012 a 2019), ou seja, de forma regular e periódica, mais invocando o art. 258º, nºs 1, 2 e 3 do CT; tal prestação só não será considerada parte integrante da retribuição se tiver uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração de trabalho, cabendo ao empregador provar que se destina a compensar/incentivar o mérito do trabalhador; pese embora o Despacho de atribuição do complemento de desempenho de 15.07.2012, indique como condicionante do seu recebimento uma avaliação de desempenho, fá-lo de uma forma vaga e imprecisa, sem concretizar o procedimento ou critério de avaliação; apesar da A. ter, em 2019, obtido uma avaliação (de 3,87) inferior às anteriores, a Ré nunca esclareceu a partir de que nota avaliativa o trabalhador teria direito a esse complemento ou a partir de que nota deixaria de o receber; da comunicação dirigida à A. relativa à cessação do pagamento de tal complemento não se extrai que tal se tenha ficado a dever à redução do nível de desempenho da A., tendo feita uma incorrecta avaliação da prova documental; a retirada de tal complemento consubstancia diminuição da retribuição.
Por sua vez, entende a Recorrida, em síntese, que: o complemento em causa está excluído do conceito de retribuição nos termos do art. 260º, nº 1, al. c), do CT; a regularidade do pagamento não é, por si só, determinante da natureza retributiva da prestação; a atribuição do complemento de desempenho dependia da avaliação do desempenho dos trabalhadores, quer individualmente, quer em equipa, o que era do conhecimento da A., conforme als. m) a t) dos factos provados; não se verifica pois diminuição da retribuição, sendo que o princípio da irredutibilidade da retribuição incide apenas sobre a retribuição estrita, não sobre outras prestações associadas ao desempenho que não se encontram antecipadamente garantidas; não procede o argumento da Recorrente de que não decorreria da comunicação da cessação do pagamento do Complemento em causa que tal se tivesse ficado a dever a menor avaliação da A; decorre da OS nº 13,00 e do despacho de atribuição do Complemento de Desempenho que tal complemento estava dependente da conformação do nível de desempenho, ponderados os resultados do processo de avaliação de desempenho do ano anterior, sendo que a comunicação remetia expressamente para a política de compensação da empresa, corporizada esta na OS nº 13, bem como “para as razões que lhe foram transmitidas na reunião com a sua hierarquia”, tendo a 1ª instância referido que “o depoimento da testemunha BB foi bastante esclarecedor no sentido de se perceber as concretas razões que levaram ao abaixamento da avaliação de desempenho da A. no ano de 2019”, tendo essa testemunha confirmado que tal motivação foi devidamente transmitida em reunião prévia à comunicação escrita agora em causa; ficou ainda devidamente comprovado nos autos recorridos que a fundamentação da cessação de atribuição da prestação em causa encontra respaldo na diminuição do nível de desempenho da Autora/ Recorrente, conjugada com as condições de que dependia a atribuição e/ou manutenção da atribuição da dita prestação, encontrando-se esses factos devidamente plasmados na comunicação em causa, tendo ainda sido comunicados pela hierarquia à trabalhadora Recorrente.

3. Tendo em conta que a Recorrente alude à incorrecta avaliação da prova documental, referência esta reportada à comunicação da Ré à A. da cessação do pagamento do complemento de desempenho constante da al. u), há que deixar esclarecido que a Recorrente não impugna a decisão da matéria de facto, não indicando qualquer facto de cuja decisão discorde, nem indicando o que, em seu entender, deveria ter sido dado como provado. Ou seja, se, porventura, era sua intenção qualquer eventual alteração da decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância, é a mesma de rejeitar por incumprimento dos requisitos previstos no art. 640º, nº 1, als. a) e c), do CPC/2013.

4. Da natureza retributiva (ou não) do complemento de desempenho

Estando em causa a alegada violação do princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no art. 129º, nº 1, al. d), do CT/2009, impõe-se começar por apreciar da natureza retributiva, ou não, do complemento de desempenho.
Ao caso, reportando-se os factos ao período desde 2012, é aplicável o CT/2009, aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02.

4.1. Dispõe o CT/2009 que:
Artigo 258º
Princípios gerais sobre retribuição
1 – Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 – A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 – Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 – À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.
Artigo 260º
Prestações incluídas ou excluídas da retribuição
1. Não se consideram retribuição:
a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
b) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido.
d) A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurado pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.
2. (…).
3. O disposto nas alíneas b) e c) do número 1 não se aplica:
a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele.
3. Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo, quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante.
Artigo 262º
Cálculo de prestação complementar ou acessória
1 – Quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades.
2 – Para efeito do disposto no número anterior, entende-se por:
a) Retribuição base, a prestação correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho;
b) Diuturnidade, a prestação de natureza retributiva a que o trabalhador tenha direito com fundamento na antiguidade.
A retribuição pode ser certa, variável ou mista (art. 261º, nº 1), dispondo os nºs 2 e 3 do citado art. 261º que: “2. É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho. 3. Para determinar o valor da retribuição variável, quando não seja aplicável o respectivo critério, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução do contrato que tenha durado menos tempo. 4. (…).”
Em sentido, no essencial, similar às disposições mencionados dispunha o CT/2003 (arts. 249º, 250º. 251º, 252º, 260º. 261º, 262º).

Com relevo, pronunciou-se designadamente o Acórdão do STJ de 06.05.2020, Proc. 1476/18.3T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, no qual se refere o seguinte:
<<B4) Por último, a recorrente suscita a questão de saber se o A. tem ou não direito ao Variable & Performance ̶ Related Reward (VPR).
Relativamente a esta questão importa apurar se o denominado VPR, deve ser considerado uma verdadeira retribuição variável ou antes um prémio, dependente de certas condições para a sua atribuição.
Vejamos a matéria de facto relevante, para podermos responder a esta questão:
- O A. começou a trabalhar na R. em setembro de 2012;
- O A. denunciou o contrato de trabalho em 27/11/2017 com efeitos para 29/11/2017;
- O A. auferia ultimamente uma remuneração integrada por uma parte fixa de € 5.899,81, composta pelo salário base de € 5.894,00 e uma diuturnidade de € 5,81; e outra parte variável;
- A parte variável – VPR -, maxime condições de atribuição, vencimento e pagamento, estavam regulamentadas nas condições que constam de fls. 25 dos autos (e cuja tradução do referido doc. consta de fls. 48 a 56), que foram dadas como reproduzidos para todos os efeitos legais na sentença e que aqui reproduzimos para se aferir o concreto conteúdo das mesmas no que aos autos releva:
«Objetivos do VPR
Um “desempenho comercial sólido”, “Premiar o desempenho da companhia de forma consistente em benefício dos trabalhadores elegíveis para VPR em todo o mundo”. “Fomentar a valorização do VPR como elemento remuneratório essencial através de um enquadramento de VPR simples e transparente, fornecer lateralidade suficiente para objetivos individuais acordados no âmbito da avaliação e desempenho do trabalhador (...)”; “Dar uma oportunidade de diferenciação entre o desempenho esperado o desempenho inegavelmente excecional e um desempenho abaixo do esperado, e premiar em conformidade” e “Garantir a competitividade do mercado”.
Princípios Apesar de se considerar que o resultado da Companhia é um elemento essencial da abordagem VPR, o desenvolvimento, definição e avaliação de objetivos individuais no processo MA (Avaliação de Desempenho) assume igualmente uma importância extrema. Os objetivos individuais são compostos por objetivos qualitativos e quantitativos (por ex. objetivos financeiros, funcionais ou de negócios específicos) (...) Caso sejam definidos objetivos na MAG individual, o cálculo de cumprimento do objetivo não exige a aprovação das Funções/Negócios Corporate, devendo ser realizado a nível local.
(...)
Escala Os níveis de cumprimento de metas por objetivos individuais encontram-se definidos numa escala de 0% a 100%. Existe uma relação linear entre o cumprimento de metas e o pagamento (i.e. uma meta cumprida a 100% corresponde a 100% do pagamento).
(...)
O VPR será pago apenas depois de estar cumprido a MAG.
4.7. A informação e o pagamento do VPR a cada elemento serão efetuados pelo BIPeople quando os resultados da Companhia estiverem aprovados e a MAG (Avaliação de Desempenho) esteja concluída e aprovada.
Se alguém deixar a companhia antes de o Prémio VPR ter sido pago, nenhum pagamento do VPR é devido, salvo disposição legal cm contrário.
O VPR é pago em Abril.
4.8. Cláusula de Proteção dos Acionistas
A Companhia reserva o direito de em qualquer momento suspender, alterar ou cancelar qualquer plano de VPR se a sua realização, no critério da Companhia for impraticável, danosa para o negócio, ou possa de outra forma prejudicar os interesses dos acionistas.»
- As referidas condições encontram-se publicadas na Intranet da Ré;
- O VPR é composto por 3 elementos:
i) desempenho individual — 30%;
ii) desempenho da área de negócio do trabalhador - 40%; e
iii) desempenho global da empresa — 30%;
- Os referidos elementos reportam-se a um ano civil, sendo que o seu conhecimento apenas ocorre no ano civil seguinte, ou seja, após o encerramento das contas da área de negócio e da empresa e da avaliação do ano a que se reportam;
- Por ter sido promovido a head of sales no último trimestre de 2015 o Autor recebeu em 2016 o VPR referente ao último trimestre de 2015 e, em 2017 recebeu o VPR referente ao ano de 2016.
(…)
Da análise do transcrito retira-se que o Tribunal de primeira instância concluiu que se estava perante um prémio e não retribuição, porquanto considerou:
- o VPR era uma prestação condicional, que não estava antecipadamente garantida;
- dependia do desempenho do A., do desempenho da área de negócio do trabalhador e do desempenho global da própria empresa;
- não tinha carácter regular;
- as condições da sua atribuição estavam regulamentadas, fazendo as mesmas, parte integrante do contrato de trabalho, de que o A. tinha conhecimento;
- tais condições não são violadoras de nenhum normativo legal;
- o A. não cumpriu os requisitos – permanecer até abril de 2018 ao serviço da R.– para poder receber tal prémio.
Razão pela qual, concluiu pela total improcedência da ação.
Contrariamente, o Tribunal da Relação considerou:
- O “procedimento corporate”, vulgo, condições de atribuição do VPR, constam de um regulamento interno, integrando assim o contrato de trabalho existente entre o A. e a R.;
- Desde que o A. foi promovido a Head of Sales, que passou a receber o VPR, pelo que, tal pagamento tinha carácter regular e permanente, sendo legítimo que o A. contasse receber o mesmo, como complemento normal do seu salário;
- a R. não demonstrou, como lhe que competia, que o VPR não era um pagamento regular e permanente;
- O VPR é assim retribuição variável, nos termos do disposto no art. 261.º, n.ºs 2 e 3 do Código do Trabalho;
- A falta de pagamento do devido relativamente aos meses de janeiro a novembro de 2017, corresponderia a uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Pelo que, reconheceu o carácter retributivo e condenou a R. no pagamento ao A. do VPR que se vier a apurar relativamente ao ano de 2017, correspondente aos 11 meses que o A. esteve ao serviço da R. nesse ano.

Vejamos então a questão tendo presente a factualidade apurada e o quadro normativo relativo a esta matéria.”
Seguidamente o mencionado aresto procede à transcrição do art. 258º do CT/2009, referindo seguidamente que do mesmo “se retira que a retribuição é a contrapartida pelo trabalho prestado, que a mesma compreende a retribuição base, mas também outras prestações regulares e periódicas, que tem carácter patrimonial e, que se presume retribuição qualquer pagamento que o empregador faça ao trabalhador.
Desta presunção, retira-se que ao trabalhador cabe apenas provar que recebia tal prestação, cabendo ao empregador o ónus de ilidir tal presunção, demonstrando que o pagamento efetuado não tinha carácter retributivo, mas que era antes devido, por outro motivo específico.”
Procede após à transcrição do art. 261º e 260º, passando a referir o seguinte:
“Da análise dos referidos artigos, retiramos que é retribuição a prestação que o trabalhador recebe como contrapartida pelo trabalho prestado, advenha essa contrapartida do contrato de trabalho, das normas que regem o mesmo, ou ainda dos usos.
Retiramos também que a retribuição é constituída por uma retribuição base, bem como por outras prestações, desde que estas sejam regulares e periódicas, quer sejam feitas de forma direta ou indireta, bem como em dinheiro ou em espécie. Isto é, têm que ser regulares, periódicas e têm que ter valor patrimonial. Para além disso, tem também que se verificar a obrigatoriedade para o empregador do seu pagamento – art. 127.º, n.º1, al. b) do Código do Trabalho - e que tal pagamento seja a correspectividade pelo trabalho prestado.
Tal como já vimos supra, o n.º 3 do artigo 258.º veio facilitar a tarefa do trabalhador, porquanto estabeleceu uma presunção a seu favor, ao prever: “Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.” Contudo, e como presunção ilidível que é, cabe ao empregador produzir prova que afaste esta presunção – art. 350.º, n.º 2 do Código Civil.
Contudo, o legislador estabelece desde logo uma destrinça sobre as prestações que devam considerar-se incluídas ou excluídas da retribuição no supra reproduzido art. 260.º.
O n.º 1 do referido artigo exclui desde logo na al. b) as gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa.
Na al. c) do mesmo n.º 1, são também excluídas as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou com o mérito profissionais, bem como, com a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos periodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido.
Contudo, no n.º 3 do mesmo artigo, o legislador previu a possibilidade de afastamento de tais exclusões, dispondo tal normativo: O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica: «Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele” (al. a.), bem como, “às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respetivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante (al. b.)».
Da análise destes últimos preceitos retira-se assim que têm natureza retributiva as prestações decorrentes de avaliações de desempenho e/ou mérito profissionais, cujo pagamento esteja antecipadamente garantido por reporte a determinado período de referência. E compreende-se que assim seja, porquanto essas prestações acabam por ser também uma contrapartida do trabalho prestado (uma contrapartida pelo trabalho bem prestado!).
Vejamos o que nos diz a doutrina relativamente a esta matéria:
Joana Vasconcelos (Código do Trabalho Anotado, Almedina, 2017, 11.ª Edição, pág. 653) afirma: «Já os incentivos ou prémios de motivação (n.º 1. al. c)) referem-se ao desempenho ou ao mérito do trabalhador, que visam, primeiro estimular e encorajar, depois recompensar. E apesar de revestirem inegável carácter sinalagmático, a principal função que desempenham obsta à sua qualificação retributiva, pois resultaria frustrada pela irreversibilidade e pela irredutibilidade desta resultantes».
Também Maria do Rosário da Palma Ramalho (Tratado de Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 4.ª Edição, pág. 577e seguintes), ainda que partindo de outro prisma, faz a seguinte afirmação relativamente aos prémios de produtividade: «Por seu turno, tem sido discutida a qualificação das gratificações quando revistam um carácter de habitualidade: neste caso o problema que se coloca é o de saber se o carácter habitual destas prestações (assim, por exemplo, um prémio anual de produtividade, que se vem repetindo) faz surgir um uso e suscita nos trabalhadores beneficiados a legitima expectativa da respetiva continuação que impeça o empregador de retirar esse prémio. A nosso ver, contudo, a habitualidade da prestação não altera, por si só, a respectiva natureza, pelo que não surge qualquer expectativa tutelável em termos de uso retributivo».
Mais adiante, na obra citada, a mesma Autora prossegue: «Em última análise, cabe ao tribunal dirimir os litígios relativos a dúvidas sobre a natureza retributiva ou não retributiva das prestações remuneratórias auferidas pelo trabalhador, conforme dispõe o art.º 272.º, n.º 2. A este propósito, observa-se uma tendência da jurisprudência que é favorável a um sentido amplo de remuneração, nas situações de dúvida, com base na presunção do carácter retributivo das prestações versadas ao trabalhador, que consta do art.º 258.º, n.º 3, e designadamente desde que a prestação em causa revista carácter habitual.
Em todo o caso, convém advertir para o perigo de algum excesso nesta classificação sistemática das prestações atribuídas ao trabalhador como retribuição, a partir da presunção do art.º 258.º, n.º 3 e com recurso ao critério da regularidade e periodicidade das mesmas. É que, sendo os elementos essenciais do conceito de retribuição cumulativos, como é de regra, a presunção tem que se considerar ilidida desde que o empregador consiga demonstrar que na prestação em causa falta qualquer um desses elementos e não apenas realmente a regularidade e da periodicidade.»
Acrescenta ainda: «É ilustrativa desta tendência a noção de retribuição apresentada pelo acórdão do STJ de 8/05/1996, de que se transcreve: «Segundo o conceito civilista de retribuição esta deveria ter como contrapartida e como base a atividade do trabalhador, mas tal conceito, com a moderna elaboração do Direito do Trabalho, foi ultrapassado e hoje integram-se no âmbito da retribuição todos os benefícios outorgados pela entidade patronal e se destinam a integrar o orçamento normal do trabalhador, conferindo-lhe a justa expectativa do seu recebimento, dada a sua regularidade e periodicidade.» Manifesta a A. a sua discordância com o entendimento versado naquele aresto deste STJ ao comentar: “Não acompanhamos este entendimento do Supremo, que valoriza excessivamente o elemento da regularidade e da periodicidade, em detrimento de outros 2 elementos (isto é, do facto de a atribuição de ter que corresponder a um direito do trabalhador e se reconduzir a uma contrapartida do seu trabalho).”
Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 2019, 19,ª Edição, pág. 400) vem afirmar relativamente a esta temática: «Ao lado da retribuição-base, generalizaram-se gratificações de diversa natureza, conhecidas pelas mais variadas designações: gratificação de balanço, subsídio de Páscoa, prémio ou gratificação de assiduidade, etc.. Sob a aparência de liberalidades recompensatórias que o próprio termo «gratificação» sugere, trata-se realmente, na maioria dos casos, de prestações salariais suplementares, caracterizadas por uma periodicidade distinta da retribuição base.
De um modo geral tratar-se-á de atribuições patrimoniais correctivas daquele salário. Tais são as gratificações ordinárias a que se reporta o art.º 261.º, n.º 2, e cuja integração no cômputo global da retribuição se fundamenta, quer na sua obrigatoriedade (legal ou convencional), quer na sua “importância” e no seu «carácter regular e permanente». Em relação a tais prestações, não pode o empregador eximir-se ao pagamento com a alegação de se tratar de uma liberalidade (evocando assim a analogia da revogabilidade da doação art.º 969.º do Código Civil); e aplicam-se-lhe os vários dispositivos, já apontados, que constituem a tutela legal da retribuição (nomeadamente impenhorabilidade, os privilégios creditórios, etc.).»
António Menezes Cordeiro (Direito do Trabalho II – Direito Individual, Almedina, 2019, pág. 705 e seguintes), também a propósito desta classificação/qualificação afirma: «IV. O terceiro princípio, presente na jurisprudência, é o da previsibilidade. Ligada à regularidade e à permanência, a retributividade resulta de, na concreta situação registada, ser previsível, em termos de razoável normalidade, que o pagamento se irá manter de futuro. Tal previsibilidade permite inferir que ambas as partes o consideram como uma realidade vinculativa para os intervenientes. A previsibilidade está presente na alínea c) do art. 260.º, n.º 1, quando refere determinadas prestações não antecipadamente garantidas.”
Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 6.ª edição, Almedina, 2013, págs. 545 e seguintes) sublinha: «Como resulta do n.º 3 do art. 260.º do CT, as gratificações devidas por força do contrato ou que usualmente se integram na contraprestação não deixarão de ser qualificadas como retribuição. No fundo, são prestações que, apesar do (aparente) animus donandi por serem devidas ao trabalhador, constituem um crédito deste e consideram-se, portanto, retribuição; diferentemente da doação, que assenta no espírito de liberalidade (art. 940.º, n.º 1 do Código Civil), estas prestações são devidas por força da execução do contrato. A obrigatoriedade do pagamento pode relacionar-se com a regularidade em que a gratificação tem sido efetuada (art. 260.º, n.º 3, al. a) do Código do Trabalho).
(…)
Apesar de as prestações relacionadas com o desempenho ou mérito profissionais do trabalhador não se considerarem retribuição (art. 260.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho), poderá a solução ser diversa no caso destes pagamentos se encontrarem antecipadamente garantidos.
A garantia antecipada de pagamento de tais prestações deverá resultar do acordo entre as partes. Tal acordo não tem de constar necessariamente da versão inicial do contrato de trabalho, nem sequer de um acordo escrito entre empregador e trabalhador; neste âmbito, valem as regras gerais, pelo que basta um acordo informal entre as partes ajustado a qualquer momento. Eventualmente, a garantia antecipada de pagamento de tais prestações pode resultar dos usos, relacionados com a regularidade do pagamento de tais prestações (art. 260.º, n.º 3, al. b) do CT).»
Romano Martinez esclarece: «Estarem antecipadamente garantidas significa que estas prestações são devidas desde que se verifiquem os respetivos pressupostos, não dependendo de uma apreciação discricionária do empregador.»
Em caso de dúvida, este Autor, recorda que há que recorrer-se à presunção do art. 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho, afirmando: «Na dúvida quanto aos elementos integrantes da noção de retribuição, presume-se que constituem salário as prestações que o empregador efetua ao trabalhador (art. 258.º, n.º 3). Esta presunção ilidível permite qualificar como retribuição os pagamentos que o empregador faz ao trabalhador, mesmo que não se demonstre a respetiva relação sinalagmática e a periodicidade do pagamento; ou seja, nas situações que suscitem dúvida, cabe ao empregador provar que a prestação efetuada não integra o conceito de retribuição. Como se dispõe no art. 272.º, n.º 2 do Código do Trabalho – de modo evidente – compete ao julgador resolver a dúvida de qualificação relativamente às prestações efetuadas pelo empregador ao trabalhador.»
Prosseguindo, na citada obra (pág.555), e a propósito da destrinça entre retribuição certa e variável, o mesmo Autor refere: «A retribuição certa corresponde, então, a prestações constantes, com valor inalterado, que se vencem regularmente, por via de regra, todos os meses. Se pelo contrário, a retribuição for determinada em função de outros fatores, que não o número de horas de trabalho, mormente a produtividade, qualifica-se como variável. O carácter incerto da retribuição relaciona-se, em princípio, com o facto de o valor não ser fixo, variando em função de determinados fatores, mas, eventualmente, também pode depender da diferente periodicidade de pagamento.»
Diogo Vaz Marecos (Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora, 2010, pág.661) na anotação ao art. 260.º, afirma: «Da interpretação a contrario da alínea c) do n.º 1 resulta que as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, esteja antecipadamente garantido consideram-se retribuição. A al.c) do n.º 1 inclui, no seu âmbito de aplicação, os vulgarmente designadas prémios de desempenho e os prémios de equipa, os quais não são considerados retribuição desde que o seu pagamento não esteja antecipadamente garantido. A lei não nos diz o que se deve entender por antecipadamente garantido, pelo que ao intérprete cabe a espinhosa tarefa de concretizar este conceito. Para nós, antecipadamente garantido não significa que o empregador tenha de fazer depender a atribuição de uma variável cuja verificação não esteja apenas defendendo o trabalhador do seu exclusivo esmero. Significa antes que o pagamento da prestação estará antecipadamente garantido se, objectivamente, um trabalhador médio colocado na posição do trabalhador premiável conseguisse em concreto, com o seu mero trabalho habitual, preencher as condições para atribuição do prémio.»
Também Bernardo Lobo Xavier (Iniciação ao Direito do Trabalho, obra conjunta com P. Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, 3.ª Edição, pág. 336), se pronuncia da seguinte forma: “Mas ao contrário destas gratificações extraordinárias, há outras que se devem entender como integrando a retribuição: são aquelas que são devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua perceção esteja condicionada a bons serviços, e também aquelas que, pela sua importância e regularidade, devam considerar-se elemento integrante da retribuição (art.260.º, n.º 3, a.). Na verdade, representam atribuições patrimoniais com que os trabalhadores podem legitimamente contar, quer pela sua previsão no contrato e nas normas que o regem quer pela regularidade e permanência com que são prestadas, conferindo-lhes justas expectativas ao seu percebimento. Assim, por exemplo, quando a entidade empregadora publicita num regulamento interno a atribuição de uma gratificação ou prémio a cada trabalhador que consiga atingir determinados objetivos, previamente quantificados, sem colocar qualquer limite temporal à concessão dessa atribuição, pode dizer-se que os trabalhadores passam a poder contar com esse prémio, desde logo porque sabem antecipadamente que, uma vez atingidos os objetivos fixados, estão preenchidos os pressupostos de que a própria entidade empregadora fez depender a atribuição do prémio».
Vejamos agora a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça.
Para o Ac. do STJ de 22/09/1993 (Colectânea de Jurisprudência STJ, 1993, 3.º - pág. 269) «A retribuição é um conjunto de valores, expressos ou não em moeda, a que o trabalhador tem direito; e a atribuição de certa prestação exige uma certa periodicidade ou regularidade, por forma a que tal se não considere arbitrária. Ela deve ser paga em períodos certos no tempo o aproximadamente certos, por forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade. É ao trabalhador que cabe o ónus de provar a percepção das invocadas prestações pecuniárias, como os prémios de produtividade, competindo à entidade patronal a prova da não verificação dos elementos integrantes do conceito legal de retribuição».
No Ac. do STJ de19 de fevereiro de 2004, no âmbito da Revista n.º 3478/03, pode ler-se: «III - Os prémios de produtividade, na medida em que se destinem a recompensar ou premiar o trabalhador pelo seu desempenho ou mérito profissional, em regra, não constituem retribuição. E só assim não será, quando se trate de uma prestação obrigatória, por constar do respetivo clausulado contratual ou por ser exigível à luz dos usos laborais aplicáveis ou ainda por constituir uma atribuição regular e permanente».
No acórdão de 24 de maio de 2006, proferido nos autos 05S2134, pode ler-se:
«III - A remuneração variável mensal - prémio de produção atribuído face aos resultados mensais obtidos pelos trabalhadores comerciais em produtos definidos pela empresa e conforme o grau de cumprimento dos objetivos, pretendendo constituir um incentivo de animação às redes comerciais - paga regular e periodicamente ao trabalhador (entre 1996 e 2001, com exceção de 13 meses num total de 65), subsume-se à previsão do art. 88.º, n.º 2, 2.ª parte da LCT e integra a retribuição devida ao trabalhador.
IV- A atribuição patrimonial designada “rappel” paga anualmente aos trabalhadores comerciais externos em função dos resultados anuais obtidos pela rede comercial, quantificada com base em taxas pré-definidas, que o autor auferiu entre 1996 e 2001, com exceção apenas do ano de 1997, integra nos mesmos moldes a retribuição que lhe é devida.
V - O facto de ambas as atribuições dependerem do cumprimento de determinados objetivos individuais não infirma esta conclusão na medida em que o carácter regular e periódico do seu pagamento é, por si só, apto a conferir-lhes natureza retributiva.
VI - Estas prestações, reconduzíveis à figura genérica do prémio de produtividade e destinadas a retribuir o condicionalismo da prestação do trabalho na vertente dos bons resultados conseguidos pelo trabalhador, são de computar nas retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal.»
No Ac do STJ de 27 de junho de 2007, proferido no Proc. n.º 536/07, afirmou-se:
«VI - Integram a retribuição devida ao trabalhador as atribuições patrimoniais que o empregador lhe concedeu entre 1994 e 2000 (sempre) sob a designação de “gratificação”, sem que se descortine para o respetivo pagamento uma causa específica, diversa da remuneração do trabalho (artigo 88.º, n.º 2, 2.ª parte, da LCT e artigo 261.º, n.º 2, do Código do Trabalho).»
No Ac. do STJ de 26 de maio de 2015, proferido no processo n.º 373/10.7TTPRT.P1.S1, pode-se ler:
«I. Considerando a lei como retribuição (art. 258.º do Cód. Trabalho) a prestação a que o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho – nela se compreendendo, além da retribuição base, as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador –, não cabem na dimensão normativa da previsão, mesmo na perspetiva de prestações indiretas, as contribuições feitas pelo empregador a um fundo de pensões (que, além de não serem feitas ao trabalhador, sempre teriam de assumir feição de contrapartida da prestação do trabalho).
II. Não assume natureza retributiva o prémio de produtividade cuja atribuição estava dependente da avaliação da produtividade e do desempenho profissional dos trabalhadores, num ciclo temporal anual, excluída estando, em função desses fatores, a antecipada garantia do direito ao seu pagamento.»
No caso concreto dos autos, as condições de atribuição do VPR constavam de um documento interno da empresa, disponível a todos os trabalhadores. Esse documento, disciplinador das referidas condições, porque organiza e disciplina o trabalho da empresa e porque foi objeto de divulgação por todos os trabalhadores, reveste a natureza de regulamento de empresa (art. 99.º, n.ºs 1 e 3 do Código do Trabalho).
Assim sendo, e nos termos do disposto no art. 104.º do Código do Trabalho, a vontade contratual do empregador manifestou-se através do referido regulamento, e a adesão do trabalhador manifestou-se pela sua não oposição (104.º, n.º 2).
Ora, analisado o «campo» onde se indica quais os objetivos do VPR, é possível concluir desde logo que o mesmo visa ser um elemento remuneratório essencial dos trabalhadores da R.
Nesse mesmo documento, são apresentados os princípios norteadores, bem como a escala de níveis de cumprimento de metas, afirmando-se mesmo: «uma meta cumprida a 100% corresponde a 100% do pagamento». Estamos assim perante condições contratuais muito precisas e com as quais a R. se comprometeu.
Daqui se retira que desde que o trabalhador cumpra o objetivo, no todo, ou em parte, que a R. tem necessariamente que efetuar o correspetivo pagamento ao trabalhador relativamente à parte por este cumprida.
Não está assim na disponibilidade da R. poder fazê-lo ou não.
Não há aqui qualquer manifestação de animus donandi, mas sim condições previamente acordadas, que uma vez cumpridas por uma das partes, implicam necessariamente a correspetiva obrigação de pagamento por parte da outra.

Entendemos assim que tem que necessariamente concluir que os pagamentos estão antecipadamente garantidos, ainda que o quantum esteja ainda por liquidar e dependente do apuramento de outros fatores.
Pelo que, da análise das referidas conclusões, concluímos que o VPR não pode estar excluído da retribuição (variável) – art. 260.º, n.º 1, al. c) a contrario do Código do Trabalho.
Acresce que, como resulta da factualidade dada como provada, desde que o A. foi promovido à categoria que desempenhava – Head of sales ̶ , que passou a receber o VPR.
A R. não demonstrou, como lhe competia, que caso o A. não tivesse saído, que poderia não vir a receber o VPR. Muito antes pelo contrário, a R. invoca que o A. não tem direito a receber tal pagamento apenas e tão-só porquanto não cumpriu a condição de estar ao serviço da R. em abril de 2018.
Em bom rigor, era completamente expectável para o A. e para a R. o recebimento por parte do A. do VPR relativo ao ano de 2017, no caso de este se ter mantido ao serviço da R. Estava acordado que assim seria. E esta prestação, que não era de quantum certo, tem natureza patrimonial e retributiva (a própria R. o admite). E é também periódica, porque anual.
Por último, e recordando as palavras de Romano Martinez que citámos supra, mesmo que houvesse dúvida, relativamente à natureza desta prestação – que não há – sempre operaria a presunção prevista no art. 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
Isto é, o A. demonstrou que desde que adquiriu aquela categoria profissional, que recebeu VPR, presumindo-se ao abrigo do referido normativo que tal prestação é retribuição, não tendo a R. ilidido a referida presunção.
Pelo que, estando-se perante uma verdadeira retribuição variável – arts. 258.º, n.ºs 1, 2, 3, e 261.º, n.ºs 1 e 3 do Código do Trabalho, é aplicável à mesma o regime de garantias previsto no Código do Trabalho – 258.º, n.º 4 -, com as legais consequências de obrigação de pagamento – art. 127.º, n.º1, al. b) e 129.º, n.º 1, al. d) do mesmo Código.
Assim sendo, concluímos que o VPR de 2017 é devido ao A. relativamente aos meses em que esteve ao serviço da R. de janeiro a novembro.”

De referir ainda que o conceito mais amplo de retribuição integra a retribuição base, esta a correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho, bem como todas as prestações regulares e periódicas feitas ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho (art. 258º, nºs 1 e 2, do CT/2009). Assim é que existem determinadas prestações que, tendo embora uma causa concreta e individualizável, elas, ainda assim, embora não integrando o conceito restrito de retribuição base, integrarão contudo o conceito amplo de retribuição, como, designadamente, ocorrerá com as prestações devidas pela prestação de trabalho nocturno, por turnos ou por isenção de horário de trabalho.
Mas a determinação da natureza retributiva, ou não, da prestação complementar faz-se também pela negativa. Reportamo-nos às prestações em que a própria lei exclui a natureza retributiva, estas as constantes e na medida do previsto no art. 260º, sendo que, no que toca ao complemento ou prémio de desempenho, que visa premiar o desempenho do trabalhador, consubstancia uma prestação complementar que terá, ou não, natureza retributiva consoante esteja, ou não esteja, antecipadamente garantido. E, estará antecipadamente garantido quando, como refere Romano Martinez, se verifiquem os respetivos pressupostos, não dependendo de uma apreciação discricionária do empregador”, sendo que, em caso de dúvida e ex vi da presunção consagrada no art. 258º, nº 3, haverá que se concluir no sentido da sua natureza retributiva, como referido pelo mencionado autor e nesse sentido concluído no acórdão transcrito.

4.2. Revertendo ao caso em apreço, provou-se que:
“h) Desde outubro de 2012 até dezembro de 2019 a A. recebeu a prestação denominada Complemento de Desempenho, cujo valor acrescia à remuneração base e diuturnidades, que era paga trimestralmente, nos seguintes termos: no ano de 2012 recebeu a quantia anual de € 135; no ano de 2013 recebeu a quantia anual de € 540; no ano de 2014 recebeu a quantia anual de € 540; no ano de 2015 recebeu a quantia anual de € 540; no ano de 2016 recebeu a quantia anual de € 540; no ano de 2017 recebeu a quantia anual de € 540; no ano de 2018 recebeu a quantia anual de € 540; no ano de 2019 recebeu a quantia anual de € 540;
i) Mediante comunicação datada de 31 de dezembro de 2019 e cuja cópia consta de fls. 21 dos autos, a R. comunicou à A. que “pelas razões que lhe foram transmitidas na reunião ocorrida com a sua hierarquia e considerando a política de compensação definida pela Empresa para o ano económico de 2020, o seu quadro retributivo deixará de incluir o pagamento de Complemento de Desempenho a partir do próximo dia 1 de janeiro de 2020.”;
j) A A. obteve, ao serviço da R., as seguintes avaliações de desempenho: no ano de 2012 a nota final de 2017 numa escala de 0 a 20; no ano de 2013 a nota final de 16 numa escala de 0 a 20; no ano de 2014 a nota final de 16 numa escala de 0 a 20; no ano de 2015 a nota final de 17 numa escala de 0 a 20; no ano de 2016 a nota final de 4 numa escala de 0 a 5; no ano de 2017 a nota final de 4 numa escala de 0 a 5; no ano de 2018 a nota final de 4 numa escala de 0 a 5; no ano de 2019 a nota final de 3,87 numa escala de 0 a 5;
k) A partir de janeiro de 2020 a R. deixou de liquidar à A. a prestação referida em h);
(…)
m) O Complemento de Desempenho encontra-se previsto na Ordem de Serviço n.º ..., (codificação ...), de 24 de março de 2000, cuja cópia está junta a fls. 36 v.º e 37 dos autos;
n) Naquela Ordem de Serviço, aplicável a todos os trabalhadores da R., consta que:
“1. O Complemento de Desempenho, instituído pelo presente diploma, é atribuível a trabalhadores que revelem elevados níveis de desempenho e visa compensar melhorias estruturais de desempenho dentro do mesmo nível de responsabilidade.
2. Forma de atribuição
2.1. O Complemento de Desempenho revestirá a forma de um prémio que em cada ano poderá ser fixado e atribuído, com reporte ao trabalho prestado no ano anterior, ponderados os resultados obtidos em processo de avaliação, sendo o respetivo valor pago num máximo de quatro prestações trimestrais ao longo do ano civil seguinte àquele a que respeita a avaliação
(…)”;
o) O mérito ou demérito do trabalhador é apurado com recurso à nota obtida por este no âmbito do processo de avaliação de desempenho realizado anualmente, entre janeiro e abril de cada ano, e com impacto no pagamento do Complemento de Desempenho no ano subsequente ao ano a que respeita a avaliação;
p) Consta do despacho de atribuição do Complemento de Desempenho datado de 15 de julho de 2012 e que produziu efeitos à data de 1 de julho de 2012, cuja cópia mostra-se a fls. 37 v.º dos autos, que “o pagamento de cada uma das prestações fica condicionado à confirmação de nível de desempenho”;
q) A A. apôs a sua assinatura naquele despacho;
r) A partir de meados de 2019 a A. reduziu o nível de desempenho, o rendimento do seu trabalho e a entrega que antes depositava no desenvolvimento das suas funções;
s) O nível de desempenho não é aferido apenas através da avaliação individual de cada trabalhador, mas também do cotejo do desempenho de cada trabalhador com o desempenho dos restantes trabalhadores da equipa;
t) A R. atribuiu, e continua a atribuir, aos seus trabalhadores, valores a título de Complemento de Desempenho, sendo essa atribuição condicional à confirmação do nível de desempenho dos mesmos.”
Decorre do referido que a Ré instituiu o pagamento do Complemento de Desempenho, cuja atribuição, no que se reporta à A., foi condicionada “à confirmação de nível de desempenho”, “nível de desempenho” esse que é aferido através da avaliação individual de cada trabalhador e do cotejo desse desempenho com o desempenho dos restantes trabalhadores. Ou seja, verificada essa condição – a confirmação do nível de desempenho – encontra-se ela antecipadamente garantida, não ficando ao critério da Ré a possibilidade de a atribuir ou não, tendo pois natureza retributiva. Ou, pelo menos, na dúvida quanto a essa natureza, assim deverá ser concluído ex vi da presunção do art. 258º, nº 3, não decorrendo da factualidade provada que a Ré tenha provado o contrário, ou seja, que tenha provado a sua natureza de mera liberalidade ou não retributiva, tanto mais tendo em conta a obrigação assumida do seu pagamento verificado que seja o nível de desempenho justificativo da sua atribuição-“confirmação do nível de desempenho” prova essa que, por via de tal presunção, à Ré competia, tanto mais tendo em conta a periodicidade e regularidade do seu pagamento, à A., desde 2012 a 2019.

A questão, no caso, é que, pelo menos expressamente, não decorre da factualidade provada qual o nível de desempenho exigido para a atribuição/manutenção desse complemento.
Decorre contudo que a A., nos anos anteriores a 2019, teve: de 2012 a 2015, uma avaliação entre 16 e 17 (numa escala de 1 a 10); e, nos anos de 2016 a 2018, teve uma avaliação de 4 (numa escala de 0 a 5), anos esses em que lhe foi atribuído o complemento de desempenho, donde se pode concluir que, com pelo menos uma notação de 4, estava antecipadamente garantida a confirmação do (mesmo) nível de desempenho que havia justificado o pagamento do complemento e que, como concluído, tinha o complemento natureza retributiva.

5. Da violação do princípio da irredutibilidade da retribuição

No caso, a A., em 2019, obteve uma notação inferior, de 3,87, sendo que em 2020 a Ré deixou de pagar o complemento de desempenho, donde se impõe apurar se, em tais circunstâncias, foi violado o principio da irredutibilidade da retribuição, consagrado no art. 129º, nº 1, al. d), do CT/2009 [que dispõe que é proibido ao empregador “d) Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”].
Da natureza retributiva da prestação complementar, no caso, do complemento de desempenho, não se pode concluir, sem mais, que não possa ela ser retirada.
Com efeito e como se diz no Acórdão do STJ de 01.04.2009, Proc. 08S3051, in www.dgsi.pt:
“(…).
Porém, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
É que, como tem sido entendimento deste Supremo, as prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho (subsídio nocturno, isenção de horário e outros subsídios) apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir as mesmas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição — neste sentido, entre outros, os acórdãos deste Supremo de 25 de Setembro de 2002, 4 de Maio de 2005, e 17 de Janeiro de 2007 (Documentos n.os SJ200209250011974, SJ2005005040007794) e SJ200701170021884, respectivamente, em www.dgsi.pt).
Isto é, embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação que lhe serve de fundamento, podendo o empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
Idêntico é o entendimento da doutrina sobre esta problemática.
Assim, Pedro Romano Martinez (obra citada, pág. 610) observa que «os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado. O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhe serve de fundamento».
Também Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 472), a propósito do princípio da irredutibilidade da retribuição e de saber se os «aditivos» específicos previstos na lei quanto à determinação da retribuição devem encontrar-se ao abrigo daquele princípio, esclarece que «os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento».
Do que fica dito, impõe-se concluir que é permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição.”
Ou seja, e no que se reporta ao complemento de desempenho, cessando licitamente os pressupostos justificativos da sua atribuição, cessará igualmente a obrigação do seu pagamento, sendo que é à Ré, dada a natureza, conforme acima referido, retributiva do complemento, que compete o ónus de alegação e prova dos factos determinantes da cessação lícita da obrigação desse pagamento. Isto é, cabe à Ré a prova de que deixaram de se verificar os pressupostos de facto determinantes da obrigação desse pagamento, quais sejam a “não confirmação de nível de desempenho”.
Ora, para assim concluir, necessário seria que a Ré tivesse invocado e provado qual o nível de desempenho mínimo susceptível de justificar a atribuição do complemento por forma a se poder concluir que a A. não atingiu esse nível.
No caso e como acima referido pode-se concluir que a avaliação, pelo menos com a notação de 4, conferiria a manutenção do direito ao complemento, sendo que a A. teve, por reporte à avaliação do 2019, a notação de 3,87, ou seja inferior.
Não obstante, afigura-se-nos que tal não se mostra suficiente no sentido de concluir que essa avaliação/notação, mesmo de acordo com os critérios da Ré, determinam a perda do direito ao complemento de desempenho.
Com efeito, se se pode concluir que, pelo menos com uma avaliação de 4, a A. a ele teria direito, não estão contudo alegados e provados os parâmetros mínimos, designadamente a notação de avaliação de desempenho mínima necessária à manutenção do direito e, por consequência, à possibilidade de cessação da obrigação do seu pagamento, nomeadamente que a notação de 3,87 estaria já excluída do nível de desempenho justificativo da atribuição do complemento. E, como já dito, essa prova cabia à Ré.
É certo que se provou também que “r) A partir de meados de 2019 a A. reduziu o nível de desempenho, o rendimento do seu trabalho e a entrega que antes depositava no desenvolvimento das suas funções” e que “s) O nível de desempenho não é aferido apenas através da avaliação individual de cada trabalhador, mas também do cotejo do desempenho de cada trabalhador com o desempenho dos restantes trabalhadores da equipa”.
Não obstante, o referido não se mostra suficiente no sentido da exclusão do direito ao complemento. Com efeito, tal é vago, genérico e não permitindo concluir, muito menos com um mínimo de objectividade e segurança necessárias, no sentido de que deixaram de se verificar os pressupostos mínimos exigidos pela Ré para a sua atribuição, pressupostos esses que, repete-se, não constam dos factos provados, nem foram alegados pela Ré. E se é, como é, à Ré legítimo fixar os pressupostos que tenha por pertinentes à atribuição/exclusão desse complemento, uma vez instituída, como o foi, a sua atribuição em função do nível de desempenho, e assumindo o mesmo, no caso, natureza retributiva, não pode a sua atribuição/exclusão deixar de ser sindicável seja pela A., seja judicialmente.
Diz a Recorrida que: a 1ª instância referiu que “o depoimento da testemunha BB foi bastante esclarecedor no sentido de se perceber as concretas razões que levaram ao abaixamento da avaliação de desempenho da A. no ano de 2019” e que essa testemunha confirmou que tal motivação foi devidamente transmitida em reunião prévia à comunicação escrita agora em causa; que ficou ainda devidamente comprovado nos autos recorridos que a fundamentação da cessação de atribuição da prestação em causa encontra respaldo na diminuição do nível de desempenho da Autora/ Recorrente, conjugada com as condições de que dependia a atribuição e/ou manutenção da atribuição da dita prestação, encontrando-se esses factos devidamente plasmados na comunicação em causa, tendo ainda sido comunicados pela hierarquia à trabalhadora Recorrente.
A decisão da matéria de facto não foi objecto de impugnação, pelo que não pode a Recorrida apelar ao que terá sido dito pela testemunha a que alude, nem esta Relação pode conhecer e fazer uso do depoimento da mesma para, eventualmente, justificar a razão da retirada do complemento em causa.
Em conclusão, não fez a Ré prova da verificação dos pressupostos necessários da cessação lícita da sua obrigação de proceder ao pagamento do complemento de desempenho, pelo que é o mesmo devido à A.

6. Importa ainda esclarecer o seguinte:
Na parte final das suas conclusões, refere a Recorrente que a decisão recorrida deve ser “substituída por outra que considere a parcela remuneratória paga a título de Complemento de Desempenho como retribuição, integrativa na retribuição base”. [sublinhado nosso]
Como resulta do que já deixámos dito, uma coisa é a retribuição base e, outra diferente, os complementos que, tendo embora natureza retributiva mas uma outra causa específica de atribuição, integram a retribuição em sentido amplo, mas não já a retribuição base, esta a correspondente ao período normal de trabalho.
Ora, no caso, razão alguma existe para que o complemento de desempenho seja integrado na retribuição base, sendo certo que, como provado ficou, o mesmo, pese embora a sua natureza retributiva, tem uma outra causa específica de atribuição, qual seja o mérito do desempenho do trabalhador. Aliás, a Recorrente limita-se à afirmação daquela pretensão de integração na retribuição base sem, contudo, aduzir qualquer fundamentação nesse sentido.
Assim, e nesta parte, improcede a pretensão de integração do complemento de desempenho na retribuição base.

7. Tendo em conta o decidido nos pontos 4 e 5, sendo de €540,00 o montante anual do complemento de desempenho, o qual era pago trimestralmente e considerando ainda que o encerramento da audiência de discussão e julgamento ocorreu aos 17.11.2021 (data até à qual poderia ter sido, pelas partes, deduzido articulado superveniente relativamente ao período subsequente à apresentação da p.i. – arts. 28º e 60º, nº 3, do CPT e 588º e 611º, nº 1, do CPC/2013), tem a A. direito, com referência ao período de 01.01.2020 a 30.09.2021, ao pagamento da quantia global de €945,00 [€540,00 referente ao ano de 2020+€405,00 referente ao período de 01.01.2021 a 30.09.2021], bem como ao pagamento dos complementos de desempenho vencidos e vincendos desde 01.09.2021, estes a liquidar, nos termos dos arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2, ambos do CPC/2013, em incidente de liquidação, porém, quanto a estes (desde 01.10.2021 em diante), sem prejuízo da eventual cessação da obrigação desse pagamento caso cessem, licitamente, os pressupostos determinantes do direito da A. ao mencionado complemento de desempenho.

A A. pediu o pagamento de juros de mora desde a data da citação, a qual ocorreu aos 10.09.2020 [conforme constatado no suporte informático dos autos].
Sobre as prestações em dívida são devidos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento – arts. 804º, 806º e 559º, todos do Cód. Civil.
No que toca à data desde a qual tais juros são devidos:
Quanto aos complementos de desempenho vencidos até junho de 2020 [referentes aos 1º e 2º trimestres de 2020], nada impede que, como peticionado, os juros sejam devidos desde a data da citação.
Já quanto aos demais, os juros de mora não poderão reportar-se à data da citação, a qual ocorreu em data anterior à data em que tais prestações deveriam ter sido pagas. E só há mora depois do vencimento.
Com efeito, a obrigação em causa consubstancia obrigação com prazo certo de pagamento – art. 805º, nº 2, al. a), do Cód. Civil -, pelo que os juros de mora são devidos desde a data em cada uma das prestações em dívida deveria ter sido paga e não desde a citação.
***
V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se revoga a sentença recorrida, que é substituída pelo presente acórdão em que se decide:
A. Reconhecer que o complemento de desempenho auferido pela A., AA, no período de 2012 a 2019 tem natureza retributiva;
B. Condenar a Ré, X..., S.A., a pagar à A., AA, a quantia global de €945,00 a título de complemento de desempenho referente ao período de 01.01.2021 a 30.09.2021, acrescida de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento e desde: sobre a quantia de €270,00, desde a data da citação e, sobre a quantia de €675,00 desde a data em cada uma das prestações em dívida deveria ter sido paga.
C. Condenar a Ré a pagar à Autora os complementos de desempenho vencidos e vincendos desde 01.09.2021, estes a liquidar em incidente de liquidação, porém, sem prejuízo da eventual cessação da obrigação desse pagamento caso cessem, licitamente, os pressupostos determinantes do direito da A. aos mencionados complementos de desempenho, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data em que cada uma das prestações deveria ter sido paga até integral pagamento.
D. Julgar improcedente o pedido de integração do mencionado complemento de desempenho na retribuição base da Autora.

Custas da acção e do recurso pela Ré (mostrando-se irrelevante o decaimento da A.).

Porto, 12.09.2022
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas