RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
CARTA DE CONDUÇÃO
Sumário


I - O requerente estriba o pedido de revisão no que diz ser um novo meio de prova – o documento emitido pelo Consulado pelo Consulado Geral da República de Angola, em 21-05-2019, segundo o qual a Carta de Condução emitida pela Direcção Nacional de Viação e Trânsito de Angola, cuja cópia o requerente apresentou no decurso do procedimento condenatório para comprovar a sua habilitação legal para conduzir veículos automóveis, é verdadeira.
II - Não obstante se conceda que se possa tratar, de facto, de documento novo na acepção ao art 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, não pode este tribunal reconhecer uma força probatória ao mesmo que ponha em grave dúvida a justiça da condenação, uma vez que não basta que a nova prova lance simplesmente uma dúvida sobre a ocorrência dos factos que accione as valências do princípio do in dubio pro reo, antes se exigindo séria dúvida sobre a verosimilhança e sustentabilidade probatória da tese factual da condenação em termos de constituir prova em sentido contrário que afecte, que corroa, os respectivos fundamentos.
III - Assim, posta em causa a, alegada, habilitação do requerente para conduzir com base em tal carta de condução nunca será uma declaração consular como a que ora apresenta que a pode atestar, desconhecendo-se, ademais, as circunstâncias em que ela foi emitida, pelo que apenas restará concluir que, não lançando, como não lança, o documento novo dúvida séria sobre a justiça da condenação, não pode ser autorizada a revisão pretendida.

Texto Integral




Autos de Recurso Extraordinário de Revisão

Processo n.º 557/13.6PDVNG-B.S1

5ª Secção


*

I. relatório.
1. Vem o arguido AA, id. nos autos – doravante, Requerente –, interpor recurso extraordinário de revisão de sentença do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.6.2015, transitado em 2.9.2015, que, confirmando sentença de 6.11.2014 do, então, Juiz 2 da Secção da Instância Local Criminal ..., o condenou como autor material de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3º n.os 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1, além do mais, na pena de 6 meses de prisão por referência a factos praticados em 20.7.2013


Funda a revisão na descoberta do que diz serem novos de meios de prova que põem em grave dúvida a justiça da condenação – art.º 449º n.º 1 al.ª d) do Código de Processo Penal (CPP) [1] –, a saber, uma declaração, que junta, emitida em 21.5.2019 pelo Consulado Geral da República de Angola no Porto, de acordo com a qual «a Carta de Condução nr. o ...51, emitida a favor de AA, em ..., pela Direcção Nacional de Viação e Trânsito, como período de validade de 13 de Março de 2009 a 21 de Abril de 2019, para a categoria que nela consta, é verdadeira.».

Remata o requerimento com as seguintes conclusões e pedido:
«1ª- O arguido/recorrente foi condenado a cumprir a pena de 6 meses de prisão efectiva, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, artigo 3º, n.º 1 e 2 do DL 2/98 de 03/12.
2ª- Contudo, em face do documento acima referido, emitido pelo Consulado Geral da República de Angola no Porto em 21/05/2019 e entregue ao recorrente em 2020/12/18 constata-se que o arguido era titular da carta de condução n° ...51, emitida em ... pela Direcção Nacional de Viação e Trânsito em seu nome com período de validade de 13/03/2009 a 21/04/2019 e que a mesma é verdadeira.
3ª- Assim sendo, uma vez que o arguido/recorrenre se encontrava, legalmente, habilitado a conduzir naquela data, a decisão a rever está inquinada por um erro de facto originado por motivos estranhos ao processo, pois, caso o Tribunal tivesse conhecido e considerado tal facto existiriam sérias probabilidades de ser proferida uma sentença absolutória.
4ª- O arguido/recorrente que só agora obteve resposta ao que havia requerido em 2013/07/29 perante o Consulado de Angola no Porto, nunca manifestou, processualmente, tal pedido porque, se por um lado podia adensar ainda mais as dúvidas sobre a sua posição processual acerca da veracidade, ou não, da sua habilitação para conduzir, por outro, não sabia se lhe iam responder e quando o fariam, tantos mais que estes pedidos demoram, como este demorou, anos.
5ª- O arguido/recorrente, apesar de ser cidadão Português, é natural de ..., pelo que tem muitas dificuldades em falar, entender e desconhece muitos dos procedimentos usados e praticados nas mais variadas entidades portuguesas.
6ª- Ao ter sido injustamente condenado, o ora recorrente/arguido, tem direito, sobretudo quando está em causa a sua liberdade, à revisão sentença para desta forma se dar prevalência à verdade material em detrimento da certeza e segurança do direito resultante do caso julgado.
7ª- Atenta a forte probabilidade de, face à descoberta de novos factos, vir a ser autorizada a revisão e uma vez que o arguido não se encontra a cumprir a sanção, requer-se, a decisão aludida no n° 3 do artigo 457° do CPP.


Nos termos expostos e com o mui douto suprimento de V. Exa. deve ser a presente revisão ser autorizada, e, consequentemente, o processo seguir os ulteriores trâmites legais, assim se fazendo a sã e habitual
JUSTIÇA!»

2. Recebido o requerimento de revisão no, ora, Juiz 2 do Juízo Local Criminal ..., juntou o arguido, sob determinação da Senhora Juíza, o original da declaração emitida  pelo Consulado Geral de Angola do Porto de que apenas disponibilizara cópia, bem como certidão do(s) acto(s) revidendo(s) com nota do trânsito.
Depois, respondeu-lhe o Senhor Procurador da República – art.º 454º n.º 1, primeira parte –, em peça que finalizou com as seguintes conclusões:
─ «O arguido teve, desde sempre, conhecimento do objecto do processo – prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal – e, no decurso do mesmo, mormente em sede de inquérito – teve intervenção processual no sentido de alegar ser titular de tal habilitação, mormente através da junção de documento e em sede de interrogatório –, pelo que o facto não é novo;
Também o meio de prova "documento" ora junto aos autos, já após a prolação da sentença não é novo, para efeitos de recurso de revisão, uma vez que o arguido não comprovou/justificou a impossibilidade de o apresentar até ao encerramento da audiência, por forma a poder ser tido em conta, sendo de salientar que o mesmo poderia ter feito a respectiva junção aos autos entre a data da sua detenção, ocorrida a 20/7/2013 e aquela em que se realizou a audiência de julgamento, 4/11/2014;
Em face do conjunto da prova produzida indicia-se, claramente, que o "documento" ora apresentado é (uma vez mais) falso - bastando atentar na informação veiculada pelo Consulado Geral de Angola a fls. 96, no teor da informação remetida pela Direção Geral de Viação de Angola (esclarecendo que a carta de condução n.° ...51 foi emitida a favor de BB, sendo aquela de que o arguido se arroga titular falsa), na sentença proferida no processo 276/11...., no facto do condenado não ter junto aos autos a própria carta de condução e, sim, uma mera cópia, o que, naturalmente, não comprova a sua genuinidade, mas impede a comprovação, por via de exame da sua falsidade e bem assim na circunstância de, constando da cópia da carta de condução junta, como data de emissão, 13/3/2009, se fazer acompanhar no dia 28/9/2011, de uma carta de condução falsificada, como resultou provado no âmbito do dito processo 276/11.... -, pelo que não se suscitam quaisquer dúvidas, muito menos graves, quanto à justiça da condenação.
A conduta do arguido pauta-se por flagrante deslealdade processual.
Não estão, pois, verificados os pressupostos legais do recurso de revisão, impondo-se, manifestamente, a sua rejeição.
*
Pelo exposto, deverá o recurso improceder, recusando-se a revisão de sentença pretendida pelo recorrente, assim se fazendo, Justiça.»
 
3. De seu lado, a Senhora Juíza lavrou a seguinte informação (art.º 454º):
─ «Exmos Srs. Juízes Conselheiros:
Nestes autos o arguido foi condenado na pena de 6 meses de prisão pela prática, em 20.07.2013, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 02/98, de 03 de janeiro.
Interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto alegando ser titular de carta de condução, alicerçado numa cópia da carta de condução (cfr. fls. 139-140 dos autos principais), vindo o recurso a improceder (cfr. fls. 174-178 dos autos principais).
Nesta sequência o arguido interpôs recurso de revisão, no âmbito do qual foi solicitado à Direção Nacional de Viação e Trânsito da República de Angola que esclarecesse se o arguido era titular de carta de condução e, tendo resposta sido negativa (cfr. fls. 50 dos autos apensos A), o pedido de revisão foi recusado.
Veio agora o arguido, uma vez mais, interpor recurso extraordinário de revisão reiterando ser titular de carta de condução, juntou nova prova documental, concretamente uma “declaração”, emitida pelo Consulado Geral de Angola, no Porto, em 21 de maio de 2019, de acordo com a qual carta de n.º ...51, emitida a favor de AA, tinha uma validade de 13 de março de 2009 a 21 de abril de 2019.

Seguindo de perto o Ac. do STJ de 12.03.2009, disponível em www.dgsi.pt.
O recurso extraordinário de revisão é, como o nome indica, um expediente extraordinário de reacção contra uma decisão já transitada em julgado, visando obter autorização do Supremo Tribunal de Justiça para que seja novamente apreciada a condenação ou absolvição ou arquivamento (em casos menos frequentes) através de um novo julgamento.
Foi escolhida uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o acto jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça, e que se traduz na possibilidade limitada de revisão das sentenças penais, que foi entre nós consagrada.
A segurança é seguramente um dos fins do processo penal, não é seguramente o único e nem sequer o prevalente, que se encontra antes na justiça.
Aliás, o recurso de revisão inscreve-se também, parcialmente, nas garantias constitucionais de defesa, no princípio da revisão consagrado no n.º 6 do artigo 29.º da Constituição: os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.
Ora, a admissibilidade deste segundo pedido de revisão, a ter acolhimento, encontrará acolhimento formal nos artigos 449.º a 466.º do Código de Processo Penal, que admite a revisão das decisões penais, perante a descoberta de novos meios de prova, confrontados com os que foram apreciados no processo, que suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação (cfr. artigo 449.º, n.º 1, al. d) do sobredito código).
Vejamos.

À data dos factos o arguido já havia sofrido uma condenação por crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo n.º 76/04...., que correu termos neste do 2.º Juízo Criminal, do Tribunal (cfr. fls. 27 dos autos principais).
No âmbito do processo n.º 276/11...., do 1.º Juízo Criminal deste Tribunal, o arguido foi condenado pela prática, no dia 28/11/2011, pelas 22h30, de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de falsificação (de carta de condução), conforme certidão constante de fls. 34 a 46 dos autos principais.
A fls. 31 dos autos principais, o arguido juntou um documento, pretensamente emitido no dia 29/7/2013, pelo Consulado Geral de Angola, no Porto, relativo à autenticidade) de carta de condução, ...51 pelo qual terá pago 10 euros.
Solicitada informação ao Consulado Geral de Angola, sobre se o arguido era titular de carta de condução, em 27.05.2014, “nenhuma referência foi encontrada a respeito do mesmo na base de dados da Direcção Nacional de Viação e Trânsito de Angola “(cfr. fls. 96 dos autos principais).
De acordo com a informação prestada pela Direção Nacional de Viação e Trânsito da República de Angola, a fls. 50 dos autos apensos, BB é a titular da carta de condução passada pela Direção Nacional de Viação e Trânsito sob o n.º ...51, desde 09/04/2012, que a habilita a conduzir veículos automóveis do tipo ligeiro amador, considerando falsa a carta de condução exibida pelo cidadão AA.
Destarte, afigura-se-nos manifesto que o facto invocado, titularidade da carta de condução, já foi apreciada repetidamente, sendo que o novo meio de prova apresentado é frontalmente contrariado pela Direcção Nacional de Viação e Trânsito da República de Angola, a fls. 50 dos autos apensos, de acordo com a qual BB é a titular da carta de condução passada pela Direção Nacional de Viação e Trânsito sob o n.º ...51, desde 09/04/2012, que a habilita a conduzir veículos automóveis do tipo ligeiro amador, considerando falsa a carta de condução exibida pelo cidadão AA, o que não permite sequer gerar dúvidas, quanto justiça da condenação.
Sublinhe-se que o arguido nunca apresentou e continua a não apresentar a carta de condução n.º ...51.
Entende-se, assim, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 454º do Código de Processo Penal não ser de proceder o pedido formulado.
[…].».


4. Presentes os autos neste Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ao Senhor Procurador-Geral Adjunto nos termos do art.º 455º n.º 1 do CPP, pronunciou-se como segue:
─ «O arguido/recorrente instruiu o presente recurso extraordinário de revisão, com um documento/declaração, que se mostra em flagrante oposição, com o teor dos documentos que foram solicitados, e se mostram juntos, ao anterior recurso de revisão, da decisão proferida nos presentes autos.
Por se nos afigurar essencial à emissão de parecer e naturalmente ao conhecimento de meritis do recurso, promovo:
1. Se oficie ao Consulado-Geral de Angola e à Direcção-Geral de Viação e Trânsito da República Popular de Angola, para que se dignem informar se à data de 20/7/2013, o arguido era titular de documento que o habilitasse a conduzir veículos automóveis, designadamente da categoria ligeiros / não profissional, bem qual a identificação do titular da carta de condução ...51. Tais pedidos deverão ser acompanhados de cópias dos documentos com que o arguido instruiu o presente recurso, bem como, do ofício de fls. 96 dos autos principais, emitido pelo Consulado-Geral de Angola e do ofício de fls. 50 dos autos apensos, emitido pela Direcção Geral de Viação e Trânsito da República Popular de Angola.».

5. Pertinente a pretensão do Senhor Magistrado, foi a mesma deferida, dirigindo-se as correspondentes solicitações às entidades indicadas.
Na ausência de resposta após duas insistências, despachou o relator em 30.6.2021 nos seguintes termos:
─ «Aguarde-se até final das próximas férias judiciais as informações solicitadas à DGV de Angola e ao Consulado-Geral da RPA em Lisboa.
No entretanto, envie-se idêntico pedido informativo ao Consulado Geral da RPA no Porto, onde a Declaração n.º 142/.../.../2019 consta ter sido emitida, solicitando-se-lhe, ainda, a seguintes informações:
• Em que circunstâncias foi emitida declaração referida, designadamente se à vista de carta de condução exibida pelo requerente ou se com base em registos pré-existentes ou coligidos pelos serviços consulares.
• Em que data o requerente pediu a emissão da declaração e em que data, e por que meio – entrega presencial, envio postal ou outro –, ela lhe foi disponibilizada.
Oficie, ainda, ao IMT, IP para que informe se o arguido é titular de carta de condução em Portugal, e em caso afirmativo:
• Se foi obtida por troca com carta emitida pela RPA e em que data;
• Prazo de validade da carta (termo inicial e final);
• Categorias de veículos habilitadas.».
 
A estas novas solicitações apenas respondeu o IMT, IP, em 9.7.2021, informando que o «Sr. AA, filho de CC e de DD, natural de ..., nascido em .../.../1981 e com NIF - ..., não consta como titular de carta de condução em Portugal.».
Relativamente às primeiras, apenas informou o Consulado Geral de Angola em Lisboa, com data de 28.7.2021, ter remetido «a insistência do assunto à entidade angolana competente, de quem» aguardaria «uma resposta, que oportunamente» seria «transmitida».

Em 9.9.2021, o Senhor Procurador-Geral Adjunto interveio, de novo, no processo, consignando nada ter a requerer, no momento.

Até ao presente, não foi prestada qualquer outra informação, nem pelas autoridades angolanas, nem pelas suas representações consulares, em Lisboa ou no Porto, não obstante as numerosas insistências endereçadas.

6. No entretanto, em 19.4.2022, os autos foram continuados com vista ao Ministério Público, tendo, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta ora em exercício, intervindo nos termos que seguem:
─ «Compulsados os autos, e com todo o respeito por entendimento diverso, somos de parecer que no processo já constam os elementos necessários para apreciar e decidir o recurso extraordinário de revisão apresentado.
Efectivamente, a sentença proferida nos autos é datada de 6/11/2014. O Acórdão da Relação do Porto é de 17/06/2015.
Foi tida em conta a informação prestada pela Direcção Nacional de Viação e Trânsito da República de Angola, no sentido de a carta de condução nº LD- 421.451 estar atribuída a BB desde 9/04/2012 e a apresentada pelo arguido ser falsa.
Ainda consta nos autos que, no registo nacional de condutores (SICC), relativamente ao Sr. AA, filho de CC e de DD, natural de ..., nascido em .../.../1981 e com NIF - ..., não consta como titular de carta de condução em Portugal.
Assim, mesmo que tivesse carta de condução emitida pela entidade Angolana competente, em 2013, sempre a mesma não seria válida em Portugal por não ter sido reconhecida pelas autoridades portuguesas.
Logo, sempre a sentença de condenação proferida seria a justa e adequada ao crime cometido.
Face ao exposto, promovo que os autos prossigam os seus termos.».

7. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação.

A. Breve enquadramento procedimental.

a. O Acórdão Recorrido.
8. Julgado na ausência permitida pelo art.º 333º n.os 1 e 2, foi o Requerente condenado por sentença de 6.11.2014 da Secção Criminal da Instância Local ... na pena de 6 meses de prisão pela autoria material de crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3º n.os 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98.
Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, juntando com a motivação cópia autenticada da carta de condução angolana n.º ...51 já referida, para comprovar que, afinal, era titular de habilitação legal para conduzir nas circunstância referidas na sentença recorrida.
A impugnação foi julgada por acórdão de 17.6.2015 – o, ora, Acórdão Recorrido – e improcedeu totalmente.

Quanto à matéria de facto, o Acórdão Recorrido começou por acolher tudo quanto vinha decidido da 1ª instância, ficando aí definitivamente assente o seguinte:
─ «Factos provados:
No dia 20 de Julho de 2013, pelas 15h00m, AA, arguido, conduzia o veículo automóvel de matrícula ..-..-FG, na Rua ..., em ..., área desta comarca.
Todavia, o mesmo não é possuidor de carta de condução, ou de qualquer outro documento que o habilite à condução do referido veículo.
O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que não podia conduzir qualquer veículo na via pública ou equiparada, sem que, para tal, estivesse habilitado com título de condução válido.
Sabia ser o seu comportamento proibido e punido por lei.
Por sentença proferida no dia 5 de Julho de 2004, já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 90 dias de multa pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal; por sentença proferida no dia 29 de Novembro de 2010, já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 180 dias de multa, pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento; por sentença proferida no dia 5 de Junho de 2013, já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena única de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime dé falsificação de documento e um crime de condução de veículo sem habilitação legal
Factos não provados
Dos factos descritos na acusação, com relevo para a presente decisão, não se provaram quaisquer outros.
Motivação
O tribunal fundou a sua convicção nas declarações da testemunha EE, militar da GNR que no exercício de tais funções viu e fiscalizou o arguido a exercer a condução, nas circunstâncias de tempo e lugar acima dadas corno provadas.
As declarações da testemunha mereceram a credibilidade do tribunal porquanto, o mesmo, nenhum interesse quanto ao objecto do processo tendo prestado um depoirnento isento e objectivo. Quanto à identificação do arguido tal testemunha confirmou que a obteve mediante a exibição, por este, do documento de identificação mencionado no auto de notícia.
Foi ainda valorado o conteúdo do CRC do arguido e a informação prestada pelo Consulado Geral da República de Angola, junta a fls. 96.».

E, a propósito da pública-forma da carta de condução junta pelo Requerente, teceu as seguintes considerações:
─ «Inicia o recorrente o seu recurso, pretendendo que era titular de uma carta de  condução emitida pela Direção-geral de Viação de Trânsito do Comando Geral da Polícia Nacional da República de Angola, com validade até 21.4.2019, cuja respectiva cópia (autenticada) juntou.
No entanto, tal documento em nada releva:
Como é consabido, os documentos que constituam objecto de prova devem ser apresentados no decurso da fase de inquérito ou de instrução, podendo sê-lo, no limite, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento: Art. 165º, nº 1, do Código de Processo Penal.
O documento que o arguido pretende agora juntar ultrapassou definitivamente esse prazo, não colhendo a alegação de a carta original se ter extraviado: o arguido teve mais que tempo para, durante o período que mediou entre a sua detenção e a realização do julgamento, vir alegar ou demonstrar ser possuidor de carta de condução válida. Ou seja, o documento não pode ser considerado (embora não se ordene o seu desentranhamento), por ter sido junto depois do momento processual adequado e previsto na lei.
*
Importa ainda considerar duas questões:
Por um lado, ainda que o documento fosse válido, não consta que o mesmo tenha sido assim reconhecido pelas autoridades nacionais, sendo certo que as cartas de condução estrangeiras deverão ser, em regra, reconhecidas em Portugal (quando não há acordos nesse sentido).
Por outro lado, algo mais nos causa perplexidade: a pretensa "carta de condução" agora junta por cópia é datada de 13 de Março de 2009: é essa a data que consta como dia de emissão.
Porém, o arguido foi condenado já em data posterior à emissão de tal documento, por crime de condução sem habilitação legal (praticado no dia 28 de Setembro de 2011, com condenação de 5 de Junho de 2013, pena única de 9 meses de prisão).
Perplexidade mais que justificada, como é compreensível, atento o tempo exagerado de extravio do documento...
Não há, assim, lugar a qualquer reenvio dos autos para novo julgamento.».

Já quanto à qualificação jurídica dos factos e à pena, sufragando, do mesmo modo, a decisão de ..., considerou o Requerente autor material do crime de condução sem habilitação legal e impôs-lhe a pena de 6 meses de prisão.

b. Primeiro recurso de revisão – o acórdão de 15.9.2016 proferido no Proc. n.º 983/11.5TAOER-A.S1.
9. Como já resulta da informação prestada pela Senhora Juíza de ..., o presente é o segundo recurso de revisão que o Requerente move ao Acórdão Recorrido.
Daí que, por de interesse, pelo menos informativo, para a decisão a tomar, siga uma resenha dos principais momentos dele.

10. Valendo-se da pública-forma da "carta de condução" que tinha apresentado com o recurso ordinário, interpôs em Outubro de 2015 o Requerente um, primeiro, recurso de revisão do Acórdão Recorrido, autuado sob o apenso A, dizendo que aquela constituía meio de prova novo que demonstrava a sua habilitação legal para conduzir automóvel na data por que foi condenado e invocando o fundamento previsto no art.º 449º n.º 1 al.ª d).
Também nesse procedimento, distribuído a esta mesma 5ª Secção, este STJ desenvolveu diligências complementares de instrução, tendo obtido em 5.5.2016 uma informação da Direcção Nacional de Viação Trânsito de Angola, datada de 23.2.2016, de acordo com a qual «BB, é titular de carta passada pelos Direcção Nacional de Viação e Trânsito sob o n.º ...51, desde 09/04/2012, que a habilita conduzir veículos automóveis do tipo Ligeiros Amador, considerando falsa a carta de condução exibida pela cidadão AA
E, em 15.9.2016, foi proferido douto acórdão a denegar a autorização da revisão, em termos de que se destacam os seguintes passos:
─ «4) O caso dos autos.
4.1. O arguido recorrente foi condenado nos presentes autos a 6/11/2014, e tendo sido intercetado a 20/7/2013 sem ser portador de habilitação legal para conduzir, sabia que tinha que apresentar o documento de que diz ser portador e o autorizava a conduzir.
Não o fez durante o inquérito, nem até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância, como determina o nº 1 do art. 165º do CPP.
Fá-lo agora com a interposição do presente recurso. Aliás não compareceu nessa audiência "por lapso" (vide fls. 11).
Diremos então que o facto alegado - ser titular de licença de condução aquando da interceção pelas autoridades a 20/7/2013 - não é novo e seria obviamente do conhecimento do recorrente. O documento apresentado com o propósito de o provar também não era meio de prova novo, e poderia ter sido obtido antes.
Esta realidade, só por si seria suficiente para justificar a improcedência do recurso. Mas há mais.

4.2. Já se viu que o arguido foi encontrado a conduzir um veículo automóvel sem ser portador de carta de condução, a 20/7/2013. Na versão por si apresentada, ocorrera o extravio da carta que o habilitava a conduzir, carta passada pelas autoridades competentes da República de Angola a 20/2/2006. Pediu uma segunda via a 13/12/2012. Mas o arguido veio juntar aos autos uma pública-forma notarial de carta de condução, exibida e restituída ao titular (fls. 25), sem que apresentasse nestes autos, ainda que tardiamente, a própria carta "por medo de novo extravio" (fls. 11).
Esta carta, com o n.º ...51, válida de 13/3/2009 a 21/4/2019, teve a primeira emissão a 20/2/2006. Ter-se-á pois extraviado, ao que parece, não só a carta de 20/2/2006, como a segunda via de 13/3/2009.
Entretanto, o arguido já tinha sido condenado por condução sem habilitação legal noutros processos, a 5/7/2004, 29/11/2010 e 5/6/2013, neste último caso, ainda pelo crime de falsificação. E como se vê de fls. 68 do processo principal, o arguido apresentara no pg 276/11.... (do então 1.º  juízo ...), a que se refere a dita condenação de 5/6/2013, outra carta de que dizia ser titular, com o n.º ...79, supostamente válida, de 12/2/2010, data da sua emissão, até 21/4/2018. Essa carta provou-se ser falsa, depois de realizada a pertinente perícia, e daí aquela condenação por falsificação (fls. 75).
No inquérito a que se procedeu, no processo principal dos presentes autos, houve o cuidado de pedir ao consulado Geral de Angola a confirmação da titularidade da carta de condução do recorrente AA, e a resposta que se vê a fls 96, foi que "nenhuma referência foi encontrada a respeito do mesmo na base de dados da Direcção Nacional de Viação e Trânsito de Angola". Então, nunca esta pública-forma de fls. 25, documento suporte do pedido de revisão, seria bastante para levantar graves dúvidas sobre a justiça da condenação. O que tudo, conjugado, impõe que se considere o pedido manifestamente infundado.».

11. Isto consignado:

B. Recurso de revisão: considerações gerais.
12. O recurso de revisão é um meio extraordinário de reacção contra sentenças e, ou, despachos a elas equiparados, transitados em julgado, nos casos em que «o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas, susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa eliminar o escândalo dessa injustiça» [2].

O caso julgado concede estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito que é um dos fins do processo penal.

Mas fim do processo é, também e antes do mais, a realização da justiça. Por isso se não confere valor absoluto ao caso julgado, que deve ceder em situações de gravíssima e comprovada injustiça, garantindo o art.º 29º n.º 6 da Constituição da República Portuguesa a revisão da sentença «nas condições que a lei prescrever».

Espaço de realização, assim, do compromisso adequado entre os valores da segurança e da justiça, o recurso de revisão da sentença penal está regulado nos art.os 449º a 466º, enunciando, logo, o primeiro deles os – todos os – fundamentos respectivos [3].

E entre esses fundamentos encontra-se, em boa verdade, no n.º 1 al. d) do art.º 449º o de «Se descobrirem factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação» de que, na vertente dos novos meios de prova, o Recorrente se vale.

13. Sendo, um expediente excepcional, que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito» só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"», podem legitimar o recurso de revisão.
E, na sua concreta actuação, não se pode transformar em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise), num recurso penal encapotado, degradando o valor do caso julgado e permitindo a eternização da discussão de uma causa» [4]: «o recurso de revisão é estruturado na lei processual penal em termos que não fazem dele uma nova instância, surgindo no prolongamento da ou das anteriores», sendo que «no novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias» [5].

14. No que especificamente respeita ao fundamento previsto no art.º 449º n.º 1 d), pressuposto primeiro da revisão é a existência de factos ou meios de provas que possam considerar-se novos.

Na sua acepção mais comum, «[a] expressão "factos ou meios de prova novos", constante do fundamento de revisão da alínea d) do n° 1 do artigo 449º do CPP, deve interpretar-se no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão» [6].
Concede, todavia, alguma jurisprudência – com que se concorda – que ainda sejam novos os factos ou meios de prova já conhecidos ao tempo do julgamento pelo requerente, desde que este justifique «porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal» [7]. Entendimento de que, de resto, a própria lei dá indicação ao referir no art.º 453º n.º 2 a propósito da nova prova testemunhal que «[o] requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor».

15. Nos termos, expressos, do art.º 449º n.º 3 não é admissível revisão com fundamento em novas provas ou novos factos «com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada».

A simples e imediata correcção da medida da sanção aplicada, sem alteração da incriminação, não constitui, assim, fundamento suficientemente relevante para afastar a estabilidade do caso julgado e os valores da certeza e segurança que ele protege: «os factos novos têm de impor uma alteração na substância, na própria condenação por determinado crime; o valor de justiça que se impõe ao caso julgado tem de ser referido ao valor essencial, e não apenas a pressupostos de alguma relativa variabilidade, como são os fundamentos e os critérios – em boa medida prudenciais – da fixação concreta da sanção. No rigor, […] a consequência tem de ser a dúvida relevante sobre a influência dos factos novos relativamente à subsistência da condenação por um determinado crime – no sentido da absolvição ou […] a declaração da inexistência de um crime, ou seja, a absolvição por um determinado crime, embora sem excluir a possível subsistência de outro na sequência do novo julgamento a efectuar, integrado pelos factos que não sejam afectados pela intervenção modificativa dos factos novos» [8].


Fora do âmbito desta proibição caem, porém, os casos em que, pela revisão, se persegue uma correcção mediata da medida concreta da pena, mormente, a que possa resultar de uma nova, e corrigida, moldura penal abstracta, e seja em razão da alteração da qualificação jurídica dos factos ou da consideração de uma (nova) circunstância modificativa [9].
E também não é afectada pela mesma proibição, ainda que interpretado o art.º 449º n.º 3 no sentido mais amplo de também abarcar os casos de correcção da espécie da pena – v. g., mediante a aplicação de uma pena de substituição [10] – a pretensão de que se reconduzam os (mesmos) factos do domínio da responsabilização criminal para o da contra-ordenacional: inexistindo relação de continuidade normativa entre o ilícito criminal e o ilícito de mera ordenação social – «as contra -ordenações representam um “aliud” em relação aos crimes, ou seja, são infracções de uma natureza distinta. Essa distinção passa no plano do ilícito pela referência dos crimes a bens jurídicos mais ou menos cristalizados na ordem social de valores e pela ligação das contra-ordenações a meras funções sociais, relativas nomeadamente a interesses de controlo da administração sem ressonância ética imediata. As contra-ordenações assentam estruturalmente na violação de certos deveres administrativos, o que confere ao ilícito respectivo uma carácter essencialmente formal, baseado num mero desvalor da acção, material-axiologicamente neutro» [11] –, a substituição condenatória por crime pela por contra-ordenação supõe uma pretensão absolutória relativamente aquela que, incontornavelmente, legitima a revisão.

16. Condição necessária da revisão, a descoberta de novos factos ou meios de prova não é, todavia, suficiente, havendo uns e, ou, outros de lançarem «graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – al.ª d) citada, parte final.

E dúvidas efectivamente graves ou sérias, que «[a] dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de subir o patamar da mera existência, para atingir a vertente da "gravidade" que baste», não sendo «uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada» [12].

Tudo tendo de decorrer «sob a égide da alternativa condenação/absolvição, que afinal plasma e condensa o binómio condenação justa (a manter-se) condenação injusta (a rever-se)» [13], haverá esse facto e, ou, meio de prova de «fazer sentido no contexto e de ser portador de verosimilhança que o credite para evidenciar a alta probabilidade de um erro judiciário e desse modo potenciar a alteração do que antes ficou provado» [14]. E assim em termos de que «na ponderação conjunta de todos os meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (art.125.º, do CPP) e, sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação» [15].

C. A habilitação legal para conduzir em Portugal ao abrigo da carta condução emitida pela República de Angola.
17. Como já se vê de tudo quanto se vem dizendo, o questão-fulcro deste procedimento recursório é a habilitação legal, sim ou não, do Requerente à data de 20.7.2013 para conduzir veículo automóvel conferida por algum dos títulos previstos no Cód. da Estrada e legislação conexa, designadamente pela Carta de Condução cuja emissão em seu favor pelas entidades competentes da República de Angola quer aqui comprovar.
Daí que ainda se justifiquem duas ou três palavras acerca da sistema da habilitação legal de conduzir em situações como as de que os autos dão conta, de resto também de algum modo reclamadas pelas considerações lavradas pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta a final do douto parecer-promoção 19.4.2022, de que «mesmo que [o Requerente] tivesse carta de condução emitida pela entidade Angolana competente, em 2013, sempre a mesma não seria válida em Portugal por não ter sido reconhecida pelas autoridades portuguesas» e que «[l]ogo, sempre a sentença de condenação proferida seria a justa e adequada ao crime cometido».
Assim:

18. Crescentemente contestada a ideia de que os títulos de condução de veículos automóveis emitidos pela República de Angola – e pelo outros novos países anteriormente colónias ou províncias ultramarinas portuguesas – continuavam, mesmo após a respectiva independência, a conferir, sem mais, habilitação legal em Portugal ao abrigo da Convenção de Genebra sobre Trânsito Rodoviário de 1949 (Convention on Road Traffic, de 19-09-1949) e da, posterior, Convenção de Viena sobre Circulação Rodoviária (Convention on Road Traffic, Vienna, 8 November 1968), interveio o Estado Português na matéria através do Despacho n.º 12 595/2007, de 28.2.2007, do Director-Geral de Viação, publicado no DR, II, de 21.6.2007, que, sob a epígrafe «Reconhecimento de títulos de condução da República de Angola» determinou, com efeito imediatos, que «os títulos de condução emitidos pela República de Angola, que se apresentem dentro do seu prazo de validade, habilitam à condução de veículos automóveis em território nacional, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 125.º do Código da Estrada, pelo prazo máximo de 185 dias seguidos.» [16].
No seguimento dessa intervenção normativa e do "Memorando de Entendimento entre os Governos de Governos da República Portuguesa e da República  Angolana" assinado em Lisboa em 19.3.2007 que a credenciou, vieram a República Portuguesa e a República de Angola a celebrar o "Acordo […] para o Reconhecimento Mútuo de Título de Condução", assinado em Luanda em 22.2.2008, que teve por objecto «[…] o reconhecimento mútuo de títulos de condução emitidos pelas autoridades competentes das duas Partes aos seus nacionais.» [17] e que, aprovado em Portugal pelo Decreto n.º 48/2008, de 17.10, entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa em 7.3.2012, conforme Aviso n.º 4/2012, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, publicado no DR, I, de 13.3.2012, 
Ora, por via desse Acordo/Tratado Internacional, não só o Estado Português se obrigou a reconhecer as licenças de condução emitidas pelo Estado Angolano –art.os 1.º e 2º n.º 1 respectivos –, como, na sua articulação com as pertinentes disposições do Cód. da Estrada – principalmente a do art.º 125º – e legislação conexa, instituiu um sistema que não só autorizava – autoriza –, em certas condições [18], o exercício da condução em Portugal mediante a, simples, titularidade da habilitação conferida pela República de Angola, como permitia – permite – a troca dos títulos por esta emitidos por títulos portugueses, sem outra formalidades que não a da simples confirmação da autenticidade do documento angolano pela autoridade emitente – art.º 2º n.º 2 do Acordo.
E sistema esse que, tomando por parâmetro o episódio em (re)apreciação neste recurso extraordinário, se podia [19] desenvolver em quatro cenários-soluções, a saber:
(1). O Requerente não era titular de habilitação legal angolana para conduzir a categoria de veículos referida na condenação, fosse porque nunca a tinha obtido, fosse porque, tendo-a alcançado, o título tinha perdido validade face à lei daquele país: num tal quadro, nada poderia – poderá – colidir com a condenação proferida que, face aos art.º 121º, 122º, 123º, 124º e 125º do Cód. da Estrada na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23.2, vigente à época [20], não dispunha de nenhum dos títulos habilitantes, nacional ou estrangeiro, para da condução, por isso que caindo sob a alçada criminal dos art.os 121º n.º 1 do Cód. da Estrada e 3º n.os 1 e 2 da Lei n.º 2/98 e estando liminarmente excluída a ideia da revisão de sentença.
(2). O Requerente era titular de habilitação, válida e em vigor, conferida em Angola e estava há menos de 185 dias em Portugal: nesta hipótese e porque nada teria legalmente obstado ao exercício da condução atento o disposto nos art.º 2º n.os 1 e 2 do Acordo aprovado pelo Decreto n.º 48/2008 e do próprio art.º 125º n.º 1 al.ª d) do Cód. da Estrada [21], seria de encarar a autorização da revisão;
(3). O Requerente era titular de habilitação, válida e em vigor, conferida em Angola, residia há mais de 185 dias em Portugal e tinha obtido a troca do título angolano por título português, nos termos dos art.º 2º n.º 2 do Acordo: neste caso também nada teria obstado ao exercício da condução, tudo se passando como se tivesse obtido a habilitação de condução originariamente em Portugal, e havendo, igualmente, de ser encarada a revisão;
(4). O Requerente era titular de habilitação válida e em vigor conferida em Angola, mas residia há mais de 185 dias em Portugal e não tinha obtido a troca do titulo angolano por título português: nesta situação, sendo embora ilegal o seu exercício, a condução não teria relevado da prática de crime mas de, mera, contra-ordenação – precisamente a punida nos termos das disposições conjugadas dos n.os 1 al.ª d), 4 e 7 do art.º 125º do Cód. da Estrada e 2º n.º 2 do Acordo, com coima de € 300,00 a € 1 500,00 – havendo, igualmente, de ser equacionada a revisão que, pelas razões referidas em 16. supra, nem podia subsistir a condenação criminal nem ser simplesmente substituída por condenação contra-ordenacional.

19. Tudo isto dito, veja-se, então, o caso mais de perto.
Com a advertência, já, de que, dos quatro cenários-soluções equacionados, o terceiro sempre estará arredado da discussão, tanto em razão dos termos em que vem formulado e fundamentado o pedido de revisão como do que se apurou na instrução do próprio recurso, que em parte alguma o Requerente alega ter obtido carta de condução portuguesa por troca da angolana e que tal dado está confirmado pela informação prestada pelo IMT, IP, referida em 5. supra.
Já a figuração de qualquer um dos três outros é congeminável, embora a do segundo com menor probabilidade do que a dos restantes: desconhecendo-se, em bom rigor, há quanto tempo o Requerente reside em Portugal e se o vem fazendo por forma ininterrupta, sabe-se, porém, em razão do que ficou assente no Acórdão Recorrido, no Acórdão do primeiro recurso de revisão e do que consta do CRC emitido em 4.6.2018 junto aos autos principais [22], que se encontrava no nosso país em 3.1.2004,  5.7.2004, 5.9.2006, 28.9.2011 e 18.3.2011 por nessas datas ter cometido ilícito criminais por que veio a ser condenado, por isso que sendo razoavelmente de admitir que, com referência à data de 20.7.2013, estivesse há mais de 185 dias no país.
Seja como for e podendo, como dito, qualquer um dos cenários ultimamente referidos viabilizar a autorização da revisão, veja-se dos concretos fundamentos do pedido.  

D. O caso sob recurso: o novo meio de prova arrolado no requerimento de revisão.
20. Revistas a motivação e as conclusões do requerimento inicial, tem-se que o Requerente estriba o pedido de revisão no que diz ser um novo meio de prova que, alegadamente, põe em grave crise a justiça da sua condenação, concretamente o documento emitido pelo Consulado pelo Consulado Geral da República de Angola no Porto em 21.5.2019, intitulado «Declaração n.º 142/.../.../2019, segundo o qual a carta de condução n.º ...51 emitida pela Direcção Nacional de Viação e Trânsito de Angola cuja cópia o Requerente apresentou no decurso do procedimento condenatório para comprovar a sua habilitação legal para conduzir veículos automóveis é verdadeira.
Documento esse – acrescenta – cuja emissão requereu em 29.7.2013 – portanto, escassos dias sobre ter sido detectado, em 20 anterior, a nas circunstâncias descritas no Acórdão Recorrido – mas que – garante também – só muito recentemente lhe foi facultado, e a cujo pedido não fez até ao momento da presente de revisão qualquer alusão – maxime, até ao encerramento da audiência de julgamento em 1ª instância – « porque, se por um lado podia adensar ainda mais as dúvidas sobre a sua posição processual acerca da veracidade, ou não, da sua habilitação para conduzir, por outro, não sabia se lhe iam responder e quando o fariam, tantos mais que estes pedidos demoram, como este demorou, anos.».
E documento esse que – conclui –, se considerado em devido pelo tempo tribunal bem poderia ter determinado a sua absolvição relativamente ao crime p. e p. pelo art.º 3º n.os 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1 por, afinal, comprovada por aquele e pela cópia carta de condução que exibiu, a necessária habilitação legal; e que, considerado ora, bem pode autorizar a revisão do decidido, reparando-se a manifesta injustiça em que se traduziu a sua condenação.
Veja-se:

21. Independentemente das suas potencialidades probatórias, a primeira condição de atendibilidade no recurso de revisão do documento ora apresentado é a de que, como já dito, se trate de meio de prova novo nos termos supostos pelo art.º 449º n.º 1 al.ª d), é dizer, de meio de prova cuja existência era desconhecida tanto pelo tribunal como pelo Requerente ao tempo do julgamento condenatório, ou, pelo menos – coisa que, como ali se referiu, alguma jurisprudência aceita e com que se concorda –, não obstante já então do conhecimento (apenas) do Requerente, demonstre este ter estado impossibilitado de então o ter apresentado ou, no mínimo, ter tido boas e atendíveis razões para não o ter feito.

Na demanda, então, desse requisito e tomando o documento pela sua, singela, aparência e fazendo fé nas afirmações do Requerente, concede este tribunal que se possa tratar, de facto, de documento novo na acepção daquele normativo: apesar de, na versão daquele interessado, ter pedido a sua emissão em 29.7.2013 – ou seja, sete dias após o momento da comissão da infracção e cerca de 1 ano e 4 meses antes da audiência de julgamento a que, em 6.11.2014, veio a ser submetido –, a verdade é que, como já sublinhado, consta do escrito que somente veio a ser emitido em 21.5.2019 e o Requerente diz só tê-lo recebido em 18.12.2020, o que tudo concorre no sentido da sua posterioridade relativamente ao acto judicativo – onde, naturalmente, não se lhe vê qualquer referência – e, portanto da sua novidade.
Concessão ainda assim – não se pode deixar de assinalar –  precedida de alguma hesitação, em face das dúvidas que o procedimento de emissão do documento continua a suscitar ao Tribunal e que o Consulado Geral de Angola, emitente dele, não se dispôs a esclarecer não obstante as insistentes solicitações que lhe foram dirigidas, como tudo já melhor referido em 5. supra. E isso já para não falar da perplexidade que a justificação para a sua apresentação adiantada pelo próprio Requerente não pode deixar de suscitar, por não se intuir que utilidade ou finalidade pudesse servir, sete dias após a ocorrência dos factos por que viria a ser condenado, o pedido de emissão de um documento que atestasse a genuinidade de uma carta de condução de que pudesse ser titular e cuja autenticidade e valor probatório até àquele momento ninguém tinha contestado! E perplexidade que, de resto, ainda mais se acentua se se atentar na explicação que dá para o facto de não ter comunicado, ao tempo, ao Tribunal a dedução daquele pedido, a de que, recorde-se de novo, «podia adensar ainda mais as dúvidas sobre a sua posição processual acerca da veracidade, ou não, da sua habilitação para conduzir.»!

Pesem todas estas reticências, admita-se, mais que não seja a benefício de raciocínio, que se trata de documento novo, avançando-se para o passo seguinte do iter decisório.
 
22. A mais de serem novos – e vão-se repetir, de novo, ideias já firmadas –, haverão os meios de prova, por si ou combinados com os já produzidos, de pôr em grave dúvida a justiça da condenação, em termos de, hipotizada a sua consideração em novo julgamento e «sem prejuízo da sujeição [aí] das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade» [23] , haver uma probabilidade especialmente qualificada de vir a ser proferida decisão absolutória.
O que, pressupondo, sempre, que o Requerente era, à data de 20.7.2013, titular de habilitação válida e em vigor para conduzir veículo daquela categoria conferida pela República de Angola, tanto poderia – poderá – acontecer no caso de, ao tempo, residir em Portugal há não mais do que 185 dias – hipótese em que, nos termos conjugados dos art.os 1.º e 2º n.º 2 do Acordo aprovado pelo Decreto n.º 48/2008 e 125º n.º 1 al.ª d) do Cód. da Estrada na redacção da época, deteria plena habilitação para conduzir, não incorrendo em qualquer infracção, criminal ou, sequer, de ordenação social –, como no de aqui residir há mais tempo – hipótese em que, podendo ter praticado a contra-ordenação p. e p. pelos art.os 1.º e 2º n.º 2 do Acordo, e 125º n.os 1 al.ª d), 4 e 7, do Cód. da Estrada, afastaria a comissão do crime.
E o que, já se vê, sempre dependerá, em última instância, de ser reconhecido ao novo documento força probatória bastante para, infirmando a conclusão negativa do Acórdão Recorrido, demonstrar que, afinal, o Requerente estava mesmo habilitado pelo Estado Angolano para aquela condução e que disso era penhor a carta de condução n.º ...51 que o documento  declara ter sido «emitida a favor» dele, «em ..., pela Direcção Nacional de Viação e Trânsito  habilitação legal para conduzir veículos automóveis da categoria em causa, com o período de validade de 13 de Março de 2009 a 21 de Abril de 20 19, para a categoria que nela consta, é verdadeira.».

23. Ora, salvo o muito devido respeito pela opinião do Requerente, não pode este Tribunal reconhecer uma tal força probatória a esse documento, tanto mais que, para efeito da autorização da revisão, não basta que a nova prova lance simplesmente uma dúvida sobre ao ocorrência dos factos que accione as valências do princípio do in dubio pro reo, antes se exigindo séria dúvida sobre a verosimilhança e sustentabilidade probatória da tese factual da condenação em termos de constituir prova em sentido contrário que afecte, que corroa, os respectivos fundamentos «por tal forma que a dúvida surja sobre a sua razoabilidade» [24].
É que, no fim de contas, o que aquele documento se propõe é substituir a própria Carta de Condução angolana nele referida, de que o Requerente insiste em dizer-se titular e que a entidade consular afirma ser verdadeira, mas cujo original aquele nunca apresentou em Tribunal – tanto no recurso que deu origem ao Acórdão Recorrido como no primeiro recurso de revisão, valeu-se, como já dito, de uma pública-forma dela  –, nem sequer depois de naquele outro recurso de revisão, o Ministério o Interior da República de Angola ter informado por ofício de 23.2.2016, que o título de condução com aquele número tinha sido emitido em nome de outra pessoa e em data diferente, por isso que sendo falso o exibido no processo.
Ora posta assim em causa a, alegada, habilitação do Requerente para conduzir com base em tal carta de condução, nunca será uma declaração consular como a que ora apresenta que a pode atestar, de mais a mais, desconhecendo-se – insiste-se – as circunstâncias em que ela foi emitida – mormente, se «à vista de carta de condução exibida pelo requerente ou se com base em registos pré-existentes ou coligidos pelos serviços consulares», como o Tribunal quis indagar, mas ao que não obteve qualquer resposta – e sem que, inclusivamente, se perceba muito bem o que a entidade consular quis significar ao afirmá-la verdadeira.
E, diga-se para finalizar, que em última instância, sempre constitui ónus do Requerente a demonstração do bom fundamento da sua pretensão, isso pois que, como já dito e aqui se repete, é «sobre o condenado/recorrente que impende o ónus de demonstrar que o conhecimento dos novos factos e/ou a apresentação de novos elementos de prova têm a peculiaridade de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, sob pena a revisão não poder ser autorizada» [25], até porque o «recurso de revisão não se destina a ir à procura de fundamentos de revisão, ou a investigar a possibilidade abstracta, não suportada por qualquer dado concreto, da existência de qualquer um deles» [26].
Coisa que, manifestamente, não cumpriu.

24. Chegados a este ponto, apenas restará concluir que, não lançando, como não lança, o documento novo dúvida séria dobre a justiça da condenação, não pode ser autorizada a revisão pretendida.
Por tudo seguindo, de imediato, decisão de indeferimento.     

III. decisão.
25. Termos em que acordam os juízes desta 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar a autorização da revisão.

Custas pelo Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC's

*

Digitado e revisto pelo signatário (art.º 92º n.º 4 do CPP).

*

Supremo Tribunal de Justiça, em 2.6.2022.


Eduardo Almeida Loureiro (Relator)

António Gama

Helena Moniz



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[1] Diploma a que pertencerão os normativos que se vierem a citar sem menção de origem.
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1981, p. 158.
[3] Art.º 449º n.º 1:
«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça».
[4] Paulo Pinto de Albuquerque, ibidem, pp. 1209 e 1215.
[5] AcTConst n.º 376/2000, in DR, II, de 13.12.
[6] AcSTJ de 27.2.2014 - Proc. n.º 5423/99.3JDLSB-B.S1 citado, aliás, referenciando Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 2ª ed., anotação 12 ao art.º 449º.
[7] AcSTJ de 17.12.2009 - Proc. n.º 330/04.2JAPTM-B.S1, in www.dgasi.pt.
[8] AcSTJ de 23.9.2010 – Proc. n.º 300/07.9SALSB-A.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, AcSTJ de 14.3.2013 - Proc. n.º 693/09.3JABRG-A.S1, in www.dgsi.pt.
[10] Neste sentido, AcSTJ de 4.11.2015 - Proc. n.º 1052/05.2TAVRL-D.S1, in www.dgsi.pt.
[11] AFJ n.º 13/2015, in DR - I, de 15.10, aliás, confortando-se em Augusto Dias da Silva, in "Crimes e Contra-Ordenações Fiscais - Direito Penal e Económico e Europeu", II, pp. 439 a 440. 
[12] AcSTJ de 29.4.2009 - Proc. n.º 15189/02.6.DLSB.S1, in www.dgsi.pt.
[13] AcSTJ de 19.11.2020 - Proc. n.º 198/16.6PGAMD-A.S1, in www,dgsi.pt
[14] AcSTJ de 5.9.2018 - Proc. n.º 3624/15.8JAPRT-F.S1 (sumário).
[15] AcSTJ de 19.11.2020 - Proc. n.º 198/16.6PGAMD-A.S1 citado
[16] «Tendo presente que a legislação rodoviária em vigor na República  de Angola reconhece a carta de condução portuguesa para conduzir  naquele Estado, o que preenche o requisito constante da alínea e)  do n.º 1 do artigo 125.º do Código da Estrada;  Tendo ainda em conta os termos do n.º 3 do Memorando de Entendimento  entre os Governos da República Portuguesa e da República  Angolana, sobre o reconhecimento mútuo de títulos de condução,  assinado em Lisboa, em 19 de Março de 2007, determino que os  títulos de condução emitidos pela República de Angola, que se apresentem  dentro do seu prazo de validade, habilitam à condução de  veículos automóveis em território nacional, ao abrigo da alínea e)  do n.º 1 do artigo 125.º do Código da Estrada, pelo prazo máximo  de 185 dias seguidos.  O presente despacho entra em vigor imediatamente após a sua  assinatura.
19 de Março de 2007.—O Director-Geral, Rogério Pinheiro.» é o teor integral do despacho.
[17] Art.º 1.º respectivo.
[18] Durantes o primeiros 185 dias de estada em Portugal, recorde-se.
[19] Aliás, pode, que, ainda hoje e não obstante as várias alterações introduzidas no Cód. da Estrada – a última delas, pela Lei n.º 66/2021, de 24.8. Decreto-Lei n.º  e legislação complementar, o sistema mantém a mesma matriz.
[20] – Art.º 121º:
«Princípios gerais
1 - Só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito.
2 - É permitida aos instruendos e examinandos a condução de veículos a motor, nos termos das disposições legais aplicáveis.
3 - A condução, nas vias públicas, do equipamento militar circulante ou de intervenção de ordem pública referido no artigo 120.º e dos veículos que se deslocam sobre carris rege-se por legislação especial.».
– Art.º 122º:
«Títulos de condução
1 - O documento que titula a habilitação para conduzir automóveis, motociclos, triciclos e quadriciclos designa-se «carta de condução».
2 - Designam-se «licenças de condução» os documentos que titulam a habilitação para conduzir:
a) Motociclos de cilindrada não superior a 50 cm3;
b) Ciclomotores;
c) Outros veículos a motor não referidos no número anterior, com excepção dos velocípedes com motor.
3 - Os documentos previstos nos números anteriores são emitidos pela entidade competente e válidos para as categorias ou subcategorias de veículos e períodos de tempo neles averbados, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
4 - A carta de condução emitida a favor de quem não se encontra já legalmente habilitado para conduzir qualquer das categorias ou subcategorias de veículos nela previstas tem carácter provisório e só se converte em definitiva se, durante os três primeiros anos do seu período de validade, não for instaurado ao respectivo titular procedimento pela prática de crime ou contra-ordenação a que corresponda proibição ou inibição de conduzir.
5 - Se, durante o período referido no número anterior, for instaurado procedimento pela prática de crime ou contra-ordenação a que corresponda proibição ou inibição de conduzir, a carta de condução mantém o carácter provisório até que a respectiva decisão transite em julgado ou se torne definitiva.
6 - Os veículos conduzidos por titulares de carta de condução com carácter provisório devem ostentar à retaguarda dístico de modelo a definir em regulamento.
7 - Os titulares de carta de condução válida apenas para as subcategorias A1 ou B1, quando obtenham habilitação em nova categoria, ficam sujeitos ao regime previsto no n.º 4 ainda que o título inicial tenha mais de três anos.
8 - O disposto nos n.os 4 e 5 não se aplica ao título emitido através de troca por documento equivalente que habilite a conduzir há mais de três anos, salvo se contra o respectivo titular estiver pendente procedimento nos termos do n.º 5.
9 - Nos títulos de condução só pode ser feito qualquer averbamento ou aposto carimbo pela entidade competente para a sua emissão.
10 - A entidade competente para a emissão de títulos de condução deve organizar, nos termos fixados em regulamento, um registo nacional de condutores, donde constem todos os títulos emitidos, bem como a identidade e o domicílio dos respectivos titulares.
11 - Sempre que mudarem de domicílio, os condutores devem comunicá-lo, no prazo de 30 dias, à entidade competente para a emissão dos títulos de condução.
12 - Os titulares de título de condução emitido por outro Estado membro do Espaço Económico Europeu que fixem residência em Portugal devem, no prazo de 30 dias, comunicar ao serviço competente para a emissão das cartas de condução a sua residência em território nacional, para efeitos de actualização do registo de condutor.
13 - A revalidação, troca, substituição e a emissão de duplicado do título de condução dependem do prévio cumprimento das sanções aplicadas ao condutor.
14 - Quem infringir o disposto nos n.os 6, 9, 11 e 12 é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300, se sanção mais grave não for aplicável.».
– Art.º 123º:
«Carta de condução
1 - A carta de condução habilita a conduzir uma ou mais das seguintes categorias de veículos:
A - motociclos de cilindrada superior a 50 cm3, com ou sem carro lateral;
B - automóveis ligeiros ou conjuntos de veículos compostos por automóvel ligeiro e reboque de peso bruto até 750 kg ou, sendo este superior, com peso bruto do conjunto não superior a 3500 kg, não podendo, neste caso, o peso bruto do reboque exceder a tara do veículo tractor;
B + E - conjuntos de veículos compostos por um automóvel ligeiro e reboque cujos valores excedam os previstos para a categoria B;
C - automóveis pesados de mercadorias, a que pode ser atrelado reboque de peso bruto até 750 kg;
C + E - conjuntos de veículos compostos por veículo tractor da categoria C e reboque com peso bruto superior a 750 kg;
D - automóveis pesados de passageiros, a que pode ser atrelado reboque de peso bruto até 750 kg;
D + E - conjuntos de veículos compostos por veículo tractor da categoria D e reboque com peso bruto superior a 750 kg.
2 - As categorias referidas no número anterior podem compreender subcategorias que habilitam à condução dos seguintes veículos:
A1 - motociclos de cilindrada não superior a 125 cm3 e de potência máxima até 11 kW;
B1 - triciclos e quadriciclos;
C1 - automóveis pesados de mercadorias cujo peso bruto não exceda 7500 kg, a que pode ser atrelado um reboque de peso bruto até 750 kg;
C1 + E - conjuntos de veículos compostos por veículo tractor da subcategoria C1 e reboque com peso bruto superior a 750 kg, desde que o peso bruto do conjunto não exceda 12000 kg e o peso bruto do reboque não exceda a tara do veículo tractor;
D1 - automóveis pesados de passageiros com lotação até 17 lugares sentados, incluindo o do condutor, a que pode ser atrelado um reboque de peso bruto até 750 kg;
D1 + E - conjuntos de veículos compostos por veículo tractor da subcategoria D1 e reboque com peso bruto superior a 750 kg, desde que, cumulativamente, o peso bruto do conjunto não exceda 12000 kg, o peso bruto do reboque não exceda a tara do veículo tractor e o reboque não seja utilizado para o transporte de pessoas.
3 - Os titulares de carta de condução válida para veículos da categoria A ou da subcategoria A1 consideram-se habilitados para a condução de:
a) Ciclomotores ou motociclos de cilindrada não superior a 50 cm3;
b) Triciclos.
4 - Os titulares de carta de condução válida para veículos da categoria B consideram-se também habilitados para a condução de:
a) Tractores agrícolas ou florestais simples ou com equipamentos montados desde que o peso máximo do conjunto não exceda 6000 kg;
b) Máquinas agrícolas ou florestais ligeiras, motocultivadores, tractocarros e máquinas industriais ligeiras;
c) Ciclomotores de três rodas, triciclos e quadriciclos.
5 - Os titulares de carta de condução válida para veículos da categoria C consideram-se também habilitados para a condução de:
a) Veículos da categoria B;
b) Veículos referidos no número anterior;
c) Outros tractores agrícolas ou florestais com ou sem reboque, máquinas agrícolas ou florestais e industriais.
6 - Os titulares de carta de condução válida para veículos da categoria B + E consideram-se também habilitados para a condução de tractores agrícolas ou florestais com reboque ou com máquina agrícola ou florestal rebocada, desde que o peso bruto do conjunto não exceda 6000 kg.
7 - Os titulares de carta de condução válida para conjuntos de veículos das categorias C + E ou D + E consideram-se também habilitados para a condução de conjuntos de veículos da categoria B + E.
8 - Os titulares de carta de condução válida para a categoria C + E podem conduzir conjuntos de veículos da categoria D + E, desde que se encontrem habilitados para a categoria D.
9 - Quem conduzir veículo de qualquer das categorias ou subcategorias referidas nos n.os 1 e 2 para a qual a respectiva carta de condução não confira habilitação é sancionado com coima de (euro) 500 a (euro) 2500.
10 - Quem, sendo titular de carta de condução válida para as categorias B ou B + E, conduzir veículo agrícola ou florestal ou máquina para o qual a categoria averbada não confira habilitação é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.
11 - Sem prejuízo da exigência de habilitação específica, os condutores de veículos que se desloquem sobre carris ou de troleicarros devem ser titulares de carta de condução válida para a categoria D.
12 - Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado com coima de (euro) 500 a (euro) 2500.».
– Art.º 124º:
«Licença de condução
1 - As licenças de condução a que se refere o n.º 2 do artigo 122.º são as seguintes:
a) De ciclomotores e de motociclos de cilindrada não superior a 50 cm3;
b) De veículos agrícolas.
2 - A licença de condução referida na alínea a) do número anterior habilita a conduzir ambas as categorias de veículos nela averbadas.
3 - A licença de condução de veículos agrícolas habilita a conduzir uma ou mais das seguintes categorias de veículos:
I) Motocultivadores com reboque ou retrotrem e tractocarros de peso bruto não superior a 2500 kg;
II):
a) Tractores agrícolas ou florestais simples ou com equipamentos montados, desde que o peso bruto do conjunto não exceda 3500 kg;
b) Tractores agrícolas ou florestais com reboque ou máquina agrícola ou florestal rebocada, desde que o peso bruto do conjunto não exceda 6000 kg;
c) Máquinas agrícolas ou florestais ligeiras e tractocarros de peso bruto superior a 2500 kg;
III) Tractores agrícolas ou florestais com ou sem reboque e máquinas agrícolas pesadas.
4 - Os titulares de licença de condução de veículos agrícolas válida para veículos da categoria I consideram-se habilitados para a condução de máquinas industriais com peso bruto não superior a 2500 kg.
5 - Os titulares de licença de condução de veículos agrícolas válida para veículos da categoria II consideram-se habilitados para a condução de veículos da categoria I.
6 - Os titulares de licença de condução de veículos agrícolas válida para veículos da categoria III consideram-se habilitados para a condução de veículos das categorias I e II.
7 - Quem, sendo titular de licença de condução de veículos agrícolas, conduzir veículo agrícola ou florestal de categoria para a qual a mesma licença não confira habilitação é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.».
– Art.º 125º:
«Outros títulos
1 - Além dos títulos referidos nos artigos 123.º e 124.º, habilitam também à condução de veículos a motor:
a) Licenças especiais de condução;
b) Títulos de condução emitidos pelos serviços competentes da administração portuguesa do território de Macau;
c) Licenças de condução emitidas por outros Estados membros do espaço económico europeu;
d) Licenças de condução emitidas por Estado estrangeiro que o Estado Português se tenha obrigado a reconhecer, por convenção ou tratado internacional;
e) Licenças de condução emitidas por Estado estrangeiro, desde que este reconheça idêntica validade aos títulos nacionais;
f) Licenças internacionais de condução, desde que apresentadas com o título nacional que lhes deu origem.
2 - As condições de emissão das licenças referidas na alínea a) do número anterior, bem como de autorizações especiais para conduzir, são fixadas em regulamento.
3 - O regulamento a que se refere o número anterior pode englobar disposições prevendo iniciativas pedagógicas dirigidas à condução de ciclomotores por condutores com idade não inferior a 14 anos.
4 - Os titulares das licenças referidas nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 não estão autorizados a conduzir veículos a motor se residirem em Portugal há mais de 185 dias.
5 - Os titulares das licenças referidas no n.º 1 apenas estão autorizados ao exercício da condução se possuírem a idade mínima exigida para a respectiva habilitação, nos termos deste Código.
6 - A condução de veículos afectos a determinados transportes ou serviços pode ainda depender, nos termos fixados em legislação própria, da titularidade do correspondente documento de aptidão ou licenciamento profissional.
7 - Quem infringir o disposto nos n.os 4 e 5 é sancionado com coima de (euro) 300 a (euro) 1500.»
[21] «1 - Além dos títulos referidos nos artigos 123.º e 124.º, habilitam também à condução de veículos a motor: […] Licenças de condução emitidas por Estado estrangeiro que o Estado Português se tenha obrigado a reconhecer, por convenção ou tratado internacional», recorde-se.
[22] Autos a que se tem acesso na aplicação CITIUS.
[23] AcSTJ de 19.11.2020 - Proc. n.º 198/16.6PGAMD-A.S1 citado.
[24] AcSTJ de 20.2.2013 - Proc. n.º 67/09.6SWLSB-B.S1, in www.dgsi.pt.
[25] AcSTJ de 10.12.2015 - Proc. n.º 7/05.1GFBRG-B.S1 - 5.ª Secção, in SASTJ.
[26] AcSTJ de 23.1.2014, Proc. n.º 116/09.8GSSTR-B.S1, in www.dgsi.pt.