RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ERRO DE JULGAMENTO
PROVA PROIBIDA
DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO
INQUÉRITO
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
RECUSA
DEPOIMENTO
Sumário


I - O STJ pode sindicar a decisão de facto, por ainda estar no estrito domínio da interpretação e aplicação das regras jurídicas, sempre que suspeite que na dinâmica do juízo probatório foram violadas regras do direito probatório material, mesmo para além do que o (simples) erro notório apreciação da prova do art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP alcança, e, designadamente, em função da utilização de provas proibidas na acepção do art. 126.º do CPP e de disposições conexas.
II - As proibições de prova têm por traço distintivo o facto de relevarem da violação de direitos e liberdades fundamentais à margem do título constitucional que pudesse caber, e querem identificar as situações em que a prova resultante de um determinado acto do processo é proibida no sentido de insusceptível de ser utilizada no juízo probatório subjacente à fixação dos factos.
III - Tendo o recorrente L declarado em inquérito perante o Ministério Público, assistido por defensor e advertido de que o que dissesse no interrogatório poderia ser utilizado como meio de prova em audiência de julgamento, mesmo que aí viesse, como veio, a guardar silêncio, tudo em estrita conformidade com o disposto nos arts. 141.º, n.os 2, 3 e 4, al. b) e 144.º, n.º 1, do CPP, e tendo-se em audiência de julgamento procedido à leitura do ali declarado, a requerimento do MP, ficando exarada na acta de 12-04-2021 as pertinentes permissão e justificação legal, em rigorosa obediência ao disposto nos arts. 357.º, n.º 1, al. b), e 356.º, n.º 9, do CPP, nada obstava à produção desse meio de prova em audiência, não havendo qualquer questão de proibição nesses momentos.
IV - Diferentes poderiam ter sido ser as coisas na perspectiva da valoração desse meio de prova, mas apenas no que pudesse ter relevado da figuração e da modulação da responsabilidade criminal da arguida M, na medida em que, irremediavelmente comprometido o exercício do indeclinável contraditório pelo silêncio co-arguido, a sua utilização contra ela envolveria, na verdade, proibição de prova por disposição, expressa, de resto, do art. 345.º, n.º 4, do CPP.
V - Um dos fundamentos de justificação da recusa de depor está previsto no art. 134.º, n.º 1, al. a), do CPP, segundo o qual «Podem recusar-se a depor como testemunhas: […] Os descendentes, […] do arguido», direito que constitui um limite à descoberta da verdade. A obtenção e valoração de depoimento em infracção ao direito de recusa do familiar relevará, no mais comum dos casos, de violação da privacidade, de intromissão (abusiva) na vida privada.
VI - Presente a testemunha A na sessão da audiência de julgamento de 12-04-2021 e devidamente advertida pelo tribunal – art. 134.º, n.º 2, do CPP – de que, na sua qualidade de filha da arguida M, podia recusar-se a depor – art. 134.º, n.º 1, al. a), do CPP –, declarou ela querer prevalecer-se de tal prerrogativa, tendo-lhe o tribunal comunicado que a faculdade de recusa só operava relativamente aos factos relacionados com a sua mãe, estando obrigada, como qualquer outra testemunha, a depor relativamente ao que respeitasse ao co-arguido L.
VII - Ora, Tribunal da Relação imputou à arguida M a comissão de 76 crime de lenocínio de menores agravado, em concurso efectivo, e, ao arguido L, de 76 crimes de recurso à prostituição de menores agravado, (também) em concurso efectivo. Entre os mencionados ilícitos – e seja qual for o seu número e estejam eles em relação de concurso efectivo, de trato sucessivo ou até de continuação criminosa – intercede a relação de conexão da comissão por vários agentes de diversos crimes em que uns são causa ou efeito dos outros, prevista no art. 24.º, n.º 1, al. c), do CPP, ou não seja caso de (i) pluralidade de arguidos, (ii) actuando num quadro de autoria material singular e (iii) praticando infracções ligadas por nexo consequencial. Sucede que, nas circunstâncias apuradas, foi a comissão do lenocínio de menores pela arguida M que propiciou a comissão do recurso à prostituição de menores pelo arguido L.
VIII - A existência de tal relação consequencial é algo que deveria ter sido ponderado no momento em que, na sessão da audiência de julgamento em 1.ª instância, se esclareceu a testemunha A de que, não obstante operante a recusa de depor relativamente ao que respeitasse à arguida sua mãe, estava obrigada a testemunhar com relação ao que interessasse à conduta do L, pois que entre os ilícitos imputados a cada um dos arguidos havia uma zona de intersecção, uma área comum, a relativa ao trato sexual de relevo mantido entre a ofendida e o arguido L que, simultaneamente, constituía elemento objectivo do tipo do recurso à prostituição de menores imputado a este e do tipo de lenocínio de menores assacado à arguida M.
IX - Estando em causa dois agentes que suspeitos da comissão, um, de um crime de lenocínio de menores agravado e, o outro, de um crime de recurso à prostituição de menores agravado, e sendo este efeito daquele, a recusa de depor da testemunha descendente do primeiro arguido vale também quanto aos factos imputados ao segundo, apesar de não familiar.
X - Medindo deficientemente, por erro de interpretação, o alcance da recusa prevista no art. 134.º, n.º 1, al. a), do CPP, no sentido de dela excluir o que respeitasse ao recorrente L, o tribunal induziu em erro a ofendida sobre a sua obrigação de depor acerca das condutas daquele, colhendo-lhe o pertinente depoimento. Mais do que isso, e como claramente decorre da economia da fundamentação da convicção probatória, valorou tal depoimento – na sua articulação, naturalmente, com as demais provas produzidas – não só relativamente aos factos imputados ao arguido L, mas também aos à arguida M, tudo concorrendo no sentido de definição da culpabilidade desta.
XI - Incorreu, assim, o tribunal no uso de método proibido de prova, nos termos do art. 126.º, n.os 1 e 2, al. a), do CPP, perturbando a liberdade de vontade ou de decisão da testemunha de depor em audiência através de meios enganosos, o que implica a interdição da valoração do seu depoimento na formação do juízo probatório no que possa interessar à definição da responsabilidade da arguida M.
XII - Mas tal interdição opera igualmente no que possa respeitar à definição da responsabilidade do próprio arguido L, que a proibição de prova, de mais a mais absoluta, na classificação do art. 126.º do CP, tem «eficácia erga omnes, quer dizer o seu manto protetor projeta-se para além da pessoa diretamente afetada pela violação da proibição e por sobre todos quantos, indiretamente ainda, sejam tocados pela mancha de danosidade resultante», sendo proibida a valoração da prova resultante de depoimento obtido sob engano, quer na parte em que afecte, incriminando-o, o arguido familiar da testemunha, quer na parte em que afecte, incriminando-o, terceiro.
XIII - Atenta a natureza do vício em presença – uma verdadeira proibição prova, onde o que realmente releva é o desvalor do resultado, e não uma singela nulidade, quiçá relativa, sempre estará afastada uma qualquer ideia de sanação, que se trata de realidade de conhecimento oficioso, a todo o tempo e insanável, pelo que haverá que anular a decisão, ordenando-se a sua repetição pelo tribunal recorrido sem a consideração da prova inquinada.

Texto Integral





Autos de Recurso Penal
Proc. n.º 288/18.0T9VPV.L1.S1
5ª Secção

acórdão


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório
1. Os arguidos AA e BB foram submetidos a julgamento pelo Tribunal Colectivo do Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo no PCC n.º 288/18.0T9VPV, vindo a ser condenados por acórdão de 17.5.2021, entre os mais, nos seguintes termos:
─ A arguida AA, como autora material, na forma consumada e em trato sucessivo, de um crime de lenocínio de menores, agravado, p. e p. pelos art.os 175º n.os 1 e 2 al.ª c), 177º n.º 6, 69º-B n.º 2 e 69º-C n.os 2 e 3, do Código Penal (CP), na pena, principal, de 10 anos de prisão e nas penas acessórias de proibição do exercício de profissão, emprego, funções ou actividades públicas ou privadas cujo exercício envolva contacto regular com crianças, pelo período de 10 anos; de proibição de assumir a confiança de menor, pelo período de 10 anos; e de inibição do exercício das responsabilidades parentais pelo período de 10 anos.
─ O arguido BB, como autor material, na forma consumada e em trato sucessivo, da prática de um crime de recurso à prostituição de menores, agravado, p. e p. pelos art.os 174º n.os 1 e 2, e 177º n.º 6, 69º-B n.º 2 e 69º-C n.º 2, do CP, nas penas, principal, de 4 anos de prisão e, acessórias, de proibição de assumir a confiança de menor, pelo período de 10 anos, e de proibição do exercício de profissão, emprego, funções ao actividades públicas ou privadas cujo exercício envolva contacto regular com crianças, pelo período de 10 anos.


2. Inconformados, o Ministério Público e ambos arguidos interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL).


A AA invocou:
─ Violação do direito ao contraditório e uso de meio de prova proibido por indevida valoração das declarações do arguido BB;
─ Uso de meio de prova proibido, por indevida valoração do depoimento da ofendida, sua filha, em face da recusa declarada de depor, nos termos do art.º 134º n.º 1 al.ª a) do CPP;
─ Nulidade do acórdão por insuficiência da fundamentação da decisão quanto aos factos provados dos n.os 18 a 20 e erro de julgamento na apreciação das provas;
─ Excesso e desproporcionalidade da medida da pena aplicada, a fixar em não mais do que 5 anos e a suspender na respectiva execução.


O arguido BB acusou:
─ Nulidade do acórdão por falta de fundamentação, nos termos dos art.os 379°, n° 1, a) e 374º n.º 2 do CPP e 607º n.º 5 do CPC, este aplicável ex vi artigo 4º do CPP,
─ Nulidade por violação do art.º 134º do CPP, por inadmissibilidade do depoimento da testemunha ofendida;
─ Erro na apreciação das provas na fixação dos factos provados do n.os 8 a 20 e 23 a 25:
─ Excesso e desproporcionalidade da medida da pena aplicada, a fixar em quantum inferior e a suspender na sua execução mediante sujeição a regime de prova.


O Ministério Público, de seu lado, centrou a censura na qualificação jurídico-penal dos factos, entendendo não ser caso de unificação das condutas dos arguidos por via das figuras do trato sucessivo ou da continuação criminosa, antes de concurso efectivo de 76 crimes de recurso à prostituição de menores agravado por parte do arguido BB e de 76 crimes de lenocínio de menores por parte da arguida AA.
Pediu a condenação em conformidade, com agravamento da(s) pena(s).


3. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em 13.10.2021 – doravante, Acórdão Recorrido –, julgou improcedentes os recursos dos arguidos e procedente o recurso do Ministério Publico.
Deliberou, para o que ora releva, como segue:
─ «- Em negar provimento aos recursos apresentados pelos arguidos;
- Em conceder provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público e, em consequência:
- Em revogar a condenação da arguida AA pela prática de um crime de lenocínio de menores, agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 175.º, n.ºs 1 e 2, al. c) e 177.º, n.º 6, do Código Penal na pena de dez anos de prisão;
- Em revogar a condenação do arguido BB, pela prática de um crime de recurso à prostituição de menores, agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 174.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 6, do Código penal, na pena de quatro anos de prisão;
- Em condenar a arguida AA pela prática de setenta e seis crimes de lenocínio de menores, agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 175.º, n.ºs 1 e 2, al. c) e 177.º, n.º 6, do Código Penal nas penas unitárias de quatro anos de prisão por cada um deles e na pena única de dez anos de prisão;
- Em condenar o arguido BB, pela prática de setenta e seis crimes de recurso à prostituição de menores, agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 174.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 6, do Código Penal nas penas unitárias de dois anos e seis meses de prisão por cada um deles e na pena única de dez anos de prisão;
- Em manter, no demais, a decisão constante do acórdão recorrido.».


4. Ainda inconformados, impugnam, ora, os arguidos o Acórdão Recorrido perante este Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
                  

A arguida AA finaliza a peça recursória com as seguintes conclusões e pedido:
─ «1. O presente recurso tem por objeto o douto acórdão da Relação de Lisboa condenatório, que condenou a recorrente como autora material e na forma consumada de 76 crimes de lenocínio de menores, em trato sucessivo, p. e p. pelo artigo 175.º, n.º 1. do CP, na pena única de 10 anos de prisão efetiva.
2. Fundando-se o mesmo na impugnação da matéria de Direito, na parte em que se refere à recorrente.
3. O tribunal considerou provados os seguintes factos:
18 – Como contrapartida pela prática dos atos sexuais referidos em 10 e 11, o arguido BB, entregou à arguida AA, quantias monetárias;
19 – Numa primeira ocasião entregou 10.000,00 € (dez mil euros) em numerário;
20 – De seguida, entregou mais 10.000,00 € (dez mil euros), em tranches de 2.000,00 € (dois mil euros), cada vez;”.
4. O tribunal fundou a sua convicção sobre os factos acima referidos nas declarações do Arguido BB, lidas em audiência a requerimento do MP, ao abrigo do artigo 357.º, n.º 1, alínea b) do CPP, apreciando-os, de forma conjugada com a situação económico-financeira do agregado familiar da recorrente.
5. Das declarações do Arguido BB resulta que este terá alegadamente entregue a quantia de 20.000,00 € à recorrente como contrapartida da prática dos atos sexuais com a ofendida.
6. Porém, não podia o tribunal ter valorado tais declarações do Arguido.
7. Por um lado, porque tais declarações constituem um meio de prova proibido, por violação do direito ao contraditório da recorrente (artigos 32.º/5 da CRP e 327.º do CPP), nos termos do disposto no artigo 345.º, n.º 4 do CPP, uma vez que o Arguido BB se remeteu ao silêncio em audiência, impossibilitando a recorrente de contra-instar tais declarações neste momento processual.
8. Por outro lado, sempre se refira que inexistia qualquer outro elemento probatório que permitisse a comprovação da existência de uma contrapartida monetária.
9. Perante a falta de elementos probatórios, o tribunal fundamentou a sua decisão por referência à situação de carência económica do agregado familiar da recorrente, bem como ainda se reportou a mensagens trocadas entre o Arguido e a recorrente, nas quais esta se refere a “promessas” que este terá feito à filha da recorrente e ofendida nos autos, entendendo que tal expressão se referirá necessariamente ao pagamento alegado pelo Arguido.
10. Salvo o devido respeito, o tribunal foi longe demais nesta sua interpretação.
11. Perante a ausência de quaisquer elementos probatórios que corroborassem as alegações do Arguido quanto à existência do pagamento de uma contrapartida, impunha-se ao tribunal dá-lo como não provado.
12. Ao dar como provados os factos 18, 19 e 20, conforme consta da decisão recorrida, perante a insuficiência da prova para tal comprovação, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, nos termos do artigo 413.º, n.º 3, alínea a) do CPP.
13. Por consequência, entende-se não estar verificado um dos pressupostos contidos no elemento objetivo do crime de lenocínio de menores (artigo 175.º, n.º 1, do CP), na medida em que este compreende a sujeição do menor a prostituição, a qual, por seu turno, pressupõe um necessário propósito lucrativo.
14. Além da insuficiência da prova aqui apontada, refira-se ainda que, quer as declarações da recorrente reproduzidas em audiência ao abrigo do artigo 357.º, n.º 1, alínea b) do CPP, quer o depoimento prestado pela ofendida, contrariam a existência de qualquer contrapartida monetária, não havendo motivo atendível para que fossem desconsiderados.
15. Pelo que a decisão recorrida padece de nulidade nesta parte, por aplicação do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) e 374.º/2, ambos do CPP.
16. Sem prejuízo de tudo quanto se expôs, caso fosse legalmente admissível ao tribunal valorar as declarações prestadas pelo Arguido BB, relevaria o facto deste ter afirmado que o alegado pagamento apenas teve lugar após o término do relacionamento com a ofendida.
17. Este facto, por si só, impediria que se reconhecesse tal pagamento como contrapartida para efeitos do preenchimento do tipo objetivo, quer do crime de recurso à prostituição de menores (artigo 174.º, n.º 1 do CP), quer do crime de lenocínio de menores (artigo 175.º, n.º 1, do CP), dado que não se descortina qualquer nexo entre o alegado pagamento da quantia de 20.000,00 € e a prática de atos sexuais.
18. Na verdade, o Arguido BB afirmou que o alegado pagamento apenas teria tido lugar em resultado de chantagem por parte da recorrente, sob a ameaça de denúncia do relacionamento que este mantinha com a ofendida, conforme se extrai do seguinte trecho das declarações lidas em audiência.
19. Pelo que fica evidenciado o não preenchimento do tipo objetivo do crime de lenocínio de menores imputado à ora recorrente.
20. De resto, a recorrente apenas admite, em sede de declarações prestadas perante autoridade judiciária, que tinha conhecimento do relacionamento entre o Arguido BB e a ofendida e de seria a própria a mandar as mensagens a combinar os encontros, não tendo obrigado a ofendida á prática de atos sexuais, o que igualmente releva para o não preenchimento do elemento objetivo do crime de lenocínio de menores, na sua modalidade agravada (175.º, n.º 2, alínea c), do CP).
21. A prática do crime de lenocínio de menores pressupõe a sujeição do menor a prostituição, mediante o pagamento de uma contrapartida que esta atividade intui por natureza.
22. Ora, nenhum desses elementos se encontra verificado no presente caso.
23. No limite, a recorrente incentivou um relacionamento entre o Arguido e a ofendida, sua filha, do qual se mostra arrependida – o que é radicalmente diverso de sujeitar a sua filha a prostituição.
24. Uma vez que não se encontra preenchido o elemento objetivo do tipo do crime de lenocínio de menores (artigo 175.º, n.º 1 do CP), deverá a recorrente ser absolvida da prática do mesmo.
25. Por fim, refira-se ainda que, quanto à prova produzida em relação à prática de atos sexuais (factos 9 a 17 da decisão recorrida), se impunha ao tribunal a quo a proibição de valoração do depoimento prestado pela ofendida contra a recorrente, atendendo à válida recusa de depoimento apresentada, na qualidade de sua descendente, por aplicação do artigo 134.º, n.º 1, alínea a) do CPP.
26. Ao valorar o depoimento da ofendida contra a recorrente, o tribunal violou o disposto no artigo 134.º, n.º 1, alínea a) do CPP, incorrendo igualmente em erro de julgamento nesta parte da decisão, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, alínea a) do CPP.
27. Termos em que se terá que concluir pelo não preenchimento do tipo objetivo do crime de lenocínio de menores (artigo 175.º, n.º 1 do CP), tendo o tribunal a quo erradamente sustentado a sua decisão quer em prova cuja valoração não se afigurava admissível, quer pela insuficiência da mesma para a comprovação dos factos constantes de 18, 19 e 20 da decisão recorrida.
28. Pelo exposto, uma vez que não se logrou a prova válida de que a recorrente terá praticado o crime de lenocínio de menores (artigo 175.º, n.º 1, do CP) pelo qual foi condenada, deverá esta ser absolvida do mesmo.
29. Sem prescindir do anteriormente dito, mesmo que o entendimento seja o de que a Arguida praticou o crime pelo qual foi condenada, entende a mesma que deverá ser condenado por um só crime, em vez da pluralidade de crimes, pelo que o tribunal veio a considerar, por entender que não se trata de um crime continuado.
30. Nessa parte, remete-se, não só para o acórdão da primeira instância, como também para a motivação de recurso apresenta pelo recorrente e co-arguido, BB.
31. o tribunal andou mal na determinação da medida concreta da pena.
32. A moldura penal abstrata prevista para o crime em causa vai 2 anos e 8 meses a 13 anos e 4 meses.
33. O tribunal ao condenar a Arguida na pena de 10 anos ignorou o facto da Arguida não ter antecedentes criminais de qualquer natureza, a data dos factos que remontam ao anos de 2015, 2016 e 2017, portanto, há mais de quatro ano atrás, e, ainda, ao facto de ofendida, então menor, hoje é maior de idade e reside com a Arguida.
34. Por tudo isso, as finalidades de prevenção geral especial ficariam suficientemente acautelados se tivesse sido aplicada pena de prisão não superior a 5 anos.
35. Nos termos e para os efeitos do artigo 40.º do CP, bem como tendo em conta todos os fatores acima descritos, a pena a aplicar deverá se suspensão na sua execução, ficando, assim, satisfeitas as finalidades da punição, nem que fosse sujeito ao regime de prova do artigo 53.º, do Código Penal.

Termos em que, e nos mais de Direito aplicável que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, devendo o acórdão recorrido ser revogado e, por consequência, deverá esta ser absolvida do crime de lenocínio de menores em que vem condenada, ou então, a pena de prisão não deverá ser superior a 5 anos e ser suspensa na sua execução, nem que seja sujeita a um regime de prova, fazendo-se assim a habitual JUSTIÇA.».

O arguido BB, conclui a motivação e pede como segue:
─ «1. Por Acórdão datado de 13 de Outubro de 2021 proferido no processo identificado em epígrafe, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, entre o mais, o seguinte:
- Em negar provimento aos recursos apresentados pelos arguidos;
- Em conceder provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público e, em consequência;
(…)
- Em revogar a condenação do arguido BB, pela prática de um crime de recurso à prostituição de menores, agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 174º/1 e 2, e 177º/6, do CP na pena de quatro anos de prisão;
(…)
- Em condenar o arguido BB, pela prática de setenta e seis crimes de recurso à prostituição de menores, agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 174º/1 e 2, e 177º/6, do CP nas penas unitárias de dois anos e seis meses de prisão por cada um deles e na pena única de dez anos de prisão;
Em manter, no demais, a decisão constante do acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes arguidos, com taxa de justiça de 4 ucs para cada um.
2. O ora recorrente entende que douto Acórdão não apreciou corretamente a questão respeitante à Nulidade correspondente à INADEQUADA MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO (artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
3. A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto.
4. In casu, analisada a motivação da decisão sobre matéria de facto, e com o devido respeito verifica-se que o Acórdão proferido em 1ª instância em lugar de motivar a sua convicção relativamente a cada facto ou conjunto de factos, se limitou a discorrer sobre cada um dos meios de prova (documentos e depoimentos prestados em audiência), sem esclarecer que factos considerou provados e não provados em função dos meios de prova referidos.
5. Tal metodologia viola o n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal (e no nº 5 do art. 607º do CPC, aplicável ex vi artigo 4º do CPP) e inviabilizava uma correta análise da impugnação da decisão sobre matéria de facto, na medida em que o Recorrente (e o Tribunal para o qual se recorre) desconhece(m) em que meios de prova se fundou a convicção do Tribunal de 1ª instância relativamente a cada um dos concretos pontos do elenco de factos que este considerou provados.
6. Como bem referiu o ac. STJ 26-02-2019 (Fonseca Ramos), p. 1316/14.4TBVNGA.P1.S2, “Crucial é a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento.
7. A violação do disposto no artigo 374°, n° 2, in fine, do Código de Processo Penal gera a nulidade da decisão em causa, por força do disposto no artigo 379°, n° 1, a), primeira parte, do mesmo texto legal, impondo-se a sua reforma.
8. Com o devido respeito, tal questão não foi devidamente apreciada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, permitindo uma motivação em “aberto” para a livre exegese a efectuar pelo intérprete, a partir de um mero enunciar de cada um dos meios de prova, sem o ónus de esclarecer que factos concretos são considerados provados e não provados em função dos meios de prova referidos, permitindo que o intérprete pode depois seleccionar a seu belo prazer qual a concreta distribuição que faz dos meios probatórios para cada facto ou conjunto de factos…
9. A concreta distribuição que se faz dos meios probatórios para cada facto ou conjunto de factos deve ser delimitada pelo Acórdão que profere a decisão em análise, para que a convicção possa estar devidamente motivada em termos de ser sindicada pelo Tribunal superior; caso contrário será o intérprete que estará ele próprio elaborar o seu exercício de motivação (o que é coisa bem distinta de rever a motivação do Tribunal recorrido) …
Sem prescindir, mas por cautela de patrocínio,
10. Verifica-se uma Nulidade correspondente à INADMISSIBILADE DO DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA CC (artigo 134º, n.º 1 do Código de Processo Penal)
11. A Testemunha CC – por ser filha da arguida AA – não quis prestar declarações.
12. O douto Tribunal de 1ª instância entendeu que a testemunha não prestava depoimento relativamente aos factos relacionados com a sua mãe, mas teria de prestar depoimento relativamente aos factos relacionados com o arguido BB.
13. A maior parte dos factos que estão relacionados com o co-arguido BB fazem também parte da acusação dirigida contra a mãe da Testemunha (e pelos quais esta vem condenada…).
14. A maior parte dos factos que eram apontados na acusação ao arguido BB constituem simultaneamente o preenchimento de elementos típicos do crime (lenocínio de menores, agravado) pelo qual a mãe da testemunha também vinha acusada, nos moldes que constavam da acusação (e foi condenada com base nos mesmos…).
15. Todos os factos que tenham a ver a demonstração de um eventual exercício de prostituição por parte da Testemunha (então menor), ou com a eventual prática por parte do arguido BB de algum ato sexual de relevo com a mesma, mediante pagamento ou outra contrapartida, são factos que também fazem directamente parte da acusação formulada contra a mãe da testemunha.
16. É impossível dissociar o depoimento da referida Testemunha CC relativamente a factos que são apontados ao arguido BB de um depoimento contra a sua mãe (designadamente acerca de todos os factos que têm a ver com o preenchimento dos elementos típicos do crime de lenocínio de menores, agravado, p. e p., nas disposições conjugadas dos artigos 175º/1 e 2-c), e 177º/6, todos do Código Penal, e que incluem, desde logo, todos os factos que pudessem revelar a existência do exercício de prostituição de menor, e designadamente, e desde logo, a eventual prática por parte do arguido BB de ato sexual de relevo com a Testemunha).
17. Ao obrigar a Testemunha a depor sobre esses factos (pese embora a sua recusa), o Tribunal de 1ª instância inevitavelmente obriga a referida Testemunha a fazer prova contra a sua Mãe, o que constitui uma nulidade processual (por violação do art.º 134.º do C. P. Penal), a qual foi arguida em sede de audiência de discussão e julgamento (cfr. a ata respetiva).
18. Por outro lado, o Tribunal de 1.ª instância menciona que a sua convicção (embora sem especificar relativamente a que factos) assentou no depoimento desta Testemunha, fazendo uma exposição acerca do respetivo depoimento que inclui uma descrição acerca de relações sexuais tidas com o arguido BB, datas, sua idade, locais, circunstâncias, forma de marcação de encontros, local a iam buscar (a sua casa), etc....
19. Em sede de elaboração da decisão judicial, Tribunal também não poderia valorar o depoimento da referida Testemunha para a prova de tais factos, que são objectivamente contra a sua própria mãe, e atenta a sua recusa a depor sobre os mesmos, sob pena da referida violação do artigo 134º do Código de Processo Penal.
20. Claro que já não seria assim se os factos relativos ao co-arguido BB (que não tem o grau familiar previsto no artigo 134º do CPP) fossem perfeitamente autonomizáveis da acusação formulada contra o arguido que é familiar (mãe) da Testemunha. Mas tal não é a situação dos presentes autos.
21. No caso em apreço, o direito de recusa de depor como testemunha aplica-se em relação a factos que são simultaneamente imputados aos co-arguidos que têm e aos que não têm com a testemunha uma relação de parentesco ou afinidade.
22. “O disposto no artigo 134º do CPP, que permite confortar a consciência da pessoa que iria depor ou prestar declarações (na medida em que lhe confere o direito de recusar- se a prestar depoimento ou declarações), quando se encontre numa das situações taxativas previstas no nº 1 do mesmo preceito, significa igualmente que num Estado de direito a prova não pode ser obtida a qualquer preço” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 95/10.9GACPV.P1, datado de 30.01.2013).
23. Se é verdade que as razões que servem de fundamento a tal recusa a depor não são extensivas a qualquer outro arguido, já não é assim nos “casos em que os factos a este relativos sejam susceptíveis de interferir no estatuto processual do co-arguido relativamente ao qual se verificam os pressupostos da recusa a depôr: falamos dos casos em que se verifique uma qualquer forma de comparticipação entre os dois arguidos, pois que neste caso a circunstância de se depor relativamente a um arguido pode atingir, directa ou indirectamente, o arguido que se pretendeu proteger com tal possibilidade de recusa” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 9/12.1PELRA-G.C1, de 03.06.2015).
24. No caso concreto, e começando desde logo pela prática (ou não) de atos sexuais de relevo entre o arguido BB e a referida Testemunha (filha da arguida AA), e pelo relacionamento existente entre ambos, não existem “factos que unicamente digam respeito ao arguido BB”.
25. Os factos que vêm referidos na decisão aqui em crise como tendo sido descritos pela Testemunha CC não são fatos que “não tocam” a responsabilidade criminal da sua mãe pelo crime em que seria autora ou comparticipante.
26. Na esfera da protecção do artigo 134º do CP estão naturalmente não apenas os factos pessoalmente praticados pela mãe da Testemunha, mas todos os fatos associados contra a mesma, e pelos quais a mesma vem acusada, ou nos quais está implicada, sob qualquer forma de participação, ainda que material ou mecanicamente praticados por outro!
27. Não é possível olvidar que os fatos pelos quais a arguida AA – mãe da testemunha – vinha acusada eram justamente os correspondentes à prática de crimes de lenocínio de menores agravado existente através e por via de um exercício de prostituição de menor consubstanciado através de atos sexuais alegadamente existentes entre a referida Testemunha e o co-arguido BB.
28. Padecem assim de nulidade processual, por um lado, o despacho proferido em sede de audiência de julgamento que ordenou o depoimento da testemunha CC quanto aos “factos 4, relativamente o local onde a testemunha conheceu o arguido BB, facto 18, apenas a partir de “a vítima então menor de 14 anos”, factos 19, 20, 21, quanto ao facto 22, excepto “imposta pela arguida à sua filha menor”, facto 27, só na parte de ter vendido ou não a casa, facto 33, só na parte da separação, facto 35 se vendeu ou não o carro e por último, facto 38, todos eles referentes à acusação”, por violação do art.º 134.º do C. P. Penal, e, também o douto Acórdão do Tribunal de 1ª instância, ao valorar na sua motivação o depoimento da testemunha CC - que se recusou a depor ao abrigo do artigo 134º do CPP, relativamente a factos que contendem com a acusação associada à arguida sua mãe..
29. Apesar do artigo 134º do CPP se referir expressamente a uma nulidade, mas constituindo o referido preceito uma norma relativa à produção de prova, esta nulidade “consubstancia uma verdadeira proibição de prova” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 313/10.3TACNT-A.C1, datado de 25.06.2014).
30. Ao contrário do referido no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa aqui recorrido, a questão coloca-se não na perspectiva de qualquer arguido, mas na perspectiva da “testemunha”, que foi obrigada a depor sobre esses factos (pese embora a sua recusa), e a fazer prova contra a sua Mãe, o que constitui uma nulidade processual (por violação do art.º 134.º do C. P. Penal), que é invocável por qualquer arguido, sobretudo quando também afectado pelos mesmos factos, que consigo têm ligação.
31. Com o devido respeito, não se pode concordar com o entendimento do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no sentido de que o depoimento da testemunha não tenha sido usado para a prova de factos susceptíveis de incriminar simultaneamente a mãe e o arguido.
32. Não se pode afirmar que a prova do alegado desenrolar da actuação do arguido junto da menor (designadamente o que consta, por exemplo, nos pontos 8 a 17 da matéria de facto dada como provada), não tenha servido para provar factos “em relação aos quais existisse, pelo menos, uma relação de conexão com a actuação imputada à arguida AA”.
33. A arguida mãe da testemunha vinha acusada de fomentar, favorecer ou facilitar o exercício de “prostituição de menor”, com o arguido recorrente. E o arguido recorrente, por sua vez, vinha acusado de recurso à mesma “prostituição de menor”, através da mãe da Testemunha
34. A existência (ou não) de “prostituição de menor” é um elemento comum às acusações formuladas contra os dois arguidos, e elemento comum a cada um desses tipos de crime, e no caso, vêm acusado como tendo sido combinado entre os arguidos (aqui recorrente, e mãe da testemunha).
35. A demonstração ou não de factos que constituem a existência de uma situação de “prostituição de menor” (incluindo a existência de atos sexuais entre Testemunha e arguido) é necessária para o preenchimento de ambos os ilícitos pelos quais cada um dos arguidos, recorrente e mãe da Testemunha, vinham acusados.
36. São factos comuns a ambas as incriminações, pelo que teriam ocorrido mediante e por força da participação simultânea (e conjunta) de ambos os arguidos (embora em diferentes medidas, e em diferentes posições, daí que correspondendo a crimes autónomos).
37. É sintomático assinalar que o próprio douto Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na fundamentação acerca da pena única a aplicar, afirma que “agiram os dois em conjugação de intenções”.
38. É, pois, matéria incidível da acusação efetuada contra a mãe da Testemunha.
39. Sem suprimento de tal vício não é possível decidir a causa na parte recorrida (desde logo porquanto tal contende necessariamente com a matéria de facto dada como provada).
Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio,
40. Jamais se pode concordar com a ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS OPERADA PELO DOUTO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
41. Nunca deveria, em qualquer caso, ser concedido provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público, deixando os factos de serem reconduzidos a um crime de recurso à prostituição de menores, agravado, em trato sucessivo.
42. O Acórdão proferido em 1ª instância fundamentou corretamente a posição que havia sido por si adoptada a respeito da “questão da realização plúrima do mesmo tipo legal”.
43. Encontramos perante um crime único de trato sucessivo quando exista uma decisiva conexão temporal que ligue os vários momentos da conduta do agente e que funda o critério da unicidade de resolução de vontade na prática da infracção (Professor Eduardo Correia, in Unidade e Pluralidade de infracções, pág. 96, apud Acórdão proferido em 1ª instância).
44. Por referência por exemplo aos crimes de abuso sexual de crianças, entende-se que há um único crime de trato sucessivo quando estejamos perante uma unificação de condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, “entendendo-se que in casu nos encontramos perante uma única resolução criminosa, logo o dolo do agente, abarca ab initio uma pluralidade de atos sucessivos que ele se dispõe a praticar, para tanto se necessário preparando as condições da sua realização; neste caso a reiteração revelando uma resolução determinada e persistente do agente, traduz uma culpa agravada”.
45. Ou seja, há um único dolo a abranger todas as condutas sucessivas praticadas a seguir a essa resolução, a par da homogeneidade das condutas e da sua proximidade temporal.
46. Por outro lado, deve punir-se como concurso efetivo de crimes no âmbito do abuso sexual de menores, conforme vários outros acórdãos também proferidos pelo STJ, quando se verifica que o agente renova em cada ocasião a resolução criminosa de abusar daquela criança em concreto e desde que cada situação esteja devidamente concretizada (por exemplo, Acórdão do STJ de 451/05.4JABRG.G1.S1 datado de 13.07.2011, entre outros).
47. Tal como referido no Acórdão proferido em 1ª instância, a doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido.
48. Ao contrário do crime continuado [cuja inserção doutrinária também nasceu, entre outras razões, da dificuldade em contar o número de crimes individualmente cometidos ao longo de um certo período de tempo], nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um seu progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta ou, em caso de eventual «diminuição da culpa pelo facto», um aumento da culpa enquanto negligência na formação da personalidade ou de perigosidade censurável». Na verdade, não se vê que diminuição possa existir no caso, por exemplo, do abuso sexual de criança, por actos que se sucederam no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua [ou, pelo menos, se mantém estável] à medida que os actos se repetem.
49. O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de tracto sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com “uma única resolução”, pois que, “para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que/ em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológico/ leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação” (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no "Código Penal anotado" de P. P. Albuquerque).
50. Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma. – Ac. STJ de 29.11.2012 Proc 862/11.6TAPFR.S1 www.dgsi.pt.
51. Também como doutamente referido no Ac. do STJ de 22/01/2013, processo 182/10.2TAVPV.L1.S1 (relatado pelo Sr. Juíz Conselheiro Dr. Santos Cabral, in www.dgsi.pt) “em alguns casos a situação de abuso sexual de criança tem sido enquadrada na figura do crime único de trato sucessivo, entendendo-se haver lugar a uma unificação das condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma mesma só resolução criminosa desde o início assumida pelo agente”.
52. Assim, configura o trato sucessivo a existência de um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas e essa unidade de resolução, a par da homogeneidade das condutas e da sua proximidade temporal.
53. No caso em análise, em qualquer caso, haveria sempre então que considerar a existência de uma homogeneidade criminosa, mediante a repetição de condutas essencialmente homogéneas e unificadas por uma mesma resolução criminosa.
54. No caso em apreço, (de acordo com a matéria dada como provada pelo douto Acórdão recorrido), em todos os momentos o arguido teria atuado sempre a coberto de uma mesma unidade resolutiva, que abrangeria sempre a mesma ofendida, atuando de forma essencialmente homogénea, sem qualquer rutura ou fratura temporal, numa circunstância espacial contínua, e com curtos lapsos temporais em cada uma das atuações.
55. No caso contrário, e atenta a repetitiva atividade prolongada no tempo descrita na matéria de facto dada como provada, tornar-se-ia arbitrária e quase impossível qualquer contagem.
Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio,
56. O Recorrente não se conforma com a operação de DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA aplicada.
57. Revogando-se a decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa que concedeu provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público, deixam de estar prejudicadas as pretensões do arguido sindicadas junto do Tribunal da Relação, relativamente à pena aplicada.
58. Nesse caso, ainda que se viesse a entender que o recorrente deve ser condenado por um crime de recurso à prostituição de menores, agravado, p. e p., nos artigos 174º/1 e 2 e, 177º/6, todos do CP – nada justificaria a elevada pena concretamente aplicada pelo Tribunal de 1ª instância ao arguido BB (QUATRO ANOS de prisão).
59. Há que ponderar que o arguido é primário; encontra-se social e familiarmente bem inserido, tem um percurso profissional integrado e reputado, apresenta um trajeto pessoal integrado, com dedicação ao trabalho e disponibilidade para apoiar os que o rodeiam e quando solicitado, circunstâncias que não fazem parte do tipo de crime, pelo que (estas sim) devem influenciar a pena concreta, em movimento a efetuar da moldura legal.
60. O arguido tem atualmente 62 anos de idade, pelo que – em qualquer caso – tudo indicaria que se trataria de um ato isolado na sua vida, quando associado à ausência de antecedentes criminais, de qualquer espécie, e ao seu percurso de vida.
61. Além disso, o tempo entretanto decorrido (mais de 4 anos) entre a alegada prática dos factos e o seu sancionamento – circunstância que não foi sopesada pelo douto Tribunal de 1ª instância.
62. Parafraseando o Acórdão do STJ de 02.02.2005, processo 04P4107 (no caso, a propósito de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência): Porém, não obstante as exigências de prevenção, não podem ser desconsiderados, em necessária concordância de objectivos, outros elementos, como as necessidades de prevenção especial, e especialmente, pelo lado do agente, a carência de pena em face das circunstâncias do caso, nomeadamente a idade do agente, as perspectivas de recomposição para os valores e a distância temporal entre os factos e aplicação a pena” (sublinhado nosso).
63. Sopesando tudo, e nunca perdendo de vista aquilo que é a moldura abstrata aplicável ao crime em questão (máximo 4 anos), o ora Recorrente considera que nada justificaria a elevada pena concretamente aplicada ao arguido pelo Tribunal de 1ª instância (correspondente exatamente ao máximo previsto na lei para este tipo de crime: 4 anos de prisão), revelando-se manifestamente exagerada uma punição pelo máximo legal (nem um dia a menos!), a qual revela que não terá sido tida em conta nenhuma das circunstâncias que militam a favor do arguido.
Sem prescindir, em qualquer caso,
64. Por outro lado, ainda que se entendesse não ser de revogar a decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa que concedeu provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público (e condenou o arguido BB, pela prática de setenta e seis crimes de recurso à prostituição de menores, agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 174º/1 e 2, e 177º/6, do CP nas penas unitárias de dois anos e seis meses de prisão por cada um deles e na pena única de dez anos de prisão) – o que não se concede, mas que se exercita por mero dever de patrocínio – também nunca por nunca se justificaria a elevada pena concretamente aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao arguido BB (penas unitárias de dois anos e seis meses de prisão por cada um deles e na pena única de dez anos de prisão).
65. As circunstâncias acima já enunciadas (o arguido é primário, encontra-se social e familiarmente bem inserido, tem um percurso profissional integrado e reputado, apresenta um trajeto pessoal integrado, com dedicação ao trabalho e disponibilidade para apoiar os que o rodeiam e quando solicitado, tem atualmente 62 anos de idade, o tempo entretanto decorrido (mais de 4 anos) entre a alegada prática dos factos e o seu sancionamento), atenuam as exigências de prevenção especial e geral da situação em apreço e sempre fundamentariam a fixação de penas inferiores às que vêm determinadas para cada um dos crimes que foram considerados pelo Tribunal da Relação.
66. Considerando-se cada “encontro” entre arguido e menor de forma “isolada” (o que não se concede, mas que aqui se exercita por mero dever de patrocínio), nada justificaria penas parcelares de 2 e 6 meses anos de prisão - tão distantes do limite mínimo.
67. Sem prescindir, também a pena única de concurso determinada pela operação de cúmulo jurídico revelar-se-ia, no entender do recorrente, manifestamente exagerada, até porque nesse caso os alegados crimes seriam sempre um mero prolongamento do primeiro, praticados de forma homogénea, projetando uma imagem única dos factos, pelo que uma pena de 10 anos de prisão revelar-se-ia muito exagerada às exigências de prevenção e ilicitude da conduta, e até desproporcional face a casos semelhantes.
68. Sem prescindir de tudo o acima exposto - e no caso de ser de aplicar ao arguido BB uma pena de prisão inferior a cinco anos - há que ponderar então acerca da questão da SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO.
69. Sendo que, nos termos do artigo 50º, n.º 2 do C. Penal “o Tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos números seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova”.
70. No caso concreto, os factos provados quanto à personalidade do agente e às condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior aos factos exemplar, pois o arguido tem 62 anos, e é primário, levam a concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
71. Aplicando-se pena de prisão inferior a cinco anos - existem razões fundamentadas para crer que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
72. Nos termos do artigo 53º, n.º 4 do C. Penal, o regime de prova seria sempre ordenado em caso de suspensão da execução da pena de prisão do arguido BB.
73. No caso concreto, a existência de um plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, deveria ter sido ponderado, mas não foi sequer considerado pelo Tribunal de 1ª instância.
74. Serão de aplicar aqui as palavras do Acórdão do STJ de 02.02.2005, processo 04P4107 (no caso, a propósito de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência):
Fixada neste limite, a pena deve ser suspensa (artigo 50º, nº 1 do Código Penal), salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento e o desempenho da personalidade do condenado for negativo, e se a tal se opuserem decisivamente as exigências de prevenção.
Neste aspecto, poder-se-á dizer que pelos elementos relativos á idade e à personalidade do arguido o juízo prognóstico não pode ser negativo.
Mas também, atendendo ao tempo entretanto decorrido e o comportamento posterior, as exigências de prevenção geral - salvo se vistas em feição exclusivamente funcionalista, fazendo do homem puro instrumento da realização de fins externos - podem considerar-se mais esbatidas, com a imagem dos valores afectados mais recentrada no círculo restrito de proximidade dos intervenientes, não se opondo, por isso, à suspensão da execução da pena, que compreenda, como no caso, a imposição de deveres; nestas circunstâncias, a medida traduz-se numa forte injunção para o reordenamento da vida do arguido pelos valores comunitários e, em particular, para prevenir a reincidência na afectação dos valores em causa.

Julgando-se como se julgou, violou-se o disposto nos artigos 134º, 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal, e nos artigos 40º, 50º, 53º, n.º 4, 71º, 174º nºs 1 e 2, e 177º nº 6 do Código Penal.
Deve, portanto, ser revogado o douto Acórdão recorrido, com todas as legais consequências.
[…].»


4. Os recursos foram admitidos, sem qualquer restrição, por douto despacho de 18.11.2021, para subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo.


5.  O Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa respondeu doutamente aos recursos pela pena da Senhora Procuradora-Geral Adjunta, que finalizou as contramotivações com as seguintes conclusões:
─ Recurso da arguida AA:
─ «1- Das conclusões da motivação, que delimitam o âmbito do recurso, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do Tribunal quanto a vícios da decisão recorrida e a nulidades (art. 410° n°s 2 e 3 do CPP e Acórdão do STJ n° 7/95, publicado no DR, I Série, de 28/12/1995), extrai-se, em suma, que a Arguida Recorrente, AA, pretende a sua absolvição dos crimes por que vem condenada.
2 - A nosso ver, não assiste razão à Recorrente, pois o douto acórdão recorrido, pronunciando-se de forma bem fundada e criteriosa sobre todas as questões de que lhe cumpria tomar conhecimento, demonstrou com suficiência a sem-razão do Recorrente.
3 - Com a invocação de insuficiência de fundamentação, insuficiência de prova, excesso de pronúncia, contradição e ausência de fundamentação e outros vícios do Acórdão sob recurso – o que nada se verifica in casu –, a Arguida/Recorrente pretende a reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça da matéria de facto, pois o que invoca para sustentar tais arguições são apenas diferentes apreciações e valorações da prova produzida, ou seja, questiona é o modo como o Tribunal valorou a prova produzida, isto é, o uso que fez do princípio da livre apreciação da prova.
4 - Ora, conforme dispõe o artigo 434° do C. de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece da matéria de direito, sendo as questões de facto decididas definitivamente pelo Tribunal da Relação, sem prejuízo da apreciação oficiosa dos vícios do artigo 410° do C. de Processo Penal.
5 - Face à matéria de facto assente, resulta manifesta a actuação da Arguida/Recorrente como autora dos crimes pelos quais foi condenada, mostrando-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos que os tipos legais impõem para a verificação dos crimes em causa, mostrando-se, pois, correcta a subsunção jurídica efectuada e a condenação da Arguida/Recorrente.
6 - A determinação das penas parcelares e da pena única, aplicadas à Arguida/Recorrente, mostra-se bem fundamentada, sendo as penas parcelares e a pena única justas e adequadas à prossecução dos fins punitivos, face à culpa da Recorrente e à gravidade dos crimes, não pecando por excessividade, e não tendo sido violado qualquer preceito legal, e nomeadamente não tendo sido violado o disposto nos artigos 40°, 70°, 71° e 77°, do C. Penal.
7 - A recorrente foi e bem condenada na prática de 76 crimes de lenocínio de menores, correspondente ao número de vezes que as suas condutas integraram este tipo de crime, conforme o art. 30°, n° 1 e n° 3, do C. Penal;
8 - As penas parcelares e unitária em que a Recorrente foi condenada são justas, adequadas e proporcionais.
9 - O Acórdão recorrido mostra-se bem fundamentado, de facto e direito, cumprindo integralmente o requisito "exame crítico" exigido por lei, e fez correcta interpretação e aplicação do direito, não enfermando de qualquer vício ou nulidade, não tendo violado as disposições legais invocadas pela Arguida/Recorrente, nem quaisquer outras, nem qualquer princípio geral, pelo que deve ser mantido, e consequentemente improceder o recurso da Recorrente.

O presente recurso não merece, em nosso entender, provimento, devendo ser confirmado o acórdão recorrido.».
 
─ Recurso do arguido BB:
«1- Das conclusões da motivação, que delimitam o âmbito do recurso, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do Tribunal quanto a vícios e nulidades da decisão recorrida, extrai-se, antes de mais, que o Arguido Recorrente, - BB-, não concorda com a alteração da qualificação jurídica dos factos operada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, deixando os factos de serem reconduzidos a um crime de recurso à prostituição de menores, agravado em trato sucessivo.
2 – A nosso ver, não assiste razão ao Recorrente, pois o douto acórdão recorrido, pronunciando-se de forma bem fundada e criteriosa sobre todas as questões de que lhe cumpria tomar conhecimento, demonstrou com suficiência a sem-razão do Recorrente.
3 - Com a invocação de insuficiência de fundamentação, insuficiência de prova, contradição e ausência de fundamentação e outros vícios do Acórdão sob recurso – o que nada se verifica in casu –, o Arguido/Recorrente pretende a reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça da matéria de facto, pois o que invoca para sustentar tais arguições são apenas diferentes apreciações e valorações da prova produzida, ou seja, questiona é o modo como o Tribunal valorou a prova produzida, isto é, o uso que fez do princípio da livre apreciação da prova.
4 - Ora, conforme dispõe o artigo 434° do C. de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece da matéria de direito, sendo as questões de facto decididas definitivamente pelo Tribunal da Relação, sem prejuízo da apreciação oficiosa dos vícios do artigo 410° do C. de Processo Penal.
5 - Face à matéria de facto assente, resulta manifesta a actuação do Arguido/Recorrente como autor dos crimes pelos quais foi condenado mostrando-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos que os tipos legais impõem para a verificação dos crimes em causa, mostrando-se, pois, correcta a subsunção jurídica efectuada e a condenação do Arguido/Recorrente.
6 — A determinação das penas parcelares e da pena única, aplicadas ao Arguido/Recorrente, mostra-se bem fundamentada, sendo as penas parcelares e a pena única justas e adequadas à prossecução dos fins punitivos, face à culpa do Recorrente e à gravidade dos crimes, não pecando por excessividade, e não tendo sido violado qualquer preceito legal, e nomeadamente não tendo sido violado o disposto nos artigos 40°, 70°, 71° e 77°, do C. Penal.
7- O recorrente foi e bem condenado na prática de 76 crimes de Recurso à prostituição de menores agravados, p.e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 174º/1 e 2, e 177º/ 6 do C.Penal , correspondente ao número de vezes que as suas condutas integraram este tipo de crime, conforme o art. 30°, n° 1 e n° 3, do C. Penal;
8-As penas parcelares e unitária em que o Recorrente foi condenado são justas, adequadas e proporcionais.
9 - O Acórdão recorrido mostra-se bem fundamentado, de facto e direito, cumprindo integralmente o requisito "exame crítico" exigido por lei, e fez correcta interpretação e aplicação do direito, não enfermando de qualquer vício ou nulidade, não tendo violado as disposições legais invocadas pelo Arguido/Recorrente, nem quaisquer outras, nem qualquer princípio geral, pelo que deve ser mantido, e consequentemente improceder o recurso da Recorrente.»

6. No momento previsto no art.º 416º n.º 1 do CPP, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste STJ lavrou proficiente parecer, que rematou com as seguintes asserções:
─ «- o âmbito dos recursos interpostos pelos arguidos deve ser reduzido à impugnação subsunção jurídica dos factos e da medida das penas parcelares e únicas, devendo ser rejeitados quanto às demais questões suscitadas, nos termos do disposto nos arts 420º, nº 1, als. a) e b) e 434º, do CPP;
- emite-se parecer no sentido da improcedência no que se refere ao mérito dos recursos relativos à impugnação do enquadramento jurídico dos factos e à pretendida redução do quantum das penas parcelares e únicas aplicada aos arguidos recorrentes.»
 
7. Notificada do acto do Ministério Público – art.º 417.º n.º 2 do CPP –, a arguida AA respondeu-lhe como segue:
─ «[…].
1. O recurso da recorrente não incide sobre matéria de facto.
2. A apreciação deste está vedado a este Tribunal.
3. Porém, não está vedado a este Tribunal a apreciação das nulidades arguidas pela recorrente no que tange às regras pelas quais a referida matéria de facto foi dada por provado.
4. Com efeito, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, objeto de recurso, ao apreciar a matéria de facto que deu como assente, voltou a cometer as mesmas nulidades que o Tribunal de 1.º instância.
5. Ou seja, as nulidades invocadas em sede e recurso para este Tribunal, para cujas conclusões da motivação de recurso se remete.
6. Por isso mesmo, o recurso deverá ser aceite nessa parte, em vez de ser rejeitado como proposta do Ministério Público.
7. Relativamente ao demais, o Ministério Público, no seu parecer, nada de novo trouxe, pelo que a recorrente remete para as suas conclusões de recurso.

Termos que deverá o recurso interposto ser admitido, e, em consequência, ser concedido provimento ao mesmo, fazendo-se, assim, a habitual JUSTIÇA!».

8. Colhidos os vistos, de acordo com o exame preliminar, foram os autos presentes a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A. Âmbito-objecto dos recursos.
9. O objecto e o âmbito dos recursos são os fixados pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 412º n.º 1, in fine, do CPP –, sem prejuízo do conhecimento das questões oficiosas [1].
Tribunal de revista, de sua natureza, o Supremo Tribunal de Justiça conhece, em regra, apenas da matéria de direito – art.º 434º do CPP.
Não obstante, deparando-se com vícios da decisão de facto enquadráveis no art.º 410º n.º 2 do CPP ou com nulidade não sanada – n.º 3 da mesma norma – que inviabilizem a cabal e esgotante aplicação do direito, pode, por sua iniciativa, sindicá-los.
E após a revisão operada pela Lei n.º 94/2021, de 21.12, pode, mesmo, fazê-lo a pedido, embora apenas no contexto de recurso per saltum previsto no art.º 432º n.os 1 al.ª c) e 2 do CPP ou de recurso de acórdão do Tribunal da Relação que tenha julgado em 1ª instância nos termos do art.º 432º n.º 1 al.ª a) do CPP – cfr., também, art.º 434º do CPP, parte final. Mesmo se, tratando-se de procedimento que transite do tempo da lei antiga, com atenção às restrições à aplicação imediata da nova lei de processo decorrentes do art.º 5º do CPP [2].
Não obstante conexas com a fixação dos factos, mas porque têm a natureza de questões de direito, pode, ainda, o STJ conhecer da violação das regras de direito probatório material [3].

10. Revistas as conclusões das respectivas motivações, são as seguintes as questões que os arguidos trazem à discussão neste Supremo Tribunal de Justiça:
─ Arguida AA:
─ Erro de julgamento nos pontos 18., 19. e 20. da matéria de facto provada, por valoração de prova proibida nos termos do art.º 345º n.º 4 do CPP – declarações prestadas em inquérito pelo co-arguido BB, que se recusou a declarar em audiência de julgamento.
─ Erro de julgamento nos pontos 9. a 17. da matéria de facto provada, por valoração contra ela de prova proibida em violação do disposto no art.º 134º n.º 1 alª a) do CPP – depoimento da ofendida, sua filha, que se recusou a declarar quanto aos factos que a pudessem incriminar
Pontos esses que, assim, requer que transitem para o não provado, com a consequente absolvição da recorrente.
Assim não se entendendo:
─ Erro na qualificação jurídica dos factos, que relevam da comissão de, apenas, um crime de lenocínio de menores em trato sucessivo, e não da de 76 crimes em concurso efectivo, fixando-se, em conformidade a pena em 4 anos de prisão, como decidido em 1ª instância, suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova.
Ainda assim não se entendendo:
─ Excesso e desproporcionalidade da medida concreta das penas, a reduzir, a única, para não mais de 5 anos de prisão e a suspender na sua execução, com sujeição a regime de prova.
─ Arguido BB:
─ Nulidade do acórdão por inadequada motivação da decisão sobre a matéria de facto.
─ Erro de julgamento/nulidade em matéria de facto por valoração de prova proibida nos termos no art.º 134º n.º 1 alª a) do CPP – depoimento da ofendida.
Em qualquer caso:
─ Erro na qualificação jurídica dos factos, que relevam da comissão de, apenas, um crime de recurso à prostituição de menores, em trato sucessivo, e não da de 76 crimes em concurso efectivo.
Em qualquer caso, ainda:
─ Excesso e desproporcionalidade da medida das penas parcelares;
─ Excesso e desproporcionalidade da medida da pena única.
─ Suspensão da execução da pena única

De seu lado, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste STJ suscita a questão da rejeitabilidade dos recursos, nos termos do art.º 420º n.º 1 alas a) e b) do CPP em tudo o que extravasa as questões relativas à qualificação jurídica dos factos e à medida concreta das penas parcelares e únicas.

11. A questão de rejeitabilidade dos recursos suscitada pelo Senhora Procuradora-Geral Adjunta – aliás, de conhecimento oficioso –, precede, no suceder lógico do art.º 608º n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do art.º 4º do CPP, o conhecimento de todas as outras, pelo que por aí se começará.
Na medida em que o que a esse propósito se vier a decidir o viabilize e até onde a regra da prejudicialidade o permita, cuidar-se-á, depois, das questões especificamente acusadas pelos arguidos, a começar pelos vícios relativos à fixação da matéria de facto – cujo conhecimento, naquele suceder, antecede o das nulidades face à natureza das respectivas consequências jurídicas, pois que, enquanto as segundas invalidam a decisão até seu suprimento, os primeiros implicam um novo julgamento, total, ou, parcial conforme decorre dos artos 122º e 426º do CPP [4] –, a que se seguirão as nulidades, a qualificação jurídica dos factos, a(s) medida(s) da(s) pena(s) e a(s) respectiva(s) substituição(ões) .
Tudo com a advertência de que, onde que quer que os arguidos comunguem nas críticas ou no respectivo fundamento, se procederá ao seu tratamento conjunto.

Assim:

B. O Acórdão Recorrido – decisão de facto.
12. Considerando improcedentes as censuras que os arguidos lhe dirigiram, acolheu integralmente o Acórdão Recorrido a decisão de facto que vinha da 1ª instância.
Nos seguintes termos:
─ «II. Fundamentação de facto:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos:
1 - A arguida é mãe da ofendida CC;
2 - A ofendida nasceu em .../.../2001;
3 - A arguida coabita com a ofendida e outro filho na ..., ..., ..., com a sua mãe e uma irmã;
4 - CC conheceu o arguido BB, em data não concretamente apurada, junto à sua residência, mas quando tinha 13 anos de idade;
5 - Em data não concretamente apurada, no período compreendido entre Maio de 2015 e fins de Março de 2017, a arguida fazendo uso do telemóvel da sua filha e da conta do messenger/facebook, passou a enviar mensagens ao arguido BB, fazendo-se passar pela CC, com vista a manifestar interesse amoroso pelo arguido e a agendar encontros;
6 - Após o agendamento dos encontros referidos em 5, a arguida AA, dirigindo-se à sua filha anunciava-os, comunicando-lhe que o arguido chegaria dentro de instantes;
7 - O arguido BB sabia que as mensagens referidas em 5, eram escritas e remetidas pelo punho e vontade da arguida AA;
8 - Na sequência das mensagens referidas em 5, no período compreendido entre Maio de 2015 e finais de Março de 2017, o arguido BB com uma frequência de uma a duas vezes por semana, deslocava-se até junto da casa de CC, e aí chegado, a ofendida acompanhada da arguida AA, saía de casa, sendo por aquela arguida levada ao veículo do BB, onde entrava;
9 - De seguida o arguido BB, conduzia o seu veículo até à ... (...) e por uma vez, à ..., com o intuito de manter os atos sexuais infra descritos;
10 - Assim, na primeira das vezes referidas em 8 e 9, o arguido BB, depois de imobilizar o seu veículo no ... e no seu interior, despiu a sua roupa e, apesar da resistência oferecida por CC, que segurava a roupa que trajava para não ficar despida, retirou-lha, colocou-lhe as mãos nos seios e introduziu-lhe o pénis na vagina, fazendo movimentos de vai e vem, por várias vezes;
11 - Das seguintes das vezes referidas em 8 e 9, o arguido, após imobilizar o veículo e no interior do mesmo, introduziu o pénis na vagina de CC e fez movimentos de vai e vem várias vezes.
12 - Numa dessas ocasiões referidas em 11, o arguido BB, introduziu também, o pénis na boca de CC;
13 - Noutra das ocasiões referidas em 11, o arguido BB, também colocou a sua boca na vagina de CC, aí mexendo com a sua língua;
14 - Os actos sexuais referidos em 10 e 11, foram praticados pelo arguido sem o uso de preservativo;
15 - Na ocasião referida em 10, a CC, sentiu dores aquando da introdução do pénis na vagina, tendo sangrado, por ruptura da membrana himenial;
16 - A ocasião descrita em 10, foi a primeira vez que a CC, manteve relações sexuais;
17 - Após atingir os 16 anos de idade a ofendida, sentindo-se com maturidade e autoridade, decidiu não mais assentir na prática das relações sexuais referidas em 10 e 11;
18 - Como contrapartida pela prática dos atos sexuais referidos em 10 e 11, o arguido BB, entregou à arguida AA, quantias monetárias;
19 - Numa primeira ocasião, entregou 10.000,00 € (dez mil euros) em numerário;
20 - De seguida, entregou mais 10.000,00 € (dez mil euros), em tranches de 2.000,00 € (dois mil euros), cada vez;
21 - A arguida AA actuou voluntária, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de agendar os encontros entre o arguido BB e a sua filha, para a prática de atos sexuais, tendo em vista obter a título de contrapartida quantias em dinheiro, bem sabendo que a sua conduta atentava contra a autodeterminação sexual de CC, colocando em perigo o seu livre e normal desenvolvimento, incentivando a oferecer o corpo para a prática de atos sexuais;
22 - Mais sabia a arguida que CC, em Maio de 2015, contava apenas com 14 anos de idade e sobre si impendiam os especiais deveres de cuidado e protecção da ofendida e não obstante fez-se valer da sua autoridade maternal a fim de subjugar a filha à prática dos atos sexuais descritos, propósito que logrou alcançar;
23 - O arguido BB, actuou voluntária, livre e conscientemente com o intuito concretizado de praticar os atos sexuais descritos em 10, 11, 12 e 13, entregando como contrapartida as quantias monetárias referidas em 19 e 20, bem sabendo que a CC, tinha à data de Maio de 2015, 14 anos de idade, o que ainda assim não o inibiu de manter com a mesma atos de cópula oral e vaginal, pelo período compreendido de Maio de 2015 a fins de Março de 2017;
24 - Mais sabia o arguido que com a sua descrita conduta, colocava em perigo o livre e normal desenvolvimento e autodeterminação sexual da ofendida;
25 - Sabiam ambos os arguidos que tais condutas são proibidas e punidas pela lei penal;
26 - Condições pessoais quanto à arguida AA - a mesma nasceu no seio duma família com três irmãos, sendo ela a terceira filha e o pai trabalha como pescador e a mãe empregada de limpeza, pelo que a família vivia uma situação económica com dificuldades financeiras desde cedo a tudo acresce o alcoolismo do pai e vem a falecer quando a AA tem 17 anos de idade.
27 - A casa é da família sendo modesta e inicia-se na escola não tendo problemas de aprendizagem e aos 16 anos sai da escola e com o 6º Ano de escolaridade abandona a escola, nessa ocasião porque engravida de forma não planeada e inicia uma relação conjugal com um individuo 5 anos mais velho e que cumpria o serviço militar e desta união tem dois filhos, relação esta que termina cerca de 5 anos depois por incompatibilidade de feitios.
28 - Os filhos ficam com a arguida que regressa à casa da mãe; entretanto estabelece novo relacionamento afectivo do qual tem mais dois filhos actualmente com 14 e 11 anos de idade respectivamente e o companheiro mantinha simultaneamente outros relacionamentos extra-conjugais pelo que dura apenas 3 anos e o pai não participa no acompanhamento dos filhos;
29 - A arguida vai trabalhando mas nada estável e com trabalhos pouco qualificados e por curtos períodos de tempo e entre 2001 e 2007 foi bombeira voluntária de onde saiu por problemas de saúde e aos 17 anos explica que foi o pior período da sua vida onde lhe foi diagnosticado uma neoplasia da tiróide e dá-se o falecimento do pai, sendo que nesta ocasião apresenta alterações de comportamento e passou a ser mais impulsiva tendo sido seguida por apoio especializado médico o que já não acontece há vários anos a esta parte;
30 - AA refere que a família relaciona-se bem, e é coesa no entanto as informações recolhidas dizem que há conflitos entre a família e que esta apresenta uma postura rígida e autoritária e alguma negligência nos cuidados a prestar à mãe e aos filhos e por causa deste processo os filhos mais novos encontram-se na instituição, os quais mantêm com a mãe pontuais contactos telefónicos e a CC (vítima neste processo), após ter ficado a cargo duma tia paterna, quando fez os 18 anos de idade regressou para o agregado da mãe;
31 - Também decorre do relatório social elaborado pelas senhoras Técnicas da Segurança Social e que consta da certidão do processo administrativo (promoção e protecção) nº 214/17…, em que são intervenientes precisamente AA (mãe) e CC (filha) a fls. 78 que “(…) esta progenitora é altamente castradora, punitiva e pouco adequada. (…)”, apresentando-se na sequência disso e em relação aos filhos, com uma postura castradora e punitiva, pelo que estes desenvolveram vários défices de competências pessoais e sociais";
32 - Actualmente na casa da mãe vivem esta, uma irmã, e os dois filhos mais velhos da arguida, o DD e a CC, e ela própria e o agregado familiar vive do rendimento de reinserção social no valor total de 546 €, o que acresce o abono do filho mais velho relativo a deficiência; a progenitora recebe uma pensão e este dinheiro é gerido pela própria;
33 - Em termos sociais, a arguida apresenta reduzida inserção social e com aparentes dificuldades de relacionamento interpessoal, com um trato difícil mantendo dependência da família e denota ter consciência sobre o seu comportamento criminal;
Condições pessoais quanto ao arguido BB:
34 - Nasceu na ... num contexto familiar muito precário em termos de condições económicas, sendo o 2º duma fratria de 3. O pai, por questões de saúde, não pode trabalhar grande parte da sua vida e a mãe era doméstica. Apesar deste contexto precário, referencia positivamente a dinâmica familiar e a ligação afetiva com os irmãos e com os progenitores, estes, entretanto, já falecidos;
35 - Iniciou o percurso escolar na idade normal, tendo-se deslocado para Ilha ... com cerca de 10 anos de idade, para dar continuidade aos estudos, tendo regressado à ... cerca de dois anos depois, uma vez que abriu o nível de ensino que o arguido frequentava. Com cerca de 16 anos, deslocou-se para a ... para concluir o liceu, tendo posteriormente ingressado no curso de enfermagem;
36 - Nas ausências da ... de origem, residiu em Instituições de acolhimento, o que justifica com as dificuldades económicas da família, tendo nesses contextos beneficiado de algum suporte de colegas e respetivas famílias, face ao afastamento geográfico da sua família;
37 - Concluiu a formação em … com cerca de 21 anos, tendo iniciado trabalho no Hospital ..., entidade em que se mantém a trabalhar, na…, como … graduado e trabalhando também em…;
38 - Paralelamente, trabalhou vários anos como ... em diversas entidades, públicas e privadas, quer com remuneração, quer em regime de voluntariado. Exerceu atividades lectivas na Escola ... e na Santa Casa da Misericórdia ..., enfatizando um percurso profissional integrado e reconhecido em termos sociais. Entre 2005 e 2018 exerceu funções de ... dos ...;
39 - Em termos afectivos, BB refere 5 relacionamentos mais duradouros, tendo casado a primeira vez com cerca de 20 anos, ocorrendo a separação cerca de 2/3 anos depois, por uma progressiva deterioração da relação. Com cerca de 26 anos contraiu novo casamento, contexto em que tem um filho, atualmente com 34 anos de idade e já autónomo. A separação viria a ocorrer cerca de 8 anos mais tarde, tendo o arguido referido dificuldades no contacto com o filho, por oposição da ex-mulher. Com o falecimento desta, o filho ficou aos seus cuidados, beneficiando igualmente de suporte dos respetivos avós maternos;
40 - Há cerca de 3 anos, contraiu casamento com EE, atualmente com 21 anos de idade, descrevendo um contexto familiar harmonioso. O casal tem dois filhos, de 2 anos e 6 meses respectivamente, este último com algumas problemáticas de saúde, que determinam frequentes deslocações ao ...;
41 - O agregado familiar depende do vencimento do arguido, no valor de cerca de 1700€ mensais, estando a esposa desempregada. BB considera, no entanto, algumas dificuldades económicas, face a uma penhora do vencimento, na sequência dum divórcio anterior;
42 - O arguido referencia algumas problemáticas de saúde, pontualmente condicionantes do quotidiano, nomeadamente a …, usando nesse contexto …;
43 - BB enfatiza um trajeto pessoal integrado, com dedicação ao trabalho e disponibilidade para apoiar os que o rodeiam e quando solicitado;
44 - Quanto aos antecedentes criminais relativos à arguida AA - do seu certificado de registo criminal nada consta;
45 - Quanto aos antecedentes criminais relativos ao arguido BB - do seu certificado de registo criminal nada consta.»
***
Factos não provados:
Não se provou que:
1 - Que pelos atos sexuais referidos em 10, 11, 12 e 13, a arguida AA, negociou uma contrapartida de 100.000,00 € (cem mil euros);
2 - Que para o pagamento acabado de referir, o arguido BB acabou por recusar, mas depois de ter hesitado pois ainda ponderou vender uma casa que possui na ..., para cobrir aquele valor;
3 - Que era a arguida AA, que comprava perfumes à filha para que esta usasse nos encontros sexuais referidos em 10 e 11;
4 - Que para reunir os valores referidos em 18 e 19, o arguido BB, tenha vendido a sua viatura pelo preço de 5.000,00 €.».
***
***
III- Fundamentação probatória:
O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos:
"Fazendo a análise crítica de todas as provas produzidas perante o tribunal, a nossa convicção assentou por um lado, na apreciação de toda a prova documental junta aos autos nomeadamente, a certidão do processo administrativo de promoção e protecção nº 214/17.... que correu termos nos Serviços do MP da ... de fls. 2 e ss., onde para além do mais se retira do relatório social ai junto a fls. 75 e ss., que a progenitora da menor CC (e dos restantes filhos) é altamente castradora, punitiva e pouco adequada com os filhos, os quais apresentam défices das suas competências pessoais e sociais (fls. 78); ato de leitura das mensagens do telemóvel de CC de fls. 76 a 83; o relatório de perícia de natureza sexual que consta de fls. 96 e ss., concluindo-se ali que há compatibilidade entre a informação dos abusos sexuais e o exame realizado, mas não demonstrável mais se dizendo que, a ausência de vestígios físicos e /ou biológicos não significa que o abuso sexual não ocorreu, uma vez que num grande número destas situações não resultam vestígios.
Leitura das mensagens remetidas do telemóvel da arguida AA para o arguido BB a fls. 110 e ss., bem como auto de leitura de mensagens a partir do telemóvel do arguido BB para a AA, conforme fls. 135 e ss., onde designadamente nas fotos 9 e 10 e 11 e 12 de fls. 137 se diz em suma que “ofertas da sexo cobre com a tua filha e depois veremos”, e “Sabes bem que andaste com a minha filha as promessas que lhe fizeste e tudo o resto...”, o auto de interrogatório de arguido prestado perante Magistrado do MP e na presença de Advogado que até foi lido durante a audiência de julgamento de fls. 226 a 227, onde em suma o mesmo refere que o dinheiro que entregou a AA depois de ter mantido as relações sexuais com a menor foi 10.000,00 € duma vez e mais 10.000,00 € em cinco tranches de 2.000,00 € cada e após ter terminado os encontros com a CC, a mãe dela, a AA ainda lhe quis tirar mais dinheiro, o qual arranjou por via de poupanças que tinha e com recurso a cartões de crédito.
Levou-se em consideração o relatório social relativo a AA elaborado pela DGRSP de fls. 265 e ss., e o do arguido BB de fls. 272 e ss., o certificado de registo criminal de fls. 344 de AA, e o certificado de registo criminal do arguido BB de fls. 388.
Assentou ainda a convicção do Tribunal na audição dos arguidos e demais testemunhas ouvidas em sede de julgamento.
Assim, ambos os arguidos no uso do seu direito legal de remeterem-se ao silêncio, nada falaram.
Depois foi ouvida a testemunha CC, simultaneamente ofendida nos autos e por ser filha da primeira arguida não quis quanto à mãe prestar declarações.
Quanto ao segundo arguido falou, mas sempre condicionada unicamente aos factos que dizem respeito ao arguido BB e que o tribunal delimitou conforme consta da ata de audiência de discussão e julgamento.
Então prestou um depoimento sincero falando apenas do que se passou consigo e da sua vivência denotando-se de todo o seu depoimento dificuldades em falar sobre os factos por que passou.
Disse, pois, que, conheceu o arguido BB quando tinha 13 anos de idade e não foi no tribunal, na data ele era um bocadinho fortinho, baixinho e careca, tendo-o conhecido ao pé de sua casa e foi marcado um encontro entre eles; ele estava no Jeep dele e começaram a falar.
As relações sexuais começaram quando ela já tinha 14 anos e aconteceu no mesmo carro no Jeep, ela nasceu em .../.../2001 e isto das relações aconteceram uns meses para a frente de ter feito os 14 anos, pensa que antes do verão.
Então explicou que estavam no carro e ele começou a tirar a roupa e depois queria tirar a roupa dela, mas ela não quis e ele insistiu então foi ela própria que tirou a sua roupa e ele começou a tocar-lhe nas mamas e .... de seguida ele pôs o seu pénis na sua vagina e penetrou várias vezes na vagina, mas ela não sabe se ele ejaculou ou não porque ela não viu e vestiu-se e quando chegou a casa e foi à casa de banho viu sangue nas cuecas e sentiu dor quando ele a penetrou no carro.
Tal aconteceu no ... e em outras ocasiões na ... e isto durou desde os seus 14 anos até aos seus 16 anos, em média 1 a 2 vezes por semana.
Estes acontecimentos pararam porque ela não quis mais e quanto à forma como faziam, para além daquela forma da vagina, também uma vez ele pôs o pénis na sua boca uma vez.
Ele nunca usou preservativo. Ele não lhe dava nada.
Os encontros eram marcados por mensagem, que não era ela que escrevia.
Então o senhor ia buscá-la a casa e depois levava-a a passear até à ... ou até à ....
Quando entrava no carro, ela pensava que iam dar uma volta, mas lá no fundo ela sabia que aquilo ia acabar em sexo.
Quando eles faziam o sexo, ela não queria tocar nele, mas ele pegava na sua mão e punha-a no seu pénis.
Que o seu período veio aos 12 anos de idade e esta vezes foi a primeira vez que esteve com um homem e quanto à casa ou carro dele se sabe se vendeu ou não, ela não sabe nada disso bem como, não sabe se ele tinha mulher ou namorada.
Não gostava de fazer isto do sexo, mas fazia contra vontade.
Ela deixou de fazer isto aos 16 anos, porque cresceu e ganhou mais autonomia.
Quando faziam isto do sexo, ele pôs a sua boca na sua vagina e mexia com a língua o que sucedeu também uma vez.
Quando ela tinha 14 anos, parecia uma menina enfezada, pequena, uma menina mesmo, porque mesmo agora que tem 20 anos não é fisicamente muito desenvolvida, é pequena.
O jeep do arguido era ... ou ... não se lembra bem.
Foi em Maio de 2015 que ela começou a ter as relações sexuais com o arguido o que durou até ela fazer os seus 16 anos de idade.
Quando ela tinha o período ela não vinha naquela semana. Não tirou fotos com o BB.
De seguida foi ouvida a testemunha FF, companheira de facto do arguido BB à data dos factos (entre 2015 e 2017) pelo que, quanto aos factos relativos ao companheiro nada disse.
Quanto ao que sabia sobre a arguida AA, falou e apenas falou do que tinha conhecimento pessoal.
Disse então que recebeu uma mensagem da CC, e era a AA que escrevia as mensagens e primeiro dizia que era a filha e depois dizia que não era a filha era outra pessoa sendo que as mensagens eram aquelas que constam dos autos de fls. 76 a 83 e com aquele conteúdo porque ela foi confrontada com isso.
Mais tarde passou a AA mandar-lhe mensagens já como mãe da menor que ele gostava da filha e a filha dele, que ela é que se deveria ir embora; que ele gostava dela, mas não queria assumir.
A testemunha não lhe respondia até que chegou uma altura em que respondeu e disse o que é que se passava e ela disse-lhe tu sais dai e eles vão viver juntos e a testemunha disse eu vou sair e levo as minhas coisas.
GG, é irmã da arguida AA, tendo apresentado um discurso parcial e interessado em proteger a irmã, o que não se revelou credível, dizendo em suma que conhece o BB, é … no Hospital e já o viu à porta de casa uma ou duas vezes mas já há muito tempo; viu-o junto com a irmã e a sobrinha e esta teria cerca de 15 ou 16 anos de idade quando isso aconteceu; que viu o BB e a sobrinha conversarem e juntos e não sabe o que eles falavam um com o outro e o BB levava a menina ao Café para tomar um sumo ou um café, era o que ela dizia.
Não eram namorados e ela como tia achava aqueles encontros normais e a menina saia e quando ela voltava não lhe perguntava o que tinha sucedido; que eles saiam mais no principio do verão aí por volta das 7 horas até às 8 ou 9 horas da noite, e ela ficava fora mais ou menos uma hora, uma hora e meia e quando chegavam ficavam no carro no telemóvel e era normal e depois esclareceu que ela e a irmã não trabalham; quem trabalha é o irmão gémeo, a sua mãe vive da reforma e a casa é da família.
Também disse que a irmã é que levava a filha para atos sexuais e a menina é que se arranjava sozinha; as comunicações eram marcadas pela irmã; a sua irmã recebe o RSI.
Posteriormente, ouvimos a prova da arguida AA, ou seja, o seu filho DD, e também apresentou um discurso parcial e de protecção da mãe dizendo que ele tem dois irmãos menores: o HH e o II, os quais estão na instituição desde que se soube disto da sua irmã CC, das relações sexuais.
A Irmã na data foi para casa duma tia paterna e sua Madrinha onde ficou até aos 18 anos de idade e depois ela quis voltar para a casa da avó e mãe, onde agora mora e quanto ao arguido BB conhece-o do Hospital e da ... (rua) e ele quando chegava a irmã saia mas não sabe o que ela fazia nem para onde iam; entre ele e a CC tem uma diferença de 11 meses; que ele andava na escola e saia por volta das 17 horas e depois ia para casa ter com o tio e entre as 19 horas e 19 horas e 10 minutos iam para o café (ele e o tio) e só saiam de lá por volta das 8 horas e 30 minutos e nada via; conhece o ... BB do Hospital porque ele tem problemas de coluna e então que viu este senhor de carro ao pé de sua casa lá no largo algumas vezes; quando ele lá estava via a irmã sair de casa e ir para dentro do seu carro, aqui só viu uma vez.
De seguida ouviu-se a prova do arguido BB, designadamente, as testemunhas abonatórias tais como a Dra. JJ que disse o que conhecia sobre o carácter e a personalidade deste, explicando que já o conhece há 18 anos da Santa Casa da Misericórdia ... e afirma que é um excelente ... e nutre especial carinho pelos idosos o que pode pessoalmente comprovar pelo carinho com que tratava a sua avó que lá estava e conhece várias pessoas da sua família, designadamente o seu filho mais velho e conhece a sua 2ª esposa a KK bem como a actual a FF e conhece o LL o filho mais novo, que nasceu com problemas de saúde e tem 4 filhos ao todo; é um excelente pai, tem disponibilidade para ajudar as pessoas.
Depois foi ouvido MM, que também é ... de profissão tal como o arguido e diz que já conhece o arguido desde 1998, onde trabalhava no Bloco Operatório do Hospital e é um ... responsável, cordial, sabedor é ... na equipa de operações de evacuações e foi ... dos Bombeiros.
NN, diz que conhece o ... BB desde 1996 e actualmente é ... do BB na anestesia; e explica que o BB é pessoa muito reconhecida no Hospital a nível profissional; é um colega muito competente, responsável, cumpridor e ajuda na formação de outros profissionais, é pessoa educada, humanista e disponível.
OO, diz que há 40 anos que é amigo dele e é amigo de ajudar os outros, é ingénuo nas amizades que escolhe, é trabalhador e respeitador; é casado e o filho mais novo tem um problema do coração e já presenciou expressões de afecto dos doentes que tratou para com ele.
Por fim foram ouvidas as prestações de declarações por parte da arguida AA, durante o seu interrogatório judicial, nos termos do artigo 357º/1-b) do CPP a pedido do Ministério Público onde aquela em suma disse que, confirma o que consta da acusação menos o que se diz do dinheiro.
Que foi bombeira mas não quando o Sr. BB era o ... e nunca lhe pediu dinheiro nenhum e não apresentou a filha ao BB e sabia que a filha andava com o BB e ele não vinha buscar duas por semana uma vez que era ela quem mandava as mensagens e na ocasião em que andava com o BB a filha tinha 14 anos e isto durou cerca de 2 anos, mas não impôs nada à filha nem lhe levantou a mão e reconhece que pode ser dura com os filhos para eles estudarem e que ela não incentivava os encontros entre os dois.
Chegou a uma data em que ela pediu para ele deixar a filha, mas ele não quis.
Mas era ela que marcava os encontros entre eles e ele sabia que as mensagens do telemóvel da filha eram mandadas por si; quando eles saiam os dois a filha ligava-lhe para saber se podia dar um passeio com o BB e dizia-lhe “não te demores”.
Mandava-lhe mensagens de amor mas eles não eram obrigados a fazer sexo, como ele não quis ela não insistiu mais e a filha concordava que ela mandasse as mensagens e demoravam cerca de uma hora; muitas vezes ele até estava na rua com os filhos a brincar quando eles saiam e quando eles voltavam e nunca a obrigou a usar perfumes e ele não lhe dava dinheiro e esta arrependida de ter incentivado os encontros entre eles os dois e ela já o conhecia antes e gostou do BB, enquanto isto foi acontecendo ele por vezes fazia-lhe favores por exemplo a filha precisava de uma endoscopia e ele marcou consulta ao médico para a filha e ela foi realizar o exame, sofre de problemas da coluna e recebe o RSI de 487 €/mês.
Conjugada toda a prova supra exposta em suma, não se acreditou na versão da arguida AA tal como esta falou no seu interrogatório.
Na verdade, esta pelo facto de conhecer de outros anos o arguido BB, que sabia ser ... pensou em oferecer a sua filha CC, na data com apenas 14 anos de idade, para a prática de atos sexuais com o arguido BB, mas isto a troco de dinheiro.
Como o tribunal chegou a esta conclusão?
Por um lado, devido ao facto do arguido BB ter assumido que tinha praticado relações sexuais com a menor CC, e por outro que lhe tinha entregue cerca de 20.000,00 €.
Por outro lado, mandam as regras da experiência (artigo 127º do CPP) que a diferença de idades entre o BB (cerca de 56 anos de idade) e da menor CC (14 anos), quando começaram em Maio de 2015 os atos sexuais dados como provados na acusação supra, ocorressem com algum tipo de compensação monetária/ou financeira.
Senão para quê estes encontros.
Por outro lado, os encontros dão-se entre dois desconhecidos praticamente. Então o que os pode ligar.
Por fim e não menos importante, para fixar a convicção do tribunal quanto à pratica pelos dois arguidos do cometimento do crime pelo qual cada um responde, designadamente a AA o crime de lenocínio e o BB, recurso à prostituição de menores, temos a muito modesta condição financeira do agregado familiar da AA e dos filhos nomeadamente, da CC, que vivem todos na casa da avó materna, onde ali vive ainda a irmã da AA e o seu filho DD e também viviam mais dois filhos ainda crianças da AA mas que com o acompanhamento do processo de promoção e protecção, o HH e o II, encontram-se actualmente em instituições, mas que viviam todos juntos naquela casa que é pequena para todos.
Logo, resulta das regras da experiência que este sujeitar da CC a manter relações sexuais com um homem muito mais velho do que ela (cerca de 40 anos mais), só podia ser pela compensação económica negociada entre os arguidos AA e BB, no caso a troco de cerca de 20.000,00 €.
A mais, falta referir aquelas mensagens escritas no telemóvel do arguido acima já mencionadas e que agora e aqui se chama novamente à colação: a fls. 137, a mensagem da foto nº 11, onde se lê para além do mais que “... Sabes bem que andaste com a minha filha as promessas que lhe fizeste e tudo o resto ...”.
A que se referem estas promessas?
Quanto a nós, simplesmente e pelas regras da experiência e pelo contexto frágil economicamente, deste agregado familiar onde a arguida AA não trabalha, apenas aufere o RSI (487 € - mês), referem-se em concreto às quantias monetárias que o arguido BB confirma que entregou à AA: os vinte mil euros.
Tudo conjugado nesta vertente financeira de necessidades do agregado da menor, com o interesse sexual do arguido BB e o carácter dominador e autoritário desta mãe, que punia e castigava os filhos caso estes se negassem a fazer o que ela lhe dizia para fazer, o que resulta do relatório social do processo de promoção e protecção já supra referido que abrangeu precisamente esta menor a fls. 78 dos autos, portanto a AA aproveitando-se do facto de ser a mãe, obrigava, subjugava a filha a ofendida nos autos: a CC, a manter relações sexuais contra a sua vontade, com um individuo praticamente desconhecido para si e muito mais velho, a troco de dinheiro.
São estes os factos muito fortes que nos apontaram o caminho para considerar provados os indícios /os requisitos dos crimes em causa: um lenocínio agravado e um recurso à prostituição agravado também.
De outro lado, não foi infirmada esta conclusão com a prova por parte de cada um dos arguidos que esta conclusão do tribunal não é verdade e não corresponde ao que realmente sucedeu que se tenha levado para provar no julgamento: nenhum deles demonstrou que o dinheiro que se deu como provado supra não fosse para pagar a pratica das relações sexuais que aconteceram entre o arguido e a menor; que não tenha sido a mãe a incentivar, a favorecer a pratica dos atos sexuais entre a menor e o BB e que não tenha sido pela sua autoridade de mãe o que obrigou a CC a manter relações sexuais com um sujeito que quase desconhecia de todo e com 40 anos a mais do que ela.
Quanto aos factos não provados - Nesta parte não foi produzida qualquer prova que a arguida AA tenha negociado com o arguido BB, um valor como pagamento das relações sexuais mantidas entre este e a sua filha menor, no montante de 100.000,00 € (cem mil euros).
De resto, que ponderou vender a casa, vendeu um carro por 5.000,00 €, enfim tudo isso para arranjar os ditos 20.000,00 €, também não se provou que o tenha feito.
Por fim, nada foi produzido na audiência de julgamento que tenha sido a AA a comprar perfume para a filha usar nos seus encontros amorosos.»

C. Questão prévia – rejeição parcial dos recursos nos termos do art.º 420º n.º 1 al.ª a) e b) do CPP.
13. A propósito da rejeição parcial dos recursos, diz a Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste STJ o que segue:
─ «Questão Prévia
6- No entanto, a nosso ver, os recursos não podem ter a abrangência pretendida pelos recorrentes. Com efeito, os arguidos pretendem ver reapreciadas por este Supremo Tribunal questões decididas em definitivo pelo Tribunal da Relação. Desde logo as que respeitam à impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Como decorre do disposto no art. 434, do CPP “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”, sem prejuízo de se conhecer oficiosamente de qualquer um dos vícios da sentença, previstos no nº 2, do art. 410, do CPP, caso se verifiquem.
Ora, os recorrentes reeditam perante este Supremo Tribunal questões relativas à decisão sobre a matéria de facto que já suscitaram no recurso que interpuseram para o Tribunal da Relação, como seja, a invocação de erro de julgamento e a insuficiência do exame critico das provas por parte do Tribunal de 1ª instância. Mas também a invocada violação do art. 134 do CPP.
O Tribunal recorrido pronunciou-se sobre todas as questões e fê-lo de forma cuidada e fundamentada e os arguidos renovam a argumentação invocada sem cuidarem de contra-argumentar aquela pronúncia.
Acresce que todas estas questões incidem sobre a decisão de facto que, como atrás se referiu, estão subtraídas à cognição do Supremo Tribunal de Justiça, devendo por isso ser rejeitado o recurso nessa parte.
Afigura-se-nos, por outro lado, que a apreciação e valoração da prova efectuada na decisão recorrida respeita as regras da lógica, da ciência e da experiência e não está inquinada por qualquer um dos vícios previstos no art. 410, nº 2, do CPP, que embora não possam constituir fundamento de recurso, podem e devem ser conhecidos oficiosamente por este Supremo Tribunal caso se verifiquem.
7- Mas mesmo que se considerasse que este Supremo Tribunal deveria conhecer das nulidades do acórdão de 1ª instância uma vez mais invocadas, o recurso deveria ser rejeitado, nos termos do art.º 420.º, nº 1, al. a), por manifesta improcedência.
Com efeito, o Tribunal da Relação analisou e pronunciou-se profusamente sobre cada uma das nulidades invocadas e concluiu no sentido da sua não verificação.
Acompanhamos inteiramente a fundamentação consignada na decisão recorrida e igualmente concluímos no sentido da não verificação daquelas nulidades.
8- Os recursos interpostos pelos arguidos, com referência à impugnação dos segmentos da decisão recorrida relativos à subsunção jurídica dos factos provados e à determinação das penas parcelares e únicas, deverão ser julgados em conferência nos termos do disposto no art. 419º, nº 3, do CPP.

Ao que como (também) já transcrito, a arguida AA contrapôs – art.º 417º n.º 2 do CPP – que o seu recurso «não incide sobre a matéria de facto» cuja apreciação – reconhece – estaria vedada a este STJ, mas antes sobre o julgamento do TRL sobre as nulidades que apontou às operações de fixação dos factos provados que vinham no acórdão do Tribunal Colectivo e que, ao não terem sido corrigidas no Acórdão Recorrido, fizeram incorrer este nos mesmo vícios daquele.
Daí, conclui pela admissibilidade e viabilidade do seu recurso, que deve prosseguir em ordem à apreciação do mérito.

Veja-se.

14. Diz então a Senhora Procuradora-Geral Adjunta que em tudo o que excede as questões da subsunção jurídica dos factos e a determinação das penas parcelares e única – leia-se, em tudo o que respeita à fixação dos factos – o recurso deve ser rejeitado, quer por se tratar de questões subtraídas aos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, quer por manifesta improcedência uma vez que tudo já tratado aprofundada e acertadamente no Acórdão Recorrido.

Em brevíssima apreciação, antecipa-se que, salvo o muito devido respeito, não se podem acompanhar as objecções da Senhora Magistrada.
Com efeito e como se se disse em 9. supra que aqui se recorda – e nisso, em nada se diverge da Senhora Procuradora-Geral Adjunta –, o STJ, como tribunal de revista que é, cuida, tendencialmente, apenas do direito, sem prejuízo de ex officio – sempre – ou a pedido – em recurso per saltum ou de decisão da Relação proferida em 1ª instância [5] – sindicar vícios da decisão de facto previsto no art.º 410º n.º 2 do CPP ou nulidade não sanada – n.º 3 do preceito: é o que, na afirmação constante da jurisprudência do Tribunal, decorre do art.º 434º do CPP, em si e na sua articulação com o art.º 410º do CPP.
Mas como ali também se disse, o STJ pode ainda sindicar aquela decisão de facto, por ainda estar no estrito domínio da interpretação e aplicação das regras jurídicas, sempre que suspeite que na dinâmica do juízo probatório foram violadas regras do direito probatório material [6], mesmo para além do que o (simples) erro notório apreciação da prova do art.º 410º n.º 2 al.ª c) do CPP alcança [7], e, designadamente, em função da utilização de provas proibidas na acepção do art.º 126º do CPP e de disposições conexas.
Ora, se bem se vêem as coisas, é neste preciso plano da violação das normas do direito probatório que os arguidos colocam as censuras que dirigem à fixação da matéria de facto, como aliás se pode ver nas questões que se recensearam nas conclusões dos respectivos recursos sumariadas em 10. supra, a recordar, a produção e, ou, valoração de prova proibida nos termos do art.º 345º n.º 4 e 134º n.º 1 al.ª a), ambos do CPP, por ilegal mobilização em desfavor da AA das declarações prestadas em inquérito pelo arguido BB e das declarações prestadas em audiência de julgamento pela testemunha CC, e por ilegal mobilização contra o BB das mesmas declarações da CC que, aliás, na sua perspectiva nem sequer podiam ter sido produzidas.
E assim sendo, e estando-se no estrito plano da matéria de direito, nada obsta à pretendida sindicância neste recurso de revista, por tudo se conter dentro dos limites da cognoscibilidade do STJ [8].
E por isso que, sem quebra do muito devido respeito – não é demais repeti-lo –, não será de dizer, como não se diz, que, por à margem da competência deste Tribunal, deve ser recusado o conhecimento do objecto dos recursos, nos termos do art.º 417º n.º 6 al.ª a) do CPP.

Também o obstáculo da rejeitabilidade dos recursos por manifesta improcedência nos termos dos art.os 417º n.º 6 al.ª a) e 420º n.º 1 al.ª a) do CPP não estará em condições de ser atendido.
Na verdade, e não obstante se reconhecer que todas as questões que os Recorrentes colocam a estes STJ já as tinham suscitado no TRL e que, todas – para usar a expressão da Senhora Magistrada –, foram aí profusamente tratadas, a realidade é que que, não sendo caso de circunscrição dos recursos a determinados segmentos decisórios, nem ope legisv. g. , por via de irrecorribilidade parcial do Acórdão Recorrido decorrente das normas dos art.os 400º n.º 1 al.ª e) e, ou, f) do CPP – nem por vontade dos interessados – v. g., por opção firmada ao abrigo do art.º 403º n.os 1 e 2 al.as c), d) e f) do CPP –, não se vê preclusão processual que impeça (novo) reexame delas desde que, como já se viu ser o caso, acolhíveis no perímetro da cognoscibilidade material do tribunal ad quem.
E diga-se que ao conhecimento desse segmento dos recursos nem sequer obsta a circunstância de os Recorrentes terem seguido a prática – menos recomendável, é certo, mas relativamente frequente – da mera repetição na motivação do recurso para o STJ do argumentário levado ao recurso movido para o Tribunal da Relação – o que, in casu, um simples passar de olhos pelas pertinentes peças facilmente comprova que, tirando as questões relativas ao recurso amplo em matéria de facto nos termos do art.º 412º n.os 3 e 4 do CPP com que ambos confrontaram o TRL e que aqui (acertadamente) não repetiram, é manifesta a similitude do argumentário mobilizado, a sua estruturação e a sua própria redacção –, a que, por vezes, se vê cominada a rejeição por manifesta improcedência fundada na falta de motivação, nos termos do art.os 414º n.º 2, 417º n.º 6 al.as a) e b) e 420º n.º 1 al.as a) e b) do CPP, como, v. g., aconteceu nos Ac'sSTJ de 28.6.2001 - Proc. n.º 1293/01-5, de 11.4.2002 - Proc. n.º 02P772, de 14.11.2002 - Proc. n.º 02P3092 e de 22.5.2003 - Proc. n.º 03P1672 [9].
E desse modo porquanto, no balanço entre essa corrente de entendimento e a que se lhe contrapõe – representada, v. g., pelos Ac'sSTJ de 27.2.2020 - Proc. n.º 259/18.7PFSXL.L1.S1 [10], 4.5.2016 - Proc. n.º 6796/13.2TDLSB.Ll.S1, de 25.2.2015 - Proc. n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1, de 29.4.2015 - Proc. n.º 791112.6GAALQ.L2.S1 e de 23.3.2017 - Proc. n.º 223/15.8JAAVR.P1.S1[11] –, , a preferência deste colectivo de juízes vai para esta segunda, na consideração de que, «[e]mbora a atitude processual do recorrente não seja a mais canónica e acertada, favorabilia amplianda, odiosa restringenda», é de seguir «a jurisprudência mais recente deste STJ (p. ex., Ac. de 09.09.2015, Proc.73/13.6SVLSB.S1 – 3.ª, in Sumários do STJ) no sentido de não haver razão para rejeitar em bloco o recurso, ainda que o recorrente repita perante o Supremo as questões suscitadas no recurso apresentado para a Relação e se limite a reiterar os mesmos fundamentos aí apresentados, de cuja improcedência a Relação o não convenceu, sendo, pois, nesse inconformismo que assenta a legitimidade e interesse processual do recurso apresentado do acórdão proferido por esse tribunal».
Entendimento, de resto, ainda mais calhado à realização do princípio da plenitude das garantias de defesa em processo criminal consagrado no art.º 32º n.º 1 da CRP de que o direito ao recurso é manifestação e instrumento saliente, e que, também por esta razão, se prefere.
E entendimento que, se não directa e imediatamente, vale, pelo menos, mutatis mutandis no caso sob apreciação, aconselhando, também por aqui, a improcedência da questão prévia suscitada pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta.

15. Vistas as questões prévias, passe-se ao mais dos recursos, começando, pelos motivos já referidos em 11., pelas questões relativas aos vícios na fixação dos factos.

D. As questões-objecto dos recursos.

a. Recurso da AA: a valoração das declarações prestadas em inquérito pela co-arguido BB; valoração de prova proibida e violação do princípio do contraditório.
16. A arguida AA diz que a fixação, como provados, dos pontos 18. a 20. da matéria de facto releva da valoração das declarações prestadas pelo arguido BB no decurso do inquérito, lidas em audiência, o que consubstancia uso de prova proibida nos termos do art.º 345º n.º 4 do CPP e violação do direito ao contraditório, uma vez que ele se prevaleceu do direito ao silêncio em audiência de julgamento, impedindo-a de contra-instar nessa sede.
Pede que os factos sejam dados como não provados, sendo, consequentemente, absolvida da prática dos crimes de lenocínio de menores por que foi condenada, por desse modo sem suporte na matéria de facto o requisito objectivo do tipo previsto no art.º 175º n.º 1 do CP da «sujeição do menor a prostituição, a qual, por seu turno», na acepção do art.º 174º do CP «pressupõe um necessário propósito lucrativo», por isso que indo naquele implícita a existência de uma contrapartida pecuniária ou uma intenção lucrativa, que, aliás, pode, mesmo, funcionar autonomamente como como circunstância modificativa agravativa nos termos do n.º 2 al.ª d) daquela norma.
 
Veja-se.

17. Tal como referido, a Recorrente colocou esta questão nos mesmos termos ao TRL, tendo recebido no Acórdão Recorrido a resposta que, nos seus momentos mais salientes, se transcreve:
─ «[…].
Dando por assente que o crime de recurso à prostituição de menores tem por elemento do tipo a existência de um pagamento ou outra contrapartida (artigo 174º/CP), a referência, no tipo do crime de lenocínio de menores, ao exercício da prostituição de menor, tem igualmente por pressuposto a existência da contrapartida que caracteriza o acto de prostituição. Acrescente-se, no entanto, que o artigo 175º/CP tem como elementos do tipo em alternativa o exercício da prostituição de menor ou o aliciamento de menor para esse fim, não exigindo, portanto, que se consume a actividade de prostituição, o que é relevante, no caso, porque a consumação do crime prescinde da prova de que existiu essa contrapartida.
Contudo, como bem refere a recorrente, o acórdão recorrido considerou existente uma situação de efectivo auferimento pela arguida de contrapartidas, entregues pelo co-arguido pela sujeição da sua filha a trato sexual com o mesmo.
A questão que se coloca, em face desse entendimento é, portanto, saber se para efeito da consideração da existência dessas contrapartidas foram tomadas em conta as declarações prestadas em inquérito pelo co-arguido e se tal representa, no caso concreto, uma violação a uma proibição de prova contida no artigo 345º/4, do CPP.
O princípio do contraditório, contido no artigo 327º/CPP, determina que os meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao contraditório que abrange tanto a produção como a valoração das provas. Acusação e defesa devem poder oferecer provas, mas igualmente controlar as provas contra si oferecidas e discutir o valor e o resultado de todas elas, em sede de audiência de julgamento.
O princípio do contraditório, consagrado no artigo 32º/5, da Constituição da República Portuguesa (CRP) que confere tutela constitucional ao princípio do contraditório em sede de julgamento, significa que nenhuma prova deve ser aceite sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, contestar e de valorizar. Significa isto, face à possibilidade vigente de, na audiência de julgamento, se proceder à reprodução ou leitura de declarações feitas pelo arguido em anterior fase processual – ainda que este opte pelo silêncio em julgamento, desde que respeitados determinados condicionalismos processuais, valendo elas como meio de prova sujeito à livre apreciação – que para essas declarações poderem valer como meio de prova contra o co-arguido este tem que ter a possibilidade efectiva de poder contraditá-las também na audiência de julgamento. Tem de lhe ser assegurado o exercício de um contraditório pela prova, que inclui, necessariamente, a possibilidade de contra-instância do arguido depoente.
Aliás, na origem do preceito, aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, esteve a jurisprudência do Tribunal Constitucional, contida no acórdão n.º 524/97, de 14.07.1997 (D.R., II série, de 27.11.1997) que declarou «inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 5, da Constituição da República, a norma extraída com referência aos artigos 133º, 343º e 345º do Código de Processo Penal, no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido, em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias destoutro co-arguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio».
O direito, reconhecido ao acusado, de «interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação» integra também o direito a um processo equitativo, previsto no artigo 6º/3-d) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
No caso, verifica-se que foi lido em audiência o auto de interrogatório do co-arguido (prestado perante o MP no dia 25.10.2018) nos termos do artigo 357º/1, alínea b), do CPP, auto esse que preenche os requisitos exigidos pelo referido normativo e pelo disposto no artigo 141º/4-b) do CPP para valer como prova produzida em audiência, sujeita a livre apreciação. Nessa sede, o arguido BB afirmou ter entregue a quantia de 20.000,00 €, pagando uma entrada inicial no valor de 10.000,00 € e os restantes 10.000,00 € em cinco tranches no valor de 2.000,00 €.
Estes factos, no que concerne ao próprio declarante, fazem prova em juízo, a ser apreciada segundo os ditames do artigo 127º/CP, repete-se, e, nessa medida, entendeu o Tribunal consigná-los no rol dos factos provados.
Esses factos reportam-se a elementos constitutivos do tipo de crime imputado ao arguido pelo que a sua aquisição probatória jamais poderia ser dispensada de constar no rol dos factos provados ou não provados.
A questão é, então, saber se esses factos foram igualmente utilizados relativamente à subsunção jurídica quanto ao crime imputado à recorrente.
É que, nos termos do já referido, existe uma verdadeira proibição de prova relativamente à consideração de declarações de um co-arguido em prejuízo doutro, sempre que aquele primeiro se limite ao silêncio, em sede de audiência.
Acontece, porém, que aquilo que foi considerado provado se limita à imputação, por parte da arguida, da aceitação do dinheiro que “lhe foi entregue” pelo arguido. Não imputa qualquer actuação à arguida, para além da mera aceitação.
Por outro lado, não é verdade que a única prova produzida relativamente à existência de uma contrapartida se resuma às declarações do arguido. O que releva das declarações do arguido é o montante dessa contrapartida, mas a existência, necessariamente, de uma contrapartida, fosse ela em benefício directo da arguida ou até da própria filha, é evidente. Resulta das regras de experiência comum, porque ninguém se dispõe a entregar, repetidas vezes e durante dois anos uma criança, virgem a um homem 40 anos mais velho, para manutenção de trato sexual, sem ser em troca e contrapartidas com relevo para a ofertante.
Saber se essas contrapartidas eram em dinheiro ou bens o no que quer que fosse é irrelevante. Normalmente, sabe-se da experiência da vida, são em dinheiro. Esta regra de experiência mostra-se adequada às condições de vida da arguida em que os factos ocorreram, de manifesta miséria económica e foi isso que foi considerado em sede de aquisição probatória.
Mas em dinheiro ou em espécie, são necessariamente contrapartidas muito relevantes para quem faz a venda dos favores sexuais da filha, à força e contra a vontade desta, como aliás resulta do provado, combinando os encontros e entregando a filha ao arguido junto ao automóvel em que ele se encontrava, dessa forma garantindo que ela cumpria o desempenho que lhe estava reservado.
Este mesmo entendimento está explanado na apreciação crítica da prova e não tem erro que se lhe aponte.
No caso, a existência de acordo ou, pelo menos, de promessas das contrapartidas está corroborada no teor das comunicações transcritas nos autos, em que a arguida, em troca de mensagens com o arguido, o acusa de incumprimento das promessas feitas à filha, em troca do sexo, promessas essas que correspondem necessariamente, em espécie ou em numerário, a um pagamento do trato mantido.
Do exposto resulta que aquilo que os pontos 18 a 20 acrescentam ao provado é unicamente o valor que foi pago e os termos em que foi pago à arguida, em troca dos favores sexuais a que ela determinou a sua filha, factos esses que não agravam a sua situação processual, na medida em que nada acrescentam de relevo àquilo que se prova como tendo sido o motivo da sua actuação. É evidente que toda a ela se determinou para obter contrapartidas do homem a quem entregou a intimidade da filha.
Diga-se, no entanto, que os valores recebidos foram indevidamente considerados para efeitos de ponderação da medida da pena, mas em termos tais que, como veremos, não se podem efectivamente considerar influentes para a gradação da ilicitude ou da culpa manifestadas.
Em face do exposto, impõe-se a consideração de que o acórdão recorrido não violou o disposto no nº 4 do artigo 345º do CPP, não havendo motivo para alteração dos pontos 18 a 20 do provado.».

18. Ora, desvendando já a resposta, diz este Tribunal que acompanha, genericamente, as doutas considerações produzidas no Acórdão Recorrido no sentido de não se verificar a alegada proibição de prova, seja na previsão do art.º 345º n.º 4 do CPP [12] e do inerente respeito pelo princípio do contraditório imanente do art.º 32º n.os 1 e 5 da CRP e (também) concretizado no art.º 327º do CPP [13], seja na da sua articulação com a ideia da imediação, prevista no art.º 355º do CPP [14].
Com efeito:

As proibições de provas são «barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem o objecto do processo», sendo que, mais do que a modalidade do seu enunciado, o que as define é a prescrição de um limite à descoberta da verdade [15].
Aparentadas com as invalidades processuais (gerais) das nulidades e irregularidades disciplinadas nos art.os 118º a 123º do CPP, constituem porém uma categoria autónoma – coisa sobre que o art.º 118º n.º 3 do CPP não deixa dúvidas, ao dizer que o regime daquelas não prejudica «as normas […] relativas a proibições de prova» –, credenciam-se imediatamente no art.º 32º n.º 8 da CRP – que dispõe que «São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações» –, encontram enunciação, geral, no art.º 126º do CPP – cujos n.os 1 e 3, dando eco à distinção entre proibições absolutas e relativas, prescrevem, respectivamente, que «São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas» e que «Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular» – e, manifestações casuísticas por referência a alguns dos concretos meios de prova ou da sua aquisição, em (numerosas) disposições avulsas, no Código de Processo Penal e fora dele.
Denominadas, por alguns, por nulidades especiais ou sui generis [16], têm por traço distintivo o facto de relevarem da violação de direitos e liberdades fundamentais à margem do título constitucional que pudesse caber, e querem identificar as situações em que a prova resultante de um determinado acto do processo é proibida no sentido de insusceptível de ser utilizada no juízo probatório subjacente à fixação dos factos: «É este o sentido da proibição de valoração: as provas proibidas […] não podem ser consideradas pelo julgador na formação da sua convicção. É como se não existissem – e em termos tais que em rigor devem ser desentranhadas dos autos» [17].
E, sendo, sempre a proibição de valoração a sanção do uso de métodos proibidos de prova, absolutos ou relativos, aparta-se, comummente, neles entre dois níveis de interdições, o da própria produção de prova – «quando a lei veda a própria realização de determinado tipo de prova , seja por razões atinentes ao seu objecto, ao meio ou fonte utlizadas, ou ao respectivo processo de obtenção» [18] – e o da sua, singela, valoração – quando ocorrem «impedimentos legais que obstam a que determinadas provas produzidas no processo possam ser nele valoradas, nuns casos porque foram ilegalmente obtidas, noutros por outras razões, não directamente ligadas à sua forma de produção» [19].

Na sistemática do Código de Processo Penal, as disposições dos art.os 345º n.º 4 do CPP – ao dispor que «Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2.» – e 355º n.os 1 – «Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.» – e 2 – «Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes» – constituem, precisamente, manifestações avulsas daquela ideia geral da proibição de prova. E proibição apenas no sentido relativo que se referiu que, a todas as luzes, nunca se tratará de casos de provas obtidas «mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas».

19. Em reaproximação ao caso, já se verá que, suposta a ocorrência de proibição, nunca relevaria ela ao nível da produção de prova: tendo o Recorrente BB declarado em inquérito perante o Ministério Público, assistido por defensor e advertido de que o que dissesse no interrogatório poderia ser utilizado como meio de prova em audiência de julgamento, mesmo que aí viesse, como veio, a guardar silêncio, como tudo melhor se vê do auto de 25.10.2018 e tudo em estrita conformidade com o disposto nos art.os 141º n.º 2, 3 e 4 al.ª b) e 144º n.º 1 , do CPP, e tendo-se em audiência de julgamento procedido à leitura do ali declarado a requerimento do Ministério Público, ficando exarada na acta de 12.4.2021 as pertinentes permissão e justificação legal em rigorosa obediência ao disposto nos art.os 357º n.º a al.ª b) e 356º n.º 9 do CPP [20], como tudo igualmente ali se vê, é muito evidente que nada obstava à produção desse meio de prova em audiência, não havendo qualquer questão de proibição nesses momentos.
Diferentes poderiam ter sido ser as coisas na perspectiva da valoração desse meio de prova, mas apenas no que pudesse ter relevado da figuração e da modulação da responsabilidade criminal da arguida AA: nada obstando à sua utilização na formação da convicção probatória do Tribunal relativamente ao arguido BB – o uso do direito ao silêncio sobre os factos e sobre as declarações prestadas por que optou ao abrigo do art.º 61º n.º 1 al.ª d) do CPP e que, aliás, podia ter livremente revertido a qualquer momento, inviabilizou, naturalmente, a possibilidade de as esclarecer, complementar ou, até, desdizer, sem que por isso a sua utilização pelo tribunal tenha envolvido violação de qualquer direito ou garantia processual de defesa, fosse inerente ao exercício do contraditório, fosse à concentração e plenitude da produção de prova em audiência, fosse à imediação –, o mesmo já não acontecia relativamente à AA, na medida em que, irremediavelmente comprometido o exercício do indeclinável contraditório pelo silêncio do co-arguido, a sua utilização contra ela envolveria, na verdade, proibição de prova por disposição, expressa, de resto, do art.º 345º n.º 4 do CPP.
Mas, na realidade, não foi isso o que aconteceu mormente, no que respeita à fixação dos factos provados do n.os 18 a 20. de que ela se queixa, segundo os quais, recorde-se, «Como contrapartida pela prática dos atos sexuais referidos em 10 e 11, o arguido BB, entregou à arguida AA, quantias monetárias;» – n.º 18. –; «Numa primeira ocasião, entregou 10.000,00 € (dez mil euros) em numerário» – n.º 19. –; e «De seguida, entregou mais 10.000,00 € (dez mil euros), em tranches de 2.000,00 € (dois mil euros), cada vez».

É que, como o douto Acórdão Recorrido muito bem realça e como muito claramente decorre da fundamentação da convicção probatória que acima se transcreveu, o relevo das declarações do co-arguido naqueles momentos probatórios apoiaram simplesmente os referidos factos na perspectiva de deles ter sido autor o BB – isto é, na de que, como contrapartida do trato sexual que manteve com a menor CC despendeu a quantia, total, de € 20 000,00 – com abstracção do que eles pudessem ter representado enquanto conduta da arguida AA.
Quanto a esta e quanto ao facto no n.º 21 de que «actuou voluntária, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de agendar os encontros entre o arguido BB e a sua filha, para a prática de atos sexuais, tendo em vista obter a título de contrapartida quantias em dinheiro», valeram no fundamental e como bem explica a 2ª instância, corroborando e complementando o juízo probatório da 1ª, que «ninguém se dispõe a entregar, repetidas vezes e durante dois anos uma criança, virgem a um homem 40 anos mais velho, para manutenção de trato sexual, sem ser em troca e contrapartidas com relevo para a ofertante»; que tal se quadrava com as «condições de vida da arguida em que os factos ocorreram, de manifesta miséria económica»; que «a existência de acordo ou, pelo menos, de promessas das contrapartidas está corroborada no teor das comunicações transcritas nos autos, em que a arguida, em troca de mensagens com o arguido, o acusa de incumprimento das promessas feitas à filha, em troca do sexo, promessas essas que correspondem necessariamente, em espécie ou em numerário, a um pagamento do trato mantido»; e que «resulta que aquilo que os pontos 18 a 20 acrescentam ao provado é unicamente o valor que foi pago e os termos em que foi pago à arguida, em troca dos favores sexuais a que ela determinou a sua filha, factos esses que não agravam a sua situação processual, na medida em que nada acrescentam de relevo àquilo que se prova como tendo sido o motivo da sua actuação. É evidente que toda a ela se determinou para obter contrapartidas do homem a quem entregou a intimidade da filha».
E prova provada que assim foi – isto é, que as declarações do co-arguido não foram valoradas no juízo probatório na perspectiva do que ele pudesse relevar em termos da figuração da responsabilidade criminal da arguida – é que nem em 1ª instância nem no TRL se questionou a o facto de na acusação não lhe vir imputada a circunstância agravativa do n.º 2 al.ª d), parte final, do art.º 175º – «Se o agente cometer o crime previsto no número anterior: […] Actuando […] com intenção lucrativa» [21] –, mormente, para o efeito de uma alteração da incriminação no contexto do art.º 358º n.º 3 e 1 do CPP, o que, decerto, não teria acontecido se para lá do recebimento de uma contrapartida não especificada que se teve por assente, se tivesse concluído ter sido no montante de § 20 000,00.

20. Tudo razões por que, improcede este fundamento do recurso da arguida AA.

b. Recursos dos arguidos AA e BB: a produção e a valoração do depoimento da testemunha CC em, alegada, contravenção do disposto no art.º 134º n.º 1 do CPP; proibição de prova.
21. Na mesma linha de raciocínio da arguição anterior, diz a AA que, na fixação dos factos provados sob os n.os 9. a 17. – que narram os episódios em que se desagregou o trato sexual que o BB manteve com a ofendida CC ao longo dos cerca de dois anos por que perduraram os factos –, o Acórdão Recorrido não podia ter valorado contra si o depoimento prestado por aquela testemunha, sua filha, que se recusou validamente a depor ao abrigo do art.º 134º n.º 1 al.ª a) do CPP, por isso que, também por aqui havendo de ser absolvida do crime de lenocínio de menores sob acusação, que não poderá o dito trato sexual relevar para efeitos da sua responsabilização criminal enquanto suporte do pertinente elemento do tipo-objectivo do lenocínio de menores do art.º 175º do CP.
E mais longe vai o arguido BB que, não se ficando pelo nível da proibição da valoração dessa da prova – que, de qualquer modo, também questiona –, diz, mesmo, que a própria produção dela era proibida em face da apontada recusa de depor que, atenta a plurivalência e indissociabilidade dos factos – no seu entender, o trato sexual sempre referido releva, a um mesmo tempo, enquanto elemento do tipo do recurso à prostituição de menores do art.º 174º n.os 1 e 2 do CP por que vem condenado e do de lenocínio de menores imputado à AA –, por isso que, igualmente, lhe devendo aproveitar uma tal recusa, «pois que neste caso a circunstância de se depor relativamente a um arguido pode atingir, directa ou indirectamente, o arguido que se pretendeu proteger com tal possibilidade».

Veja-se do fundamento da crítica, começando por duas ou três considerações acerca da norma do art.º 134º n.º 1 do CPP e do privilégio de recusa de depor que estabelece em benefício, entre outros, dos descendentes do arguido.
Assim:

22. Nos termos do art.º 131º n.º 1 do CPP, «Qualquer pessoa tem capacidade para ser testemunha desde que tenha aptidão mental para depor sobre os factos que constituam objeto da prova e só pode recusar-se nos casos previstos na lei».
Ciente, não obstante, da sua falibilidade mas não menos de que constitui a fonte de conhecimento mais importante, quando não a única, de muitas e muito graves infracções penais [22], estabelece a lei um dever geral de testemunhar e de o fazer com verdade – art.º 132º n.º 1 al.ª d) do CP [23] –, cominando, inclusivamente, responsabilização criminal: é que, entre o mais, diz o art.º 360º do CP, ao estatuir que «Quem, como testemunha, […], perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, […], prestar depoimento, […], falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias» – n.º 1 – e que «Na mesma pena incorre quem, sem justa causa, se recusar a depor […]» [24] [25].

Um dos fundamentos de justificação da recusa de depor – uma das justas causas de que fala o art.º 360º citado – está, precisamente, previsto no art.º 134º n.º 1 al.ª a) do CPP, segundo o qual «Podem recusar-se a depor como testemunhas: […] Os descendentes, […] do arguido» [26].
Comummente designado por privilégio do familiar depoente, a recusa de testemunhar constitui, naturalmente, um obstáculo à descoberta da verdade material e assenta num duplo fundamento, o de, imediatamente, «evitar situações em que tais pessoas sejam postas perante a alternativa de mentir ou, dizendo a verdade, contribuírem para a condenação do seu familiar» – entendendo quanto a isto «a lei que o interesse público da descoberta da verdade no processo penal deveria ceder face ao interesse da testemunha em não ser constrangida a prestar declarações» – e o de mediatamente – mas primacialmente – «proteger as "relações de confiança", essenciais à instituição familiar», encarada esta «enquanto elemento fundamental da sociedade e espaço de desenvolvimento da personalidade dos seus membros (n.º 1 do artigo 67.º da CRP), cuja importância supera o interesse da punição dos culpados» [27].

Faculdade de natureza potestativa cuja actuação a lei deixa inteiramente nas mãos da testemunha, sem necessidade de invocar justificação e isenta de controlo pela entidade receptora do depoimento para além do que respeite aos respectivos pressupostos formais [28], a recusa de depor da testemunha pode, no caso pluralidade de acusados no mesmo processo [29], não se quedar pelo que exclusivamente respeita ao arguido familiar, antes estender-se aos demais co-respondentes, desde que – é a posição claramente maioritária na doutrina portuguesa mais recente – «a responsabilidade do co-arguido não familiar» seja «extensiva ao arguido familiar da testemunha arrolada, por só então subsistirem as razões determinantes do privilégio», estando tal extensão «dependente da circunstância de os factos objecto do depoimento contenderem com a imputação do arguido familiar» [30].
Extensão que, assim e seguramente, se verificará no caso de o mesmo crime ter sido cometido em comparticipação ou de vários crimes terem sido cometidos por vários agentes em comparticipação.
Mas extensão que também ocorrerá quando venham imputadas aos co-respondentes, autonomamente, infracções conexas nos moldes previstos no art.º 24º n.º 1 al.as d), última parte – «Vários agentes tiverem cometido diversos crimes […] sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros» [31] – e e), última parte – «Vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma ocasião ou lugar.» [32] –, do CPP.
Bem como, ainda, nos casos de responsabilidade cumulativa [33].
Como tudo melhor explica Cruz Bucho [34], ibidem, pp. 131 a 133, valendo-se da ilustração com os exemplos-tipo que seguem:
─ «Assim, estando em causa vários agentes que cometeram diversos crimes, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou ocultar os outros, o familiar do arguido acusado de furto pode também recusar-se a depor relativamente ao co-arguido não familiar acusado de receptação do objecto furtado, tal como o familiar do arguido acusado de receptação do objecto furtado pode também recusar-se a depor relativamente ao co-arguido não familiar acusado de furto.
A ratio do privilégio não consente que se imponha à testemunha familiar do arguido que deponha sobre factos que constituem o pressuposto indispensável do crime pelo qual o arguido se encontra a responder».
─ «Do mesmo modo, em caso de pluralidade de agentes e de acções criminosas com nexo de reciprocidade […], isto é de crimes em que "o ofendido de um crime é por sua vez o agente do crime em que o agente do primeiro toma nele a posição de ofendido" […], o familiar do arguido acusado de ofensas à integridade física pode também recusar-se a depor relativamente ao co-arguido não familiar acusado de na mesma ocasião ter praticado idêntico crime na pessoa do arguido familiar da testemunha.
Também neste caso, dada a estreita ligação de proximidade que intercede entre os dois crimes, o depoimento do familiar do arguido, ainda que versasse apenas sobre o crime de que este último foi vítima, pode comprometer a defesa do arguido, contribuindo para a recolha de elementos sobre o crime imputado ao familiar da testemunha.».
─ «Finalmente, também em casos de responsabilidade cumulativa […] se deve admitir a extensão do privilégio familiar, por serem manifestas as interferências entre a responsabilidade da pessoa colectiva e das pessoas físicas implicadas nos factos […].
Assim, o familiar do arguido acusado da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na qualidade de gerente ou administrador de determinada sociedade, pode também recusar-se a depor relativamente à sociedade arguida.».

23. Presente, então, o que precede, fácil é de ver que o reconhecimento do direito de recusa a depor constante do art.º 134º do CPP, constitui um limite à descoberta da verdade.
O que, recordada a noção que se adiantou em 18. supra de que as proibições de provas são "barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem o objecto do processo», sendo que, mais do que a modalidade do seu enunciado, o que as define é a prescrição de um limite à descoberta da verdade em nome da protecção de direitos e liberdades fundamentais, suscita de imediato a questão de saber se a obtenção e valoração de depoimento em desrespeito de recusa (legítima) de familiar pode relevar de proibição de prova [35].
E respondendo-lhe já, dir-se-á que sim.
Ponto sendo que tudo releve da violação de direitos e liberdade fundamentais «em termos não consentâneos com a autorização constitucional» [36], como prevenido nos art.º 32 n.º 8 da CRP e 126º do CPP [37].
Com efeito:

Deixando de parte, por não interessar à discussão por a formalidade ter sido in casu cumprida, a questão da advertência ao titular do faculdade de recusa a cuja preterição o art.º 134º n.º 2 comina a sanção da nulidade [38], a obtenção e valoração de depoimento em infracção ao direito de recusa do familiar relevará, no mais comum dos casos, de violação da privacidade, de intromissão (abusiva [39]) na vida privada.
Pode no entanto acontecer – tudo depende, naturalmente, do concreto recorte do episódio –, que, com aquela, concorra violação da integridade física e moral, enunciada no n.º 1 desse art.º 126º, e exemplificada no seu n.º 2, o que, assim sucedendo, taxará a prova de absolutamente proibida.
Sendo que um desses exemplos é o da utilização de meios enganosos de que fala a última parte do art.º 126º n.º 2 al.ª a), parte do CPP [40], que será objecto de atenção nas linhas que seguem. Com atenção mais próxima, naturalmente, ao concreto meio de prova em discussão, o do depoimento de testemunha familiar de arguido.

Um dos casos de violação da integridade moral que a lei exemplificativamente prevê no art.º 126º n.º 2 al.ª a), parte do CPP [41] é, como se acaba de dizer, o da obtenção de provas por meios enganosos.
Podendo envolver uma infinidade de situações típicas – v. g., Costa Andrade, apresenta como exemplos de escola na vertente da protecção do direito ao silêncio e à não auto-incriminação do arguido, «informar o arguido que o seu cúmplice já confessou; que há testemunhas presenciais do evento; que no objecto do crime foram identificados as suas impressões digitais; que há gravações de conversas suas que eu comprometem; a utilização de imitadores para produzir gravações que simulam a voz do arguido, de um participante ou de uma pessoa próxima» [42]; – a utilização do meio ou método enganoso, nas próprias palavras da lei, centra-se, e projecta-se, perturbando-a, na liberdade de vontade e de decisão da testemunha familiar de depor.
Sendo «decisivo verificar se o meio usado desloca do declarante para o órgão inquirente o domínio do processo de formação da vontade daquele em termos tais que já não se possa dizer que as declarações do mesmo surjam como "obra sua"» [43].
E havendo, de qualquer modo, o conceito de ser interpretado de forma restritiva, de molde que, por princípio, apenas deverão ter-se como proibidos os meios enganosos susceptíveis de colocar o depoente numa situação de coacção idêntica à dos demais métodos proibidos de prova [44].

O engano que determina o depoente familiar a depor contra a sua vontade pode ser sobre questões de facto – v. g., a entidade receptora do depoimento informa falsamente a testemunha de que o arguido, ou um co-respondente, já confessou a prática dos factos, ou que existem outras provas que incriminam aquele fortemente.
Exigindo-se, nestes casos, o uso intencional do meio artificioso, o uso dele para inculcar ou manter o visado em erróneo convencimento, em termos de determiná-lo à prestação de contributos probatórios.
E tanto importando que essa falsa representação resulte de uma acção, por palavras ou actos concludentes, como por omissão, suposto, nesta hipótese que sobre o inquiridor recaia o dever jurídico de informar [45].
Sendo o engano, com também pode ser, sobre questões de direitov. g., sobre o alcance do direito de recusa de depor previsto no art.º 134º n.º 1 do CPP –, então, ainda que ausente aquela intencionalidade, será caso de método proibido de prova quando o testemunho acaba por ser prestado em razão do cumprimento defeituoso – v. g., por negligência ou deficiente interpretação da lei – do dever legal de informação e esclarecimento a cargo da autoridade inquiridora [46].

24. Isto dito em tese, e em reaproximação ao mais concreto:

Presente a testemunha CC na sessão da audiência de julgamento de 12.4.2021, e devidamente advertida pelo Tribunal – art.º 134º n.º 2 do CPP – de que, na sua qualidade de filha da arguida AA, podia recusar-se a depor – art.º 134º n.º 1 al.ª a) do CPP –, declarou ela querer prevalecer-se de tal prerrogativa.
Comunicou-lhe, porém, o tribunal que a faculdade de recusa só operava relativamente aos factos relacionados com a sua mãe, estando obrigada, como qualquer outra testemunha, a depor relativamente ao que respeitasse ao co-arguido BB.
Acusada, de imediato pelos arguidos a comissão de nulidade na medida em que «a testemunha ao se pronunciar sobre factos cometidos quanto a um arguido que estes factos vem associados aos comportamentos que a mãe vem acusada pelos mesmos factos, sobre os quais a mesma se recusou a depor, estará a violar o art.º 134.º do C. P. Penal», indeferiu-a, todavia o Tribunal «uma vez que a presente testemunha não tem qualquer tipo ou afinidade com o arguido BB».
E aproveitou o ensejo para especificar os factos a que a testemunha haveria de responder, indicando, da acusação os do n.º 4 – «relativamente ao local onde a testemunha conheceu o arguido BB» [47] –, 18 – «apenas a partir de “a vítima então menor de 14 anos”» [48] –, 19 [49], 20 [50], 21 [51], 22 – «excepto “imposta pela arguida à sua filha menor”» [52] –, 27 – «só na parte de ter vendido ou não a casa» [53] –, 33 – «só na parte da separação» [54] –, 35 – «se vendeu ou não o carro» [55] – e 38 [56], e de ter asseverado que «dentro dos factos acabados de elencar estar[ia] atento a que se descortin[asse]e unicamente a matéria relativa ao arguido BB e estar[ia] atento a que tal não mencion[asse] comportamentos relativos à arguida AA.».
 Também relativamente a este despacho o arguido BB reagiu mediante (nova) arguição de nulidade, o que suscitou a prolação de decisão do seguinte teor, com o qual todos os intervenientes processuais se conformaram:
─ «Tendo em conta a insistência de arguir nulidades quanto à defesa do arguido BB por parte da ora testemunha, responde-se precisamente desta forma:
1- Efectivamente o art.º 134.º do C. P. Penal, serve para proteger os arguidos bem como as testemunhas envolvidas na situação em concreto;
2- Temos bem a noção de que esta testemunha será uma pessoa vulnerável pela vida que teve e que a comprovar-se os factos da acusação, ainda por cima actualmente reside com a sua mãe, arguida no processo;
3- Tendo o Tribunal conhecimento desta circunstância, esclarece-se que conforme for o teor da resposta da testemunha, dizendo respeito à prática por esta de actos de natureza sexual, só a ela os coube praticar;
4- Assim sendo, ao referir eventualmente que praticou algum acto de natureza sexual não responsabiliza de modo algum nem de forma directa nem indirecta a sua mãe, porque será eventualmente a testemunha que assumirá aquilo que fez, se praticou sexo ou não;
5- Pelo exposto, mais uma vez, indefere-se a alegada nulidade, porque como se acabou de expor, a mesma não existe e cabe a este Tribunal precisamente com as limitações processuais e as garantias dos seus intervenientes assegurar, esclarecer, se há matéria crime praticada e se por ela os arguidos serão ou não condenados ou respectivamente absolvidos.
É isto que o Tribunal fará.».
 
Sem que as actas das sessões seguintes da audiência em 1ª instância, realizadas na tarde daquele dia 21.4.2021 e em 6 e 17.5 seguintes, dêem nota de qualquer incidente no decurso da inquirição da testemunha, veio o Acórdão Recorrido, acolhendo e complementando a fundamentação da convicção probatória da 1ª instância, a destacar o seguinte [57] a propósito da (co-)actuação do depoimento na dinâmica do juízo probatório:
─ «[…].
Assentou ainda a convicção do Tribunal na audição dos arguidos e demais testemunhas ouvidas em sede de julgamento.
Assim, ambos os arguidos no uso do seu direito legal de remeterem-se ao silêncio, nada falaram.
Depois foi ouvida a testemunha CC, simultaneamente ofendida nos autos e por ser filha da primeira arguida não quis quanto à mãe prestar declarações.
Quanto ao segundo arguido falou, mas sempre condicionada unicamente aos factos que dizem respeito ao arguido BB e que o tribunal delimitou conforme consta da ata de audiência de discussão e julgamento.
Então prestou um depoimento sincero falando apenas do que se passou consigo e da sua vivência denotando-se de todo o seu depoimento dificuldades em falar sobre os factos por que passou.
Disse pois que, conheceu o arguido BB quando tinha 13 anos de idade e não foi no tribunal, na data ele era um bocadinho fortinho, baixinho e careca, tendo-o conhecido ao pé de sua casa e foi marcado um encontro entre eles; ele estava no Jeep dele e começaram a falar.
As relações sexuais começaram quando ela já tinha 14 anos e aconteceu no mesmo carro no Jeep, ela nasceu em .../.../2001 e isto das relações aconteceram uns meses para a frente de ter feito os 14 anos, pensa que antes do verão.
Então explicou que estavam no carro e ele começou a tirar a roupa e depois queria tirar a roupa dela mas ela não quis e ele insistiu então foi ela própria que tirou a sua roupa e ele começou a tocar-lhe nas mamas e .... de seguida ele pôs o seu pénis na sua vagina e penetrou várias vezes na vagina mas ela não sabe se ele ejaculou ou não porque ela não viu e vestiu-se e quando chegou a casa e foi à casa de banho viu sangue nas cuecas e sentiu dor quando ele a penetrou no carro.
Tal aconteceu no ... e em outras ocasiões na ... e isto durou desde os seus 14 anos até aos seus 16 anos, em média 1 a 2 vezes por semana.
Estes acontecimentos pararam porque ela não quis mais e quanto à forma como faziam, para além daquela forma da vagina, também uma vez ele pôs o pénis na sua boca uma vez.
Ele nunca usou preservativo. Ele não lhe dava nada.
Os encontros eram marcados por mensagem, que não era ela que escrevia.
Então o senhor ia buscá-la a casa e depois levava-a a passear até à ... ou até à ....
Quando entrava no carro, ela pensava que iam dar uma volta, mas lá no fundo ela sabia que aquilo ia acabar em sexo.
Quando eles faziam o sexo, ela não queria tocar nele, mas ele pegava na sua mão e punha-a no seu pénis.
Que o seu período veio aos 12 anos de idade e esta vezes foi a primeira vez que esteve com um homem e quanto à casa ou carro dele se sabe se vendeu ou não, ela não sabe nada disso bem como, não sabe se ele tinha mulher ou namorada.
Não gostava de fazer isto do sexo, mas fazia contra vontade.
Ela deixou de fazer isto aos 16 anos, porque cresceu e ganhou mais autonomia.
Quando faziam isto do sexo, ele pôs a sua boca na sua vagina e mexia com a língua o que sucedeu também uma vez.
Quando ela tinha 14 anos, parecia uma menina enfezada, pequena, uma menina mesmo, porque mesmo agora que tem 20 anos não é fisicamente muito desenvolvida, é pequena.
O jeep do arguido era ... ou ... não se lembra bem.
Foi em Maio de 2015 que ela começou a ter as relações sexuais com o arguido o que durou até ela fazer os seus 16 anos de idade.
Quando ela tinha o período ela não vinha naquela semana. Não tirou fotos com o BB.».

Sendo que a referenciada audição dos arguidos se traduziu, respectivamente, na leitura e na reprodução da audiogravação das declarações prestadas em inquérito pelos arguidos que, como, ali dito, em audiência guardaram silêncio sobre os factos, as do BB prestadas perante o Ministério Público e examinadas em audiência de julgamento nos termos já referidos em 19. supra, , as da AA proferidas em primeiro interrogatório judicial de 6.10.2018, com assistência de defensor, precedidas da advertência no art.º 141º n.º 4 al.ª b) do CPP e ouvidas em julgamento a pedido do Ministério Público e com estrita observância de todo o prescrito nos art.os 357º n.os 1 al.ª b) e 3 e 356º n.º 9 do CPP – cfr. acta da sessão audiência de julgamento de 6.5.2021.
Declarações essas em que – recorde-se, de novo, da fundamentação da convicção probatória transcrita –, o BB reconheceu «ter mantido relações sexuais com a menor» – sendo, aliás, por causa disso que entregou, depois, em tranches, € 20 000,00 à AA –, e em que esta «confirm(ou) o que consta(va) da acusação», e portanto e como, designadamente, narrado nos n.os 18 a 22 daquela peça, que aquele co-arguido submeteu a CC, entre os 14 e os 16 anos de idade dela, a actos sexuais de relevo através de «relações sexo oral» e de «cópula vaginal completa».
E declarações que, na sua articulação com o sempre referido depoimento da ofendida e com as mensagens enviadas do telemóvel da AA para o do BB – em que vai, pese apenas implicitamente, inequívoca a confirmação do relacionamento sexual –, constituíram o melhor do fundamento probatório dos factos contra cuja fixação os arguidos se insurgem, mormente, os dos n.os 9 a 17 do provado em que se descrevem, com a concretude que foi possível alcançar, os 76 actos sexuais de relevo – cópula e coito oral – que, a um mesmo tempo, suportaram os correspondentes requisitos objectivos dos tipos de lenocínio de menores do art.º 175º n.os 1 e 2 al.ª a) e 177º n.º 1 al.ª a) do CP e de recurso à prostituição de menores do art.º 174º n.os 1 e 2 do CP por que a AA e o BB foram, respectivamente, condenados.

25. Confirmada, assim, a relevância do depoimento da ofendida na formação da convicção do Tribunal Recorrido, veja-se se, perante tudo o que a propósito já se disse, se a valoração e a própria produção do depoimento da ofendida releva de método proibido de prova.
Não sem antes recordar o que sobre a questão referiu o Acórdão Recorrido a quem, já se sabe, a questão foi igualmente posta pelos arguidos:
─ «b- Do uso de meio de prova proibido face à proibição de valoração do depoimento prestado pela ofendida, sua filha, contra a recorrente:
Entende a recorrente que o Tribunal fundamentou os factos provados sob os pontos 9 a 17, exclusivamente na conjugação das declarações do arguido BB com o depoimento testemunhal prestado pela ofendida, filha da arguida, tendo esta apresentado recusa válida para depôr, na qualidade de descendente da recorrente, pelo que se violou o disposto no artigo 134º/1- a) do CPP, e incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412º/3-a) do CPP.
Ora, os referidos pontos do provado reportam-se unicamente à forma como ocorreu o trato sexual entre o arguido BB e a menor. Tais factos, como é fácil de perceber em face do provado, são totalmente alheios à vontade da arguida de promover a prostituição da sua filha junto daquele indivíduo, pelo que não atingem de forma alguma a sua posição processual. A arguida ofereceu a sua filha para trato sexual, sem que se prove que tenha definido quaisquer limites para o mesmo. Logo, aceitou de antemão que esse trato ocorresse em quaisquer das formas possíveis. Para definir a ilicitude da sua conduta ou a culpa na produção da mesma é absolutamente irrelevante o que se descreve de 9 a 17. Significa isto que tais factos não foram usados contra si, pelo que ainda que possam ter sido adquiridos mediante a valoração probatória das declarações prestadas pela sua filha, não ocorre qualquer violação ao direito de que a mesma dispôs, de não se pronunciar quanto à envolvência da arguida nos factos que lhe foram imputados.
Improcede, na conformidade com o exposto, o invocado uso de prova proibida.».

26. Como repetidamente afirmado, os arguidos foram submetidos a julgamento sob acusação, ela, da prática, em autoria material singular, de 200 crimes de lenocínio de menores agravado, em concurso efectivo, p. e p. pelos art.os 175º n.os 1 e 2 al.ª c) e 177º n.º 6 do CP, ele, da prática, em autoria material singular, de 200 crimes de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelos art.os 174º n.º 2 e 177º n.º 6, do CP.
Em 1ª instância, entendeu-se que, não obstante a pluralidade naturalística de condutas, os factos deveriam ser aglutinados sob a figura do ilícito de trato sucessivo em um (só) crime de lenocínio de menores agravado e em um (só) crime de recurso a prostituição de menores.
No TRL, sob recurso do Ministério Público, reverteu-se a qualificação jurídica dos factos, imputando-se à AA a comissão de 76 crime de lenocínio de menores agravado, em concurso efectivo, e ao BB, de 76 crimes de recurso à prostituição de menores agravado, (também) em concurso efectivo
 Como decorre dos termos do libelo deduzido em 25.11.2019, das alterações não substanciais que na sessão da audiência de julgamento em 1ª instância de 17.5.2021 lhe foram introduzidas ao abrigo do 358º n.º 1 do CPP e da própria decisão de facto que o Acórdão Recorrido veio a acolher, intercede entre os mencionados ilícitos – e seja qual for o seu número e estejam eles em relação de concurso efectivo, de trato sucessivo ou até de continuação criminosa – a relação de conexão da comissão por vários agentes de diversos crimes em que uns são causa ou efeito dos outros prevista no art.º 24º n.º 1 al.ª c) do CPP [58], ou não seja caso de (i) pluralidade de arguidos, (ii) actuando num quadro de autoria material singular e (iii) praticando infracções ligadas por nexo consequencial que, nas circunstâncias apuradas, foi a comissão do lenocínio de menores pela AA que propiciou a comissão do recurso à prostituição de menores pelo BB.
De resto, que tal relação de conexão material nunca esteve em dúvida, demonstra-o o facto de desde o início do procedimento ter tido a adequada tradução processual, instaurando-se um só processo para a respectiva averiguação e assim se mantendo as coisas nas fases subsequentes até ao presente, conforme, aliás, prescrição do art.º 29º n.º 1 do CPP.
 
Ora, a existência de tal relação consequencial é algo que deveria ter sido ponderado no momento em que, na sessão da audiência de julgamento de 12.4.2021 em 1ª instância, se esclareceu a testemunha CC de que, não obstante operante a recusa de depor relativamente ao que respeitasse à arguida sua mãe, estava obrigada a testemunhar com relação ao que interessasse à conduta do BB.
E assim mesmo tendo o tribunal tido o cuidado de restringir, por referência aos trechos da acusação, os factos sobre que haveria de pronunciar-se, como se no concreto recorte de vida submetido a julgamento fosse possível destrinçar entre os que apenas respeitavam ao Recorrente, em termos de que nada do que por aí se adquirisse probatoriamente se pudesse projectar sobre a figuração da responsabilidade da AA.
 Mas mais do que isso: sobre o alerta que essa relação de conexão sempre deveria ter constituído, dever-se-ia ter ponderado – e os Recorrentes têm toda a razão quando centram o melhor do seu argumentário nesse aspecto – que entre os ilícitos imputados a cada um dos arguidos havia uma zona de intersecção, uma área comum, precisamente, a relativa ao trato sexual de relevo mantido entre a ofendida e o BB que, simultaneamente constituía elemento objectivo do tipo do recurso à prostituição de menores imputado a este – cuja incriminação-base, definida no n.º 1 do art.º 174º do CP, exige que um maior pratique «ato sexual de relevo com menor entre 14 e 18 anos, mediante pagamento ou outra contrapartida», havendo agravação da pena, nos termos do n.º 2, «Se o ato sexual de relevo consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos» [59] – e do tipo de lenocínio de menores assacado à AA – aqui enquanto sustentáculo do elemento objectivo prostituição do art.º 175º n.º 1 do CP [60], cujo conceito penal – «É prostituição a conduta da pessoa do sexo masculino ou feminino que pratica um ou mais actos sexuais de relevo incluindo a cópula coito anal ou oral e a introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos bom mediante pagamento ou contrapartida» [61] –, de resto e na falta de outra indicação legal, se vai procurar, precisamente, naquele crime de lenocínio [62].
O que, se assim tivesse acontecido, decerto que teria permitido concluir que, tal como no exemplo de Cruz Bucho acima referido acerca do binómio furto/receptação, estando em causa dois agentes que suspeitos da comissão, um, de um crime de lenocínio de menores agravado e, o outro, de um crime de recurso à prostituição de menores agravado, e sendo este efeito daquele, a recusa de depor da testemunha descendente do primeiro arguido valia também quanto aos factos imputados ao segundo, apesar de não familiar.
Isso pois que, como ali também se refere, «A ratio do privilégio não consente que se imponha à testemunha familiar do arguido que deponha sobre factos que constituem […] pressuposto indispensável do crime pelo qual o arguido se encontra a responder.».

27. Mas, como já se viu, o Juízo Central Cível e Criminal de Angra de Heroísmo, medindo deficientemente, por erro de interpretação, o alcance da recusa prevista no art.º 134º n.º 1 al.ª a) do CPP no sentido de dela excluir o que respeitasse ao Recorrente BB, induziu em erro a ofendida CC sobre a sua obrigação de depor acerca das condutas daquele, colhendo-lhe o pertinente depoimento.
Mais do que isso, e como claramente decorre da economia da fundamentação da convicção probatória, valorou tal depoimento – na sua articulação, naturalmente, com as demais provas produzidas – não só relativamente aos factos imputados ao BB, mas também aos à AA, tudo concorrendo no sentido de definição da culpabilidade desta.
Incorreu, assim, no uso de método proibido de prova, nos termos do art.º 126º n.os 1 e 2 al.ª a) do CPP, perturbando a liberdade de vontade ou de decisão da testemunha CC de depor em audiência através de meios enganosos.
O que, seguramente, implica a interdição da valoração do seu depoimento na formação do juízo probatório no que possa interessar à definição da responsabilidade da AA, e concretamente, à fixação como provados dos factos do n.os 9. a 17.
Mas também – e aqui, salvo o devido respeito, terá residido o fundamental do equívoco interpretativo da(s) instância(s) – no que possa respeitar à definição da responsabilidade do próprio BB, que a proibição de prova, de mais a mais absoluta na classificação do art.º 126º citado, tem «eficácia erga omnes, quer dizer o seu manto protetor projeta-se para além da pessoa diretamente afetada pela violação da proibição e por sobre todos quantos, indiretamente ainda, sejam tocados pela mancha de danosidade resultante», sendo proibida a valoração da prova resultante de depoimento obtido sob engano, quer na parte em que afecte, incriminando-o, o arguido familiar da testemunha, quer na parte em que afecte, incriminando-o, terceiro [63].
E é, por fim, claro que, atenta a natureza do vício em presença – uma verdadeira proibição prova, onde o que realmente releva é o desvalor do resultado, e não uma singela nulidade, quiçá relativa, por desrespeito dos «processos e modos como a prova deve ser regularmente levada a cabo», onde o que se salienta é o desvalor da acção [64] – sempre estará afastada uma qualquer ideia de sanação [65], que se trata de realidade de conhecimento oficioso, a todo o tempo e insanável [66].

28. A consideração da prova proibida configura um erro de julgamento, prejudicando o acto respectivo na medida em que tiver contribuído para a formação da convicção do julgador.
Sendo suficiente para o efeito a demonstração, nos contornos do caso concreto, de não ser de excluir que, sem o erro em que se analisa a respectiva valoração, o sentido da decisão poderia ter sido outro [67].
E feita tal demonstração, haverá que anular a decisão, ordenando-se a sua repetição pelo Tribunal recorrido sem a consideração da prova inquinada.
É o que tudo acontece in casu e é o que tudo aqui vai ordenado, anulando-se o douto Acórdão Recorrido e determinando-se a devolução do procedimento ao Tribunal da Relação de Lisboa para que providencie pela reedição da decisão nos termos apontados.
E tudo, ainda, com a consequência de este Tribunal se abster de conhecer das demais questões postas no recurso, por prejudicadas pelo tal decisão.

III. decisão.
29. Termos em que acordam os juízes desta 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:
─ Considerar o depoimento prestado em audiência de julgamento pelo testemunha CC prova proibida nos termos do art.º 126º n.os 1 e 2 al.ª a) do CPP, por obtido por meio enganoso.
─ Declarar nulo o Acórdão Recorrido por valoração de tal prova na decisão sobre a matéria de facto.
─ Determinar a devolução do procedimento ao Tribunal da Relação de Lisboa para que providencie pela reedição do acórdão, desconsiderando a mencionada prova:
─ Abster-se do conhecimento, por prejudicado, das demais questões suscitadas nos recursos.

Sem custas.

*

Digitado e revisto pelo relator (art.º 94º n.º 2 do CPP).

*

Supremo Tribunal de Justiça, em 23.6.2022.


Eduardo Almeida Loureiro (Relator)

António Gama

Helena Moniz     

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[1] Cfr. Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19.10.1995, in D.R. I-A , de 28.12.1995.
[2] «Aplicação da lei processual penal no tempo
1 - A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
2 - A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou
b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.».
[3] Neste sentido, AcSTJ de 21.10.2020 - Proc. n.º 91/18.8JAAVR.P1.S1, sumariado in SASTJ.
[4] Neste sentido, AcSTJ 17.3.2016 - Proc. n.º 849/12.1JACBR.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[5] Após a reforma da Lei n.º 94/2021, já se vê.
[6] Previsão que, aliás, o CPC expressamente contempla para o seu recurso de revista cível no art.º 674º n.º 3, ao dispor que «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.».
[7] Em que ainda se acolherão hipóteses como as da prova contra ou praeter documento autêntico legalmente exigido – v. g., fixação de antecedente criminais contra ou sem o CRC ou a certidão do(s) acto(s) condenatório(s) – ou em divergência não fundamentada com o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial, nos termos do art.º 163º do CPP.
[8] Neste sentido veja-se, entre muitos outros, AcSTJ de 21.10.2020 - Proc. n.º 91/18.8JAAVR.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[9] Todos in www.dgsi.pt.
[10] In SASTJ.
[11] Estes, in www.dgsi.pt.
[12] «Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos nºs 1 e 2.»
[13] «Contraditoriedade
1 - As questões incidentais sobrevindas no decurso da audiência são decididas pelo tribunal, ouvidos os sujeitos processuais que nelas forem interessados.
2 - Os meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao princípio do contraditório, mesmo que tenham sido oficiosamente produzidos pelo tribunal.».
[14] «Proibição de valoração de provas
1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.».
[15] Neste sentido, Costa Andrade, "Sobre as Proibições Prova em Processo Penal", 1992, p. 83.
[16] Francisco Aguillar, "Dos Conhecimentos Fortuitos Obtidos Através de Escutas Telefónicas", citado por Simas Santos e outros, "Noções de Processo Penal", 3ª ed., p. 277.
[17] Pedro Albergaria, "Comentário Judiciário do Código de Processo Penal", II, 3ª ed., anotação ao art.º 126º, § 46, aliás citando Manuel Augusto Alves Meires, "O regime das provas obtidas pelo agente provocador em processo penal". 1999, p. 233.
[18] Simas Santos e outros, ibidem, p. 275.
[19] Idem, ibidem nota anterior.
[20] «Por serem legais, tempestivas e porque podem auxiliar na descoberta da verdade da causa, sendo certo que, nesta parte ambos os arguidos fizeram valer o seu direito de se remeterem ao silêncio, e porque em ambos os interrogatórios os arguidos prestaram perante Magistrado do Ministério Publico e Magistrado Judicial, respectivamente. Assim sendo, o Tribunal defere a leitura das declarações do arguido Luiz Picanço, e à audição do depoimento prestado pela arguida Maria Elda Ramalho Pinheiro, nos termos do disposto no art.º 357.º, n.º1, al. b), do CPP», é o teor do despacho proferido, aliás, também relativo às declarações da co-arguida Maria Elda, cuja leitura foi, igualmente, requerida pelo Ministério Público.
[21] Sublinhado acrescentado.
[22] «[A] prova por testemunhas vem à cabeça de todas as outras, é a prova de uso mais frequente, porque é, na maioria dos casos, a única que se pode produzir» – Alberto do Reis, "Código de Processo Civil Anotado", vol. IV, 1981 (reimpressão), p. 360.
[23] «1 - Salvo quando a lei dispuser de forma diferente, incumbem à testemunha os deveres de: […] Responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas.».
[24] Sublinhado acrescentado.
[25] «Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução 1 - Quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, sem justa causa, se recusar a depor ou a apresentar relatório, informação ou tradução. 3 - Se o facto referido no n.º 1 for praticado depois de o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe, a pena é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias.», é o texto integral da norma.
[26] «Recusa de depoimento 1 - Podem recusar-se a depor como testemunhas: a) Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2.º grau, os adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido; b) Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação. c) O membro do órgão da pessoa coletiva ou da entidade equiparada que não é representante da mesma no processo em que ela seja arguida. 2 - A entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena de nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de recusarem o depoimento», é o texto integral da norma.
[27] AcTConst n.º 154/2009, de 25.3 de que, para melhor enquadramento, se transcreve o seguinte trecho:
– «Por este ângulo, o que a regra do n.º 1 do artigo 134.º protege, em última linha, é a confiança e a espontaneidade inerentes à relação familiar, prevenindo (enquanto desenho do sistema jurídico relativo a esse ambiente privilegiado no qual as relações e as trocas de informação se devem desenvolver sem receio de aproveitamento por terceiros ou pelo Estado) e evitando (quando, perante um concreto processo, o risco passa de potencial a actual) que sejam perturbadas pela possibilidade de o conhecimento de factos que essa relação facilita ou privilegia vir a ser aproveitado contra um dos membros. E visa também – aliás, é essa a sua justificação de primeira linha – poupar a testemunha ao angustioso conflito entre responder com verdade e com isso contribuir para a condenação do arguido, ou faltar à verdade e, além de violentar a sua consciência, poder incorrer nas sanções correspondentes. Trata-se de uma forma de protecção dos escrúpulos de consciência e das vinculações sócio-afectivas respeitantes à vida familiar que encontra apoio no n.º 1 do artigo 67.º da Constituição e que outorga ao indivíduo uma faculdade que se compreende no direito (geral) ao desenvolvimento da personalidade, também consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, enquanto materialização do postulado básico da dignidade da pessoa humana […].»
[28] V. g., à (efectiva) qualidade de testemunha e a (efectiva) existência de uma das relações familiares, de afinidade e análogas previstas no art.º 134º do CPP.
[29] A pluralidade de arguidos em processos autónomos com laço de conexão suscita (outras) questões específicas que aqui se não abordarão por fora dos contornos do caso sob julgamento.
[30] Cruz Bucho, "A Recusa de Depoimento de Familiares do Arguido em Processo Penal (notas de estudo)", 2015, p. 30, acessível através da hiperligação https://www.trg.pt/gallery/12.1.%20a-recusa-depoimento-familiares-arguido.pdf, p. 30, aliás, abonando-se na lição de Medina Seiça, Pinto de Albuquerque, Maia Gonçalves e Santos Cabral.
[31] «Assim, estando em causa vários agentes que cometeram diversos crimes, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou ocultar os outros, o familiar do arguido acusado de furto pode também recusar-se a depor relativamente ao co-arguido não familiar acusado de receptação do objecto furtado, tal como o familiar do arguido acusado de receptação do objecto furtado pode também recusar-se a depor relativamente ao co-arguido não familiar acusado de furto», é o exemplo ilustrativo de que se vale Cruz Bucho, ibidem, p. 131, logo concluindo que «A ratio do privilégio não consente que se imponha à testemunha familiar do arguido que deponha sobre factos que constituem o pressuposto indispensável do crime pelo qual o arguido se encontra a responder».
[32] «Do mesmo modo, em caso de pluralidade de agentes e de acções criminosas com nexo de reciprocidade […], isto é de crimes em que "o ofendido de um crime é por sua vez o agente do crime em que o agente do primeiro toma nele a posição de ofendido" […] , o familiar do arguido acusado de ofensas à integridade física pode também recusar-se a depor relativamente ao co-arguido não familiar acusado de na mesma ocasião ter pratico idêntico crime na pessoa do arguido familiar da testemunha», é o outro exemplo,
[33] Isto é quando uma mesma pessoa responde pelos mesmo factos a título individual e enquanto representante de pessoa colectiva igualmente arguida.
[34] E cuja lição a qui se segue muito de perto.
[35] Ou, como parece preferir o art.º 126º do CP, de método proibido de prova, acentuando, talvez, a perspectiva dinâmica do procedimento probatório, os caminhos a percorrer na descoberta da verdade dos factos, «delimita[ndo] negativamente a proibição os modus de aquisição de certo conhecimento no processo» – Pedro Albergaria, "Comentário Judiciário do Código de Processo Penal", II, p. 44
[36] Pedro Albergaria, ", ibidem, p. 63, aliás, citando Conde Correia, "A Distinção entre Prova Proibida por Violação de Direitos Fundamentais e Prova Nula numa Perspectiva Essencialmente Jurisprudencial", RCEJ, p. 189.
[37] Neste sentido, de novo, Cruz Bucho, ibidem, p.158, quando diz:
– «Assim, quando a testemunha manifesta o propósito de recusar-se a depor podendo legalmente fazê-lo e, não obstante, é coagida, compelida ou obrigada contra a sua vontade a depor, sob ameaça de procedimento criminal […] , neste caso encontramo-nos perante uma verdadeira proibição de prova.
Do mesmo modo, quando a entidade competente para receber o depoimento é conhecedora de que a testemunha labora em erro, por pensar estar obrigada a depor, ou desconhece a faculdade de se recusar a depor, e deliberadamente não a informa daquela faculdade, se deverá considerar que estamos perante um método proibido de prova.».
[38] Invalidade esta, de qualquer modo, no entendimento que aqui se segue não subsumível no conceito da proibição de prova, mas sim no de nulidade relativa stricto sensu regulada nos art.os 120º a 122º do CPP.
[39] Por, e se, não consentida.
[40] «1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. 2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos. […].» - sublinhado acrescentado.
[41] «1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. 2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos. […].» - sublinhado acrescentado.
[42] "Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal", 1992, pp. 236 a 237.
[43] Pedro Albergaria, ibidem, p. 51.
[44] Neste sentido, Costa Andrade, ibidem, p. 236.
[45] Neste sentido, Pedro Albergaria, ibidem, p. 52, e a numerosa doutrina que cita.
[46] Neste sentido, Pedro Albergaria, ibidem, p. 52, e Sandra Oliveira e Silva, "O arguido como meio de prova contra si mesmo – considerações em torno do princípio nemo tenetur in se ipsum accusare", 2108., p. 519..
[47] «A arguida apresentou a filha Ana Santo ao arguido Luís Picanço num dia em que se encontraram no hospital de Angra, local onde se encontrava internada a avó da menor mãe da arguida, por ocasião de uma visita», é o teor integral do número referido
[48] «Devidamente preparada pela arguida sua mãe, a vítima, então menor de 14 anos entrava para o indicado veículo, que era conduzida pelo arguido LUÍZ PICANÇO»
[49] «Então, o arguido dirigia o veículo para o Lugar de Fonte das Pombas, junto à orla marítima, na freguesia dos Biscoitos, Praia da Vitória».
[50] «Chegado a esse local, o arguido LUÍZ PICANÇO estacionava o veículo e depois submetia a menor Ana Santo a actos sexuais de relevo, concretizados:
- através de relações de sexo oral mutuamente praticados;
- e de relações sexuais de cópula vaginal completa, sem recurso ao uso de preservativo.».
[51] «Na primeira relação sexual que a vítima então menor manteve com o arguido Luís Picanço, ocorreu a ruptura da membrana himenial e consequente sangramento, uma vez que a vítima, na altura com 14 anos de idade, ainda era virgem».
[52] «Esta prática sexual imposta pela arguida à sua filha menor decorreu de modo reiterado desde Setembro de 2015, quando a menor tinha apenas 14 anos de idade e até Setembro de 2017 quando a menor completou 16 anos de idade.».
[53] «O arguido Luís Picanço acabou recusando pagar aquele depois de ter hesitado, ao ainda ter ponderado vender uma casa que possui na Fonte Bastardo.».
[54] «Aliás, esta sequência de acontecimentos, estiveram de facto na origem da separação entre o arguido Luís Picanço e a sua então companheira.».
[55] «Também para reunir os fundos o arguido Luís Picanço vendeu a sua viatura pelo preço de 5.000,00 euros em dinheiro com vista a pagar os empréstimos pessoais que tinha feito para pagamento dos serviços sexuais recebidos, através da arguida Elda Pinheiro».
[56] «O arguido Luís Fernando Correia Picanço, actuou voluntária livre e conscientemente com o intuito concretizado de obter serviços de natureza sexual por parte da então menor Ana Cristina Pinheiro Santo, a troco de dinheiro, sabendo que a vítima tinha somente 14 anos de idade quando começou a manter as relações sexuais de sexo oral e vaginal com Ana Cristina Pinheiro Santo, mantendo essas relações por dois anos, colocando em grave perigo o seu livre e normal desenvolvimento e autodeterminação sexual, atentando contra a sua dignidade pessoal».
[57] Que, não obstante já transcrito em 12. supra, aqui se repete.
[58] «Casos de conexão 1 - Há conexão de processos quando: a) O mesmo agente tiver cometido vários crimes através da mesma acção ou omissão; b) O mesmo agente tiver cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; c) O mesmo crime tiver sido cometido por vários agentes em comparticipação; d) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; ou e) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma ocasião ou lugar. f) Esteja em causa responsabilidade cumulativa do agente do crime e da pessoa coletiva ou entidade equiparada a que o mesmo crime é imputado. 2 - A conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento. 3 - A conexão não opera quando seja previsível que origine o incumprimento dos prazos de duração máxima da instrução ou o retardamento excessivo desta fase processual ou da audiência de julgamento.». é p texto integral da norma.
[59] Sublinhados a acrescentados.
[60] «Lenocínio de menores Quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor ou aliciar menor para esse fim é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 2 - Se o agente cometer o crime previsto no número anterior: a) Por meio de violência ou ameaça grave; b) Através de ardil ou manobra fraudulenta; c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho; d) Actuando profissionalmente ou com intenção lucrativa; ou e) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima; é punido com pena de prisão de dois a dez anos.»
[61] Pinto de Albuquerque, "Comentário do Código Penal", 2ª ed. p. 527.
[62] Neste sentido, Pinto de Albuquerque, "Comentário do Código Penal", ibidem, p. 527.
[63] Neste sentido, Pedro Albergaria, ibidem, p. 72, convocando, de resto, a lição de CONDE CORREIA, ibidem, p. 195, e Gomes Canotilho/Nuno Brandão, "Colaboração premiada e auxílio judiciário em matéria penal: a ordem pública como obstáculo à cooperação com a operação Lava Jato", RLJ, 146, p. 37.
[64] Neste sentido, Costa Andrade, ibidem, p. 85, e Pedro Albergaria, ibidem, p. 64.
[65] Nem mesmo perante o facto de na sessão da audiência de julgamento 12.4.2021 os interessados se terem conformado com a decisão de indeferimento das nulidades que arguiram, nos termos melhor referidos supra e para cujos termos aqui remete,
[66] Neste sentido, Pedro Albergaria, ibidem, p. 71.
[67] Neste sentido, Costa Andrade, ibidem, p. 63 e ss..