ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
CONTRATO DE MÚTUO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
VENCIMENTO ANTECIPADO
INCUMPRIMENTO
AMORTIZAÇÃO
JUROS
JULGAMENTO AMPLIADO
Sumário


I - No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art. 310.º, al. e), do CC, em relação ao vencimento de cada prestação.
II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art. 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incindindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.

Texto Integral


Julgamento Ampliado de Revista no Supremo Tribunal de Justiça



A Acção, o Pedido e o Objecto do Processo

     Na execução comum a Caixa Geral de Depósitos, S.A., move contra AA e marido BB deduziu este último embargos de executado no presente apenso B (no apenso A, tinha deduzido embargos a Executada mulher).

Na petição executiva, tinha a Exequente alegado que os Executados não pagaram as prestações a que estavam obrigados por força de dois contratos, um deles de compra e venda e mútuo, com hipoteca e fiança, o outro, contrato de empréstimo com fiança, desde 16/01/2013 e 16/12/2012, respectivamente, pelo que as duas dívidas se venceram na sua totalidade.

Notificou os Executados para procederem à liquidação dos valores em dívida e mais os notificou da perda do benefício do prazo, caso não procedessem à regularização dos montantes em causa, com o vencimento antecipado da totalidade da dívida.

Invocou porém o Embargante que inexistiu qualquer declaração resolutória, pelo que não se verificou a extinção da relação contratual ou o vencimento antecipado de capital e juros.

Por outro lado, o incumprimento contratual só foi levado ao conhecimento do ora Embargante/Executado/fiador com a citação para a execução.

As cláusulas dos contratos estipulavam o prazo de 30 anos para amortização do empréstimo.

A Exequente procedeu à liquidação de juros remuneratórios e de mora vencidos desde 16/01/2013 e 16/12/2012, até à apresentação do requerimento executivo, pelo que, visto o disposto no art.º 310.º do Código Civil, encontram-se prescritos todos os juros remuneratórios e moratórios vencidos antes de 20/07/2014, acrescendo as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.

Em Contestação dos embargos, a Exequente invocou a responsabilidade do Embargante, na qualidade de fiador, no pagamento da quantia de que seja credora, emergente dos contratos exequendos.

O prazo de prescrição a aplicar à situação dos autos é o ordinário de 20 anos, previsto no art.º 311.º do Código Civil.

Ao ora Embargante foi comunicada a perda do benefício do prazo e a integração no PARI (Plano de Acção para o Risco de Incumprimento, decorrente do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10).


As Decisões Judiciais

Em saneador-sentença, foi decidido, por aplicação do prazo de prescrição de 5 anos do art.º 310.º als. d) e e) do Código Civil, considerar prescrita a totalidade da dívida de capital e juros peticionada no processo.

Tendo a Embargada recorrido de apelação, a Relação julgou a apelação parcialmente procedente, declarando apenas prescrito o crédito da Exequente respeitante às prestações vencidas até 20/7/2014, prosseguindo a execução quanto ao restante.


As Revistas

O Embargante interpõe recurso de revista, concluindo como segue:

1 / 2 – (…)

3 – Entende o ora Recorrente que a douta Sentença analisou devidamente os documentos e os factos em causa e aplicou correctamente o direito aos mesmos.

4 – Considera, e bem – na nossa opinião – o Tribunal “a quo” que a Recorrida “não alegou a resolução contratual em sede de requerimento executivo, mas o vencimento antecipado das prestações ou da totalidade da dívida nos termos previstos no artigo 781º do Código Civil.”

5 – Invoca o Tribunal “a quo” os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.03.2014, relatado por Silva Gonçalves, e de 29-09-2016, relatado por Lopes do Rego.

6 – Na mesma senda, cita o ora Recorrente os seguintes Acórdãos:

- do Supremo Tribunal de Justiça de 06-06-2019;

- do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2017 e de 08-05-2019;

- do Tribunal da Relação de Évora de 21-01-2016;

- do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-05-2019;

7 – A douta Sentença considera como provado que:

“F) A cláusula 9ª do documento complementar do contrato identificado em A) prevê o seguinte: 1 – O empréstimo será amortizado em prestações mensais constantes com bonificação decrescente, de capital e de juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes. (…)”

8 – Mais deu como provado o Tribunal “a quo” que: “K) A cláusula 7ª do contrato prevê que: 1 – O pagamento do capital emprestado e dos respetivos juros será feito em trezentas e sessenta prestações mensais, constantes, cujo montante será oportunamente comunicado pela credora, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato. (…)”

9 – Considera assim a douta Sentença que “conforme resulta dos factos provados F) e K), a amortização do capital mutuado seria pago em prestações mensais compostas por capital e juros.”

10 – Como bem refere o Tribunal “a quo”: “… a exequente pede o pagamento da quantia exequenda baseando juridicamente tal pretensão no vencimento antecipado das prestações, ao abrigo do disposto no artigo 781º do Código Civil…”.

11 – Conclui a douta Sentença que: “… no caso dos autos aplica-se o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 310º, alínea e) do Código Civil, pelo que datando a falta de pagamento das prestações em dívida de 16.01.2013 e 16.12.2012, a dívida de capital prescreveu em 16.01.2018 e em 16.12.2017 respetivamente.”

12 – E julgou assim procedentes os embargos de executado deduzidos pelo Embargante ora Recorrente, declarando extinta a execução.

13 – Foi proferido douto Acórdão, que julgou a apelação apresentada pela Recorrente Caixa Geral de Depósitos, S.A., parcialmente procedente, “declarando-se apenas prescrito o crédito da exequente respeitante às prestações vencidas até 20-07-2014, prosseguindo a execução quanto ao restante valor em dívida.”

14 – Aí se refere: “Essas prestações integram a previsão da alínea e) do art. 310º do C. Civil, prescrevendo em cinco anos (neste sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do STJ, de 27-03-2014 e de 29-09-2016 (processos nº 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 e 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, respectivamente).”

15 – O ora Recorrente não pode concordar com o douto Acórdão, concretamente, quanto à interpretação e aplicação do normativo supra indicado, na medida em esse considera que: “Tendo em conta o prazo de cinco anos contados até 20-07-2019, apenas se podem considerar prescritas as prestações devidas até 20-07-2014.”

16 – Mais refere o douto Acórdão: “…apenas se pode considerar que a prescrição opera relativamente ao período que decorre desde que os mutuários deixaram de pagar as prestações de reembolso – 16-01-2013 para um dos mútuos e 16-12- para outro – até 20-07-2014. Não se estendendo a prescrição aos créditos vencidos posteriormente a 20-07-2014, a execução terá que prosseguir quanto a estes créditos.”

17 – Ora, salvo o devido respeito, não podemos aceitar a interpretação e aplicação da norma acima referenciada nos termos constantes do douto Acórdão recorrido.

18 – Concordamos integralmente com a posição do recente Acórdão da 5ª Secção do T.R.P. de 23 de Novembro de 2020 quanto à mesma matéria, e no âmbito do Apenso A mesmo processo: “Na verdade, e nos termos do disposto no art. 781º do C.Civil – do qual a recorrente fez uso – “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”. Ou seja, o devedor, rigorosamente, fica obrigado ao pagamento, não do capital em dívida, mas de todas as prestações acordadas, que se vencem imediatamente – alterando-se, assim, o plano de pagamento acordado. Pelo que o incumprimento, por parte da embargante, não altera o referido prazo de prescrição, consoante se entendeu no ac. do STJ de 18-10-2018, in www.dgsi.pt:

“I – O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fraccionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado à habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310º, alínea e), do Código Civil.

II – A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos de prescrição …”.

No mesmo sentido cfr. os ac.s do STJ de 23-1-2020, in CJ, XXVIII, I, 33, e da Relação de Lisboa de 15-2-2018 e 27-10-2016, in www.dgsi.pt.

Entendimento que já seguimos no acórdão relatado no proc. nº 946/17.7T8PVZ.P1.”

19 – Em suma, na nossa perspectiva dúvidas não restam de que no caso dos autos se aplica o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 310º, alínea e) do Código Civil.

20 – Pelo que, tal normativo deverá ser interpretado e aplicado da seguinte forma: datando a falta de pagamento das prestações em dívida de 16.01.2013 e 16.12.2012, a dívida de capital prescreveu em 16.01.2018 e em 16.12.2017, respectivamente.

21 – Bem decidiu o Tribunal de 1ª instância, na senda dos Acórdãos do S.T.J. de 06-06-2019, 29-06-2016 e 27-03-2014, todos in www.dgsi.pt

22 – Pelos motivos e fundamentos supra expostos, deverão V.ª Ex.ªs dar provimento ao recurso apresentado, julgando o mesmo totalmente procedente por provado, e ordenando a manutenção da douta decisão proferida pelo Tribunal “a quo”.


Também a Exequente/Embargada recorre de revista, concluindo:

a / b) (…)

c) Pese embora o vencimento da dívida o Tribunal a quo, decidiu que seria aplicável a norma de prescrição dos 5 anos.

d) Nos presentes autos veio o Recorrido invocar a prescrição do direito da Exequente, ora Recorrente, nos termos do artigo 310.º, alínea e) do Código Civil.

e) Considerando o incumprimento contratual e o vencimento da dívida não poderá considerar-se a previsão legal invocada, uma vez que esta respeita a prestações periódicas, o que, in casu, deixou de existir.

f) Os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam revestir – no caso em apreço um crédito à habitação -, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos, é a chamada “prescrição ordinária” (artigo 309.º do Código Civil).

g) Na situação em apreço, estando a dívida incorporada em títulos executivos – escrituras públicas – documentos exarados por notário que importam a constituição ou reconhecimento de uma obrigação (vide n.º 1 alínea b) do artigo 703.º do Código de Processo Civil), fica a mesma sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do 311.º, n.º 1 do Código Civil, não se aplicando a alínea e) do artigo 310.º do mesmo código.

h) Face à resolução do contrato de mútuo por incumprimento, a Caixa Geral de Depósitos considerou vencida toda a dívida, ficando sem efeito o plano prestacional acordado, voltando os valores em dívida a assumir em pleno a sua natureza de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de vinte anos.

i) Por consequência, a obrigação exequenda não é subsumível à alínea e) do artigo 310.º do Código Civil mas, outrossim, aos artigos 309.º e 311.º, do Código Civil. Mais,

j) Todos os mútuos bancários têm, como regra, o reembolso em prestações mensais e sucessivas de capital, juros e demais encargos, pelo que, a ser acolhida a tese defendida na douta sentença recorrida, a regra para os empréstimos bancários passaria a ser a da prescrição do capital, no prazo de 5 anos.

k) Isto representaria uma clara desprotecção do credor que nem sequer vê o valor de capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento constituindo, tal facto, uma desproporcional aplicação do direito do devedor e credor o que ataca o princípio de segurança jurídica e bancária.

l) Esta interpretação aplicada de forma generalizada, acaba por violar o princípio de segurança jurídica pois desprotege instituições bancárias, que concedem crédito, e se vêem, depois, em caso de incumprimento, impedidos de reaver, até o capital que emprestaram.

m) Tal interpretação não assegura igualmente a segurança nos mútuos bancários e no próprio ordenamento jurídico, Pelo que,

n) É entendimento da Recorrente que ao contrato de empréstimo já resolvido é aplicável o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos (artigo 309.º, do Código Civil), pelo que o direito de crédito da Recorrente não se mostra prescrito em parte alguma.


O Embargante apresentou contra-alegações, nas quais continua a sustentar o alegado na respectiva revista.


A Tramitação no Supremo Tribunal de Justiça

Em 10/05/2021, foi suscitada pelo Relator a intervenção do Exmº Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para pronúncia sobre a oportunidade ou a conveniência do julgamento ampliado de revista, nos presentes autos.

Entre o mais, entendeu-se que, em 28/4/2021, tinha sido proferido acórdão na 6ª Secção Cível deste Supremo Tribunal de Justiça, no processo especial de embargos de executado, com o nº 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1, que correu termos por apenso à execução de que os presentes embargos são também dependência.

Os factos apurados eram exactamente os mesmos nas duas oposições por embargos, sendo que a Relação, no presente apenso B, tinha antes fixado a prova de mais três factos que, todavia, se extraem documentalmente dos contratos de mútuo celebrados que constituem título executivo contra ambos os Executados/Embargantes.

No referido apenso A foi negada a revista, quanto à decisão da Relação, tomada por maioria, que julgou improcedente a apelação da Exequente, pela confirmada verificação da excepção de prescrição, aplicável a todos os montantes reclamados pela mesma dita Exequente.

Nesse sobre mencionado apenso A, fundamentou-se a negação da revista no facto de o entendimento do acórdão recorrido, de considerar aplicável no caso o prazo prescricional de cinco anos nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, se mostrar consentâneo com o posicionamento que este tribunal tem vindo reiteradamente a defender em situações similares às dos presentes autos, dado estarem em causa contratos de mútuo onerosos em que a obrigação de restituição do capital mutuado foi fraccionada (prestações) o que consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), não relevando para o enquadramento em termos de prescrição a circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento.

Mais se entendeu que, nesse sentido, o que releva para efeitos de enquadramento do regime prescricional não é a forma por que a obrigação exequenda se mostra titulada, mas a estrutura do direito de crédito da Embargada decorrente do facto de estar em causa uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.

Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (Vaz Serra, BMJ n.º 107, pág. 285).

A razão que justifica a prescrição dos juros decorrido o prazo de cinco anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fracionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária.

Dada tal equiparação de regime, compreende-se que, ao caso, não possa ser aplicável o prazo ordinário da prescrição de vinte anos, previsto no art. 309.º do CC.

A natureza da obrigação não se altera perante o vencimento imediato com a perda do benefício do prazo, ou seja, o regime de prescrição estabelecido na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, mantém aplicação atenta a circunstância do direito de crédito se encontrar vencido na totalidade em consequência do incumprimento contratual.

Em contraponto da opção doutrinal em causa exposta no acórdão proferido no apenso A, ponderou-se que o caminho a seguir podia não implicar a opção de o prazo reduzido de prescrição de 5 anos ser de aplicar às quantias resultantes, quer da pura e simples soma de todas as prestações de capital e juros, quer da quantia também total, por perda do benefício do prazo e aplicação da norma do artº 781º do Código Civil.

Por um lado, parte da jurisprudência tem considerado, em tais casos, a aplicação do prazo ordinário de prescrição, do art.º 309.º do Código Civil.

Mas, fosse por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, consideradas apenas “exigíveis em sentido fraco”, ou vencidas imediatamente as quotas de amortização de capital pagáveis com os juros, tal podia não alterar a natureza das obrigações inicialmente assumidas, continuando a prescrição a contar-se relativamente a cada uma das quotas de amortização exigíveis com os juros (e não ao todo em dívida): o plano de pagamento inicial era o combinado entre as partes e aquilo que às mesmas cumpria ter como referência.


O Exmº Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou o julgamento ampliado de revista, para conveniente uniformização dos critérios jurisprudenciais, nos termos do art.º 686.º n.º 1 do Código de Processo Civil.


Os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer, no sentido de dever fixar-se a seguinte jurisprudência:

«Perante o vencimento imediato de todas as quotas de amortização do capital, com perda do benefício do prazo, nos termos do artigo 781.º do CC, ao respetivo crédito aplica-se o regime de prescrição de cinco anos estabelecido na alínea e) do artigo 310.º, do Código Civil».


Os Factos Apurados:

A) Foi dado à execução o contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, celebrado em 16.05.2001, onde figura como mutuante a Caixa Geral de Depósitos, SA, como mutuários CC e DD e como fiadora AA.

B) No referido contrato, a ora exequente declarou que concede a CC e DD um empréstimo da quantia de quinze milhões e quatrocentos mil escudos (76.14,88€), dos quais estes se confessaram devedores.

C) Para garantia do pagamento do capital emprestado, respetivos juros e despesas emergentes do contrato, os mutuários constituíram hipoteca voluntária sobre o prédio urbano, casa de habitação, sito no Beco ..., ..., à Rua ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ...40 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº...57.

D) Do referido contrato consta ainda o seguinte: Disse ainda a quarta outorgante (AA) que ela e o seu representado marido (BB), se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Caixa credora em consequência do empréstimo aqui titulado dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceitando a estipulação relativa ao extrato de conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança.

E) A morada indicada no contrato como sendo a dos ora embargante foi o Bairro ..., na freguesia e concelho ....

F) A cláusula 9ª do documento complementar do contrato identificado em A) prevê o seguinte:

“1 – O empréstimo será amortizado em prestações mensais constantes com bonificação decrescente, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes. (...)”

F-1) Ficou a constar da cláusula 8ª do documento complementar do contrato identificado em A): “O prazo para a amortização do empréstimo é de trinta anos, a contar de hoje”.

F-2) A cláusula 16ª do documento complementar do contrato identificado em A) prevê, na alínea D), que à credora fica reconhecido o direito de “considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato”.

G) Os mutuários deixaram de proceder ao pagamento das prestações de reembolso da quantia que lhes foi entregue pela exequente em 16.01.2013.

H) Foi dado à execução o contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, celebrado em 16.05.2001, onde figura como mutuante a Caixa Geral de Depósitos, SA, como mutuários CC e DD e como fiadora AA.

I) Foi dado à execução o contrato de empréstimo, celebrado em 16.05.2001, onde figura como mutuante a Caixa Geral de Depósitos, S.A., como mutuários CC e DD e como fiadores AA e BB.

J) No referido contrato, a ora exequente declarou que concede a CC e DD um empréstimo da quantia de dois milhões e cem mil escudos (10.474,76€), dos quais estes se confessaram devedores.

K) A cláusula 7ª do contrato prevê que:

“1 – O pagamento do capital emprestado e dos respetivos juros será feito em trezentas e sessenta prestações mensais, constantes, cujo montante será oportunamente comunicado pela credora, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato. (...)”

K-1) A cláusula 12ª do contrato prevê que à credora fica reconhecido o direito de: “d) Considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato e nomeadamente se verificar que o empréstimo não foi aplicado na finalidade indicada e se não forem reforçadas as garantias quando tal for solicitado à parte devedora”.

L) Na cláusula 14ª, com a epígrafe Garantia – Fiança, ficou vertido o seguinte: “Os terceiros outorgantes (o ora embargante e AA) responsabilizam-se solidariamente com os segundos como seus fiadores e principais pagadores, pelo pagamento de tudo o que vier a ser devido à Caixa e consequência deste contrato e dão desde já o seu acordo a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a Caixa e a parte devedora, e bem assim, às alterações da taxa de juro permitidas por este contrato.”

M) A morada indicada no contrato como sendo a dos ora embargante foi o Bairro ..., na freguesia e concelho ....

N) Para garantia do pagamento deste empréstimo, em 24 de maio de 2013 foi constituída hipoteca voluntária sobre o prédio identificado em C).

O) Os mutuários deixaram de proceder ao pagamento das prestações de reembolso do empréstimo referido em H) em 16.12.2012.

P) Em 24.05.2019, o banco exequente enviou carta registada com aviso de receção para o ora Embargante para a seguinte morada: “... 1 1 ..., 0AG, Reino Unido, com o seguinte teor:

“Perda do benefício do prazo

Contrato n.º ...85 e ...85

Face ao incumprimento das obrigações de V. Exa. decorrentes dos contratos em epígrafe, consubstanciado na falta de pagamento de 77 e 44 prestações sucessivas, solicita-se a V. Exa. que, no prazo improrrogável de 30 dias, proceda ao pagamento das prestações em atraso, atualmente no valor de 27.525,08€ e de 3.353,61€ a que acresce a mora de 2,49€ e 0,33€ respetivamente, até integral pagamento, sob pena da perda do benefício do prazo.

Adverte-se expressamente que a perda do benefício do prazo determinará o vencimento antecipado de todas as quantias disponibilizadas para efeito da celebração do referido contrato, as quais serão imediatamente devidas. (...)”

Q) Em 01.07.2019, a exequente enviou carta para a mesma morada da referida em P) para o embargante, com o seguinte teor:

“Contrato n.º ...85

Perda do Benefício do Prazo (...)

Não obstante a nossa comunicação anterior, datada de 2019/05/24, persiste o incumprimento das obrigações de V. Exa. decorrentes do contrato em epígrafe, pelo que na presente data se invoca a perda do benefício do prazo, nos termos legalmente previstos.

Cabe informar que a perda do benefício do prazo determina o vencimento antecipado de todas as quantias disponibilizadas no âmbito do referido contrato, as quais ascendem, nesta data, a 67.655,61€, sendo imediatamente devidas. (...)”

R) E, na mesma data, enviou carta registada com aviso de receção para a mesma morada, para o embargante, dizendo o seguinte:

“Contrato n.º ...85

Perda do Benefício do Prazo (...)

Não obstante a nossa comunicação anterior, datada de 2019/05/24, persiste o incumprimento das obrigações de V. Exa. decorrentes do contrato em epígrafe, pelo que na presente data se invoca a perda do benefício do prazo, nos termos legalmente previstos.

Cabe informar que a perda do benefício do prazo determina o vencimento antecipado de todas as quantias disponibilizadas no âmbito do referido contrato, as quais ascendem, nesta data, a 10.698,80€, sendo imediatamente devidas. (...)”


Conhecendo:


I


Para conhecimento da matéria do julgamento ampliado de revista, está em causa a aplicabilidade ao caso dos autos do disposto no art.º 310.º al. e) do Código Civil, expressamente citado pelo acórdão recorrido, nos termos do qual prescrevem no prazo de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.

O prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol.106/112ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de “proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos”.

Visou a lei evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos (retardando em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1983, pg. 452, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3ª ed., pg. 278).

A Exequente/Embargada chamou em seu proveito de alegação o disposto no art.º 781.º do Código Civil, segundo o qual “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

Como é doutrina comum e maioritária, este preceito legal não prevê um vencimento imediato, apelidado por alguns “em sentido forte”, das prestações previstas para liquidação da obrigação, designadamente da obrigação de restituição inerente a um contrato de mútuo com hipoteca, acrescido de um outro contrato de mútuo, como no caso dos autos – constitui antes um benefício que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato toda a obrigação, em consequência manifestando o credor a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui – assim Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., 1997, pg.54, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., 2009, pgs. 1017 a 1019, Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, I (75/76), pg. 317, e Menezes Cordeiro, Tratado, Direito das Obrigações, IV (2010), pg. 39.

A obrigação fica assim apenas exigível, ou, como alguns entendem, exigível “em sentido fraco”.

Note-se que a norma do art.º 781.º do Código Civil não se constitui como norma imperativa, mas existindo, como existe, nos contratos de mútuo dos autos uma cláusula no sentido de que à credora fica reconhecido o direito de “considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato”, concedia-se à mutuante a possibilidade de actuar o vencimento do direito à totalidade das prestações convencionadas pelo simples facto de intentar acção executiva contra os mutuários, como intentou.

Não existe, desta forma, nos contratos dos autos, qualquer cláusula de vencimento automático, apenas a reprodução do esquema de vencimento das prestações que a doutrina associa ao disposto no art.º 781.º do Código Civil.



II


A considerar-se, como em diversas decisões das Relações[1], que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artº 309º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol.107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant).

Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam.

Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.

E pese embora devermos considerar que, “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados”, como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., nº 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a “acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor” que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor.

Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o art.º 310.º al. e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis.

“Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artº 310º”.

Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.

A “ratio” das prescrições de curto prazo, se radica na protecção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47).



III


A posição doutrinal que, em II, entendemos a mais adequada, ou seja, a aplicação da prescrição de 5 anos à acumulação das quotas de amortização do capital por perda de benefício do prazo (art.º 781.º CCiv), vem sustentada na quase totalidade da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no Ac. S.T.J. 29/9/2016, revista n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego) cit. e também nos Acs. S.T.J. 8/4/2021, revista nº 5329/19.1T8STB-A.E1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 9/2/2021, revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), S.T.J. 14/1/2021, revista nº 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 (Tibério Nunes da Silva), S.T.J. 12/11/2020, revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado), S.T.J. 3/11/2020, revista n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1 (Fátima Gomes), S.T.J. 23/1/2020, revista nº 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 27/3/2014, revista n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves), e em numerosas decisões das Relações.[2]

Parte desta jurisprudência foi aliás oportunamente citada, seja na sentença, seja no acórdão recorrido, seja nas alegações e contra-alegações do processo – encontra-se uma recensão exaustiva de outra jurisprudência, também a propósito, no Ac. S.T.J. 10/9/2020, revista n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1 (Rijo Ferreira).

Tal posição foi igualmente sustentada na sentença proferida em 1.ª instância, justificando-se tal posição por via de uma execução instaurada em 20/7/2019 e de um prazo de prescrição do direito interrompido cinco dias após.

Também no acórdão recorrido se considerou a prescrição de cinco anos, mas mais se considerou que o Embargante apenas alegou a prescrição das prestações devidas até 20/7/2014, como consta do petitório de embargos (“o capital e os juros correspondentes às prestações mensais relativas ao supra referido período – entre 16/1/2013 e 16/12/2012, respectivamente, e 20/7/2014, data da apresentação do requerimento executivo, encontra-se prescrito”, devendo ser “declarada a prescrição de capital e juros vencidos antes de 20/7/2014 e o Executado absolvido do respectivo pagamento”) – daí que se tenha julgado a apelação apenas parcialmente procedente, nos termos supra expostos.

Na solução a dar à revista, aderimos por completo ao entendimento da Relação, considerando que a invocação da prescrição foi feita nos sobreditos termos, aos quais nos teremos de limitar.

Na verdade, a prescrição tem de ser invocada e não pode ser oficiosamente declarada pelo tribunal – art.º 303.º do Código Civil.

Se aquele a quem aproveita a prescrição pode, ou não, invocá-la, podendo até renunciar à invocação, é também dos exactos termos em que invoca a prescrição que podem decorrer os respectivos efeitos extintivos da obrigação.

Resta porém a matéria da uniformização de jurisprudência, oportunamente suscitada no recurso.



IV


Visto o teor do despacho adrede proferido, nos termos do disposto no art.º 686.º n.º 2 do Código Civil, a matéria da uniformização de jurisprudência suscitava-se na ponderação da aplicação de um prazo curto de prescrição a uma quantia total que não poderia ser considerada “quota de amortização de capital” (art.º 310.º al. e) do Código Civil) – posto que as quotas tinham prazos de vencimento pré-determinados no contrato.

Importa pois aquilatar, neste momento, se a prescrição incide sobre cada uma das prestações de capital (tendo como termo inicial o vencimento dessas mesmas prestações de acordo com o plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes) ou, no reverso, se a prescrição se reporta à integralidade da obrigação em dívida (tendo como termo inicial a data do incumprimento pelo devedor, enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido – art.º 306.º n.º1 1.ª parte do Código Civil).

Na hipótese dos autos, continuariam a ter um prazo pré-fixado antes da citação para a acção executiva e, seguindo tal critério, não se encontrariam prescritas parte das prestações que integravam a quantia total por via da perda de benefício do prazo – designadamente as quantias integrando prestações vencidas há menos de 5 anos, à data da interrupção da prescrição – art.º 323.º n.º1 CCiv (sem prejuízo do conteúdo da alegação do devedor/Embargante, a que já aludimos).

Desta forma, a integral procedência da prescrição deveria pressupor que as prestações de amortização, considerado o seu prazo inicial convencionado de vencimento, se encontrassem já igualmente prescritas, considerando o prazo de 5 anos, do art.º 310.º al. e) do Código Civil, na data em que a prescrição se mostrar interrompida.

Este último critério apontado tem sido seguido por alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, mas sobre o mais das Relações,[3] cabendo salientar o Ac. S.T.J. 4/5/93 Col. II/82 (Santos Monteiro) o Ac. S.T.J. 15/1/2008, revista n.º 4059/07 (Cardoso Albuquerque), in www.stj.pt e o Ac. S.T.J. 25/5/2017, revista n.º 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2 (Olindo Geraldes, in www.direitoemdia.pt).

Outras decisões, porém, afirmam que, tendo cessado o pagamento das prestações convencionadas em determinada data, e tendo decorrido mais de cinco anos, após essa data, sem que o credor suscitasse o direito relativo à perda de benefício do prazo, ocorre a prescrição relativamente a todas as prestações, incluindo as vencidas entre a data do primeiro incumprimento e a data do exercício do direito relativo à perda de benefício do prazo.

É o que decorre dos fundamentos do Ac. S.T.J. 9/2/2021, revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), do Ac. S.T.J. 12/11/2020, revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado) e do Ac. S.T.J. 27/3/2014, revista n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves).

Pode, todavia, apontar-se unanimidade nas apontadas decisões, em vista de afastar a aplicação do prazo prescricional ordinário, do art.º 309.º do Código Civil, à quantia resultante do vencimento antecipado das prestações, por via do exercício do direito a que se reporta o art.º 781.º do Código Civil.

Nesse sentido, pode também dizer-se que o Supremo Tribunal de Justiça tem aceite que:

- No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

- Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.

É nesse sentido que deve actuar a presente uniformização de jurisprudência.



V


Uma nota última, apenas para afastar a invocação da norma do art.º 311.º n.º 1 CCiv, por parte da Exequente/Embargada, no respectivo benefício.

Diz a norma que “o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”.

É pacífico, porém, que os títulos dados à execução são constituídos por escritura pública e documento particular de empréstimo, enquadráveis nas normas do art.º 703.º n.º1 als. b) e d) do Código de Processo Civil e que o citado art.º 311.º n.º 1 do Código Civil alude ao título executivo que sobrevier ao direito, e não ao título que lhe seja contemporâneo.


Decisão:

Negam-se as revistas.

Custas do recurso da Exequente, a cargo dela Exequente.

Custas do recurso da Embargante, a cargo dela Embargante, sem prejuízo de apoio judiciário.


Fixa-se finalmente a seguinte Uniformização de Jurisprudência:

“I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.”

“II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”


Oportunamente, remeta certidão do acórdão para publicação na 1.ª série do Diário da República.


Lisboa e S.T.J., 30/6/2022


José Manuel Cabrita Vieira e Cunha (revendo posição anterior)

Luís Filipe Espírito Santo

Jorge M Arcanjo R

António Isaías Pádua

Nuno Ataíde das Neves

António José Ferraz de Freitas Neto

Ana Maria Pereira de Moura Resende

Ana Paula Lobo

Maria dos Prazeres Beleza

Ana Paula Boularot

Maria Clara Sottomayor

Manuel Tomé Gomes

José Manso Rainho

Maria da Graça Trigo

Pedro de Lima Gonçalves

Maria Rosa Oliveira Tching

Fátima Gomes

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

António Oliveira Abreu

Maria João Vaz Tomé

Nuno Manuel Pinto Oliveira

António Moura de Magalhães

Ricardo Alberto Santos Costa

Fernando Jorge Dias

Rijo Ferreira (Declaro que voto em conformidade o acórdão) – assinado digitalmente por se encontrar em videoconferência

José Maria Ferreira Lopes

João Cura Mariano

Manuel Capelo

Tibério Nunes da Silva

António Barateiro Martins

Fernando Baptista de Oliveira

_____

[1] Ac. R.C. 26/4/2016, n.º 525/14.0TBMGR-A.C1 (Maria João Areias), Ac. R.C. 15/12/2020, n.º 6971/18.3T8CBR-A/B.C1 (Maria Teresa Albuquerque), Ac. R.L. 12/11/2020, n.º 927/14.2TBALM-A.L1-8 (Maria do Céu Silva), Ac. R.L. 19/1/2021, n.º 8636/16.1T8LRS-A-7 (Isabel Salgado), Ac. R.G. 16/3/2017, n.º 589/15.0T8VNF-A.G1 (Jorge Teixeira) e Ac. R.E. 12/4/2018, n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1 (Mário Coelho). Estes acórdãos encontraram-se no sítio www.dgsi.pt.
[2] Ac. R.P. 26/1/2016, n.º 191273/12.6YIPRT.P1 (Rodrigues Pires), Ac. R.P. 11/4/2019, n.º 3790/16.5T8OAZ-A.P1 (Ana Lucinda Cabral), Ac. R.C. 8/5/2019, n.º 9042/17.6T8CBR-B.C1 (Moreira do Carmo), Ac. R.P. 9/10/2019, n.º 17977/19.5T8PRT-A.P1 (Fátima Andrade), Ac. R.E. 10/10/2019, n.º 124549/17.0YIPRT.E1 (Rui Machado e Moura), Ac. R.P. 21/10/2019, n.º 1324/18.6T8OAZ-A.P1 (Fernanda Almeida), Ac. R.L. 19/12/2019, n.º 6647/15.3T8OER-A.L1-8 (Teresa Sandiães), Ac. R.E. 21/5/2020, n.º 8563/15.0T8STB-A.E1 (Francisco Matos) e Ac. R.P. 9/12/2020, n.º 100/19.3T8LOU-A.P1 (Eugénia Cunha).
[3] Ac. R.C. 19/12/2017, n.º 561/16.2T8VIS-A.C1 (Fonte Ramos – com voto de vencido no sentido da aplicabilidade à quantia total do prazo de prescrição de 5 anos); Ac. R.E. 2/10/2018, n.º 552/17.6T8PTG-A.E1 (Florbela Moreira Lança); Ac. R.E. 7/11/2019, n.º 1599/18.0T8SLV-A.E1 (Manuel Bargado); ou Ac. R.L. 19/12/2019, n.º 6647/15.3T8OFR-A.L1-8 (Teresa Sandiães).