RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
PENA DE PRISÃO
PENA SUSPENSA
INJUNÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
CUMPRIMENTO DE PENA
DESCONTO
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário


I - A decisão recorrida, sopesando que o condenado já cumpriu algumas das injunções a que está condicionada a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no Proc. n.º X ao longo de concretamente, 1 ano, 8 meses e 1 dia, operou o desconto equitativo de 6 meses à pena única de 9 anos de prisão, à luz do art. 81.º, nºs 1 e 2, do CP.
II - O MP interpôs recurso para o STJ, discordando da parte em que decidiu descontar, na pena de 9 anos de prisão, 6 meses por referência à parte já decorrida do período de suspensão de execução da pena aplicada ao arguido no Proc. nº X.
III - Preenchidos os requisitos legais, é possível não a aplicação de um desconto por inteiro, mas a aplicação de um desconto equitativo.
IV - Porém, deve o tribunal ponderar se o cumprimento pelo arguido é relevante ou não; e, só depois de concluir pela relevância, deve proceder ao «desconto equitativo» (art. 82.º, n.º 2, do CP).
V - Referindo a decisão recorrida apenas que o arguido cumpriu, no âmbito do processo n.º X, a obrigação de proceder ao pagamento da quantia atribuída naqueles autos à demandante Z, (ainda que após o prazo de 02 meses imposto para o efeito), e que o condenado já cumpriu algumas das injunções a que está condicionada a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no processo n.º X ao longo de concretamente, 1 ano, 8 meses e 1 dia, sem fornecer qualquer explicação sobre as condições do regime de prova, quais as injunções que não foram cumpridas (uma vez que refere que cumpriu algumas das injunções), nem a forma como foram cumpridas, ou seja, não ponderando devidamente a eventual relevância do cumprimento parcial para proceder ao desconto, omitiu a decisão recorrida pronúncia sobre estas concretas questões, o que consubstancia a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

Texto Integral




Processo nº 703/18.3PBEVR.S1

Acordam, em Conferência, na 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça.

I. RELATÓRIO:

 

I.1. No Tribunal Judicial da Comarca de Évora Juízo Central Cível e Criminal ... - Juiz ..., por acórdão cumulatório proferido no dia 24 de Março de 2022, foi o arguido AA, condenado na pena única de 9 [nove] anos de prisão, em resultado do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos seguintes processos:

- Nestes autos, condenado por Acórdão proferido em 27.11.2019 e transitado em julgado em 09.03.2020, pela prática de dois crimes de furto simples, previstos e punidos pelo artigo 203.º n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de um (1) ano e oito (8) meses de prisão [NUIPC 703/18.3PBEVR e o NUIPC 760/18....]; de três crimes de introdução em lugar vedado ao público, previstos e punidos pelo artigo 191.º, do Código Penal, nas penas parcelares de dois (2) meses de prisão [764/18...., 767/18.... e 688/18....].

- No âmbito do processo nº 116/18...., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - ... e Criminal - Juiz ..., por Acórdão proferido em 08.11.2018, transitado em julgado em 11.02.2019, foi o arguido condenado em autoria material, na forma consumada e em concurso real, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) de prisão, em cúmulo, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e subordinada à obrigação de proceder, no prazo de 2 (dois) meses, ao pagamento da quantia a atribuir à demandante BB, e, bem assim, sujeito ao regime de prova.

- No âmbito do processo n.º 29/18...., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Local Criminal - Juiz ..., por sentença proferida em 09.10.2018, transitada em julgado em 08.11.2018, foi o arguido condenado pela prática, em 11.09.2018, como autor material e na forma tentada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelos artigos 22.º, nº 1, 23.º, n.º 1 e 2, 2.03º, nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na execução subordinada a regime de prova pelo período de um ano e dois meses. Por decisão proferida em 29.10.2021 e transitada em julgado em 06.12.2021, foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido no âmbito do processo n.º 29/18...., e determinado o cumprimento da pena de prisão de 1 (um) ano e 2 (dois) meses.

*

I.2. O acórdão cumulatório decidiu proceder ao desconto de 6 [seis] meses à pena única de 9 [nove] anos de prisão, à luz do artigo 81.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, pelo que terá o Condenado de cumprir 8 [oito] anos e 6 [seis] meses de prisão, determinando ainda, que o período de prisão já sofrido pelo Condenado seja descontado na pena única ora fixada, nos termos do artigo 78º, n.º 1, in fine, do Código Penal.

*

I.3. O Ministério Público interpôs recurso para o STJ, discordando da parte em decidiu descontar, na pena de nove (9) anos de prisão, seis (6) meses por referência à parte já decorrida do período de suspensão de execução da pena aplicada ao arguido no Proc. nº 116/18.....

Da motivação do recurso, retira o recorrente as seguintes conclusões:

1. O Ministério Público aceita que as penas parcelares aplicadas ao arguido AA nos processos nºs. 703/18.3PBEVR, 116/18.... e 29/18.... encontrem-se em concurso, nos termos indicados no Acórdão recorrido, bem como a medida da pena única fixada pelo Tribunal Colectivo, em nove (9) anos de prisão.

2. Discorda, porém, do desconto de seis (6) meses, por referência à pena parcelar de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução, que foi aplicada no Proc. nº 16/18.... ao arguido AA, com fundamento no artº 81º, nº 2, do Cód. Penal.

3. Analisados os artºs 80º a 82º, do Cód. Penal afigura-se que o cerne do fundamento para a realização dos descontos no cumprimento da pena consiste no cumprimento efectivo da pena ou de uma sua parcela.

4. Nos casos de suspensão da execução da pena de prisão esta não é cumprida, nem é extinta pelo seu cumprimento.

5. Decorrido o prazo, a pena não é extinta pela constatação de um facto positivo cumprido pelo arguido, mas antes por «(…) não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.», nos termos prescritos no nº 1, do artº 57º, do Cód. Penal.

6. Trata-se, pois, muitas das vezes, na mera constatação do decurso do período probatório sem que sejam praticados ilícitos penais nesse período (comportamento que é o exigido ao comum dos cidadãos) ou até, mesmo que sejam praticados outros ilícitos penais nesses períodos, desde que tal não revele que as finalidades que estavam na base da suspensão foram, ainda assim, alcançadas, nos termos disposto no artº 56º, nº 1, do Cód. Penal.

7. Não existe, pois, norma jurídica que sustente a pretensão do arguido.

8. Nem ocorre uma identidade de razão entre as situações como a dos autos com aquelas previstas no artº 81º, do Cód. Penal em que o condenado cumpriu, efectivamente, total ou parcialmente, uma pena de outra natureza (v.g. multa, trabalho a favor da comunidade), que pode e deve ser objecto de desconto na pena de prisão efectiva que aquele venha a ter de cumprir.

9. O sentido dos artºs. 80º a 82º, do Cód. Penal é o do desconto do cumprimento de penas efectivas e não outro, como o do decurso do mero período probatório da pena de prisão suspensa na sua execução.

10. Pelo que o Acórdão recorrido violou o disposto no nº 2, do artº 81º, do Cód. Penal.

11. Caso V. Exªs. considerem que deve ser mantida a decisão de proceder a um desconto na pena única aplicada ao abrigo do disposto no artº 81º, nº 2, do Cód. Penal afigura-se ao Ministério Público que deve sê-lo em medida que não ultrapasse três meses.

Por tudo o exposto, concedendo provimento ao recurso, revogando o Acórdão recorrido na parte em que determinou o desconto de seis (6) meses na pena única de nove (9) anos de prisão aplicada ao arguido, como aqui preconizado, V. Exªs. afirmarão a JUSTIÇA!

*

I.4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, secundando por inteiro a posição do Ministério Público na 1ª Instância, e na linha da jurisprudência firmada pelo acórdão de 27.01.2021 do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n.º 122/13.8GAPRR.E1.S1, da 3ª Secção, emitiu douto parecer no sentido de dever ser julgado procedente o recurso interposto pelo Ministério Público.

*

I.5. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, respondendo o arguido no sentido de que a decisão objeto do recurso não merece qualquer reparo, devendo, por isso, ser mantida nos sus precisos termos.  

*

I.6. Não tendo sido requerida a audiência, o processo prossegue através de julgamento em conferência (arts. 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), ambos do CPP).

*

I.7. Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência cumprindo agora apreciar e decidir.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. É a seguinte a matéria de facto provada, bem como a fundamentação de facto e de direito da decisão recorrida:

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A- FACTOS PROVADOS com interesse para a decisão da causa:

1- Nestes autos o arguido AA foi condenado por Acórdão proferido em 27.11.2019 e transitado em julgado em 09.03.2020, pela prática de dois crimes de furto simples, previstos e punidos pelo artigo 203.º n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de um (1) ano e oito (8) meses de prisão [NUIPC 703/18.3PBEVR e o NUIPC 760/18....]; de três crimes de introdução em lugar vedado ao público, previstos e punidos pelo artigo 191.º, do Código Penal, nas penas parcelares de dois (2) meses de prisão [764/18...., 767/18.... e 688/18....].

2- No âmbito do mencionado Acórdão resultou provada, no que aqui releva, a seguinte factualidade:

NUIPC 688/18....

5. No período compreendido entre as 18h30m e as 19h30m, do dia 19/08/2018, o arguido avistou o veículo automóvel de matrícula ..-QU-.., que se encontrava estacionado Avenida ..., em ..., propriedade de CC.

6. Ato contínuo, o arguido abeirou-se do referido veículo, aproveitando o facto de o vidro da porta da frente do lado direito se encontrar ligeiramente aberto, forçou--o e, dessa forma, acedeu ao seu interior de onde retirou os seguintes bens, propriedade de CC:

(i) Uma bolsa em matéria sintética para transporte ao tiracolo, no valor de € 8,00;

(ii) Uma carteira de cor castanha em pele, própria para documentos, no valor de € 20,00;

(iii) Três cartões de débito, sendo um do banco Montepio Geral e dois da Caixa Geral de Depósitos;

(iv) Um cartão de saúde do banco Montepio Geral;

7. O arguido abandonou o local, levando consigo os referidos objetos que fez seus.

NUIPC 703/18.3PBEVR

8. No período compreendido entre a meia noite e as 6h do dia 22/08/2018, o arguido decidiu abrir o veículo automóvel da marca e modelo Fiat Strada, com a matrícula ..-JX-.., pertencente a DD, que se encontrava estacionado na Rua ..., em ..., a fim de fazer seus os objetos que encontrasse no seu interior.

9. Em execução de tal desiderato, o arguido aproximou-se desse veículo e, de forma não concretamente apurada, logrou abrir a porta do condutor.

10. Ato contínuo, retirou do seu interior a quantia monetária de € 600,00, que se encontrava divida em notas de € 20,00 e de € 10,00 do BCE, localizada no interior de uma bolsa, propriedade de DD.

11. De seguida, o arguido abandonou aquele local, levando consigo aquela quantia monetária, que fez sua e que integrou no seu património.

NUIPC 767/18....

12. No período compreendido entre as 21h30m e as 22h30m, do dia 05/09/2018, o arguido avistou a viatura automóvel de matrícula ..-AZ-.., que se encontrava estacionada na Rua ..., em ..., e decidiu apoderar-se dos bens e valores que encontrasse no seu interior.

13. Abeirou-se da referida viatura e, aproveitando o facto de EE ter deixado os vidros ligeiramente abertos, o arguido acedeu ao seu interior, forçando o vidro da porta da frente do lado direito, de onde retirou uma mala de senhora em camurça que continha no seu interior, além de objetos pessoais, uma carteira com cartões pessoais e a quantia monetária de € 20,00.

14. Ato contínuo, o arguido abandonou o local, levando consigo os referidos bens que fez seus.

NUIPC 760/18....

16. Ainda no período compreendido entre as 19h e as 20h do dia 05/09/2018, encontrava-se estacionada na Avenida ..., em ..., a viatura automóvel com a matrícula ..-UT-.., propriedade da empresa E... e alugada, nessa data, à empresa P..., Lda.

17. Avistando a referida viatura, o arguido abeirou-se da mesma e, por forma não concretamente apurada, mas aproveitando o facto de o vidro da frente do lado esquerdo estar aberto, acedeu ao seu interior de onde retirou os seguintes bens:

(i) Duas pastas, sendo uma em plástico de cor azul e outra em napa contendo documentos;

(ii) Três cheques emitidos pelos clientes daquela sociedade comercial;

(iii) € 800,00 (oitocentos euros) em numerário, propriedade da mesma sociedade comercial.

18. Ato contínuo, o arguido abandonou o local, levando consigo os referidos bens e quantia monetária, que fez seus.

764/18....

19. No período compreendido entre as 18h e as 22h do dia 05/09/2018, na ..., em ..., arguido abeirou-se do veículo automóvel de matrícula ..-DU-.., propriedade de FF e, aproveitando-se da circunstância de os vidros das portas da frente se encontrarem abertos, de forma não concretamente apurada, acedeu ao seu interior e retirou o documento único da viatura, a carta verde e a ficha de inspeção, propriedade da primeira.

20. Ato contínuo, o arguido abandonou o local, levando consigo os referidos bens, fazendo-os seus.

21. Em todas as ocasiões descritas nos pontos anteriores, ao retirar e levar consigo os aludidos objetos pertença de terceiros, o arguido quis apropriar-se dos mesmos, bem sabendo que não lhe pertenciam e que atuava sem autorização e contra a vontade dos respetivos proprietários, o que quis e logrou alcançar.

22. Nas situações descritas em 5 a 7, 12 a 14 e 19 a 21, o arguido quis introduzir-se no interior dos aludidos veículos, sabendo que para tanto não tinha autorização dos seus proprietários e que agia contra a sua vontade.

23. Em todas as ocasiões, o arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

3- Por Acórdão proferido em 08.11.2018, transitado em julgado em 11.02.2019, no processo n.º 116/18...., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - ... e Criminal - Juiz ..., o Arguido foi condenado em autoria material, na forma consumada e em concurso real, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) de prisão, em cúmulo, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e subordinada à obrigação de proceder, no prazo de 2 (dois) meses, ao pagamento da quantia a atribuir à demandante BB, e, bem assim, sujeito ao regime de prova.

4- No âmbito do mencionado Acórdão resultou provada, no que aqui releva, a seguinte factualidade:

1.No dia 11 de Fevereiro de 2018, pelas 23,00, quando GG circulava a pé juntamente com o seu colega HH, na Rua ..., no Centro Histórico ..., o arguido AA decidiu assaltá-lo e se apoderar de quaisquer importâncias em dinheiro que aquele transportasse com ele e disposto a utilizar de ameaças ou violência se necessário;

2. Em execução de tal desígnio, o arguido dirigiu-se-lhes e pediu-lhes dinheiro ao mesmo tempo que lhes ia exibindo um objecto em tudo semelhante a uma navalha;

3. Receando pela sua integridade física e até pela sua vida, GG entregou a sua carteira ao arguido, o qual retirou seu interior a quantia monetária de € 15,0 (quinze euros), colocando-se de imediato em fuga;

4. No dia 14 de Fevereiro de 2018, pelas 19,10 horas, quando II seguia, juntamente com a sua namorada BB, no cruzamento entre Rua ... e a Avenida ..., em ..., o arguido avistou-os e decidiu, novamente, que entraria na posse de dinheiro alheio nem que para tal efeito tivesse que recorrer a ameaças contra a integridade física e contra a vida ou usar da sua força muscular;

5. Na execução de tal desígnio, o arguido abeirou-se por detrás de II e encostou um objecto em tudo semelhante a uma navalha ao seu pescoço, ao mesmo tempo que lhe ordenou que lhe entregasse a sua carteira;

6. BB, vendo que o arguido permanecia com o referido objecto encostado ao pescoço de II, retirou do interior da carteira que tinha a quantia de € 20,00 (vinte euros) e entregou ao arguido;

7. Na posse de tal quantia monetária, o arguido, em fuga apeada, abandonou aquele local, levando consigo esse dinheiro, que fez coisa sua;

8. Ainda no dia 14 de Fevereiro de 2018, pelas 19,40 horas, o arguido avistou JJ, que circulava a pé na Rua ..., em ..., e decidiu, mesmo que para tal tivesse que utilizar a força física, assaltá-lo a fim de se apoderar de quaisquer importâncias em dinheiro que JJ transportasse consigo;

9. Na execução desse desiderato, o arguido abeirou-se de JJ e encostou um objecto de características não apuradas nas costas daquele ao mesmo tempo que lhe disse que “queria dinheiro”;

10. O ofendido JJ respondeu que “não trazia dinheiro consigo” e seguiu caminho, no que foi acompanhado pelo arguido que, novamente, lhe ordenou que lhe desse dinheiro;

11. Então, face à persistência do arguido, JJ abriu a carteira que trazia consigo contendo cerca de €4,00 (quatro euros) em moedas;

12. De imediato, o arguido, retirou tais moedas da referida carteira, que se encontrava nas mãos de JJ, apoderando-se de tal quantia monetária e abandonando de seguida esse local, levando-a consigo;

13. O arguido fez suas as supra referidas quantias monetárias não obstante saber que não lhe pertenciam e que agia em prejuízo e contra a vontade dos ofendidos, legítimos donos daqueles valores;

14. Agiu nas três ocasiões descritas, sabendo que, usando de um objecto em tudo semelhante a uma navalha e um outro objecto de características não apuradas, e usando da sua força muscular, conseguiria mais facilmente amedrontar e intimidar os ofendidos e, bem assim, mais facilmente lograr levar a cabo os seus desígnios, tal como efectivamente fez;

15. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, conhecedor e consciente do caracter proibido e punido das suas condutas.

5- O Arguido cumpriu, entre o dia 06.10.2020 e o dia 27.10.2020, a condição fixada para a suspensão da execução da pena referida em 3.

6- Por sentença proferida em 09.10.2018, transitada em julgado em 08.11.2018, no processo n.º 29/18...., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Local Criminal - Juiz ..., o Arguido foi condenado prática, em 11.09.2018, como autor material e na forma tentada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelos artigos 22.º, nº 1, 23.º, n.º 1 e 2, 203.º, nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na execução subordinada a regime de prova pelo período de um ano e dois meses.

7- No âmbito da mencionada Acórdão resultou provada, no que aqui releva, a seguinte factualidade:

1. No dia 11 de Setembro de 2018, cerca das 12h30m, o arguido decidiu abrir o veículo automóvel de marca “Opel Corsa”, de matrícula ..-CZ-.., propriedade de L...  Unipessoal, Lda e na posse de KK e mulher LL, que se encontrava estacionado na Av ..., nesta cidade ....

2. Em execução de tal propósito, o arguido aproximou-se desse veículo, colocou as mãos no vidro da porta da frente do lado direito, que já se encontrava um pouco aberto e forçou-o para baixar de modo a conseguir aceder com as suas mãos ao fecho interior daquela e abrir a referida porta do veículo.

3. Após, o arguido introduziu-se no interior do veiculo, abriu o porta luvas e remexeu no interior daquele à procura de qualquer objecto de valor.

4. Como não encontrou qualquer objecto de valor no interior do porta luvas e do referido veiculo, saiu do mesmo e preparava-se para se afastar, quando foi interceptado pelos Srs. Agentes da PSP MM e NN.

5. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de fazer seus quaisquer objectos de valor que encontrasse dentro do referido veiculo automóvel, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo dono, só não o tendo conseguido por dentro daquele (veiculo automóvel) não se encontrarem, naquelas circunstâncias, quaisquer objectos de valor.

6. O arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei.

8- Por decisão proferida em 29.10.2021 e transitada em julgado em 06.12.2021, foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido no âmbito do processo n.º 29/18...., e determinado o cumprimento da pena de prisão de 1 (um) ano e 2 (dois) meses.

9- O Arguido encontra-se em cumprimento de pena à ordem destes autos desde 10.07.2020.

Das condições pessoais, económicas e sociais do arguido:

10- O Arguido é oriundo de uma família de baixo extrato socio económico, sendo o segundo, por ordem de nascimento de uma fratria composta por quatro elementos.

11- O núcleo familiar de origem manteve-se intacto até cerca dos seus dez anos de idade, tendo o arguido vivenciado as privações decorrentes de um quadro económico frágil e os comportamentos agressivos do progenitor para consigo e sua mãe.

12- A separação dos pais e o estabelecimento do progenitor no ... veio acentuar as dificuldades ao nível da imposição de regras/normas e respetiva supervisão, em face de períodos erráticos em que permanecia ora com um ora com outro dos progenitores.

13- O arguido assumiu o início dos comportamentos aditivos durante a puberdade, através de consumo de haxixe, passando a consumir heroína com cerca de 15 anos de idade.

14- AA apresentou várias retenções até completar o 6.º ano de escolaridade, que alcançou aquando da institucionalização de Outubro de 2012 a Setembro de 2013, na Associação ..., em ....

15- O Arguido, além de tratamento farmacológico, integrou a Unidade de desabituação do ... e, posteriormente, a Comunidade Terapêutica Clínica ... e Unidade ..., da qual foi expulso volvidos três meses, em Janeiro de 2019.

16-Na sequência do referido em 15, o Arguido regressou ao anterior acompanhamento por parte do CRI ..., situação que mantinha à data da sua prisão.

17-A instabilidade pessoal associada aos consumos aditivos tem reflexos ao nível laboral, movendo-se o Arguido num quadro de precariedade e desemprego. Também ao nível das relações afetivas a problemática aditiva tem constituído um entrave à respetiva consolidação.

18-O Arguido manteve alguns relacionamentos afectivos, num dos quais de namoro, ocorreu o nascimento de duas filhas, gémeas, atualmente com 7 anos de idade. As menores permanecem à guarda da respetiva progenitora.

19-O agregado de origem do arguido revela relações de afeto entre os seus membros.

20- A progenitora do Arguido revela-se crítica e manifesta preocupação relativamente aos comportamentos desajustados do filho. O progenitor do arguido, a viver presentemente no ..., tem sido uma referência menos positiva na vida de AA, não existindo contacto entre os dois há vários anos.

21-À data da prisão o arguido residia em ..., integrando um conjunto familiar constituído pela progenitora e a mais nova das duas irmãs germanas, de 17 anos de idade. O alojamento familiar, de cariz social, dispõe das infraestruturas básicas de saneamento apropriadas às comodidades da vida diária.

22-À data da prisão o Arguido mantinha ocupação laboral sem carácter regular, intercalada com períodos de desemprego, situação que se tem prolongado ao longo da sua vida adulta. Manteve alguns contratos na área da construção civil, na ..., que intercalava com períodos de permanência em Portugal.

 23- À data da prisão o arguido encontrava-se a trabalhar em fábrica de alumínio de apoio à Fundição ....

24-À data da prisão, o arguido mantinha acompanhamento especializado à adição pelo Centro de Respostas Integradas ..., em face da problemática da dependência de substâncias estupefacientes.

25-Enquanto recluso o arguido teve acompanhamento especializado quanto à referida problemática, pelo Centro de Respostas Integradas ..., que abandonou há cerca de 07 meses por entender que havia encontrado o seu ponto de equilíbrio e não necessitar de tratamento substitutivo de opiáceos.

26-O comportamento do Arguido em contexto prisional tem-se revelado censurável, com registo de várias infracções disciplinares e cumprimento de medidas disciplinares, nomeadamente de obrigação de permanência no alojamento, tendo a última ocorrido em Janeiro do corrente ano.

27-O arguido é vigiado em consultas médicas por ansiedade, encontrando-se medicado com o fármaco Diazepam.

Dos antecedentes criminais do Arguido

28- O arguido, para além das condenações descritas nos pontos 1 a 3, regista ainda os seguintes antecedentes criminais:

a. No âmbito do processo sumaríssimo n.º 487/14...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica ... – Juiz ..., por decisão condenatória transitada em julgado em 21/12/2015, foi condenando na pena de 75 dias de multa à taxa diária de € 6,00, no valor global de € 450,00, pela prática de um crime de furto qualificado, em 1/08/2014, já  declarada extinta pelo respetivo cumprimento, por despacho de 2/02/2016;

b. No âmbito do processo comum (singular) n.º 1167/13...., que corre termos no Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., por sentença transitada em julgado em 9/12/2016, foi condenando na pena de 1 ano e 8 meses de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova, pela prática de um crime de furto qualificado, em 11/11/2013;

*

B. FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem factos por provar com relevância para a decisão da causa.

*

C. MOTIVAÇÃO

Os factos acima enunciados em 1 a 9 encontram-se provados com base no teor das certidões do acórdão e sentenças proferidas nos processos supra identificados [cfr. fls. 697 a 724; 739; 750 a 766; 788 e 789; 802 a 808; 918 a 923; 927; 942 a 958; 962 a 972].

A condição familiar, social e prisional do arguido descrita nos factos n.ºs 10 a 27 resulta do relatório social junto aos autos de fls. 977 a 980.

Os antecedentes criminais do arguido e vertidos no ponto 28 resultam do teor do certificado de registo criminal junto nos autos de fls. 929 a 937.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Dispõe, nesta sede, o artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, que: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

 E o n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal estabelece que “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.

Cumpre ainda referir que decorre da parte final do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal de que a pena que já tiver sido cumprida é descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

Do que acima se expôs, podemos afirmar que são dois os pressupostos que a lei faz depender para aplicação de uma pena única, a saber:

- prática, pelo mesmo arguido, de uma pluralidade de crimes, formando concurso efectivo de infracções;

- que esses crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, ou seja: a decisão que primeiro transitar em julgado fica a ser um marco intransponível para se considerar a anterioridade necessária à existência de um concurso de crimes.

Quer isto dizer, que se os crimes forem praticados depois do trânsito em julgado, já o concurso de crimes não dá lugar à aplicação de uma pena única, podendo, antes, dar lugar a cúmulos sucessivos.

Neste sentido fixou jurisprudência o Supremo Tribunal de Justiça - Acórdão Uniformizador e Jurisprudência n.º 9/2016, publicado no DR 111 SÉRIE I de 2016-06-09, no sentido de que «O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso superveniente de crimes é o trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso».

Baixando ao caso sub judice, o trânsito em julgado que importa considerar é o decorrente do processo n.º 29/18...., sentença de 09.10.2018, transitado em julgado em 08.11.2018, relativo a factos de 11.02.2018 - factos 6 e 7.

Assim, temos que:

- no processo n.º 116/18...., Acórdão de 08.11.2018, transitado em julgado em 11.02.2019, relativo a factos de 11.02.2018 e 14.02.2018 - factos 3 e 4;

- processo n.º 703/18.03PBEVR -, Acórdão de 27.10.2019 transitado em julgado em 09.03.2020, referente a factos ocorridos entre 19.08.2018 e 05.09.2018 - facto 1 e 2.

Concluímos assim que, em data anterior à da primeira condenação transitada em julgado [ocorrida no processo n.º 29/18....], AA cometeu outros crimes, pelos quais veio a ser julgado e condenado no âmbito dos processos n.º 116/18.... e nestes autos, processo n.º 703/18.03PBEVR.

Está desta forma preenchido o requisito temporal para a determinação superveniente da pena do concurso, na medida em que os crimes de que se tomou conhecimento em segundo lugar, foram praticados antes da condenação anteriormente proferida, de tal forma que deveriam ter sido tomados em conta para efeito da pena conjunta.

Assim, devem ser cumuladas as penas impostas no âmbito dos processos referidos, com vista à aplicação ao arguido de uma pena única.

*

As condenações sofridas naqueles processos, todas em pena de prisão, porém, no âmbito do processo n.º 116/18.... e n.º 29/18.... foi determinada a suspensão da sua execução, sujeita a regime de prova.

Ora, conforme jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal [processo n.º 325/19....; datado de 15.07.2020;] “I- O STJ tem examinado a questão da inclusão de uma pena suspensa numa decisão de cúmulo jurídico de penas, no âmbito de um concurso superveniente de crimes, entendendo que as penas suspensas deverão ser englobadas no cúmulo jurídico desde que não tenham sido declaradas extintas pelo decurso do prazo de suspensão. I – De acordo com a posição predominante, no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defende-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução.”

No caso dos autos, a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada no âmbito do processo n.º 116/18...., não foi declarada extinta, sequer decorreu ainda o período da suspensão, razão pela qual normativamente nada impede o seu computo na pena única.

Já no que tange à pena aplicada no processo n.º 29/18...., por decisão de 29.10.2021 e transitada em julgado em 06.12.2021, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão.

*

Nos termos do artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, a pena unitária aplicável terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo terá a mais elevada das penas concretamente aplicadas ao arguido, em concurso.

Aplicando as regras atrás delineadas à situação dos autos, temos a considerar as seguintes penas:

processo n.º 703/18.3PBEVR

a) dois crimes de furto simples, previstos e punidos pelo artigo 203.º n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de um (1) ano e oito (8) meses de prisão [NUIPC 703/18.3PBEVR e o NUIPC 760/18....];

b) três crimes de introdução em lugar vedado ao público, previstos e punidos pelo artigo 191.º, do Código Penal, nas penas parcelares de dois (2) meses de prisão [764/18...., 767/18.... e 688/18....];

processo n.º 116/18....

c) um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;

d) um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

e) um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) de prisão;

processo n.º 29/18....

f) um crime de furto simples, previsto e punido pelos artigos 22.º, nº 1, 23.º, n.º 1 e 2, 203.º, nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.

Nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal: “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e, como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. Assim, resulta que a moldura abstracta do cúmulo é a seguinte:

- Máximo – 11 anos e 8 meses de prisão.

- Mínimo – 2 ano e 8 meses de prisão.

Determina o artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal que na medida concreta da pena, definida dentro dos limites estabelecidos na lei, são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Na determinação da pena do concurso “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito penal perpetrado, sendo decisiva a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente revelará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade… De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) “, [Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, II, pág. 291].

Dentro dos parâmetros acima fixados, importa tomar em consideração:

Quanto aos factos:

As condenações ora em análise reconduzem-se à prática de 3 crimes de furto simples; 3 crimes de introdução de lugar vedado ao público e 3 crimes de roubo, revelando o Arguido propensão para a prática de ilícitos contra o património.

Quanto à personalidade do agente:

Para além dos crimes que ora se cumulam, o Arguido possui outras condenações anteriores, as quais correspondem a crimes da mesma natureza- dois crimes de furto qualificado.

Não demonstrou, assim, o Arguido qualquer esforço para submeter a sua conduta às regras impostas pelo direito, deixando transparecer uma personalidade com tendência para voltar a cometer ilícitos criminais.

- Quando em liberdade, o arguido não tem ocupação laboral regular, exercendo sempre trabalhos esporádicos e sem vínculo laboral;

-Apresenta problemática aditiva que tem constituído um entrave a relacionamentos interpessoais;

- Beneficia de apoio da progenitora, mas esta manifesta preocupação relativamente aos comportamentos desajustados do filho;

- No Estabelecimento Prisional abandonou acompanhamento à problemática aditiva.

As necessidades de prevenção geral quanto aos ilícitos que perpetrou são consideráveis, merecendo maior atenção em termos de prevenção geral o crime roubo, atendendo à maior gravidade e reprovação social que esse tipo de crime deve merecer; face à persistência dos comportamentos adoptados pelo Arguido, contrários a várias normas da ordem jurídica penal e que o condenado persiste em praticar, anote-se que os factos que conduziram à condenação do arguido, em número de 09, ocorreram durante um curto espaço de tempo, distribuídos entre Fevereiro e Setembro de 2018, e isso quando o arguido havia já sido condenado em pena de prisão - processo n.º 1167/13...., suspensa na sua execução, e decorria o período  de suspensão, não podemos deixar de considerar que as necessidades de prevenção especial no caso concreto são muito elevadas.

Assim, ponderando todas as circunstâncias atrás expendidas, reputa-se como justa e adequada a condenação do arguido AA na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

*

Todavia, o arguido cumpriu, no âmbito do processo n.º 116/18...., a obrigação a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão [pelo período de 4 anos e 6 meses] que lhe foi correspondentemente aplicada – cf. factos 3 e 4.

Ademais, desde 08.11.2018 [data do trânsito em julgado do Acórdão condenatório no processo n.º 116/18....] até ao dia 10.07.2020 [data em que iniciou o cumprimento da pena ao abrigo destes autos - cfr. facto 9], decorreu parte do período dessa suspensão, concretamente, 1 ano, 8 meses e 1 dia.

A jurisprudência tem vindo, de forma unânime, a valorizar o cumprimento activo [posto que não se trata simplesmente de aguardar pelo decurso integral do período da suspensão] e que entende dever ser relevado ao nível do desconto, efectuando-se um desconto equitativo, ao abrigo do artigo 81.º, nº 2, do Código Penal – nestes sentido, entre muitos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.01.2016; processo n.º 8/12.3PBBGC-B.G1-S1; no mesmo sentido, do mesmo Tribunal de 15.10.2015, proc. nº 3442/08.0TAMTS.S1, ambos in www.dgsi.pt.

Tem sido adoptadas duas perspectivas relativamente à natureza do desconto:

(i) uma que considera que a operação de desconto constitui uma regra legal em matéria de execução de penas e só nesta fase deve ser realizado;

(ii) uma outra segundo a qual o desconto constitui um caso especial de determinação da pena que, sempre que possível, deve ser mencionado na sentença condenatória, assim como na sentença cumulatória – cf. Acórdão citado do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2016.

Na doutrina, a propósito desta temática, o Ilustre penalista Figueiredo Dias [in Direito Penal Português; Parte Geral. II. As Consequências jurídicas do crime, pág. 298-299] assim refletiu: “Já se pretendeu que sendo o funcionamento do desconto «automático» — talvez melhor: «obrigatório» —, ele deixa de constituir um caso especial de determinação da pena, para se tornar em mera regra legal de execução: com a consequência de que o desconto não precisaria de ser mencionado na sentença, tornando-se tarefa das autoridades competentes para a execução. É pelo menos duvidoso que assim deva ser entre nós. Por um lado, (…), em certas hipóteses o juiz fará na pena não o desconto pré-determinado na lei, mas aquele que lhe parecer «equitativo» — o que afasta de todo a hipótese de se falar, então, em mera regra de execução da pena; por outro lado, mesmo quando pré-determinado legalmente, o desconto transforma o quantum da pena a cumprir pelo agente, o que basta para justificar o tratamento sistemático do instituto do desconto entre os casos especiais de determinação da pena. Tudo convida, assim, a que o desconto seja sempre — mesmo quando legalmente pré-determinado — mencionado na sentença condenatória”

Na senda da jurisprudência citada, perfilharemos a tese do desconto enquanto caso especial de determinação da pena, o qual, sempre que possível, deve ser mencionado na sentença condenatória, assim como na sentença cumulatória.

Já no que tange à questão da admissibilidade do desconto do período em que decorreu um cumprimento de uma pena de prisão que foi substituída pela suspensão da sua execução, trazemos mais uma vez à liça as palavras as palavras de Figueiredo Dias: “da leitura dos arts. 80.º a 82.º parece resultar que, no pensamento da lei, o instituto do desconto só funciona relativamente a privações da liberdade processuais, a penas de prisão e (ou) a penas de multa, já não relativamente a outras penas de substituição e a medidas de segurança. Uma tal restrição não parece porém, ao menos em todos os casos pensáveis, político-criminalmente justificável. Melhor será, por isso, considerar que se está perante uma lacuna, que o juiz pode integrar — tratando-se, como se trata, de uma solução favorável ao delinquente —, sempre que possa encontrar um critério de desconto adequado ao sistema legal e dotado de suficiente determinação” Assim, o “critério da equitatividade permite que, com ele, se preencha a lacuna (...) relativa aos casos em que a pena — anterior ou (e) posterior — é uma pena diferente da prisão ou multa (...): em todos estes casos o tribunal deve, por analogia favorável ao condenado, fazer na nova pena o desconto que lhe parecer equitativo” – cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 300.

E isto porque, “decisivo será determinar o quantum da nova pena que, por razões de tutela dos bens jurídicos e de ressocialização do delinquente, se torna ainda indispensável aplicar tendo em atenção o quantum de pena anteriormente já cumprido” – cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 301.

E na Jurisprudência, assim se tem sentenciado: “não é o mesmo sofrer uma privação da liberdade e admitir o seu desconto integral na pena de prisão em que venha a ser condenado, ou cumprir diversas injunções decorrentes do cumprimento de uma pena não privativa da liberdade, pelo que, consideramos que, nestas últimas situações, é possível não a aplicação de um desconto por inteiro, mas a aplicação de um desconto equitativo” –[ cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.01.2016; processo n.º 8/12.3PBBGC-B.G1-S1].

Com efeito, não está em causa o simples decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão, sendo de rejeitar qualquer desconto, ao abrigo do artigo 81.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, nestas penas de substituição simples, “na medida em que o simples não fazer nada para que não seja determinada a revogação da suspensão não é mais do que aquilo que se exige a qualquer cidadão sobre o qual não impenda a ameaça da execução de pena de prisão” – [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça; de 29.06.2017, processo nº1372/10.4TAVLG.S1, in www.dgsi.pt.].

Revertendo estes considerando ao caso concreto, não temos notícia de que o condenado tenha violado os deveres e as regras de conduta que lhe foram impostas no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no processo n.º 116/18...., assim como não foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão.

Por outro lado, o Arguido cumpriu a obrigação de proceder ao pagamento da quantia atribuída naqueles autos à demandante BB, ainda que após o prazo de 02 meses imposto para o efeito - facto 5 - [o cumprimento deveria ter ocorrido até 2 meses após o trânsito em julgado, isto é, até ao dia 11.04.2019, e só veio a ocorrer entre os dias 06 e 27 de Outubro de 2020, quer dizer, mais de um ano após o período fixado].

Assim, avaliando todas estas circunstâncias e sopesando que o condenado já cumpriu algumas das injunções a que está condicionada a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no processo n.º 116/18.... ao longo de concretamente, 1 ano, 8 meses e 1 dia, afigura-se-nos equitativo operar o desconto de 6 [seis] meses à pena única de 9 [nove] anos de prisão, à luz do artigo 81.º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Em suma: fixa-se ao Arguido a pena única de 9 [nove] anos de prisão, sendo a mesma efectiva, pois, tratando-se de pena de prisão concreta superior a 5 anos, está legalmente vedada qualquer hipótese de suspensão da sua execução [cf. artigo 50.º, nº 1, do Código Penal].

Correlativamente, o condenado beneficiará do mencionado desconto de 6 [seis] meses no cumprimento desta [nova] pena única de prisão, o que significa que o mesmo terá de cumprir 8 [oito] anos e 6 [seis] meses.

Nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, in fine, do Código Penal, o período de prisão já sofrido pelo arguido será descontado na pena única ora fixada.

*

II.2. Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; Ac. STJ de 09-10-2019, Proc. n.º 3145/17.4JAPRT.S1, Relator Cons. Raul Borges e de 11-09-2019, Proc. n.º 96/18.9GELLE.E1.S1, Relator Cons. Raúl Borges).

*

No caso em apreço, discorda o recorrente, do desconto de seis (6) meses, na pena única aplicada, por referência ao período já decorrido da pena parcelar, suspensa na sua execução, aplicada ao arguido no processo Proc. nº 116/18...., ao abrigo do disposto no artº 81º, nºs. 1 e 2, do Cód. Penal.

Para tanto alega, em síntese que, analisados os artºs 80º a 82º, do Cód. Penal afigura-se que o cerne do fundamento para a realização dos descontos no cumprimento da pena consiste no cumprimento efectivo da pena ou de uma sua parcela. Mas, nos casos de suspensão da execução da pena de prisão esta não é cumprida, nem é extinta pelo seu cumprimento. O sentido dos artºs. 80º a 82º, do Cód. Penal é o do desconto do cumprimento de penas efectivas e não outro, como o do decurso do mero período probatório da pena de prisão suspensa na sua execução, pelo que o Acórdão recorrido violou o disposto no nº 2, do artº 81º, do Cód. Penal. Mas, caso se considere que deve ser mantida a decisão de proceder a um desconto na pena única aplicada ao abrigo do disposto no artº 81º, nº 2, do Cód. Penal afigura-se ao recorrente que deve sê-lo em medida que não ultrapasse três meses.

*

II.3. Assim, as questões a analisar neste recurso, consistem em saber:

a) Se há lugar ao desconto de seis (6) meses, na pena única aplicada, por referência ao período já decorrido da pena parcelar, suspensa na sua execução, aplicada ao arguido no processo Proc. nº 116/18...., ao abrigo do disposto no artº 81º, nºs. 1 e 2, do Cód. Penal.

b) Se, na resposta afirmativa à primeira questão, tal desconto na pena única aplicada ao abrigo do disposto no artº 81º, nº 2, do Cód. Penal, deverá ser reduzido em medida que não ultrapasse três meses.

*

II.34 Quanto ao desconto na pena única aplicada ao abrigo do disposto no artº 81º, nº 2, do Cód. Penal por referência ao período já decorrido de uma pena parcelar, suspensa na sua execução.

II.4.1. O arguido AA foi condenado por acórdão cumulatório proferido no dia 24 de Março de 2022, na pena única de 9 [nove] anos de prisão, em resultado do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos seguintes processos:

- Nestes autos, condenado por Acórdão proferido em 27.11.2019 e transitado em julgado em 09.03.2020, pela prática de dois crimes de furto simples, previstos e punidos pelo artigo 203.º n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de um (1) ano e oito (8) meses de prisão [NUIPC 703/18.3PBEVR e o NUIPC 760/18....]; de três crimes de introdução em lugar vedado ao público, previstos e punidos pelo artigo 191.º, do Código Penal, nas penas parcelares de dois (2) meses de prisão [764/18...., 767/18.... e 688/18....].

- No âmbito do processo nº 116/18...., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – ... e Criminal – Juiz ..., por Acórdão proferido em 08.11.2018, transitado em julgado em 11.02.2019, foi o arguido condenado em autoria material, na forma consumada e em concurso real, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) de prisão, em cúmulo, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e subordinada à obrigação de proceder, no prazo de 2 (dois) meses, ao pagamento da quantia a atribuir à demandante BB, e, bem assim, sujeito ao regime de prova.

- No âmbito do processo n.º 29/18...., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal – Juiz ..., por sentença proferida em 09.10.2018, transitada em julgado em 08.11.2018, foi o arguido condenado pela prática, em 11.09.2018, como autor material e na forma tentada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelos artigos 22.º, nº 1, 23.º, n.º 1 e 2, 2.03º, nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na execução subordinada a regime de prova pelo período de um ano e dois meses. Por decisão proferida em 29.10.2021 e transitada em julgado em 06.12.2021, foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido no âmbito do processo n.º 29/18...., e determinado o cumprimento da pena de prisão de 1 (um) ano e 2 (dois) meses.
É pacífico que todas as penas estão numa relação de concurso.
Na verdade, em data anterior à da primeira condenação transitada em julgado ocorrida no processo n.º 29/18.... (sentença de 09.10.2018, transitado em julgado em 08.11.2018, relativo a factos de 11.02.2018), o arguido cometeu outros crimes, pelos quais veio a ser julgado e condenado no âmbito dos processos n.º 116/18.... (Acórdão de 08.11.2018, transitado em julgado em 11.02.2019, relativo a factos de 11.02.2018 e 14.02.2018) e nestes autos, processo n.º 703/18.03PBEVR (Acórdão de 27.10.2019 transitado em julgado em 09.03.2020, referente a factos ocorridos entre 19.08.2018 e 05.09.2018).
As condenações sofridas no proc. 703/18.03PBEVR, foram todas em pena de prisão, porém, no âmbito do processo n.º 116/18.... e n.º 29/18.... foi determinada a suspensão da sua execução, sujeita a regime de prova.

De acordo com o artigo 78.º, n.º 1, CP, na redação dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro ao n.º 1 foi suprimido o requisito anterior, que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena estar já cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto da pena única.

Hoje, mesmo as penas já cumpridas ou extintas pelo cumprimento, deverão sempre englobar o cúmulo jurídico superveniente, procedendo-se sempre ao respetivo desconto, pois que naturalmente a ideia subjacente é sempre beneficiar o arguido.
Quanto á questão da inclusão de uma pena suspensa numa decisão de cúmulo jurídico de penas, no âmbito de um concurso superveniente de crimes, a mesma deverá ser englobada no cúmulo jurídico desde que não tenha sido declarada extinta pelo decurso do prazo de suspensão. Se as penas foram declaradas extintas ou estão prescritas não entram no cúmulo jurídico.

A jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que, nas situações que se prendem com as condenações em penas de prisão suspensas na sua execução, apenas integram o cúmulo superveniente se ainda não tiverem sido declaradas extintas [1], mostrando-se necessário, se o prazo de suspensão já tiver decorrido integralmente à data da realização do cúmulo superveniente, apurar qual a decisão sobre essa execução. E tal prende-se por se entender que, nas penas suspensas na sua execução quando declaradas extintas (nos termos do artigo 57.º, do Código Penal), como o condenado não chegou a cumprir a pena de prisão substituída, caso englobassem o cúmulo, não poderiam ser descontadas na pena única, o que agravaria a situação processual do arguido[2].

No caso presente, a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada no âmbito do processo n.º 116/18...., não foi declarada extinta, sequer decorreu ainda o período da suspensão e, quanto à pena aplicada no processo n.º 29/18...., por decisão de 29.10.2021 e transitada em julgado em 06.12.2021, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão, pelo que, seguindo a orientação jurisprudencial acima citada, nada obstava ao englobamento das respectivas penas parcelares no cúmulo a realizar.

*

II.4.2. O recorrente, Ministério Público, aceita que as penas parcelares aplicadas ao arguido AA, nestes autos e nos processos nºs 29/18.... e 116/18.... se encontrem em concurso, bem como a medida da pena única fixada pelo Tribunal Colectivo, em nove (9) anos de prisão.

Discorda, porém, o Ministério Público do desconto de seis (6) meses, na pena única aplicada, por referência ao período já decorrido da pena parcelar, suspensa na sua execução, aplicada ao arguido no processo Proc. nº 116/18...., ao abrigo do disposto no artº 81º, nºs. 1 e 2, do Cód. Penal.

A decisão recorrida, sopesando que o condenado já cumpriu algumas das injunções a que está condicionada a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no processo n.º 116/18.... ao longo de concretamente, 1 ano, 8 meses e 1 dia, operou o desconto equitativo de 6 [seis] meses à pena única de 9 [nove] anos de prisão, à luz do artigo 81.º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Entendimento que sustentou no Ac. do STJ de 14.01.2016, proferido no Proc. nº 8/12.3PBBGC, reafirmados em outros arestos do STJ dos quais o mais recentemente publicado é o acórdão de 23/01/2020.[3]

*

II.4.3. Segundo EDUARDO CORREIA (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, II volume, p. 1966, p. 166), o princípio fundamental da norma, é que «qualquer efeito já sofrido pelo delinquente deve ser considerado na sentença posterior não de forma automática, mas de forma equitativa».

Preenchidos os requisitos legais, é possível não a aplicação de um desconto por inteiro, mas a aplicação de um desconto equitativo (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, 1993, §§ 439 a 443, Nuno Brandão, Conhecimento superveniente do concurso e revogação de penas de substituição, RPCC, 15 (n.º 1), p. 132 (19), ac. STJ 14.01.2016).

No caso presente, deveria o tribunal ter ponderado se o cumprimento pelo arguido é relevante ou não; e, só depois de concluir pela relevância, devia ter procedido ao «desconto equitativo» (art. 82.º/2, CP).

Porém, a decisão recorrida apenas refere que o arguido cumpriu, no âmbito do processo n.º 116/18...., a obrigação de proceder ao pagamento da quantia atribuída naqueles autos à demandante BB, ainda que após o prazo de 02 meses imposto para o efeito - facto 5 - [o cumprimento deveria ter ocorrido até 2 meses após o trânsito em julgado, isto é, até ao dia 11.04.2019, e só veio a ocorrer entre os dias 06 e 27 de Outubro de 2020, quer dizer, mais de um ano após o período fixado] e que que o condenado já cumpriu algumas das injunções a que está condicionada a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no processo n.º 116/18.... ao longo de concretamente, 1 ano, 8 meses e 1 dia.

Mas, não fornece a decisão recorrida qualquer explicação sobre as condições do regime de prova, quais as injunções que não foram cumpridas (uma vez que refere que cumpriu algumas das injunções), nem a forma como foram cumpridas.

No caso, da decisão recorrida nada consta a tal respeito, não ponderando devidamente a eventual relevância do cumprimento parcial para proceder ao desconto.

Não o fazendo a decisão recorrida omitiu pronúncia sobre estas concretas questões, o que consubstancia a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o que implica a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância para aí se proferir nova decisão.

Em face do que fica prejudicado, por ora, o conhecimento das questões suscitadas pelo recorrente.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em conformidade com o exposto:

a) Declarar a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia

b) Determinar que seja reformulada, pelo mesmo Tribunal, de modo a suprir a apontada nulidade;

c) Fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo recorrente.

 

Lisboa, 14 de Julho de 2022

Cid Geraldo (Relator)

Leonor Furtado

Eduardo Loureiro (Presidente)

________________________________________________


[1] Cfr. por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2012, http://www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, cfr. o recente acórdão deste S.T.J., de 09/09/2021, Proc. 268/21.9T8GRD.S1, 5ª Secção, Relatora: Helena Moniz, e ainda o também recente acórdão de 02.06.2021, proferido no processo n.º 626/07.1PBCBRS1, 5ª Secção, Relator: Conselheiro António Gama.
[3] ECLI:PT:STJ:2020:2877.19.7T8PRT.P1.S1.