COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA
CONDENAÇÃO
PENA DE PRISÃO
SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Sumário


I- A execução de sentenças penais proferidas no Estado moçambicano rege-se, em primeira linha, pelo Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, de 12/04/1990, ratificado pelo DPR n.º 8/91, de 14/02/1991, e aprovado para ratificação pela RAR n.º 7/91 ( DR – I Série A, de 12/04/91, que dedica à matéria o Capítulo II (Execução das sentenças criminais) e, na sua insuficiência, pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto e, subsidiariamente, pelas disposições do Código de Processo Penal;
II- A substituição da sanção aplicada pela jurisdição do Estado requerente, para efeitos do art.º 106.º, do Acordo de Cooperação, procede-se mediante a aplicação dos critérios de determinação da pena estabelecidos pela lei do Estado requerido, aplicando à matéria de facto assente na sentença confirmada, os critérios de individualização da pena a que a lei portuguesa manda atender, designadamente os factores determinantes da escolha e medida da pena estabelecidos no art.º 70.º e seguintes do Código Penal;
III- Não se trata de se proceder a uma mera substituição categorial ou nominal, mas de uma substituição ponderativa da sanção com recurso às regras de individualização do Estado requerido, com o limite de não poder agravar a situação do condenado;
IV- O art.º 106.º, do Acordo de Cooperação, ao prever expressamente que a pena possa ser de duração ou natureza diversa daquela que foi aplicada pela jurisdição do Estado requerente, consubstancia um regime especial, constante de um instrumento internacional bilateral que consagra solução diferente e prevalece sobre aquela que decorreria do regime geral (cfr., no direito processual penal interno, art.ºs 229.º e 233.º do CPP), em que a intervenção conformadora do Tribunal do Estado requerido seria limitada à conversão ou redução de penas que a lei portuguesa não prevê ou excedam o máximo legal abstractamente admissível (art.º 237.º, n.º 3 do CPP);
V- Os factos descritos na sentença condenatória constituem um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos art.º 131.º, 22.º e 23.º, do CP Português, ocorrido em 1996, em Moçambique, tendo o arguido 18 anos de idade e tendo decorrido desde então, mais de 25 anos;
VI- A aplicação do regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 401/82, designadamente da atenuação especial prevista no respectivo art.º 4.º, não é efeito automático de o agente ter menos de 21 anos à data dos factos, exigindo sempre um juízo de prognose de que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do condenado;
VII- A extrema gravidade, violência e consequências para a vítima da acção do arguido, não permitem num juízo de razoabilidade aplicar agora aquele regime, que não seria certamente aplicável se o arguido tivesse então sido julgado num tribunal português. A aplicação deste regime perante aqueles factos concretos conflituaria gravemente com o objectivo de proteção do bem jurídico afectado, a vida humana, que com a aplicação das penas se visa alcançar;
VIII- Atendendo às circunstâncias temporais decorridas desde a data da prática dos factos, que a actuação do recorrente constituiu um acaso, que se tratou de um acto pouco sopesado e de juventude que não se repetiu mais na vida do recorrente e, tendo em conta a gravidade dos factos, mas também a idade do arguido quando os praticou e que sobre a prática do crime decorreram já 25 anos, mantendo o arguido boa conduta, uma pena de prisão graduada em 5 anos de prisão satisfaz as exigências de prevenção geral e especial;
IX- O pressuposto material da decisão suspensória da execução da pena é a existência de um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro, pelo que, considerando a actualidade das circunstâncias de idade e vida do arguido, a simples ameaça da execução da pena o manterá afastado de qualquer conduta social e criminalmente censurável;
X- O pagamento da indemnização arbitrada contribui para mitigar as consequências lesivas para o ofendido levadas a cabo pela conduta do arguido e que este pode e deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para reparar o mal causado e, considerando que a satisfação desta exigência como uma manifestação da sua ressocialização, atendendo ao disposto no art.ºs 50.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, a), do CP, justifica-se e mostra-se conveniente e adequado à realização das finalidades da punição aplicada que se faça depender da condição da suspensão da execução pena de prisão, que o mesmo no prazo de 1 (um) ano demonstre nos autos o pagamento de 100000 euros (cem mil euros), equivalente a cerca de metade do valor da quantia indemnizatória em que foi condenado.

Texto Integral




Reconhecimento Sentença Estrangeira

Processo: 1626/21.4YRLSB.S2

3ª Secção Criminal

I – RELATÓRIO
1. AA, nos termos do artigo 240.º, al. a), 411.º n.º 1, al. a) e 419.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal (CPP), interpôs o presente recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), de 19/04/2022, que julgou “(…)  reconhecida a sentença (acórdão) do Tribunal Supremo de Moçambique, proferido no âmbito do processo n° ...5..., transitado em julgado a 18 de Junho de 2008 e identificada nos autos, na vertente de facto e de direito em matéria penal, sendo que no tocante à pena de prisão aplicada se substitui a mesma, ao abrigo do art.° 106° do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique (Resolução da AR n° 7/91, de 14 de Fevereiro), por pena de 9 ( nove)  anos de prisão conforme formulado no pedido de reconhecimento para a visada finalidade de execução de prisão quanto ao requerido AA.”

A referida decisão do TRL, de 19/04/2022, foi proferida em cumprimento do decidido por este Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, por Ac. de 23/02/2022, em apreciação de recurso de anterior da mesma Relação de 02/11/2021, determinara “(…) a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à substituição da pena aplicada no Estado requerente, imposta pelo artigo 106.º do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, por uma pena a determinar nos termos do artigo 73.º do Código Penal pela prática de um crime de homicídio tentado p. e p. pelos artigos 131.º, 22.º e 23.º do mesmo diploma, cuja previsão o acórdão recorrido considera preenchida ao proceder à verificação da dupla incriminação dos factos descritos na sentença condenatória proferida no Estado requerente;”.

O presente recurso cinge-se às questões relacionadas com o reconhecimento de decisão condenatória proferida em 19/05/2008, pelo Tribunal Supremo de Moçambique, transitada em julgado em 18/06/2008 que, negando provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente, decidira fixar a pena que lhe fora aplicada “(…) em  12 (doze) anos de prisão maior.” E no pagamento de uma indemnização como sanção reparatória surgindo como “(…) consequência necessária da infracção imposta”, fixada em 13.000.000,00MT (treze milhões de meticais), pela prática de um crime de homicídio voluntário simples, na forma frustrada, p. e p. nos termos dos art.ºs 349.º, 350.º, 10.º, 104.º, n.º 1 e 107.º, todos do Código Penal de Moçambique e tem por base o ACORDO DE COOPERAÇÃO JURÍDICA E JUDICIÁRIA-REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA POPULAR DE MOÇAMBIQUE, de 12.4.1990, ratificado pelo DPR n.º 8/91, de 14/02/1991, e aprovado para ratificação pela RAR n.º 7/91, publicado no Diário da República (DR), I Série-A, de 14/02/1991, em vigor desde 22/02/1996, conforme aviso n.º 71/96, em DR, I Série-A, de 29/02/1996, doravante Acordo de Cooperação.


2. O Recorrente apresentou alegações, com as conclusões seguintes:
1) O acórdão do STJ de 23/02/2022, julgou verificada nos termos do artigo 379º número 1 alínea c) e nº2 do CPP a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, quanto à substituição da pena aplicada no Estado requerente imposta pelo artigo 106º do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária assinado em Lisboa e ratificado pela Resolução nº 7/91 de 14 de Fevereiro da Assembleia da República.


2) Por acórdão de 02/11/2021 o TRL julgou reconhecida a sentença (acórdão) do Tribunal Supremo de Moçambique (…) na vertente de facto e de Direito em matéria penal no tocante à pena de prisão aplicada, conforme pedido de reconhecimento para a execução de prisão efectiva ainda não cumprida de 10 anos, 10 meses e 4 dias, consignando que a pena aplicada foi de 12 anos de prisão e sofreu prisão preventiva de 08/10/1996 a 20/11/1996 e de 13/10/1999 a 27/11/2000.


3) Não se conformando, AA interpôs recurso para o STJ que julgou verificada a nulidade do acórdão, impondo a substituição da pena aplicada no Estado requerente por uma pena a determinar nos termos do artigo 73º do CP pela prática de um crime de homicídio tentado, previsto e punido pelos artigos 131º, 22º e 23º do mesmo diploma, por verificação de dupla incriminação.


4) Foi assim cometido ao tribunal recorrido a incumbência de proceder ao suprimento da nulidade, determinando a pena que ele próprio apelida de nova decisão que deve ser aplicada e que em seu entender teria que englobar a que foi considerada nula, anteriormente proferida, relativamente aos segmentos não afectados pela nulidade.


5) O que o artigo 106º do Acordo de Cooperação determina é a substituição por uma sanção prevista na sua própria lei (artigo 73º do CPP).


6) O que se visa no Direito português é essencialmente uma revisão formal da sentença estrangeira (delibação) pela verificação – como direito supletivo – dos requisitos previstos no artigo 1096º do CPC, não apreciando o mérito da decisão.


7) Realçando, todavia, como pressupostos da confirmação nos termos do artigo 1096º do CPC, mandado aplicar supletivamente, a exclusão de qualquer dúvida sobre a inteligência da decisão; o trânsito em julgado no Estado requerente da decisão que se quer revidenda; a observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes e não ser o seu conteúdo manifestamente incompatível com os princípios da Ordem Publica Internacional do Estado português.


8) E que não ocorram condições de recusa parcial ou total da confirmação requerida, que se verificará se for contrária aos princípios fundamentais da Ordem Jurídica do Estado Português (Estado requerido).


9) Mormente se a condenação tiver sido determinada ou agravada por considerações de raça, como tal estranha aos seus compromissos internacionais (do Estado Português) enquanto Estado requerido, não se encontrando (o Estado português) em condições de poder executar a sentença, desde logo e também por o procedimento criminal se encontrar prescrito, segundo a lei de ambos os Estados (requerente e requerido) à data da prolação da sentença de substituição da pena aplicada.

10) E ainda porque a sentença que se quer confirmada não respeitando a lex mitior, impõe ao requerido uma privação de Direitos.


11) Subsistem por isso várias condições de recusa da confirmação e execução da sentença requerida, a saber:


•     A existência de dúvidas sobre a inteligência da decisão;

•     Ser menor de 21 anos (pouco mais de 18) ao momento da prática dos factos, não lhe podendo ser aplicada pena mais grave do que a prevista no nº 3 do artigo 55º, sendo que em 31/12/2014 pela Lei n.º 35 entrou em vigor um novo Código Penal, impondo no nº4 do seu artigo 8º a aplicação da pena mais favorável, mesmo tendo existido condenação antecedente ainda que por sentença transitada em jugado;

•     Nos termos do artigo113ºdeixou de ser consentida aplicação a menor de 21anos de pena mais grave do que a prevista na alínea e) do artigo 61º;

•     Os factos provados indiciam uma ofensa provocada pela vítima e uma reacção de desagravo por parte de AA afastada por comprovada voluntária desistência interpretada pelas Instância recorridas como “abandono da vítima”;

•     A actuação de AA foi sempre de reacção a insistências da vítima, primeiro por ofensas verbais e depois dirigindo-se-lhe pessoalmente;

•     Face à prova produzida o Tribunal de Moçambique deveria ter considerado a provocação da vítima, a reacção excessiva de AA e a sua subsequente desistência;

•     O novo Código Penal com uma moldura (8 a 12 anos) mais favorável no seu artigo 13º do que a antes fixada pelo artigo 107º, passou a lex mitior cuja aplicação foi declarada obrigatória, pelo que a sua não aplicação traduziu uma frontal violação da lei nova incompatível com os princípios da Ordem Jurídica do Estado Português.


12) Nos termos do artigo 235º do CPP não subsistem dúvidas sobre a competência do TRL para a revisão e confirmação da sentença (acórdão) proferida pelo Tribunal Supremo de Moçambique e proferida no âmbito do processo 26/05-A, que se afirma transitado em julgado a 18/06/2008.


13) A sentença proferida não é definitiva por determinação do próprio Legislador. E AA deixou de ter o seu caso julgado, passando a aguardar pela por si requerida revisão obrigatória da pena que lhe tinha sido aplicada, mantendo-se até hoje sem resposta por parte das Instâncias recorridas, pelo que não existe caso julgado.


14) Nos princípios para a revisão e confirmação de uma sentença estrangeira previstos no artigo 196º do CPC, encontram-se incumpridos o número 1 (dúvida sobre a inteligência da decisão); o número 2 (decisão não transitada em julgado; em boa verdade nem sequer foi proferida definitivamente); o número 5 (inobservância do princípio do contraditório da igualdade das partes) e o número 7 (conteúdo incompatível com os princípios da Ordem Pública Internacional do Estado Português).


15) O Estado Português enquanto Estado requerido, além de não ter uma pena definitivamente fixada pelo Estado requerente, não se encontra em condições de poder executar a sanção aplicada com base nos artigos do Código Penal de 1886, revogados e reconhecidos como desconformes com as “hodiernas” concepções da dogmática, impondo mesmo a nova lei (nº 35/2014) a desconsideração de caso julgado.

16) Face à incumbência do acórdão do STJ de 23/02/2022, verificada a nulidade do acórdão nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 335º (por omissão de pronúncia) entendeu o TRL que teria que proferir “uma nova decisão” então e necessariamente já se encontrando prescrito o procedimento criminal (15 anos a partir da data dos factos em 05/10/1996).


17) Por tudo quanto vem referido, a sentença revidenda não se encontra em condições de receber o exequátur, porque o que vem pedido é a confirmação e execução de uma sentença em Portugal como Estado requerido, que não é exequível no Estado requerente, porque não estão cumpridas as condições de admissibilidade referidas no artigo 237º do CPP que se identificam com as previstas na Lei de Cooperação Internacional de matéria penal.


18) Para a decisão recorrida a ininteligibilidade da decisão, a idade do requerido e a pena que lhe poderia ser aplicada é matéria a que não cabe censura por parte do Estado de execução, por ser relativa ao mérito que “de resto foram levados à apreciação das Instâncias Jurídicas moçambicanas, em apreciação de mérito decidida”.


19) Entende a Instância recorrida que como o nosso sistema é de delibação, basta o tribunal verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma. Na verdade, certificar-se que se está perante uma verdadeira sentença estrangeira.


20) Garantida que seja a executoriedade, que como vimos não parece ser o caso, nos termos do Acordo de Cooperação (nº1 do artigo 67º) qualquer dos Estados contraentes tem competência para proceder à execução de uma sanção proferida no outro.


21) No caso concreto, temos uma decisão condenatória proferida em 22/05/2008, que aplicou ao ora recorrente, uma pena de prisão efectiva de 12 anos, à qual não foi aplicado em 31/12/2014 o estatuído nos números 4 e 5 do seu artigo 8º, violando na pena que foi mantida, frontalmente o disposto no artigo 133º, considerando a referida decisão transitada em julgado em 18/06/2008 contra disposição legal expressa.


22) Afirma a decisão recorrida que “a autenticidade da decisão revidenda e a sua proveniência do tribunal estrangeiro que a proferiu, não vêm postos em causa”, o que não é verdade.


23) Enumera como matéria a que não cabe censura do Estado de execução por ser relativa ao mérito, a ininteligibilidade da decisão, a idade do requerido e a pena que lhe poderia ser aplicada, restringindo drasticamente os requisitos a apreciar.
E o mesmo se diga relativamente aos requisitos negativos, restringidos ao cumprimento formal da norma contida no nº3 do artigo 233º do CPC.


24) Com efeito, para a decisão recorrida basta expurgar a decisão revidenda da parte correspondente ao preceituado no referido normativo, arredando da sua apreciação a idade do requerido e as incidências processuais que qualifica como de mérito, resultantes da aplicação do novo Código Penal.

25) A decisão recorrida subtraiu à apreciação do tribunal de execução várias matérias, desde logo o trânsito em julgado da decisão revidenda, posto em causa nos artigos 8º e 133º do novo Código Penal.


26) Nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 379º e nº2 do CPP, o acórdão do STJ de 23/02/2022 considerou verificada a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronuncia quanto à aplicação da pena aplicada no Estado requerente, imposta pelo artigo 106º do Acordo de Cooperação, devendo a pena aplicada ser substituída por uma nova pena de acordo com o artigo 73º do CP.


27) Dizoartigo106º do acórdão sobre a substituição da pena, que o Juiz substituirá a sanção privativa de liberdade aplicada no Estado requerente por uma sanção prevista na sua própria lei para o mesmo facto, devendo por isso o TRL determinar a pena completa no quadro incriminatório português no ilícito criminal em questão pelo qual AA foi condenado.


28) No que concerne ao artigo 73º, sempre que houver atenuação especial à pena, o limite máximo da pena de prisão é reduzido de 1/3 e o limite mínimo é reduzido a 1/5, se for igual ou superior a 3 anos ou ao mínimo legal se for inferior.


29) Estabeleceu o seu nº2 que “se a pena em concreto fixada tiver sido especialmente atenuada será passível de substituição nos seus termos gerais”.


30) A pena a aplicar concretamente será especialmente atenuada por força da própria lei, uma vez que o crime de que vem acusado não chegou a ser consumado, pelo que ao ilícito tentado imputado a AA passa a corresponder uma moldura penal de prisão no mínimo de 1 ano, 7 meses e 6 dias a um máximo de 10 anos e 8 meses.


31) Concorrendo para a determinação da medida concreta da pena:


a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) a intensidade do dolo ou da negligência;

c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins e motivos que o determinaram;
d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando a esta seja destinado reparar as consequências do crime; e
f) a falta de preparação para manter uma conduta ilícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


32) Diz bem a sentença recorrida que para a valoração destes elementos se impõe a reavaliação da sentença estrangeira. E já dissemos que a factualidade provada no essencial corresponde à narrativa transcrita no acórdão recorrido e repetida no TRL, com os reparos que também acima anotamos, por ser evidente que a história transcrita denota incoerências e contradições.

33) Como dissemos e não vamos repetir, a descrição dos factos não se compreende sem uma causa suficientemente forte que justifique o comportamento de AA, na ocasião jovem de 18 anos de idade.


34) O tribunal recorrido não considerou a versão alternativa também presente na audiência de julgamento de se tratar de uma reação a ofensas verbais e até a ameaças por parte da vítima, que, no entanto, trará outra luz ao acontecido. É nossa convicção e a prova produzida indicia, tratar-se de um conflito rácico, iniciado por palavras insultuosas que originou uma reacção excessiva face à juventude de AA, sendo, entretanto evidente que foi ele quem abandonou a acção que praticava, não tendo sido, como a sentença o afirma, “exclusivamente por factos não imputáveis à sua vontade, que o delito se não consumou”.


35) A decisão recorrida merece reparo na determinação concreta da pena.


36) Com efeito, afirma que não foram apuradas “as condições pessoais do agente” que como bem se sabe era menor de idade e com um cadastro absolutamente limpo, como limpo continuou nos 25 anos subsequentes que nos separam da data dos factos.


37) Não se atinge a desconsideração pelo regime penal aplicável a jovens delinquentes constantes do DL nº 403/82 de 23 de setembro, que estabeleceu no seu artigo 4º que “se for aplicável pena de prisão deve o Juiz atenuar especialmente a pena nos termos do artigo 73º e 74º do CP, quando tiver certas razões para crer que na atenuação existem vantagens para a ressocialização social do jovem condenado”.


38) AA não está a ser julgado agora, porque do que aqui se trata é da substituição da pena que lhe foi aplicada há 25 anos. E o decurso do tempo provou as condições da efectiva ressocialização acontecida.
Terá que ser aplicada a pena ao AA de 18 anos de idade. Enão hoje ao AA, pessoa adulta, de 44 anos, que tem como comprovada a sua ressocialização, tendo adoptado em Portugal uma vida social e economicamente isenta de reparo, com um cadastro como consta do seu registo criminal absolutamente limpo. Além de que demonstra um percurso económico e social muito significativo, que o teria em condições económicas muito estáveis se não tivesse acontecido a pandemia que assaltou o Mundo, tornando difícil a vida das empresas.


39) Ora diz a Instância recorrida que havendo em geral sempre vantagens na ressocialização quando a pena é menor, terá “que juntar elementos concretos”, concluindo que “malgrado se ter tratado de um delinquente primário 25 anos, não se lhe resulta uma certeza para um actualizado prognóstico punitivo relativamente à possibilidade de reintegração”, o que nos parece despropositado porque a integração está garantida pelo seu registo criminal durante um longo período de 25 anos que nos separam da data dos factos.


40) O que não existe são indícios que nos ponham em causa a certeza adquirida de uma efectiva reintegração do AA jovem, pelo que lhe deveria obviamente ter sido reduzida a pena, premiando a sua efectiva reinserção.

41) Não tem razão a Instância recorrida quando entende como ajustada e necessária a aplicação agora de uma pena excessiva de 9 anos de prisão a um ex-jovem delinquente por factos praticados há 25 anos.”.

Termina pedindo que se decida “(…) que se encontra prescrito o procedimento criminal e caso assim se não entenda, (…), aplicar-se uma pena nunca poderia ser superior no limite mínimo da pena a um máximo inferior a 7 anos de prisão, que só poderia ser aplicada uma pena muito inferior a metade do seu limite máximo, à qual deve ser deduzida a prisão já cumprida e subsequentemente suspensa a sua execução.”.

3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, louvando-se nos argumentos aduzidos pelo MP, junto do Tribunal do TRL na sua resposta ao recurso do arguido ora recorrente e, dando por reproduzido o parecer anterior emitido nestes autos em 24/01/2022 e reproduzido no Ac. do STJ de 23/02/2022, considerou que: “(…), As questões suscitadas no recurso foram adequada e sustentadamente analisadas e rebatidas, e que aqui se dão por reproduzidas.

Sufragamos os argumentos constantes da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa, que se encontram sustentados, para além do mais, no Douto Acórdão proferido no TRL e merecerem o nosso acolhimento.

Damos por reproduzido o nosso parecer formulado nos autos em 24/01/2022.

Face ao exposto, e porque o procedimento criminal não se encontra prescrito, emite-se o parecer no sentido de que:
o Será de improceder o recurso em análise, mantendo-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos.”.


4. O ora recorrente foi notificado para se pronunciar, conforme art.º 417.º, n.º 2, do CPP, e, em conclusão, disse:

“(…) é nosso parecer que a Meritíssima Procuradora-Geral Adjunta considerou com atenção as razões de AA, reproduzindo no seu parecer alguns factos e situações mais relevantes nas próprias críticas que dirigiu à decisão recorrida.

Ficou apenas sem se compreender que não tenha proposto para AA uma pena coerente, como a própria Senhora Procuradora anota no seu parecer como devendo acontecer. Veja-se que ela própria vem dizer que cabendo a determinação completa da pena de substituição no quadro incriminatório português do ilícito criminal pelo qual AA foi condenado, não devem entretanto ser esquecidas as razões do Estado requerente na determinação da pena que aplicou. E se é verdade que desconsiderou – o que muito se lamenta – a imposição da aplicação da “lex mitior” e daí o inevitável reparo, verdade é que o que aplicou a AA foi o mínimo da moldura penal prevista para o crime que afirmou ter praticado. Critério que a ser seguido, seja de aplicação do mínimo da moldura penal de acordo com o Direito Português, como foi Superiormente ordenado, estaríamos então a falar de pouco mais de 1 ano de prisão, sendo a pena aplicada suspensa na sua execução, o que ao que tudo se nos mostra seria o mais ajustado ao caso concreto, se assim for connosco entendido como de Direito.”.


5. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTOS
1. De facto

O acórdão recorrido considerou o seguinte:

“1. Como se mostra referido no requerimento inicial e se constata da certidão junta, a condenação supra-indicada teve por base a factualidade que abaixo se resume:
"No dia 05 de Outubro de 1996, por volta das 19 horas e 30 minutos, o réu AA, conduzindo a viatura de marca Toyota Corolla "...", com chapa de inscrição ...- 936 - ..., na faixa de rodagem lateral esquerda da Av. ..., seguindo o trajecto ... - ..., parou próximo do entroncamento entre as Av. ... e ..., ao lado da viatura de marca Volkswagem Caravelle, com chapa de inscrição ...- 252 ..., na ocasião conduzida pelo seu irmão BB;
Pararam as viaturas, mantendo-se eles no seu interior, com o único propósito de conversarem e indiferentes às consequências dos seus actos, mormente à obstrução daquela faixa;
Encontrando-se ambos assim parados, aproximou-se o ofendido nos autos, CC, ao volante da viatura de marca Mitsubishi Galant, com matrícula MLN ..-...
No seu veículo seguia ainda DD, EE e FF, respectivamente, filha, amigo do ofendido e amiga da filha;

Pediu passagem, mormente usando sinalização luminosa;

Porém, o réu que se encontrava mais à direita da faixa, demorou alguns minutos a ceder passagem, facto que causou irritação ao ofendido, o qual quando passou por eles e sem suster a marcha do seu veículo, proferiu as seguintes palavras: "Porra, pensam que são donos da estrada? ";

O réu reagindo às palavras proferidas pelo Ofendido, empreendeu urna imediata perseguição àquele com a sua viatura, fazendo acelerações brusca, criando sensação de que ia embater contra a parte traseira do veículo daquele;
O ofendido, em face da reacção do réu, depois de devidamente sinalizar, por via do pisca, estacionou o seu veículo em frente à Mercearia "...", na esquina da Avenida ... com a ... e saiu da viatura para exigir explicações ao réu;

Quando o ofendido executou os primeiros passos em direcção à viatura do réu que se achava parada a uns cerca de sete metros de distância em relação à do ofendido, aquele (réu) arrancou subitamente, atingindo de surpresa o ofendido na região da bacia e projectando-a para a faixa central da Av. ...;

O ofendido ficou estatelado de costas na faixa central da Av. ...;
Ainda ao volante da sua viatura, o réu saiu da faixa lateral esquerda, galgou o passeio que separa aquela faixa da central com o firme propósito de atingir mais uma vez a vítima;
Assim, passou por cima do ofendido por cerca de quatro vezes com a roda dianteira direita, acelerando e patinando concomitantemente, sempre sobre a vítima;
DD, filha do ofendido, agarrou-se ao pescoço do réu implorando-o que não matasse o pai, entretanto;
Depois daquele acto, o réu inverteu a marcha e fugiu pela faixa lateral contrária à outra onde os factos tiveram início, tornando a direcção do cinema ..., virando à esquerda na Av. ..., abandonando, dessa forma a vítima, perante o desespero dos acompanhantes daquela e espanto de outras pessoas que testemunharam os factos;
BB, irmão do réu, no lugar de socorrer a vítima, executou as mesmas manobras feitas pelo réu e fugiu, seguindo a direcção tomada por este:
GG, também conhecido por "HH" que seguia na viatura do réu, desceu daquela, tendo sido de imediato reconhecido por FF, uma das ocupantes da viatura da vítima;
FF, na ocasião pediu ao "HH", para que revelasse a identidade do réu, do irmão dele e acompanhantes;

Porém, "HH" fugiu para casa dele;

A vítima foi socorrida pelos ocupantes da sua viatura, que com ajuda de terceiros que se encontravam no local dos factos e transportada à Clinica ..., por via de sua própria viatura, entretanto, conduzida por FF;
Quando a vítima deu entrada no Hospital, estava consciente e lúcido, mas se queixava de fortes dores na região da bacia, do abdómen. Apresentava escoriações profundas e equimoses na região pélvica, na coxa esquerda e nádegas fís. 28, 199 a 200 e 335 dos autos;

Apresentava-se ainda com arrancamento da pele e profundas escoriações nas mãos, nos braços, na região toráxica esquerda posterior. O abdómen se apresentava mole e doloroso com defesa e reacção peritonal nos quadrantes inferiores, hematoma na região inguinal esquerda que se estendeu à região umbilical e ainda fracturas múltiplas da bacia, rasgamento da bexiga e arrancamento da cápsula prostática — fls. 28, 199 a 200 e 335 dos autos;

Aquelas lesões são suficientes para causar a morte. Esta só não aconteceu, por circunstâncias alheias à vontade do réu, como, aliás, se alcança da conclusão médica a fls. 200 dos autos;
Devido ao agravamento dos sinais vitais, descida de tensão arterial, a vítima iniciou com sinais de pre-shoc. Foi então transferida ao bloco operatório;

A operação durou mais de quatro horas. Durante a operação foi encontrado 1,5 litro de sangue e um grande hematoma retro-peritonal, perivisical e um sangramento profuso dos ossos da bacia;

A vítima recebeu transfusão de três litros de sangue;

Porque depois da operação, pelo tempo que aquela levou, a vítima carecesse de cuidados especiais, foi transferida para a vizinha República da Africa do Sul no dia 06 de Outubro de 1996;
Foi observada no ... Hospital, onde esteve sob cuidados intensivos até ao dia 17 de Outubro de 1996. Teve alta no dia 24 de Novembro de 1996;

A vítima era à data dos factos casada e com família constituída, para além de ser sócio gerente da I..., e esteve impedida de dar contributo à sua família e à empresa durante 54 dias;
O seu actual contributo à empresa está condicionado pelo seu estado de saúde que sofreu significativa alteração, devido à conduta do réu;

A sua saúde financeira ficou seriamente afectada com as despesas médicas;

A viatura usada para o cometimento do crime por parte do réu tinha tracção nas rodas da frente, o que permitia que o réu patinasse sobre o corpo da vítima;

A localização e captura do réu só foi possível, por indicação de GG, depois de aturados pedidos por parte dos amigos da vítima - fls. 523V°, 524, 534, 534V°, 535V0 e 536 dos autos;
O pai do réu comprometeu-se de forma livre perante os amigos da vítima em que se responsabilizaria pelas despesas com a assistência médica à vítima, sendo que aquele o termo de responsabilidade foi autenticado fls. 07 a 09V°, 519Vº, 520 e 536 dos autos;

o réu não ignorava que o instrumento que usou e a forma com que o empregou poderia provocar o resultado morte à vítima;

Bem sabia que a sua conduta não era permitida;

Não havia razões válidas para tão bárbaro quanto macabro acto;

Agiu deliberada, livre e conscientemente;"






2. De direito

2.1. Importa ter presente quanto ao objecto do presente recurso que no acórdão recorrido se reconheceu a sentença estrangeira e, com base na factualidade que fundamentou a condenação do ora recorrente pelas jurisdições moçambicanas, se considerou que aos mesmos factos corresponde no direito português a prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131º, 22.º e 23º, do Código Penal (CP), por referência ao que consta da certidão relativa à decisão condenatória, proferida, como supra se referiu, em 19/05/2008, pelo Tribunal Supremo de Moçambique e que se dá por inteiramente reproduzida.

Reassumem-se aqui, sem necessidade de repetição, as considerações tecidas no acórdão deste Supremo Tribunal de 23/02/2022, neste mesmo processo, relativamente ao regime de execução de sentenças penais estrangeiras. Designadamente, e em síntese última dirigida ao caso, recorda-se que a execução de sentenças penais proferidas no Estado moçambicano se rege, em primeira linha,  pelo Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, de 12/04/1990, ratificado pelo DPR n.º 8/91, de 14/02/1991, e aprovado para ratificação pela RAR n.º 7/91 ( DR – I Série A, de 12/04/91, que dedica à matéria o Capítulo II (Execução das sentenças criminais) e, na sua insuficiência, pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto e, subsidiariamente, pelas disposições do Código de Processo Penal.

2.2. Essencialmente e em síntese resulta do alegado pelo recorrente, repetindo o que desde a oposição vem afirmando nos autos, que a decisão estrangeira cujo reconhecimento se pretende não está em condições de receber o “exequatur”, pugnando pela recusa da confirmação e execução da sentença requerida e, por outro lado, imputando erro de julgamento ao acórdão recorrido por, na substituição da pena resultante do que fora determinado pelo STJ, o TRL não  efectuou correcta determinação da medida concreta da pena, conforme o disposto nos art.ºs 71.º a 73.º, do Código Penal.

Para tanto, quanto à recusa da confirmação e execução da sentença requerida sustenta que a decisão sob reconhecimento i) padece de ininteligibilidade; ii) a mesma não é definitiva por determinação do próprio Legislador, pois, o Tribunal moçambicano não efectuou a correcção da pena aplicada, na sequência da publicação do Código Penal de Moçambique, em Dezembro de 2014 o que, em seu entendimento, a tal estava obrigado.

E, do mesmo passo, quanto ao acórdão recorrido, revisitando o argumento já utilizado mas agora com a nuance de que, iii) quando aquele aresto foi proferido, em 19/04/2022, o procedimento criminal estava “(…) prescrito, segundo a lei de ambos os Estados (requerente e requerido) à data da prolação da sentença de substituição da pena aplicada.”.

Porém, sem razão.

Com efeito, sobre essa matéria, no acórdão recorrido afirmou-se: “Quanto à inteligibilidade da decisão, com base na idade do requerido e da pena que lhe seria possível ser aplicada atenta essa qualidade, importa reter que se trata de argumentos relativos ao mérito da decisão a reconhecer, matéria que não cabe ao Estado da execução exercer qualquer censura sobre o teor e os fundamentos da decisão revidenda, seja no âmbito da matéria de facto, seja quanto à aplicação do direito, nem tal juízo de censura se compreende no âmbito e finalidades do processo de revisão e confirmação da sentença estrangeira, mas cabe-lhe, no cumprimento da norma legal contida no n.° 3 do art.° 237° CPP tratando-se de pena que ofenda princípios fundamentais da CRP "expurgá-la" na parte correspondente.

Assim, as considerações desenvolvidas acerca da idade do requerido, bem como as incidências processuais e de mérito resultantes da eventual aplicação de novo Código Penal moçambicano, mostram-se arredadas da nossa apreciação, até pelo singelo argumento, uma vez que, como afirma o próprio requerido, essas matérias foram levadas à apreciação das autoridades judiciárias moçambicanas - pontos 26 e 27 da sua oposição.

Destas decorrências acerca da idade e da legislação penal invocadas, extrai o requerido que a sentença não é definitiva, não podendo nos termos do artigo 1096° do Código do Processo Civil ser revista e confirmada em Portugal, o que se mostra frontalmente contraditado pela certificação, a fls. 16 (carta rogatória, desse trânsito em julgado operado a 18 de Junho de 2008.”.

E, de igual modo, quanto à questão da aplicação do regime previsto no novo Código Penal moçambicano, aprovado e publicado pela Lei n° 35/2014, de 31 de Dezembro, afirma-se naquele aresto o seguinte:“(…)  foi posta em concreto às autoridades judiciárias do Estado requerente, tal como o próprio requerido reconhece no ponto 26 do seu requerimento de oposição [Na verdade, o requerente, submeteu o seu pedido para aplicação da Lei mais favorável ao Tribunal Judicial da cidade ..., alegando que o Código Penal aprovado e publicado pela Lei n° 33/2014 de 31/Dezembro, impõe um tratamento mais favorável do que o da Lei que foi aplicado. E sempre tendo em consideração que AA era menor de 21 anos à data da prática dos factos.] e foi objecto de apreciação por parte do tribunal da condenação e do Supremo Tribunal daquele Estado, decisões que, em sede de confirmação da sentença condenatória, se mostram subtraídas à apreciação pelo tribunal do Estado de Execução.

Nesta conformidade, visto o disposto no art.° 33° da CRP, sendo o requerido cidadão português, o recurso à extradição mostra-se vedado, desde logo porque não está em causa a prática de crimes de terrorismo e de criminalidade internacionalmente organizada e verificados que se mostram os requisitos enunciados nos art.°s 67°, 68° n.° 1, 69° e 70° (este a contrario) do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, assinado em Lisboa, a 12 de Abril de 1990, 237° e 238° (este a contrario) do CPP e 980° CPC, nada obsta ao reconhecimento e confirmação da decisão condenatória proferido no âmbito do processo n° ...5..., transitado em julgado a 18 de Junho de 2008, referida no requerimento inicial.”.

Estas razões do acórdão recorrido são, em substância, exactas e rebatem suficientemente o alegado em contrário pelo recorrente relativamente à verificação das condições de reconhecimento e confirmação da sentença (acórdão) revidenda para efeitos de execução em Portugal. Acrescentar-se -á, apenas, que a circunstância de ter surgido na ordem jurídica do Estado requerente, posteriormente ao trânsito em julgado da decisão condenatória que se pretende que seja executada em Portugal, um regime eventualmente mais favorável ao condenado e susceptível de aplicação às situações anteriormente julgadas, não destrói ipso facto, o trânsito em julgado daquela decisão ou lhe retira executoriedade, não tornando a execução desta contrária aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa (art.º 70.º, n.º1, al. a), do Acordo de Cooperação). A eventual reversão do caso julgado terá de resultar de decisão da jurisdição do Estado requerente, em processo de revisão de sentença ou expediente processual equivalente no seu sistema jurídico-processual, não cabendo no âmbito do presente processo apreciar o tratamento dado à questão do alegado reexame obrigatório por aquela jurisdição. A tanto se opõe o disposto no art.º 74.º, n.º 2, do Acordo de Cooperação.

E, quanto à alegada prescrição do procedimento criminal, o recorrente bem sabe que a mesma não se verifica, porquanto o que aqui está em causa é o reconhecimento de uma sentença condenatória estrangeira, confirmada pelo mais alto Tribunal Moçambicano e há muito transitada em julgado, não se discutindo aí a prescrição do procedimento criminal, nem ocorrendo quer face à lei moçambicana ( art.º 125.º do Código Penal de Moçambique à data da prolação do acórdão), quer à face da  lei portuguesa a essa mesma data ( art.º 118.º, n.º1, al. a) do Código Penal).

Por outro lado, afigura-se destituída de fundamento sério a questão da prescrição do procedimento como o recorrente agora parece pretender apresentá-la, argumentando que a prescrição se teria completado face à lei portuguesa, considerando que relevante é a data em que foi proferido o  acórdão recorrido, porque este lhe aplica uma nova pena. Com efeito, a  substituição da sanção para efeitos do art.º 106.º, do Acordo de Cooperação, não apaga a existência e os seus efeitos próprios da condenação definitiva decorrentes da sentença a executar, em matéria de prescrição do procedimento.

E, mesmo que a intenção do recorrente fosse a de discutir a eventual prescrição da pena de 12 anos que lhe foi aplicada, é seguro que tal pena não se mostra prescrita, pois que o acórdão do Tribunal Supremo de Moçambique transitou em julgado em 18 de Junho de 2008 e o prazo de prescrição de uma pena com tal magnitude é de 20 anos ( cfr.  art.º 122.º, n.º 1, al. a) do CP português).

Assim sendo, mostrando-se o decidido em conformidade com os documentos constantes dos autos e não se vislumbrando qualquer erro de julgamento do acórdão recorrido neste domínio, tem de julgar-se improcedentes as alegações do recorrente no que concerne a estas questões suscitadas relativamente à verificação das condições do pedido e a hipóteses  de recusa da execução em Portugal das sentenças penais proferidas por Tribunais da República Popular de Moçambique, por aplicação do referido acordo de Cooperação e demais normativos integradores. 

2.3.Tendo-se concluído que não procede o alegado pelo recorrente no capítulo da legalidade do reconhecimento e confirmação do acórdão do Tribunal Supremo de Moçambique e da  aceitação do pedido de execução, importa apreciar o alegado pelo recorrente que possa contender com a substituição da sanção privativa da liberdade aplicada em Moçambique por uma sanção prevista na lei portuguesa para os mesmos factos, a que se procedeu nos termos do art.º106.º, do Acordo de Cooperação, para cumprimento do acórdão deste Supremo Tribunal de 22/02/2022.

Com efeito, vem alegado pelo recorrente que, no acórdão recorrido, se fez errada avaliação das “(…) condições pessoais do agente”, discordando o mesmo do modo como naquele aresto foi ponderada a prova produzida, não descortinando a razão por que foi feita a  “(…) desconsideração pelo regime penal aplicável a jovens delinquentes constantes do DL nº 403/82 de 23 de setembro”, desse modo considerando excessiva a pena de 9 anos de prisão aplicada “(…) a um ex-jovem delinquente por factos praticados há 25 anos.”.

Dispõe o art.º 106.º, n.º1, do Acordo de Cooperação aqui em causa que “1 - Aceite o pedido de execução, o juiz substituirá a sanção privativa de liberdade aplicada no Estado requerente por uma sanção prevista na sua própria lei para o mesmo facto. Esta sanção poderá, dentro dos limites indicados no n.º 2, ser de natureza ou duração diversa da aplicada no Estado requerente. Se esta última sanção for inferior ao mínimo que a lei do Estado requerido permite aplicar, o juiz não ficará vinculado por este mínimo e aplicará uma sanção correspondente à proferida no Estado requerente.” – sublinhado nosso.

Isso mesmo foi determinado no douto aresto de 23/02/2022, ou seja, que na decisão de reconhecimento da sentença proferida contra o ora recorrente pelo Tribunal Supremo de Moçambique, o TRL devia pronunciar-se sobre a substituição da pena que lhe fora aplicada, o que fez ao proferir o acórdão recorrido.

Resulta do acórdão deste Supremo Tribunal de 22/02/2022, com força de caso julgado nestes autos porque foi nesses termos que se determinou o suprimento da nulidade do primitivo acórdão da Relação, que à substituição da sanção aplicada pela jurisdição do Estado requerente, para efeitos do art.º 106.º, do Acordo de Cooperação, se procede mediante os critérios de determinação da pena estabelecidos pela lei do Estado requerido. Mais concretamente, aplicando à  matéria de facto assente na sentença confirmada, os critérios de individualização da pena a que a lei portuguesa manda atender, designadamente os factores determinantes da escolha e medida da pena estabelecidos no art.º 70.º e seguintes do Código Penal.

Vale por dizer que, ao menos no âmbito de aplicação deste Acordo, não se trata de proceder a uma mera substituição categorial ou nominal, mas de uma substituição ponderativa da sanção com recurso às regas de individualização do Estado requerido, com o limite de não poder agravar a situação do condenado.  

O art.º 106.º, do Acordo de Cooperação, ao prever expressamente que a pena possa ser de duração ou natureza diversa daquela que foi aplicada pela jurisdição do  Estado requerente, parece não  consentir quaisquer dúvidas. Trata-se de um regime especial constante de um instrumento internacional bilateral que consagra solução diferente e prevalece sobre aquela que decorreria do regime geral (cfr., no direito processual penal interno, art.ºs 229.º e 233.º do CPP), em que a intervenção conformadora do Tribunal do Estado requerido seria limitada à conversão ou redução de penas que a lei portuguesa não prevê ou excedam o máximo legal abstractamente admissível (art.º 237.º, n.º 3 do CPP) .

Tarefa em que a jurisdição do Estado requerido está, contudo, sujeita a um limite ou condicionamento infrangível. Nos termos do art.º 104.º, do Acordo de Cooperação “O Estado requerido fica vinculado aos factos apurados tais como são descritas na decisão ou na medida em que esta neles implicitamente se fundar”. Aliás, embora o Acordo de Cooperação tenha preferência aplicativa, o mesmo decorre do art.º 100.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, ao dispor que “Quando se pronunciar pela revisão e confirmação, o tribunal: a) Está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira;”. 

Adianta-se que o acórdão recorrido não ignorou este regime, mas aplicou deficientemente os respectivos critérios, relativamente a dois aspectos essenciais que influem na medida da pena e diminuem de forma acentuada a necessidade de uma pena privativa da liberdade: a idade  do arguido à data dos factos e o lapso de tempo entretanto decorrido, mantendo o agente boa conduta.

2.4. Efectivamente, dos fundamentos do acórdão recorrido resulta demonstrado que:
a) À data dos factos, 05/10/1996, o recorrente tinha 18 anos de idade, sendo menor de 21 anos;
b) Os factos foram praticados em Moçambique, tendo decorrido desde então, mais de 25 anos;
c) Os factos ocorreram na sequência de uma altercação rodoviária entre o recorrente e o ofendido, quando este parou a sua viatura e se dirigiu àquele outro;
d) O pai do recorrente assumiu a responsabilidade pelo pagamento das despesas com a assistência médica à vítima;
e) O recorrente é cidadão português e reside em território nacional;
f) O Tribunal Supremo de Moçambique denegou a aplicação do regime penal mais favorável ao arguido, resultante da entrada em vigor, em 2014, do novo Código Penal moçambicano, por entender ser competente outro tribunal, que no caso era o tribunal da causa, ou seja, o Tribunal Judicial da cidade ...;
g) Em Moçambique, não tinha antecedentes criminais antes da prática dos actos aqui em causa;
h) E, posteriormente a esses factos e à prolacção da sentença condenatória, em 2008, sendo residente em Portugal, registou qualquer incidente, de idêntica natureza ou outra, no seu registo criminal, à excepção de contra-ordenações rodoviárias;

No acórdão recorrido afirma-se que do disposto no art.º 106.º “Retira-se daqui que deverá proceder-se a uma operação de determinação da pena concreta ao ilícito criminal em questão pelo qual o requerido foi condenado, sob a luz do quadro incriminatório português, ou seja, face às normas incriminadoras relativas ao crime de homicídio simples tentado constantes dos art.°s 131°, 22°, 23° e 73° do Código Penal português, nos exactos termos determinados no acórdão do STJ de 23.02.2022.

Nesta circunstância subsuntiva, ao ilícito em questão corresponde uma moldura penal de prisão com um mínimo de 1 ano, 7 meses e 6 dias e um máximo de 10 anos e 8 meses.” – sublinhado nosso.

E, substituindo a pena aplicada pela decisão condenatória do Tribunal estrangeiro, doseou-a em 9 (nove) anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p.p. pelos arts.ºs 22.º, 23.º, 131.º, todos do CP, justificando a não aplicação do Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes, constante do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, com o seguinte argumentário:

(…) Se o primeiro dos requisitos - decorrente da idade - não é requisito que automaticamente permita ao julgador atenuar especialmente a moldura abstrata do crime em que aquele será condenado, sendo esta idade jovem apenas o requisito formal que impõe ao julgador averiguar se estão ou não verificados os requisitos para a aplicação da atenuação especial.

Como tese geral podemos afirmar que analisando qualquer situação, haverá sempre vantagem na ressocialização sempre que a pena seja menor. Mas, a esta consideração abstrata, o julgador terá que juntar elementos concretos que lhe permitam concluir que o delinquente, uma vez fora da prisão, tem um ambiente propício e uma postura pessoal que o afaste de ambientes, lugares e práticas que o poderão levar, novamente, para a prática de atos da mesma natureza dos praticados.

Ora, o conjunto de factos apurados na sentença a rever aliados à situação objectiva evidenciada nos autos de o requerido se ter ausentado do território moçambicano sabendo da condenação sofrida, malgrado se tratar de um delinquente primário, não evidenciam, apesar de tudo, um actualizado prognóstico positivo relativamente à possibilidade da integração do, então, jovem delinquente num mundo afastado do crime e externamente condizente com as regras sociais. Na verdade, se, por um lado, a gravidade dos factos praticados, até pelas razões que se encontravam na génese do mesmo, é de molde a colocar-nos sérias dúvidas quanto à possibilidade de integração na sociedade, por outro lado, inexistem quaisquer outros considerandos que apresentem um relevante indício positivo no sentido da reintegração do jovem.

Não vemos, pois, indiciada a apontada e exigida vantagem na aplicação do indicado regime especial para a reinserção social.

Do conjunto destes factores e do modo de execução do crime temos a concluir por uma extrema ilicitude e uma culpa muito grave que, para além de inculcar fortes necessidades de prevenção especial e geral, aponta para uma pena bem acima do ponto médio da acima mencionada moldura penal aplicável considerando-se proporcional, ajustada e necessária uma pena de 9 (nove) anos de prisão.” – sublinhado nosso.

2.5.É exacto que, embora esteja sempre presente um poder-dever de ponderação por parte do juiz,  a aplicação do regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 401/82, designadamente da atenuação especial prevista no respectivo art.º 4.º, não é efeito automático de o agente ter menos de 21 anos à data dos factos, exigindo sempre um juízo de prognose de que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do condenado. A idade jovem é apenas o requisito formal que impõe ao julgador averiguar se estão ou não verificados os requisitos para a atenuação especial, conforme, de entre muitos, o Ac. do STJ, de 8/9/2016, Proc. 610/15.1PCLSB.S1, em www.dgsi.pt.

Sucede que os elementos factuais fixados pela sentença cujo reconhecimento e confirmação para efeitos de execução vem requeridos,  que limitam o juízo valorativo na substituição da pena aplicada ao abrigo do disposto no art.º 106.º do Acordo de Cooperação,  não são de molde a que, com base neles, se construa o juízo de prognose positiva de que depende a aplicação do regime penal aplicáveis aos jovens delinquentes. Sobretudo quanto à atenuação especial prevista no art.º 4.º do citado Dec. Lei n.º 481/82, que é a única medida do elenco das estabelecidas por esse regime especial cuja hipótese poderia razoavelmente colocar-se neste momento e na actual fase da vida do condenado.

Com efeito, a extrema gravidade, violência e consequências para a vítima da acção do arguido, não permitem num juízo de razoabilidade aplicar agora aquele regime, que não seria certamente aplicável se o arguido tivesse então sido julgado num tribunal português. A aplicação deste regime perante aqueles factos concretos conflituaria gravemente com o objectivo de proteção do bem jurídico afectado - a vida humana, que com a aplicação das penas se visa alcançar.

Tanto basta para concluir que o acórdão recorrido não merece censura ao recusar a aplicação da atenuação especial da pena facultada pelo art.º 4º do Dec. Lei n.º 481/82, de 23 de Setembro.

Todavia, o facto de não ser aplicável esse regime especial, não impede que, nos termos gerais,  se pondere, na avaliação das exigências de prevenção, não só que o arguido era à data dos factos um jovem de 18 anos de idade, mas também  as circunstâncias actuais, pessoais e de vida do  condenado,  que, hoje, é um homem maduro de 45 anos de idade e que se encontra integrado na sociedade portuguesa, mostrando tais circunstâncias posteriores ao cometimento dos factos que se encontra inserido no meio social e familiar onde vive, revelando boa conduta posterior aos factos, sem prejuízo de se considerar que, ao abandonar o país onde residia, evitou cumprir a pena em que fora condenado. Evidentemente, que sempre se poderá justificar com a morosidade da justiça, atendendo ao decurso do tempo entre a data dos factos praticados e a prolação da decisão revidenda e que tal facto não lhe é imputável, pelo que, entretanto, sendo jovem buscou outras alternativas de vida.

2.6. Adianta-se que, nada há a apontar à decisão recorrida quanto à apreciação sobre o grau de ilicitude na prática dos factos e da culpa com que agiu o ora recorrente, pois que ambas são elevadas e muito censuráveis.

Em concreto, o comportamento do ora recorrente na prática dos factos é de molde a impor, justa, objectiva e proporcionalmente uma pena graduada nos limites da culpa com que o mesmo actuou, atenta à gravidade da sua conduta e à gravidade do crime de homicídio, ainda que sob a forma tentada – cujo bem jurídico é a protecção da vida humana – bem como a ponderação da necessidade de prevenção geral e especial perante este tipo de criminalidade. Todavia, ao estabelecer a pena a executar em 9 anos de prisão excedeu o necessário para satisfazer as exigências de prevenção geral e especial, face ao tempo entretanto decorrido .

No caso, há a considerar as circunstâncias temporais decorridas desde a data da prática dos factos, sendo certo que, a actuação do recorrente constituiu um acaso e que se tratou de um acto pouco sopesado e de juventude, que não se repetiu mais na vida do recorrente, pelo que, tendo em conta a gravidade dos factos, mas também a idade do arguido quando os praticou e que sobre a prática do crime decorreram já 25 anos mantendo o arguido boa conduta,  a pena concreta deve situar-se ligeiramente abaixo do meio da moldura penal – entre o mínimo de , correspondendo às necessidades de tutela do bem jurídico em causa (a vida humana) e às exigências de protecção da sociedade, considerando as circunstâncias factuais e a natureza do crime cometido e o grau de culpa, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade da pessoa do delinquente.

Pelo exposto entende-se que uma pena de prisão, graduada em 5 anos de prisão, satisfaz as exigências de prevenção geral e especial, não excedendo a medida da culpa, considerando a primariedade da conduta do ora recorrente, a sua juventude que à data dos factos (05/10/1996) e a sua conduta no tempo entretanto decorrido desde aquela data.


2.7. Nos termos do disposto no art. 50º, n.º 1, do Código Penal, a pena de prisão fixada em medida não superior a cinco anos, como é o caso concreto, deve ser suspensa na execução se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

O pressuposto material da decisão suspensória da execução da pena é a existência de um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. Assim, em face da idade do arguido à data dos factos – apenas, 18 anos –, atendendo ao seu percurso de vida após os factos e à sua inserção social na sociedade portuguesa onde vive, à ausência de registo de antecedentes criminais, antes e depois dos factos praticados, não se mostra adequado que, decorridos 25 anos após os factos delituosos, se pugne por um efectivo cumprimento de pena de prisão, quer pelo impacto que tal situação trará à sua vida quer por tal situação ser perniciosa a qualquer indivíduo que se encontra socialmente inserido.

Acresce que, considerando a actualidade das circunstâncias de idade e vida do arguido, tem-se como certo que a simples ameaça da execução da pena o manterá afastado de qualquer conduta social e criminalmente censurável, sendo certo que, tal tem sido o seu padrão de comportamento.

Por isso se entende que, mesmo se considerando um caso que revestiu elevada gravidade, a verdade é que, no momento de reconhecer a sentença  estrangeira que o condenou reveste-se, agora, de suficientes características de excepcionalidade para merecer um tratamento especial, permitindo a suspensão da execução da pena, pelo mesmo período da duração da pena.


2.8. No acórdão revidendo, o Tribunal Superior de Moçambique fixou ao arguido o pagamento de uma indemnização devida ao ofendido no valor de 13.000.000MT (treze milhões de meticais), considerando que “É o critério da culpa e não o dano, o que preside à determinação do montante da reparação a arbitrar em processo penal, como resulta do referido parágrafo segundo do já referido artigo 34.º ao mandar atender em primeira linha à gravidade da infracção antes que aos danos patrimoniais e não patrimoniais de la resultantes.”, concluindo que “(…) no processo penal vigente, a reparação de perdas e danos atribuída no processo penal, é um efeito penal da condenação como claramente inculca o disposto no artigo 73.º n.º 3 do Código Penal Hoc sensu uma “parte da pena pública” que não se identifica, nos seus fins e nos seus fundamentos com a indemnização civil, nem com ela tem de coincidir no seu montante.”.

Ou seja, a quantia indemnizatória fixada ao ofendido a título de danos não patrimoniais é derivada da prática de um crime, constituindo matéria de natureza penal, não constando dos elementos trazidos aos autos que a mesma foi realizada.

Assim sendo, considerando que o pagamento da indeminização arbitrada contribui para mitigar as consequências lesivas para o ofendido levadas a cabo pela conduta do arguido ora recorrente e que este pode e deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para reparar o mal causado e, considerando que a satisfação desta exigência é uma manifestação da sua ressocialização, traduzida em mitigar as consequências visíveis do ilícito praticado, atendendo ao disposto no art.ºs 50.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, a), do CP, justifica-se e mostra-se conveniente e adequado à realização das finalidades da punição aplicada que se faça depender da condição da suspensão da execução pena de prisão, por cinco anos, que o mesmo no prazo de 1 (um) ano demonstre nos autos o pagamento de 100000 euros (cem mil euros), equivalente a cerca de metade do valor da quantia indemnizatória em que foi condenado.

III – DECISÃO

Termos em que, acordando, se decide:
a) Conceder parcial provimento ao recurso interposto por AA, revogando o acórdão recorrido.
b) Reconhecer a sentença condenatória do Tribunal Supremo de Moçambique, de 19/05/2008 e, transitada em julgado, em 18/06/2008, e, nos termos do art.º 106.º do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária-República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, de 12.4.1990, substituir a pena de prisão aplicada ao recorrente, por pena de 5 (cinco) anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples na forma tentada, p. p. nos termos dos art.ºs 131.º, 23.º e 73.º, n.º 1, als. a) e b), do CP;
c) Suspender a execução dessa pena, por período igual ao da sua duração, ou seja, por cinco anos, sob a condição de, no prazo de um ano, condição da suspensão da execução pena de prisão, por cinco anos, que o mesmo no prazo de 1 (um) ano demonstre nos autos o pagamento de 100000 euros (cem mil euros), equivalente a cerca de metade do valor da quantia indemnizatória em que foi condenado, conforme art.ºs 50.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, a), do CP.
d) Sem custas.

Lisboa, 23 de Agosto de 2022 (processado e revisto pelo relator)

Leonor Furtado (Relator)

João Guerra (Adjunto)

Teresa Almeida (Adjunta)

Catarina Serra (Presidente)