DEVER DO JUIZ DE INVESTIGAÇÃO OFICIOSA
OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS ESSENCIAIS
NULIDADE
Sumário

I. O modelo de processo penal basicamente acusatório integrado por um princípio subsidiário e supletivo de investigação oficial, bem assim como o princípio do processo equitativo, são contrários à preclusão, por tal implicar exigências de prossecução da verdade material, nomeadamente a cargo do Tribunal de julgamento, que deverá proceder às diligências de produção de prova necessárias à boa decisão da causa.
II. A omissão de tais diligências, conquanto essenciais para a descoberta da verdade, constitui uma nulidade sanável (dependente de arguição pelo interessado), nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP.
III. Tendo-se o arguido apercebido da essencialidade de diligências de prova (audição de testemunhas) e apresentado requerimento justificando a importância dessas concretas inquirições, para que o Tribunal diligenciasse pela respetiva comparência, não pode este indeferi-las referindo que tais depoimentos não são essenciais - sem tal justificar - ou por tal retardar o andamento do processo.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Central Criminal de Setúbal - Juiz 1, em processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo, foi submetido a julgamento o arguido AA.
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Na sessão de julgamento de 19 de janeiro de 2022 foi proferido despacho com o seguinte teor (transcrição):
“O tribunal tem vindo a diligenciar na medida das suas possibilidades, com vista a localizar as testemunhas cuja a inquirição foi solicitada pelo arguido, sem qualquer sucesso -, como resulta da leitura dos autos.
Em resultado as aludidas diligencias sabe-se nesta ocasião, que a empresa para a qual alegadamente terão trabalhado tais testemunhas, cuja a identificação nem se conhece qual seja, foi declarada insolvente. Nessa exata medida, e como resulta do conhecimento de todos nós, o administrador de insolvência não terá com facilidade acesso à informação de uma orgânica operativa que, presentemente, não existe. Por essa razão, afigura-se-nos que a realização das requeridas diligencias retardaria, para além do que já retardou, o andamento do processo de forma que, nesta ocasião, já se reputa como intolerável.
Acresce que, tendo o arguido requerido na abertura de instrução, poderia ter atempadamente diligenciado ou suscitado tal inquirição nesse momento, não aguardando tal ensejo para julgamento. Finalmente, a questão suscitada para a qual do ponto de vista da defesa relevam as testemunhas a inquirir, já foi suscitada e decidida em sede de instrução, e tendo presentes as declarações prestadas pelo arguido, que na sua essencialidade e quanto à materialidade de fáctica, a confessa (ainda com reserva de ter atuado sob coação), consubstancia essencialmente, a nosso, ver uma questão de direito para cuja solução não se antevê qual o contributo das testemunhas que o arguido visava inquirir. E por todas essas razões se decide pela prossecução do julgamento o qual, nesta fase, transitará de imediato para alegações.”
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Inconformado com tal decisão, o arguido, em 18 de fevereiro de 2022, interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
1. O Recorrente não pode de modo algum conformar-se com o despacho em crise;
2. O tribunal, desde que o arguido arrolou as testemunhas nos meios de prova, entendeu sempre que as mesmas eram essenciais à defesa do arguido e, por isso, deviam comparecer em julgamento;
3. Para o efeito, ordenou a respetiva notificação:
4. No despacho proferido no fim da audiência de julgamento inicial de 09-09-2021, já o arguido havia prestado declarações e tal facto não foi impeditivo de ter sido deferido o requerimento do arguido no sentido de se efetuarem as diligências necessárias no sentido das testemunhas virem a ser notificadas; 5. À data em que foi proferido o despacho em crise, as diligências levadas a cabo tinham tido progressos notórios uma vez que, finalmente, era possível obter a informação necessária diretamente de quem representava a sociedade para quem as testemunhas arroladas trabalhavam; 6. Essa informação podia ser positiva ou negativa. Mas era necessário tentar obtê-la;
7. Daí a perplexidade que o proferimento de tal despacho, por inesperado, produziu na mente do arguido;
8. Os factos que sustentavam a acusação correspondentes ao teor dos telefonemas estão descritos naquela peça processual;
9. Mas sem ter a possibilidade de inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido não é possível conhecer, além dos factos descritos na acusação, outros factos que pudessem beneficiar, atenuar ou mesmo excluir a responsabilidade do arguido;
10. Até porque o arguido se propôs provar factos que alegou na acusação nos quais as testemunhas arroladas participaram e que poderiam ser esclarecidos na inquirição das testemunhas que arrolou;
11. Inquirições essas que, por essa razão, eram essenciais à descoberta da verdade.
12. Não sendo possível antever, como fez o despacho em crise, de que não seria possível obter do administrador de insolvência a informação pretendida;
13. Sendo que o momento fundamental em processo penal é o julgamento com a produção de todas as provas indicadas, o que não aconteceu;
14. Quanto aos fundamentos do despacho em crise, um primeiro fundamento, foi pôr em dúvida se o administrador de insolvência poderia fornecer a informação pretendida;
15. O que não é aceitável, uma vez que, nos termos do art.36º,f), e do art.24º, do CIRE, a empresa insolvente tem que fornecer ao administrador da insolvência os documentos relevantes;
16. designadamente, os relativos aos três últimos exercícios, isto é, desde 2014 até à data da apresentação à insolvência. -- vide art. 24-1-f), do CIRE;
17. Tais documentos abrangem a data em que os factos constantes da acusação foram praticados pelo que desses documentos, certamente, constarão a identificação das testemunhas que se pretende sejam ouvidas em julgamento;
18. Dir-se-á, por isso, salvo melhor opinião, que só é possível saber se a informação poderia ser prestada se essa informação lhe fosse pedida;
19. Pelo que tal fundamento não pode, de modo algum, ter acolhimento;
20. Um segundo fundamento, foi o retardamento do andamento do processo;
21. Ora, a função principal e única do tribunal é julgar em consciência os fundamentos da acusação que lhe é submetida produzindo e apreciando todas as provas que lhe são indicadas não sendo relevante o argumento do retardamento do andamento do processo ainda para mais considerá-lo intolerável, como fez o despacho em crise;
22. Sendo certo que o arguido é completamente alheio ao retardamento do processo;
23. Um terceiro argumento, isto é, as testemunhas poderiam ter sido indicadas na instrução também não colhe uma vez que, na fase instrutória, só foi levantada uma questão de direito que, se fosse procedente, obviaria a que o julgamento se efetuasse;
24. Finalmente, um quarto argumento, a confissão do arguido, situação que já se verificava no final da audiência de julgamento de 09-09-2021 também não colhe, até pela falta de coerência entre o despacho final nela proferido e o despacho em recurso;
25. As testemunhas arroladas, participantes em factos descritos na acusação nunca poderiam ser consideradas irrelevantes ou supérfluas;
26. O despacho em crise interpretou incorretamente os factos e o direito violando, entre outros, o art.32-1, da Constituição e o art.120-2-d), CPP, cometendo assim a nulidade prevista nesta última disposição legal.
Pelo exposto e pelo muito mais que resultar do douto suprimento de Vossas Excelências, deve dar-se provimento ao recurso, e em conformidade deve declarar-se ter sido cometida nulidade por omissão de diligências que levassem à notificação das testemunhas arroladas pelo arguido o que importa a anulação de todos os atos subsequentes, designadamente, as alegações proferidas em julgamento e o acórdão condenatório entretanto proferido, substituindo-se o despacho em crise por outro que ordene as diligências omitidas, isto é, que seja notificado o administrador de insolvência da sociedade para quem trabalhavam as testemunhas arroladas, a fim de este indicar a morada para onde possam ser notificadas.
Porque só assim se fará J U S T I Ç A !
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O recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.
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O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pugnando pela respetiva improcedência e formulando as seguintes conclusões:
1. Pese embora as testemunhas possam e devam ser indicadas pelo arguido com a contestação e até ao momento previsto no Artº , se as mesmas não estiverem correctamente identificadas e não se souber quais os factos dos quais têm conhecimento, as mesmas devem devidamente identificadas e inquiridas na fase de inquérito, momento processual em que procede à recolha de prova;
2. As testemunhas em causa apenas têm conhecimento dos factos com os quais contactaram através dos telefonemas em que participaram enquanto funcionários da linha telefónica bancária e das regras a que estavam sujeitas no exercício dessas funções;
3. As referidas chamadas telefónicas foram gravadas e encontram-se transcritas nos autos tendo também sido junto aos autos o manual de procedimentos ao qual as referidas pessoas estavam obrigadas no exercício das respectivas funções;
4. A inquirição das referidas testemunhas não constitui a realização de uma diligência essencial para a descoberta da verdade, uma vez que os factos dos quais terão conhecimento podem ser demonstrados através de outros meios de prova que constam dos autos e foram apreciados.
Face ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
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Concluído o julgamento, foi proferido Acórdão, no qual se decidiu condenar o arguido AA pela prática, como autor material na forma tentada, e como reincidente, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 202º, alínea b), 217º, nº 1, 218º, nº 2, alínea a), 75º e 76º, todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
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Inconformado com o Acórdão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
1. O Recorrente não pode de modo algum conformar-se com o acórdão em crise despacho em crise que o condenou na pena de 5 anos e 2 meses de prisão;
2. Não foram elencados, como deviam, no acórdão em crise quer nos FACTOS PROVADOS quer na rúbrica NÃO SE PROVOU, factos alegados na contestação, designadamente:
3. - que os funcionários da SuperLinha têm formação adequada para não procederem às transferências bancárias solicitadas pelo arguido;
4. - que o arguido tentou substituir o número de telefone pelo do Cliente do Banco por aquele que usou para telefonar não lhe foi permitido pelos funcionários em obediência ao manual de procedimentos do banco;
5. - que a falta de resposta aos esclarecimentos solicitados ao arguido pelos funcionários da SuperLinha despoletaram o alerta da supervisão da mesma;
6. - que as transferências solicitadas não foram efetuadas porque todos os funcionários, dadas as circunstâncias, cumpriram o determinado pelo manual de procedimentos do banco;
7. Estes factos são relevantes para o exame e decisão proferida;
8. E deviam figurar nos FACTOS PROVADOS ou na rúbrica NÃO SE PROVOU porque o acórdão em crise devia ter apreciado os factos constantes da acusação, como fez, assim como os factos alegados pela defesa, que não fez;
9. Olvidando estes factos, em desrespeito pelo determinado no art.374-2, CPP.;
10. O que determina a nulidade do acordão. --art. 379-1-a), CPP.;
11. De acordo com o Manual de Procedimentos do Banco Santander só podem ser ordenadas telefonicamente transferências bancárias de valor superior a 2.000 euros, depois de ser confirmada por uma chamada telefónica feita pelo funcionário da SuperLinha para o número que está registado na ficha de cliente.
12. O Manual de Procedimentos não foi apreciado no acórdão em crise, como devia;
13. Os factos nele descritos, designadamente, os elencados nas Conclusões 3 a 6 supra, não figuram nos FACTOS PROVADOS e na rúbrica NÃO SE PROVOU;
14. 14. Como, também, não foram incluídos no exame crítico daS provas;
15. Em manifesta violação do disposto no art. 374-2, CPP.
16. O que, também com este fundamento, determina, a nulidade do acordão. --art. 379-1-a), CPP;
17. A ausência dum código de acesso ou de uma password e, ainda, o facto de os telefonemas não partirem do número de telefone registado na ficha de cliente do banco, constituem um procedimento Recurso Penal
manifestamente inidóneo para obter o resultado pretendido, pelo que o arguido praticou, apenas, meros atos de execução não puníveis, direcionados o que constitui tentativa impossível --art.º 23-3, CP;
18. Tendo-se em consideração que a idoneidade do meio enganador afere-se tomando em consideração as características do concreto burlado que, no caso concreto, seriam os funcionários da SuperLinha com obediência ao Manual de Procedimentos;
19. Pelo que o arguido deveria ter sido absolvido;
20. O arguido não podia ter sido condenado como reincidente.
21. Como dispõe o art. 75-2, CP, para que o arguido fosse condenado como reincidente era necessário, dentro dos FACTOS PROVADOS, que constasse a data em que o arguido tivesse praticado um crime anterior que estivesse contida no prazo de 5 anos, embora não se computando o tempo durante o qual o arguido tivesse cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade;
22. Ora, tal descrição não existe no acórdão em crise;
23. Mas, mesmo que o acórdão contivesse essa descrição, a pena abstrata estaria contida entre os 40 dias e os 5 anos e 4 meses --e não 40 dias e 6 anos e 4 meses -como se declara o acórdão em crise- por força das disposições conjugadas dos arts.23-2, 73, 75, 76 e 218-2-a), todos do CP.
24. Pelo que, mesmo dentro da lógica do acórdão, a pena aplicada ao arguido é excessiva e não devia ultrapassar os 2 anos e 7 meses de prisão, em obediência ao disposto nos arts. 70 e 71, CP, com a sua execução suspensa por igual período;
25. O cordão em crise interpretou incorretamente os factos e o direito violando, entre outros, os arts. 374-2, e 379-1-a), CPP, e os arts. 23-2-3, 50, 70, 71, 73, 75, 76 e 218-2-a), todos do CP.
Pelo exposto e pelo muito mais que resultar do douto suprimento de Vossas Excelências, deve dar-se provimento ao recurso, e em conformidade:
A) - deve declarar-se nulo o acórdão em crise nos termos das conclusões 10 e 16 supra, e em consequência, ordenar-se a baixa do processo para que tais nulidades sejam supridas, e, se inesperadamente, assim não for decidido,
B) - deve absolver-se o arguido por se tratar de tentativa impossível, e, se, ainda inesperadamente, assim não for decidido,
C) - não deve o arguido ser condenado como reincidente, e
D) - condenado apenas numa pena em medida não superior a 2 anos e 7 meses de prisão, com a sua execução suspensa por igual período. Porque só assim se fará J U S T I Ç A !
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Por despacho de 23 de março de 2022 o recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.
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O Ministério Público respondeu ao recurso interposto do Acórdão formulando as seguintes conclusões:
1. A falta de pronúncia quanto aos factos alegados pelo recorrente na contestação não gera a nulidade do acórdão por falta de fundamentação, mas sim por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no Artº 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal;
2. Os factos inócuos, bem como as alegações que constituem conclusões ou opiniões não têm que ser apreciadas, sem que tal facto constitua qualquer nulidade;
3. O artº 2º da contestação só poderia constar da matéria de facto não provada, sob pena de entrar em contradição com os pontos 4. a 8. Da matéria de facto provada com cujo teor o recorrente se conformou;
4. O Artº 3º da contestação é uma conclusão que não pode constar da matéria de facto;
5. Quanto ao Artº 4º da contestação apenas se pode considerar provado que o recorrente efectuou as chamadas telefónicas para a linha bancária através de número de telefone distinto do que se encontrava associado à canta bancária que pretendeu movimentar, porque é o que resulta do teor das conversas que foram gravadas e que constam nos pontos 12. a 14., sem que daí se possam extrair outras conclusões;
6. Os Artºs 5º, 6º e 7º da contestação tem que ser dado como não provado por inexistirem elementos de prova que os sustentem;
7. Quanto ao Artº 8º da contestação apenas se pode dar como provado que as transferências pretendidas pelo recorrente não foram efectuadas, sendo tudo o mais conclusivo;
8. Conteúdo do manual de procedimentos da “Superlinha” consta da matéria de facto provada, nas páginas 16 a 18 do acórdão recorrido;
9. A alteração da matéria de facto, ainda que venha a ser realizada é irrelevante para a decisão, porquanto o método escolhido pelo recorrente não é manifestamente inapto para obter o resultado que pretendia, uma vez que previamente ao contacto com a linha de atendimento bancário, o recorrente contactou o titular da conta que pretendia movimentar fazendo-se passar por funcionário da instituição e obteve diversos elementos de identificação que lhe teriam permitido a respectiva movimentação caso tivesse actuado de forma mais tranquila;
10. Os elementos necessários à alteração da matéria de facto constam já dos autos, havendo lugar à aplicação do disposto no Artº 431º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal;
11. Embora a fundamentação do acórdão recorrido quanto à condenação como reincidente não seja clara, a análise do certificado de registo criminal do recorrente para onde remete, permite concluir pela verificação dos pressupostos constantes do disposto no Artº 75º, nº 1 do Código Penal;
12. Ainda que o recorrente não venha a ser condenado como reincidente, a pena concretamente fixada nunca poderia ser inferior a 4 anos de prisão efectiva, uma vez que a alteração deve respeitar a fundamentação e a proporção do desagravamento da moldura penal abstracta.
Face ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso e, caso assim não se entenda, deverão as alterações ser efectuadas nos termos do disposto no Artº 431º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal, mantendo-se no mais a decisão recorrida.
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No Tribunal da Relação, o Exmº Sr. Procurador da República emitiu Parecer nos seguintes termos:
“ (…)
2.1.1. O Recurso vem interposto pelo arguido AA do despacho que, na audiência de discussão e julgamento que decorreu em 19-1-2022, indeferiu o requerimento apresentado pelo recorrente no sentido de serem ouvidas determinadas testemunhas e realizadas diligências para esse efeito.
2.1.2. O recorrente impugna a decisão por entender que a mesma constitui nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2 alínea d) do Código de Processo Penal e por ser violadora dos seus direitos de defesa.
2.2. Parecer sobre as questões a decidir. Quadro factual. Enquadramento jurídico. Análise. a) Ponto prévio.
O arguido impugna o seguinte despacho proferido em audiência de discussão e julgamento:
“O tribunal tem vindo a diligenciar na medida das suas possibilidades, com vista a localizar as testemunhas cuja a inquirição foi solicitada pelo arguido, sem qualquer sucesso -, como resulta da leitura dos autos.
Em resultado as aludidas diligencias sabe-se nesta ocasião, que a empresa para a qual alegadamente terão trabalhado tais testemunhas, cuja a identificação nem se conhece qual seja, foi declarada insolvente. Nessa exata medida, e como resulta do conhecimento de todos nós, o administrador de insolvência não terá com facilidade acesso à informação de uma orgânica operativa que, presentemente, não existe. Por essa razão, afigura-se-nos que a realização das requeridas diligencias retardaria, para além do que já retardou, o andamento do processo de forma que, nesta ocasião, já se reputa como intolerável.
Acresce que, tendo o arguido requerido na abertura de instrução, poderia ter atempadamente diligenciado ou suscitado tal inquirição nesse momento, não aguardando tal ensejo para julgamento. Finalmente, a questão suscitada para a qual do ponto de vista da defesa relevam as testemunhas a inquirir, já foi suscitada e decidida em sede de instrução, e tendo presentes as declarações prestadas pelo arguido, que na sua essencialidade e quanto à materialidade de fáctica, a confessa (ainda com reserva de ter atuado sob coação), consubstancia essencialmente, a nosso, ver uma questão de direito para cuja solução não se antevê qual o contributo das testemunhas que o arguido visava inquirir. E por todas essas razões se decide pela prossecução do julgamento o qual, nesta fase, transitará de imediato para alegações.”
Do despacho que antecede, que foi gravado através do sistema HABILUS MEDIA STUDIO, foram os presentes devidamente notificados, e dele ficaram cientes.
O arguido invoca a nulidade desse despacho de indeferimento, com base no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal. Fá-lo diretamente no presente recurso.
Atendendo ao enquadramento legal do recurso interlocutório apresentado, tal diligência é reputada pelo recorrente como essencial para a descoberta da verdade, pelo que a omissão da sua realização constitui uma nulidade sanável, dependente de arguição, segundo o artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal.
Tal nulidade relativa terá que ser arguida “antes que o ato esteja terminado” (artigo 120º, n.º 3, al. a), que servirá de eventual fundamento de recurso (cf. artigo 410.º, n.º 3 do Código de Processo Penal).
Ora, o recorrente, na audiência de discussão e julgamento não invocou essa nulidade.
Não o tendo feito e não sendo nulidade de conhecimento oficioso, a mesma está sanada, não afetando os atos que dela dependam, não podendo ser fundamento direto de recurso, sem que previamente fosse o motivo da impugnação do indeferimento. (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27/3/2012, processo n.º 19/09.6GDCUB.E1).
A questão, não é, no entanto, pacífica na jurisprudência.
Veja-se, em sentido diferenciado o acórdão do TRL, de 26-2-2019, processo n.º 906/17.8PTLSB.L1-5.
“…Não é esse o nosso entendimento. Como defende o Conselheiro Oliveira Mendes (Comentário ao Código de Processo Penal, Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, 2016, 2.ª edição, p. 1049), a decisão do tribunal de produção ou não produção de prova, “obviamente que é recorrível, designadamente com o fundamento de que foi proferida fora das condições legais, posto que a sua irrecorribilidade não está prevista - art. 399.º.” A omissão de produção de meio de prova necessário, no sentido de essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa constitui nulidade relativa, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º. Se a produção do meio de prova não tiver sido requerida, o interessado na sua produção – que o tribunal deveria ter ordenado oficiosamente - deve arguir a nulidade até ao encerramento da audiência, nos termos do artigo 120.º, n.º 3, alínea a), sob pena de sanação. No caso de não obter deferimento, cabe recurso da decisão. Porém, se a produção do meio de prova tiver sido requerida e o tribunal indeferir por despacho tal requerimento, a impugnação deve ser feira por via de interposição de recurso desse despacho, não havendo razão para impor ao interessado a prévia arguição de vício (…).”
A hesitação jurisprudência não prejudica, a nosso, ver o que de seguida se defende.
b) Quanto ao juízo de necessidade ou desnecessidade da diligência de prova requerida.
Coisa diferente é a avaliação dos fundamentos do indeferimento (tácito) e do contexto em que ocorreu, tendo presente os direitos de defesa do arguido.
A avaliação desse fundamento deverá ocorrer no quadro do condicionalismo legal do artigo 340.º do Código de Processo Penal, ainda que o despacho recorrido fosse omisso na fundamentação de direito e porventura no dispositivo (indeferimento expresso) e como tal merecesse censura logo aí.
Terá o despacho recorrido obedecido ao condicionalismo legal ou terá violado a lei?
A opção do tribunal em indeferir o requerimento de prova apresentado pelo recorrente é suscetível de recurso, o qual se nos afigura dever proceder.
Vejamos.
Os pressupostos legais sobre o juízo de necessidade ou desnecessidade das diligências de prova consta do citado artigo 340.º do Código de Processo Penal, que estabelece o seguinte (versão anterior à Lei 94/2021):
Artigo 340.º
Princípios gerais
1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.
Nos termos do artigo 340.º, n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal, o Tribunal ordena a produção da prova tida por necessária, legalmente admissível, adequada, de obtenção possível ou, pelo menos, não muito duvidosa e consentânea com o normal devir do processo.
A prova é necessária quando for relevante para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
o Sobre isso, até à decisão de surpresa proferida e agora objeto de recurso, o tribunal considerou-a necessária e diligenciou pela sua produção acolhendo o sentido do que vinha sendo requerido pelo arguido quanto à sua produção.
A prova era legalmente admissível.
o Assim o vinha entendendo o tribunal até ao despacho recorrido, o qual não contém norma jurídica que o fundamente em contrário.
A prova é adequada quando apta à prova de factos pertinentes à defesa ou acusação ou ao objeto do processo.
o O que também vinha sendo considerado pelo tribunal até ao despacho recorrido.
A prova era obtenível, i.e., possível.
o Conforme vinha advogando o recorrente através de sugestão de diligências que o tribunal acolhera até ao despacho recorrido.
A prova não era dilatória.
o Por tal não ter sido sequer ponderado ou sustentado no despacho recorrido de forma aceitável, por não fundamentada quanto a esse pressuposto, de facto e direito, sendo até possível a interrupção ou mesmo o adiamento da audiência – 328.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Visto o despacho recorrido, o mesmo não aprecia o condicionalismo legal que impõe ao tribunal o poder/dever de apreciar os pressupostos legais sobre o exercício do poder/dever que exerceu, sendo certo que até ao despacho recorrido se pressupôs verificado esse condicionalismo.
Por outro lado, a prova requerida foi-o desde o primeiro momento apresentada de forma processualmente oportuna (na contestação), como refere o Ministério Público na 1.ª instância. Tratando-se de uma decisão-surpresa, à revelia do que vinha sendo acolhido pelo tribunal quanto à produção de prova requerida pelo arguido, afigura-se-nos violado o princípio do contraditório e da igualdade de armas, com assento constitucional no artigo. 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, o qual impõe que seja dada oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afete, designadamente que seja dada ao acusado a efetiva possibilidade de contrariar e contestar as posições da acusação, princípio que é integrante do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no artigo 6.º, § 1.º da CEDH e no artigo 49.º da CDFUE.
“Na construção convencional, o contraditório, colocado como integrante e central nos direitos do acusado (apreciação contraditória de uma acusação dirigida contra um indivíduo), tem sido interpretado como exigência de equidade, no sentido em que ao acusado deve ser proporcionada a possibilidade de expor a sua posição e de apresentar e produzir as provas em condições que lhe não coloquem dificuldades ou desvantagens em relação à acusação” - cf. acórdão do STJ, de 7-11-2007, processo n.º 07P3630, relator Henriques Gaspar.
Se até ao despacho recorrido as diligências de prova requeridas pelo arguido se afiguraram ao tribunal como relevantes para a descoberta da verdade ou não despiciendas, tendo elas sido requeridas no momento processual próprio, sem que houvesse recusa do tribunal em as aceitar como relevantes, o tribunal devia prosseguir nas diligências para a sua produção, constituindo a sua recusa um incumprimento por parte do tribunal do dever que sobre si impende de produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Não podendo manter-se o despacho recorrido, a decorrência deverá ser a de revogar o despacho recorrido, por violação do disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal e do poder vinculado que o mesmo impõe ao juiz de julgamento (acórdão do TRG, de 27/04/2009, processo 12/03.2TAFAF.G1), anular o julgamento e o acórdão proferido, ficando prejudicada a apreciação do recurso do acórdão condenatório.
2.3. Conclusão:
Em conformidade, somos de parecer que ao recurso interposto pelo arguido deve ser dado provimento, ser revogado o despacho recorrido e anulado o julgamento, determinando-se a reabertura da audiência em conformidade.”
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Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., tendo o arguido apresentado resposta, na qual, em sínteses, reitera o já alegado nas motivações de recurso.
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Constatando-se que não se mostrava cumprido o disposto no artigo 412º, nº5, do Código de Processo Penal, foi, por despacho de 13-06-2022, ordenada a notificação do recorrente para, em dez dias, especificar se mantinha interesse no recurso interposto em 18 de fevereiro de 2022, sob pena de, nada dizendo, se entender que desistia do mesmo, tendo o recorrente, por requerimento de 27-06-2022, informado que mantém interesse em tal recurso.
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Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência.
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Fundamentação
Delimitação do objeto do recurso
Nos termos do disposto no art.412º, nº1, do C.P.P., e conforme jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no art.410º, nº2, do C.P.P., mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, págs.74; Ac.STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, págs.96, e Ac. do STJ para fixação de jurisprudência de 19.10.1995, publicado no DR I-A Série de 28.12.1995.
São, pois, as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o Tribunal ad quem tem de apreciar.
No caso dos autos, face às conclusões da motivação dos recursos, são as seguintes as questões submetidas à nossa apreciação:
A) – No recurso interlocutório (em cuja apreciação o recorrente declarou manter interesse ):
- nulidade por omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade;
B) - No recurso do Acórdão:
- nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia
- erro de julgamento
- reincidência
- medida da pena
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É do seguinte teor o Acórdão recorrido no que concerne a factos provados, factos não provados e motivação: “
II – FACTOS PROVADOS
1. A entidade bancária “Santander Totta” dispõe de um serviço denominado “Phone Banking Super Linha”, que permite aos seus clientes, através de chamada telefónica, movimentar os saldos das respectivas contas bancárias.
2. O arguido, em data não concretamente apurada, resolveu pôr em prática um plano por si delineado com a finalidade de vir a obter dinheiro de forma rápida, mais precisamente, obter transferências bancárias de terceiros para a sua conta pessoal ou de terceiros, de forma a locupletar-se indevidamente, à custa do património dos titulares dessas contas.
3. Nesse sentido, após apurar a identidade e número de conta de particulares, nas circunstancias adiante referidas, efectuava chamadas telefónicas, fazendo-se passar pelo titular das contas e solicitava transferências para a sua própria conta pessoal ou de terceiros.
4. Em cumprimento do referido plano delineado, no dia 17-1-2015, entre as 22h00 e as 23h00, e no dia seguinte, o arguido efectuou pelo menos três telefonemas para BB, para o telemóvel nº ……. e para o número fixo da residência do mesmo ….., telefonemas esses que o arguido efectuou do número de telemóvel …….
5. Os referidos contactos telefónicos foram efectuados pelo arguido de molde a apurar junto de BB, os elementos pessoais e bancários do mesmo, elementos esses que posteriormente lhe permitiriam aceder às respectivas contas bancárias de BB.
6. Para tanto, nesses contactos telefónicos, o arguido identificou-se perante o ofendido como sendo o senhor “Silva”, funcionário informático do Banco Santander, e que lhe estava a telefonar por que tinham ocorrido alguns problemas que tinham de ser resolvidos mas, para o efeito, necessitava de algumas informações pessoais e bancárias, designadamente do seu nome completo, filiação, morada, data de nascimento, número do cartão de cidadão, o número de contribuinte, o número da sua conta bancária e o código de acesso à mesma.
7. Crente em que a informação era verdadeira, BB, facultou ao arguido todas as informações que aquele lhe pediu, com excepção do código de acesso à sua conta bancária.
8. Desta forma, o arguido conseguiu que lhe fossem facultadas informações pessoais e bancárias de BB, designadamente o seu nome completo, filiação, morada, data de nascimento, número do cartão de cidadão, o NIF, o número da sua conta bancária à ordem, e o saldo disponível nessa conta.
9. Na posse destas informações, o arguido resolveu apropriar-se das quantias monetárias propriedade do mesmo que existissem nessa conta bancária, e noutras contas bancárias de que fosse ali titular.
10. Na sequência deste plano previamente delineado e pensado, e em execução do mesmo, na posse dos elementos pessoais e bancários de AA, o arguido contactou telefonicamente a “Super Linha” da entidade bancária #Santander Totta”, por três vezes, no dia 17-12015, no período compreendido entre as 22h00 e as 23h30, ligando para o número ……, e utilizando para tal o número de telemóvel ………., fazendo-se passar por BB.
11. Nesse dia 17-1-2015, as conversas, com as operadoras do Banco, que ficaram gravadas, foram as seguintes:
12. 1 ª conversa: Operadora – Super Linha, muito boa noite, o meu nome é CC, como está senhor BB, passou bem? Arguido – hum…tudo bem, como está passou bem? Operadora – Olhe eu queria aderir à …à Super Linha ..a..eu perdi o código de movimentação e, de consulta e de movimentação se possível? É possível? A senhora diga-me uma coisa, a que horas é que encerram os …os… os…os…. Serviços da Super Linha? Operadora – Olhe, 23h, o atendimento personalizado é até às 23h00. Arguido – Ai é até às 23h00, sim senhora.
13. Operadora – Sim, sim. A … Senhor BB, consegue-me indicar qual é a conta à ordem que utiliza mais? Arguido – É …. Operadora – É a conta ordenado? Arguido – Portanto eu, eu vou-lhe dizer: 0018… Operadora – Sim. Arguido – 000000…. Operadora – Sim. Arguido – 329… Operadora – Sim. Arguido – 666 … Operadora – Sim. Arguido – A ….00…125. Operadora – Sim. Arguido – Mas eu não poderei ficar com as outras agregadas também? Operadora – Sim, eu vejo que tem aqui mais uma conta. Arguido – Pois tenho. Operadora – aparece tudo, eu só estava a perguntar a conta à ordem que utiliza mais, que era porque …ser colocadas umas questões… Arguido – Sim, sim. Operadora – E algumas delas são relativas a essa conta.
Arguido – Ah sim.
Operadora – O senhor … , para poder aceder ao seu património terei de lhe colocar 4 breves questões de caracter pessoal e bancário.
Arguido – Sim, sim.
Operadora – Diga-me p.f. o número do seu bilhete de identidade ou cartão de cidadão.
Arguido – O cartão de cidadão … ora 070… Operadora – Sim. Arguido – 508…
Operadora – Sim.
Arguido – 33 …ai, ai já agora desculpe, queria-lhe pedir – lhe uma coisa …eu, eu queria aderir à Super Linha com outro telefone, haverá possibilidade não é?
Operadora – Sim, sim, sim, já fazemos essa alteração.
Arguido – Pois … muito obrigado.
Operadora – A data de nascimento por favor. Arguido – 04-06-1964.
Operadora – O saldo disponível ou contabilístico da sua conta à ordem.
Arguido – Eu penso que é € 3601,87 euros.
Operadora – Muito obrigada. Senhor BB, antes de prosseguirmos, permita-me indicar-lhe que na próxima vez que nos ligar, se ligar ….
Arguido – Sim, sim. Operadora – do número de telemóvel que consta nos seus dados pessoais, tem acesso imediato às suas contas bancárias.
Arguido – Pois, mas eu queria …
Operadora – É capaz de me responder a essas questões?
Arguido – Pois mas eu queria alterar para este número que eu estou agora a ligar.
Operadora – Quer então alterar para o ……é esse?
Arguido – Exactamente. Muito obrigada.
Operadora – Então é o ……
Arguido – ….. Operadora – Senhor BB para fazermos essa alteração, necessito que me confirme alguns dados.
Arguido – Sim, sim.
Operadora – Indique-me por favor o nome do titular da sua conta à ordem.
Arguido – Estou? Operadora – Sim?
Arguido – Estou?
Operadora – Sim, sim, senhor BB?
Arguido – Estou? A chamada caiu ….
Operadora – senhor BB?
13. 2ª Conversa: Operadora – Super Linha muito boa noite, o meu nome é DD, estou a falar com…?
Arguido – Com BB, como está, passou bem?
Operador – Passou bem senhor BB?
Em que posso ajudá-lo por favor?
Arguido – Olhe, diga-me uma coisa, para efectuar um … vocês estão abertos da Super Linha até às 22 horas …. até às 23h00, não é?
Operador – Precisamente.
Arguido – E, abrem a que horas de manhã?
Operador – às 8h00. Arguido – Às 8h00, diga-me uma coisa, para fazer uma …. Eu não sou aderente à Super Linha ainda, mas a …ao bocadinho a chamada caiu, estava a tentar aderir à Super Linha ….
Operador – Exacto.
Arguido – E quando fui mudar o número de telefone, que eu queria outro número de telefone na Super Linha, a … a chamada caiu.
Operador – Hum,hum..
Arguido – A … diga-me uma coisa, a ….a…agora ia-lhe perguntar ….para fazer uma transferência qual é o valor máximo de transfe ….qual é o valor máximo de pagamento num cartão multibanco, em compra de dívidas? Que eu vou para os Estados Unidos ….
Operador – A …pretende saber …. Eu agora não compreendi a sua questão!
Arguido – Tipo …qual é o valor máximo possível …plafond máximo do cartão de débito para comprar dívidas, para comprar dólares, que eu vou viajar para os Estados Unidos amanhã.
Operador – Então, mas …. Para comprar, para comprar dólares?
Arguido – Sim, sim.
Operador- Mas trocar euros por dólares?
Arguido – Sim, sim.
Operador – Mas trocar euros por dólares?
Arguido – Sim, exactamente.
Operador – Mas isso para trocar, tem que dirigir-se ao balcão.
Arguido – Sim, mas eu estou a dizer … não, mas eu tenho dinheiro na conta e tenho aplicações, é possível desmobilizar uma aplicação, que eu tenho no “Privat” através da Super Linha não é?
Operador – Hum, hum, sim, mas para fazer essa mesma troca, não é …ou quer reservar dólares, é isso?
Arguido – Não, o que eu quero é desmobilizar umas aplicações que eu tenho no Santander através da Super Linha…
Operador – Hum, hum…
Arguido – E depois … eu fazia transferência para outro Banco, mas o que lhe queria perguntar é se existe algum plafond com o cartão multibanco, de débito da Super Linha, para efectuar essa compra na “Unicambios”, não sei se me faço compreender.
Operador – Ora…não, vamos já ver aqui na Super Linha nós podemos-lhe então …..a, fazer as transferências ou desmobilizar esse mesmo capital não é …. agora ….
Arguido – Sim…sim.
Operador – O montante ….. portanto pretende saber o montante do cartão …?
Arguido – Por exemplo, o montante de …do plafond, por exemplo, eu quero comprar …. Por exemplo, é uma hipótese …. 15 mil euros de …. de dólares, em dólares americanos, em….se o cartão …. É claro que tenho dinheiro na conta, neste momento tenho lá 3.601,98 euros ….
Operador – Hum, hum.
Arguido – Mas acontece que pronto, a …. vou desmobilizar …. Queria comprar 15 mil euros, o cartão paga 15 mil euros que eu tenho na conta? Na unicâmbios? Se lá tiver o dinheiro?
Operador – Se lá tiver sim.
Arguido – Ah pronto, era isso! …os cartões eu por exemplo, eu sou cliente do BPI e o BPI só me dá um plafond de 5 mil euros em cartão de débito, e tenho lá cerca de 20 e tal mil euros, o problema é esse, é isso que eu estava a perguntar senhor. Pronto é só isso.
Operador – Mas já agora se quiser eu poderei verificar essa mesma …. Pode-me indicar qual é o seu número de contribuinte?
Arguido – Sim, sim, posso. É o ….… eu ao bocadinho telefonei para aí para ….. mas a chamada caiu e ficou a meio.
Operador – Então fazemos agora, está bem. …….
Arguido – ……. Operador – ….... Arguido – 658,658.
Operador – Dê-me aqui só um momento ….
Arguido – Muito obrigada, queira desculpar estar a incomodar ….
Operador – Não faz mal, não está a incomodar nada. Ora então para que eu possa aceder ao seu património terei que colocar algumas questões de carácter pessoal e bancário, de forma a validar …...
Arguido – Desculpe ….
Operador – A sua identidade. Indique-me por favor o número de bilhete de identidade ou o cartão de cidadão.
Arguido – Cartão de cidadão, é o …….
Operador - Sim.
Arguido – ….. olhe, e depois queria alterar o número de telemóvel por favor.
Operador – Hum, hum, sim podemos fazê-lo.
Arguido – A ……..….
Operador – sim.
Arguido – A ……..
Operador – a data de nascimento.
Arguido – A …04-06-1964.
Operador – O seu saldo disponível ou contabilístico à data de hoje.
Arguido – Ora, eu penso que é, vamos lá ver se não me engano … acho que é …
Operador – Não é necessário que seja o número exacto, pode ser um valor aproximado desde que …
Arguido – o número certo ….3601,98.
Operador – Hum, hum, … muito obrigado.
Arguido – e o NIB quer o NIB?
Operador – Não é necessário, desde já lhe agradeço ter respondido a estas questões ….
Arguido – eu é que agradeço.
Operador – Digo-lhe então, gostaria de o informar que da próxima vez que nos ligar pode aceder ao seu património duma forma então mais simples, se nos ligar do número de telemóvel que conste dos seus dados pessoais, tem acesso imediato às suas contas, ou em alternativa podemos enviar-lhe um SMS com um código de acesso.
Arguido – Não, mas eu queria outro número de telemóvel.
Operador – Sim, sim, mas pretende receber este código para futuras utilizações?
Arguido – Sim, mas queria …. Não queria para este número porque eu tenho um ….
Operador – Sim, sim, mas fazemos a alteração ….
Arguido – Já …
Operador – Portanto, eu neste momento tenho aqui um …..…. Quer actualizar?
Arguido – Sim, sim. Diga, diga.
Operador – É este o número ou quer actualizar este número?
Arguido – Não, quero actualizar para o …já agora também …
Operador – Com certeza, sim, sim …. Dê-me só então um momento ….
Arguido – Muito obrigada pela atenção. Os senhores de facto têm um atendimento excepcional.
Operador – Ora bem, então vamos …….?
Arguido – ….…
Operador – …...
Arguido – …..
Operador – …,…,…. Já agora … este fica como preferencial, correcto?
Arguido – Exactamente, e pronto, pode enviar o código de movimentação e de, e de ….consulta.
Operador – Sim, sim…vão já tratar disso mesmo.
Operador – Antes de mais, e por questões de segurança, antes de fazer a actualização do seu número de telemóvel necessito que me confirme alguns dados. Indique-me por favor o nome dos titulares da sua conta à ordem.
Arguido – Estou? Estou?
Operador – Sim, sim, está-me a ouvir?
Arguido – Agora …. Já caiu a chamada outra vez …
Operador – Não, não, eu estou aqui …. Está-me a ouvir?
Arguido – Estou? Estou?
14. 3ª chamada:
Operadora – Super Linha muito boa noite, fala EE, estou a falar com?
Arguido – Com BB, como está, passou bem?
Operadora – Tudo bem como está senhor BB?
Arguido – Desculpe lá que eu estou a ligar de uma cabine, eu …. Estou sim?
Operadora – Sim, sim, diga?
Arguido – Estou a ligar de uma cabine, tenho o telemóvel descarregado. Diga-me uma coisa, a …tem a ver...eu desejava fazer uma transferência de um NIB para um NIB, para outro Banco …a … há essa possibilidade?
Operadora – Portanto quer fazer uma transferência?
Arguido – Sim, sim.
Operadora – Com certeza.
Arguido – Indique-me por favor por questões de segurança, a … vou-lhe colocar algumas questões de carácter pessoal e bancário. Indique-me por favor o seu número de bilhete de identidade.
Arguido – ora é o ……
Operadora – Sim.
Arguido – 50.
Operadora – Sim.
Arguido – …..
Operadora – A sua data de nascimento?
Arguido – 04-06-1964.
Operadora – O seu saldo disponível ou contabilístico da sua conta, ou o valor do movimento com data de operação a partir do dia 1-01-2015?
Arguido – Olhe, isso agora …. Eu penso que o saldo exacto mais ou menos é de 3601,98.
Operadora – Muito obrigado por ter respondido a estas questões … antes de prosseguirmos gostaria de informar que a próxima vez que nos ligar pode aceder ao seu património de uma forma ainda mais simples. Se nos ligar do seu número de telemóvel que conste dos seus dados pessoais tem acesso imediato às contas. Em alternativa, podemos-lhe enviar um SMS com o código de acesso, pretende receber este código ou pretende prosseguir sem código senhor BB?
Arguido – Não, pretendo prosseguir sem código, não vale a pena, mas oiça, eu tenho que desmobilizar uma … uma … aplicação que está na “Privat” possivelmente ….
Operadora – Senhor BB, mas quer fazer uma transferência certo?
Arguido – Sim, sim.
Operadora – De uma conta à ordem para outra conta?
Arguido – Sim, sim … para outra conta de outro Banco.
Operadora – Portanto diga-me por favor … o número da conta que quer então fazer a transferência.
Arguido – Pois, mas eu queria desmobilizar aplicações que tem aí, uma aplicação que tenho aí para perfazer os 20 mil euros? Veja lá.
Operadora – Quer então … deixe-me ver.
Arguido – Muito obrigado, queira desculpar estar a incomodar tão tarde, peço imensa desculpa.
Operadora – Mas quer fazer … quer fazer uma mobili….quer tirar portanto 20 mil euros de que conta?
Arguido – De uma aplicação que eu tenho aí, eu tenho aí aplicações financeiras, veja lá.
Operadora – Exacto, mas diga-me lá qual é o número da aplicação?
Arguido – Pois, isso agora é que eu não tenho aqui… de momento.
Operadora – Senhor BB mas se não me disser os dados eu não lhe consigo dizer qual é a aplicação. É que o senhor tem aqui realmente a … várias, e depois se eu lhe vou fazer daquela que o senhor não quer…?
Arguido – Pois, não…pode ser ….
Operadora – Tem que confirmar estes dados …
Arguido – Mas pode ser... ora veja-me, eu tenho aí uma…uma…uma….que penso que andará à volta dos 30 mil euros, penso eu, não é?
Operadora – Um Super Aforro….….
Arguido – Exactamente, é isso.
Operadora – Fez?
Arguido – Diga, diga?
Operadora – Um Super Aforro?
Arguido – Sim, sim, exacto.
Operadora – E quer transferir este valor para onde?
Arguido – Queria transferir esse valor directamente para uma conta do Montepio, era a possibilidade.
Operadora – Quer transfe…o, portanto quer transferir o Aforro para uma conta do Montepio?
Arguido – Sim, exactamente.
Operadora – Com certeza, dê-me só um instante por favor. Senhor BB?
Arguido – Sim, sim.
Operadora – O… portanto a conta Aforro, o valor da conta Aforro tem que ir directamente à sua conta à ordem do Banco Santander Totta, não posso transferir para outro Banco.
Arguido – Ah, tem que ir …e diga-me uma coisa, eu, sabe porquê… desculpe lá, o nome da senhora é…desculpe?
Operadora – EE - senhor BB.
Arguido – Oh senhora dona …, eu, diga-me uma coisa, estará lá … fazer uma transferência hoje estará lá na Segunda – Feira não? Que isto é para pagamento de um imóvel, para pagamento de uma sinalização de um imóvel.
Operadora – A…peço desculpa senhor AA, repita-me?
Arguido – Fazendo a transferência hoje isso estará lá possivelmente, na segunda – feira ….na outra conta? Estou?
Operadora – Sim, sim, a …portanto, fazendo hoje na sua conta à ordem …a….sim.
Arguido – Não, mas eu estou a dizer, fazendo hoje…ela não pode passar do Super Aforro para a outra conta do Montepio, pois não?
Operadora – Não, não.
Arguido – Então, e não há nenhuma aplicação que possa fazer isso directamente para a conta do Montepio que é mais fácil?
Operadora – Não, não, só indo se calhar ao Balcão.
Arguido – Ah…mas diga-me uma coisa, mas fazendo hoje a transferência para a conta à ordem e depois para a outra conta do Montepio, a …. Diga-me uma coisa, a …. Estará lá na segunda-feira no Montepio?
Operadora – Não, não, senhor BB. Depois só estará Terça ou Quarta-Feira.
Arguido – Ai Terça-Feira?
Operadora – Depois é consoante o dia que o senhor faça a transferência.
Arguido – A…a…mas não, mas então não há transferências via Banco de Portugal que ficam, que são de carácter urgente não é..?
Operadora – Não, não, senhor BB, pelo menos nós não.
Arguido – Ah…Sim senhor, então essa … essa conta Super Aforro que eu tenho aí anda à volta de quanto?
Operadora – Deixe-me ver.
Arguido – Muito obrigado, eu peço imensa desculpa estar a incomodá-la ….e vocês já deviam ter saído às 23h00 não é?
Operadora – Exactamente. Portanto, depois tem um Aforro a … também que tem 10.000 …10.030,00 euros.
Arguido – Pois, mas 10.030 euros não chega, portanto eu … o outro que eu tenho anterior é de quanto?
Operadora – Tem um de 50 mil aplica…tem uma conta Aforro que tem 50 mil, mas tem 20.000 em cativo.
Arguido – Pois, exacto, sabe porquê? Porque eu pedi 20 mil para, pedi 20 mil de empréstimo, exactamente, exactamente, portanto sobra 30 mil não é?
Operadora – Sim.
Arguido – Sobra, e depois tenho mais 10,10 mil…
Operadora – Mas senhor BB, diga-me o que pretende fazer que é para eu poder ajudar. Porque …se o senhor me está aqui a perguntar só os valores ….
Arguido – Pois, então diga-me uma coisa, então se calhar ia fazer uma coisa, então ir à Agencia na Segunda-Feira e via Banco de Portugal transferência urgente …a … fazer a transferência urgente, e na segunda-feira está lá o dinheiro na …. Como a transferência via Banco de Portugal não é senhora…senhora doutora?
Operadora – Senhor BB, a nível de transferências, portanto se transferir na Segunda-Feira, ela não vai …portanto tem que transferir Primeiro para a sua conta à ordem e só depois é que pode …
Arguido – Sim, sim.
Operadora – Transferir para o Montepio, e ela não vai lá estar na Segunda-Feira.
Arguido – Sim, mas eu estou a dizer minha senhora, desculpe eu estar a incomodar mais, também não vou incomodar mais tempo, eu sei …. Mas transferir da aplicação Super Aforro para a conta à ordem fica logo disponível não é?
Operadora – Exacto.
Arguido – Na conta à ordem, depois vai para o Montepio, mas o problema não é esse, o problema é que eu estou a dizer é que…na segunda-feira de manhã eu escuso de estar a utilizar este …. Este coiso da Super Linha, hoje … eu segunda-feira vou ao balcão, e como a senhora sabe há uma transferência via Banco de Portugal de carácter urgente, que é feita …. e … a partir daí eles fazem uma transferência via Banco de Portugal, que está lá na segunda-feira para passado 2 horas, de carácter urgente, e assim escuso ….
Operadora – Pronto, faça isso, faça isso, sim.
Arguido – Pronto, ainda bem, é que assim escuso de estar a incomodar as senhoras que já deviam ter saído às 23h00. Olhe muito obrigada pela atenção …e muito boa noite, e um resto de bom fim-de-semana, sim?
Operadora – Obrigado, igualmente.
15. Na posse dos elementos pessoais e bancários de BB, o arguido contactou telefonicamente a “Super Linha” da entidade bancária #Santander Totta”, por mais quatro vezes, nos dias 18-1-2015, 19-1-2015, e 20-1-2015, ligando para o número ……, e utilizando para tal o número de telemóvel ….., fazendo-se passar por BB.
16. Em todos esses contactos telefónicos o arguido declarou aos operadores do Banco que o atenderam, que tinha situações urgentes para tratar, designadamente, pedindo-lhes a realização da transferência para a sinalização da compra de um imóvel.
17. Com este procedimento o arguido fez crer erroneamente aos operadores do Banco, ser titular da referida conta, com o objectivo de granjear benefícios indevidos à custa do ofendido e do “Santander
Totta”, o que só não conseguiu, por motivos alheios à sua vontade.
18. O arguido também sabia que ao proceder à aludida transferência, obtinha ganhos a que não tinha direito, bem sabendo que prejudicava o ofendido no seu património.
19. Na posse dos elementos pessoais e bancários de BB, o arguido contactou telefonicamente a “Super Linha” da entidade bancária #Santander Totta”, e nas sucessivas conversas que manteve com vários operadores do Banco, conseguiu apurar que aquele tinha, além da conta à ordem nº …………………, com um saldo disponível de € 3.601,98, outras aplicações financeiras (uma conta Super Aforro “Privat 3”, com um saldo contabilístico de € 50.106,81, e uma outra conta Aforro Premium 3b, com um saldo contabilístico de € 10.030,53), tendo visado transferir o montante disponível para tal efeito, que, ascendia, com subtracção de € 20.000,00 que se encontravam cativos, ao valor de € 43 739,42, dessas contas, para uma conta bancária no Banco Montepio.
20. Na posse dos elementos pessoais e bancários de BB, o arguido contactou telefonicamente a “Super Linha” da entidade bancária #Santander Totta”, e nas sucessivas conversas que manteve com os vários operadores do Banco, o arguido tentou alterar o número de telefone do ofendido associado à sua conta bancária à ordem nº …………., no Banco, para o seu número …….
21. Na posse dos elementos pessoais e bancários de BB, o arguido, chegou a marcar uma reunião no Balcão do Santander Totta da Av. ……, e também no Balcão da …., em Lisboa, mas não compareceu.
22. Tal transferência não chegou, porém, a ser efectuada, por motivos alheios à vontade do arguido, desde logo, porque não conseguiu aceder à informação sobre a totalidade dos elementos que lho permitiam.
23. Sabia o arguido que ao identificar-se como sendo BB, e facultando os dados pessoais e bancários do mesmo, iria conseguir transferir a quantia de € 43 739,42, para uma conta bancária da sua titularidade ou de terceiros, bem sabendo que tal valor elevado não lhe pertencia e que agia contra a vontade do respectivo proprietário, o que quis, e só não conseguiu concretizar, por motivos alheios à sua vontade.
24. O arguido agiu com o propósito de enriquecer o seu património, convencendo a entidade bancária de que era o titular da conta bancária nº ………………, com o intuito de, assim, conseguir que a referida entidade bancária efectuasse a transferência bancária de € 43 739,42 para uma conta indicada pelo mesmo, ficando tal quantia na disponibilidade e posse do arguido, causando o correspondente prejuízo patrimonial a BB, o que só não conseguiu concretizar, por motivos alheios à sua vontade.
25. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, querendo simular nas circunstâncias acima descritas, perante os funcionários daquela instituição bancária, ser o titular da conta bancária supra identificada, por forma a lograr obter transferências de quantias dessas contas para as suas contas pessoais e de terceiros.
26. Visava dessa forma, obter um enriquecimento patrimonial correspondente ao valor dessas transferências, ao qual sabia não ter direito, e causar ao legítimo titular das contas, um prejuízo correspondente a esses valores, o que só não aconteceu, por motivos alheios à vontade do arguido.
27. O arguido bem sabia que não era o titular da conta bancária nº …………………., no
Banco “Santander Totta”, titulada por BB.
28. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, pretendendo fazer-se passar por BB, por forma a que os funcionários bancários associassem o seu número telefónico à conta bancária do ofendido e, por essa via, lograr obter transferências bancárias nos montantes descritos, para uma conta indicada por si.
29. O arguido previu e quis agir do modo acima descrito com o desígnio de, por meio de tal conduta ardilosa, obter proventos que não lhe eram devidos, nomeadamente a aquisição e utilização das verbas transferidas para a conta bancária que viesse a indicar, em seu nome ou de terceiros, o que quis, e só não conseguiu concretizar, por motivos alheios à sua vontade.
30. O arguido agiu livre, consciente e voluntariamente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, e tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação, não obstante, não se absteve de agir da forma descrita.
31. O arguido tem registadas no seu CRC várias condenações pela prática de crimes de natureza idêntica, a saber:
- Por acórdão proferido em 11-2-2000, no processo nº 10335/95.7JDLSB, o arguido foi condenado pela prática de um crime de burla, p. e p. pelo artigo 217º, do Código Penal e de um crime de falsificação de documento, p. e p. no artigo 256º do Código Penal, na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, que foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 193-2003,
- Por acórdão proferido em 20-7-2001, no processo nº 87/00, o arguido foi condenado pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 217º, nº 1, 218º, nº 2, alínea a), do Código Penal, um crime de falsificação de documento, p. e p. no artigo 256º, nº 1, alínea a) e nº 3, um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do CP, um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217º, nº 1, do Código Penal, e um crime de violação de correspondência, p. e p. pelo artigo 384º, alíneas a) e b) do C.P. e um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375º, nº 1, do C.P. na pena única de 6 anos de prisão.
- Por acórdão proferido em 10-5-2004, no processo nº 5005/00.9JDLSB, o arguido foi condenado pela prática de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375º, nº 2, do Código Penal, um crime de violação de correspondência, p. e p. pelo artº 384º, do CP, um crime de burla informática, p. e p. pelo artº 221º, nº 1, do CP, um crime de abuso de cartão de garantia ou de crédito, p. e p. pelo artigo 225º, nº 1, do C.P., e um crime de falsificação de documento, p. e p. no artigo 256º, nº 1, alínea a) e nº 3, do Código Penal, na pena única de 7anos de prisão,
- Por acórdão cumulatório proferido no processo 70/00.1TAVFX, que englobou as penas aplicadas no processo nº 5005/00 e no processo 87/98, foi o arguido condenado na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, - Por acórdão proferido em 6-12-2007, no processo nº 427/01.0PATNV, o arguido foi condenado pela prática de um crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos artigos 218º, 22º e 23º, do Código Penal, na pena única de 5 anos de prisão, que foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 23-2- 2011,
- Por acórdão proferido em 13-2-2009, no processo nº 146/01.8TAOER, o arguido foi condenado pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, e 218º, nº 1, do Código Penal, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e na condição de entregar ao ofendido a quantia de 1.800,00 euros, fazendo prova disso nos autos, que foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 5-6-2014,
- Por acórdão proferido em 10-4-2014, no processo nº 3628/11.0TDLSB, o arguido foi condenado pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, e 218º, nº 2, alínea a) e b), do Código Penal e de um crime de falsificação de documento, p. e p. no artigo 256º, nº 1, alíneas a) e f), do Código Penal, na pena única de 7 anos de prisão,
- Por acórdão proferido em 27-6-2016, no processo nº 385/11.3JALRA, o arguido foi condenado pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, e 218º, nº 1, do Código Penal, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão,
- Por acórdão proferido em 10-2-2017, no processo nº 1633/14.3PULSB, o arguido foi condenado pela prática de dois crimes de burla, p. e p. pelos artigos 217º, e 23º, do Código Penal, um crime de burla simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 217º, e 218º, do Código Penal, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
32. O arguido ainda está em cumprimento de pena.
33. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente.
34. Bem sabendo que as suas condutas não lhe eram permitidas e que as mesmas eram proibidas e puníveis por lei.

*
Mais se provou:
Que os termos dos procedimentos adoptados pelo banco Santander, quanto a ordens de transferência dadas via telefónica pelos colaboradores da Superlinha são, nos termos do documento junto a fls. 840 e ss., cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos, os seguintes:
“A validação de identidade tem dois níveis distintos, sendo que o nível I permite apenas efectuar consultas, e o nível II permite efectuar transacções. O nível I tem 3 formas de validação possível, sendo;
A.1. Através do código de consulta, como um PIN, o cliente identifica-se com o seu NIF, e em seguida valida o código de consulta. Esse código de consulta é obtido em chamada anterior, a pedido do cliente, e apenas atribuído após cumpridos os procedimentos descritos no ponto A3.
A.2. Através do NIF e do telemóvel, o cliente efectua a chamada para a Superlinha a partir do contacto móvel registado na ficha de cliente, com inserção simultânea do seu NIF.
A.3. Através de perguntas de segurança (caso não tenha código de consulta, nem o contacto seja feito a partir do telemóvel registado na ficha de cliente), em que, primeiro, haja identificação com o NIF, seguida de 4 perguntas de carácter pessoal e bancário, efectuadas pelos colaboradores, às quais o cliente tem que acertar, pelo menos, em 3, sendo obrigatória a data de nascimento. Após validação com sucesso deste ponto, poderá ser atribuído em código de consulta para uma utilização mais rápida do canal Superlinha no futuro, nos termos do ponto A1.
O nível II obriga à validação prévia do nível I, seguida de dois processos possíveis:
B.1. Através de um código de movimento (como um PIN), após validar o nível I, e caso tenha código do movimento, pode validá-lo e ter acesso, também, a movimentação do património via Superlinha. O código de movimento é obtido em chamada anterior, a pedido do cliente, e atribuído apenas após validação do nível I, e de validação do ponto B.2.
B.2. Através de perguntas de segurança (se não tiver código de movimento). Primeiro, terá que ocorrer a validação do nível I e de seguida, a resposta a 3 questões de carácter pessoal e bancário (diferentes das 4 questões que validem o nível I), em que tem que se acertar em pelo menos, duas, para ser considerado válido, e como mencionado no ponto B1, poderá ser atribuído um código de movimento para uma utilização mais rápida da Superlinha no futuro.
C. Após validação do nível I e II (independentemente do tipo de procedimento usado), poderá ser efectuada uma ordem de transferência.
As transferências na Superlinha estão limitadas a um montante máximo diário (últimas 24 horas seguidas, antes da ordem seguinte) de 25.000€. Este limite é cumulativo com outros canais (NBP, APP e Selfbanking).
Há ainda outro limite que pode despoletar um procedimento adicional de segurança, ou seja, no caso da transferência solicitada ser em montante superior a 2.000€, não pode ser efectuada na primeira chamada, obrigando a um duplo contacto telefónico. Ou seja, o colaborador pede ao cliente que desligue e contacta-o em seguida para o número registado na ficha de cliente. Após atender, deverá passar pelo processo de validação de identidade (nível I+ nível II) e só depois é registada a ordem. Depois destes passos, são questionados os dados habituais de uma transferência (conta de origem, tipo de transferência, montante, IBAN do beneficiário, etc.)”.
*
Que do relatório social do arguido junto aos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, para todos os legais efeitos, consta designadamente:
“(…) AA é filho único e o seu desenvolvimento decorreu em contexto marcado por uma dinâmica relacional adequada, quer entre os progenitores quer com os avós, em casa dos quais residiam. A mãe era doméstica e o pai gerente de uma empresa de automóveis, pelo que mantinham uma situação económica estável e com investimento na educação do filho.
No entanto a morte do pai, quando o arguido tinha 16 anos de idade, alterou este contexto e embora continuasse a ter apoio económico por parte dos avós, optou por abandonar os estudos na época, ficando após a morte do pai emocionalmente fragilizado. Posteriormente, voltou a estudar, mas sem sucesso, alegando problemas psicológicos e desmotivação, desconhecendo-se qual o exato grau académico obtido, embora o arguido refira que possui curso superior em Gestão de Empresas. Contraiu matrimónio aos 18 anos de idade, do qual resultou o nascimento de três filhos, sendo que a relação entre o casal era conflituosa. Em termos profissionais o arguido prestou serviços de vigilância no Hospital …., trabalhou no ramo da construção civil, foi técnico de exploração postal nos CTT, preparador na TAP, desempenhou funções administrativas num banco e esteve emigrado na Alemanha, durante cerca de 3 anos, onde terá trabalhado numa empresa na área da construção civil que constituiu juntamente com alguns sócios (…).
Posteriormente separou-se, situação que lhe criou, algum inconformismo tendo este, manifestado dificuldades em aceitar a rutura conjugal, levando-o a uma tentativa de suicídio.
Em termos comunitários, a sua imagem era associada a desorientação e desorganização pessoal, mas sem se verificar sentimentos de rejeição local, sendo avaliado como uma pessoa afável, ainda que visto com algumas desconfianças.
(…)
Apesar de haver registo de anteriores contatos com o sistema de justiça, foi preso pela primeira vez em 22.03.2000 (…). Durante o cumprimento dessa pena, adotou posturas apelativas e manipuladoras com registo de tentativas de suicídio e dificuldades de estruturamento do seu quotidiano, sem investimento em ocupação laboral ou formativa.
(…)
A 27.03.2009, saiu em liberdade condicional e durante a vigência da mesma demonstrou dificuldades em cumprir os objetivos estabelecidos, sobretudo no que respeita ao acompanhamento psiquiátrico, registando duas tentativas de suicídio. Já em liberdade reintegrou o agregado da mãe. O seu relacionamento com a mesma pautava-se por dependência afetiva e económica, assumindo a mãe uma postura protetora e desculpabilizadora quanto à conduta do filho.
Posteriormente AA ainda fez algumas tentativas de integração laboral através do Centro de Emprego, embora sem sucesso, o que parece ter desencadeado uma maior instabilidade do arguido. Após a morte da filha mais velha, num acidente de viação em 2010, levou-o várias tentativas de suicídio e internamentos hospitalares.
(…)
Tendo por referência a data dos factos que estão na origem do presente processo, o arguido encontrava-se a residir com a progenitora, exibindo um estilo de vida instável, vivenciando uma fase de grande fragilidade, perturbação físico emocional e inatividade profissional. Antes da sua prisão, refere que se encontrava desempregado e que subsistia com o apoio da progenitora, a qual auferia uma pensão de reforma e de viuvez.
AA encontra-se atualmente a cumprir pena indeterminada entre 6 anos e 4 meses e 15 anos e 6 meses de prisão no âmbito do processo nº 1663/14.3PULSB, do Juízo Central Criminal de
Lisboa-J24 (…) encontrando-se sem desenvolver qualquer tipo de atividade profissional.
No Estabelecimento Prisional de Izeda, onde se encontra desde 17.10.2018, AA mantém uma conduta ajustada às normas institucionais, com um registo disciplinar datado a 29.10.2020, por simulação de doença ou situação de perigo para a sua saúde.
Recentemente a 29.07.2021, ocorreu mais uma tentativa de automutilação, situação que o mesmo atribui aos sucessivos pedidos de transferência do EP, perante os quais não tem obtido resposta positiva, com o intuito de ficar mais próximo da família. O mesmo mantém acompanhamento psicológico e psiquiátrico com adesão à terapêutica prescrita, integrando o espaço da enfermaria do Estabelecimento Prisional, não desenvolvendo qualquer tipo de atividade laboral, dado as condições de saúde, embora o mesmo solicite trabalho, o mesmo mantém uma grande instabilidade pessoal, pelo que por razões de segurança do próprio não é aconselhável desenvolver qualquer tipo de atividade laboral.
Nos últimos tempos, não beneficiou de qualquer visita ao nível familiar, uma vez que o único apoio que apresenta é de um filho a residir na zona de …, o qual afirma não possuir condições económicas para o visitar no Estabelecimento Prisional de Izeda e os contactos telefónicos tem sido efetuados a pedido do pai. No anterior meio socio-residencial, onde é conhecido desde jovem, não parece existir alarme social no seu regresso ao meio livre.
(…)
Em abstrato e relativamente à natureza dos factos subjacentes ao presente processo, o mesmo verbaliza a ilicitude dos mesmos (…).
Assim, para além do possível agravamento da sua situação jurídica, o presente processo, não terá tido repercussões significativas no seu quotidiano institucional, nem a nível familiar, nem social, dado o seu percurso de vida (…)”.
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Não se provou:
O artigo 21º da acusação, para a qual remete a pronúncia, na parte dele que refere que o arguido visava transferir um montante de € 50.000,00 (pois que nesse particular, se prova apenas o que se consignou no artigo 19º dos factos provados -, ou seja, que visava transferir o montante disponível para tal efeito, que, ascendia, com subtracção de € 20.000,00 que se encontravam cativos, ao valor de € 43 739,42), sendo que tal resposta prejudica a resposta aos artigos 25º e 26º da mesma peça processual, na parte deles em que se menciona a quantia de € 50.000,00.
O artigo 24º da acusação “idem”, na parte dele que refere que a transferência não chegou a ser efectuada por motivos alheios à vontade do arguido, desde logo, porque o Banco foi informado que o titular da conta não tinha estabelecido qualquer contacto com o Banco (pois que nesse particular se prova apenas o que se referiu no artigo 22º dos factos provados). Os artigos 34º e 35º da acusação, para os quais remete e pronúncia.
*
Não se respondeu:
Ao artigo 7º da acusação, na parte dele que refere que o “arguido tem um discurso coerente e seguro, utilizando essas suas capacidades para fazer crer ao ofendido que era funcionário do Banco”, por conter asserções vagas, opinativas e conclusivas, que não consentem resposta.
Pelas mesmas razões, ao artigo 11º da acusação.
Ao artigo 17º da mesma peça processual, por em parte ser vago e abstracto (assim é, quando se alude a conversas de “teor idêntico àquele que se encontra vertido nos artigos 13 a 15, 17”, e na restante parte, por consubstanciar a mera indicação de meios de prova.
Ao artigo 35º da mesma peça processual, por se tratar de mera conclusão, a extrair dos factos elencados nos artigos 34º e 33º da mesma.
Ao artigo 36º “idem”, por se tratar de mera conclusão, directamente emergente dos factos elencados no artigo 33º da mesma peça processual (tratando-se, nessa medida, de mera tautologia).

III – FUNDAMENTAÇÃO
Tendo o arguido prestado declarações, fê-lo no sentido confessório da materialidade fáctica vertida nos artigos 1º a 26º, 28º, e 28º a 32º da acusação (doravante, aludiremos a esta peça processual, por uma questão de facilitação expositiva, considerando que o despacho de pronúncia proferido nos autos, acolheu na sua totalidade, a factualidade plasmada naquela).
Confessa ainda o teor dos artigos 27º e 32º, mas estes, com a reserva de que não actuou de forma livre, e pelo contrário, por sequestro e por efeito de coacção.
Precisando, referiu que a identificação de BB (o nome, a morada, o número de telefone, o NIF, a conta bancária, e o respectivo NIB), lhe foi entregue por um terceiro, cabendo-lhe por instruções desse terceiro, apurar os demais elementos referidos no artigo 6º da aludida peça acusatória, para concretizar a transferência bancária, e ainda, apurar se BB era fiador de alguém, qual o saldo bancário, se tinha contraído crédito (tudo isto, para aceder à “Super Linha” do banco Santander Totta).
Conheceu esse terceiro que lhe deu conhecimento da aplicação Mbway, no início de 2012. Antes de o arguido estabelecer contacto com o BB, esse terceiro abordou-o e propôs-lhe facultar-lhe dados de pessoas que conhecia (incluindo os do BB), a fim de que efectuasse os procedimentos que veio a efectuar com o Sr. BB.
Esse terceiro convidou-o para almoçar, e depois, levou-o para uma casa perto de Odivelas, onde o trancou. Disse-lhe: tens aqui 2 telefones e os dados. Enquanto não obtiveres os objectivos, não sais daqui, tens a vida em perigo, e a da tua mãe. Tudo o que confessadamente fez, foi sob coacção. Quando marcou os encontros nas agências, sabia que seria apanhado se lá fosse (porque a fotografia do Senhor BB estava digitalizada), e por isso, aproveitou a marcação desses encontros para fugir. Meteu-se num táxi e fugiu.
Esteve na casa para onde esse terceiro o levou desde as 9.30h e só saiu no dia seguinte, quando “engendrou o plano de fuga”, aquando da marcação das reuniões na agência.
Não referiu em momento anterior a intervenção desse terceiro (nem ao seu advogado), porque não tinha vontade. E talvez pelo “melindre” e por “receio”. Fá-lo agora, porque quer dizer a verdade. Nesse plano, engendrado por esse terceiro, o arguido receberia 25% de todo o dinheiro a que acedesse. Tais declarações traduzem uma confissão da materialidade fáctica vertida na acusação, excepto quanto à sua liberdade de actuação, uma vez que de acordo com o próprio, terá alegadamente praticado os confessados factos, sob sequestro e coacção de terceiro.
Contudo, em tal segmento, essas declarações surgem como totalmente inverosímeis, e são contrariadas pelo teor dos factos elencados na acusação, que o arguido confessa.
Com efeito, escassamente se entenderia como é que o arguido, tendo estado alegadamente sequestrado e sob coacção durante um dia (“libertando-se” quando se dirige ao banco, altura em que consegue fugir, apanhando um táxi), e praticando a apurada factualidade, somente por causa disso, contacta a linha telefónica da entidade bancária mencionada nos autos, não apenas no dia em que alegadamente se encontra coarctado na sua liberdade, mas nesse, e em outros (a 17.1.2015, a 18.1.2015, a 19.1.2015, e a 20.1.2015).
Por outro lado, é também totalmente descolada da realidade, de acordo com as regras da experiência comum, que um “sequestrador”, que ameaça a vida do arguido e a vida da mãe deste, tivesse a generosidade de, não obstante, oferecer ao arguido 25% dos montantes a que o arguido acedesse sob coacção.
Claro que a criação desse terceiro pelo arguido, não passa disso mesmo: de uma criação fantasiosa, que surgiu ao sabor das perguntas que lhe foram sendo endereçadas em julgamento, destinando-se apenas (sem qualquer sucesso, como se vê), a alijar a sua responsabilidade na prática dos factos, no único segmento dos mesmos que não seria susceptível de demonstração através da prova produzida em julgamento, e dos elementos probatórios colhidos nos autos.
Por isso que, no segmento ora em apreço, as declarações do arguido não revelaram qualquer credibilidade, apenas traduzindo, no que à personalidade do arguido respeita, a sua incapacidade de interiorização da ilicitude da sua prática, e de assunção das respectivas consequências, segmentos esses que serão valorados em sede própria.
Na formação da nossa convicção, relevou ainda (embora com a menor importância que resulta da materialidade fáctica do acusatório, excepto na matéria já referida, que nenhum crédito nos mereceu), a inquirição de BB, com 57 anos de idade, pintor da construção civil, que não conhece o arguido, nem tem interesse directo na causa, e referiu recordar-se da situação em apreço nos autos, e do telefonema neles mencionado.
Segundo disse, o senhor contactou-o duas vezes (para o número referido na acusação), mas na segunda vez (que ocorreu no dia seguinte ao do primeiro telefonema), a testemunha já não o atendeu (o tribunal teve como apurado que os contactos estabelecidos ocorreram por 3 vezes, por ter sido esse, o número confessado pelo arguido).
Recorda-se que a pessoa em causa se identificou como funcionário bancário. Perguntou-lhe pela identificação (o nome completo), o número de contribuinte, o nome dos pais, a morada, e a data de nascimento, que a testemunha lhe forneceu.
Pediu-lhe ainda o número do cartão de cidadão (que a testemunha não lhe transmitiu), e perguntou-lhe qual era o seu saldo bancário (que a testemunha também não lhe disse -, até porque não sabia “de cor”, qual o respectivo montante). Recorda que a pessoa em causa foi muito insistente, na parte da identificação. Não lhe perguntou se era fiador de alguém, nem se tinha algum crédito no Santander.
Tal depoimento, em que se revelou o conhecimento directo dos factos que respeitam a esta testemunha, foi prestado de forma objectiva e convincente, no sentido do que apurado se teve.
E tais declarações e depoimento, foram analisados de forma conjugada com o teor da informação bancária do Santander Totta, a fls. 25, 27, 570, 571, 673 a 676; da informação da MEO, a fls. 41-42; da informação da SIBS, a fls. 48; da informação do Montepio, a fls. 55 e ss.; das transcrições, a fls. 146 a 185, do CD junto aos autos a fls. 749; dos relatórios periciais ao exame à voz, de fls. 679 a 684, e de fls. 694 e seguintes; e das informações do Santander Totta, sobre os procedimentos de acesso à Superlinha, juntos a fls. 840 e ss.
Quanto ao montante de € 43 739,42, que o arguido visava transferir, a nossa conclusão funda-se na circunstância de resultar claro das conversas telefónicas transcritas, que o arguido pretendia (pese embora nessas conversações se reporte a valor inferior, essa declaração terá que ser interpretada na dinâmica própria estabelecida pelo arguido, em que visava obter as informações necessárias ao acesso à conta bancária de BB, e de nessa dinâmica a indicação de quantia não coincidente com aqueles € 43 739,42, se incluir na astúcia usada) aceder ao montante máximo que se encontrasse disponível na aludida conta bancária, ascendendo o mesmo à referida quantia, após subtracção aos €
50 106,81 nela existente, do montante de € 20 000,00 que, nos termos dessas mesmas conversas, resulta mostrar-se cativo (e por isso, não mobilizável, com ou sem acesso à dita conta).
*
Quanto à situação pessoal e condição económica do arguido, o tribunal estribou a sua convicção na análise do seu relatório social, junto aos autos a fls. 882 e ss., acima parcialmente transcrito, e quanto ao passado criminal do arguido, na análise do seu CRC, junto aos autos a fls. 872 e ss.”
*
Apreciando
- Do recurso interlocutório

Dispõe o artº 340º do Código de Processo Penal:
“1. O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2. (…)
3. Sem prejuízo do nº3 do artº328º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova e o respetivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4. Os requerimentos de prova são ainda indeferido se for notório que:
a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; - (…), equivalendo a irrelevância a falta de pertinência da prova requerida com o thema probandi e significando a superfluidade que a prova requerida apenas confirmaria desnecessariamente a convicção já formada.
b) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, tendo a inadequação que ver com a idoneidade do meio para prova do facto a que se destina. ou
c) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.”
Este preceito, inserido no Livro VII – Do julgamento - Título II –Da audiência – Capítulo III – Da produção de prova – permite aos sujeitos processuais, durante a audiência, requerer a produção de meios de prova, mesmo que o não tenham feito no momento próprio.
Germano Marques da Silva escreve acerca da admissibilidade das provas requeridas pelas partes e sua rejeição, in Curso de Processo penal II, pág.117: ” A preocupação do legislador em estabelecer o controlo judicial das provas (…) surge da necessidade de as limitar às que são imprescindíveis para a decisão, eliminando as que não têm que ver com os factos objeto do processo ou as que, ainda que tendo relação com eles, não representam novidade alguma que possa influir na decisão.”
O Código de Processo Penal harmoniza assim o princípio da investigação ou da verdade material, o princípio do contraditório e as garantias de defesa, de tal forma que nem o primeiro princípio nem as garantias sofrem restrição durante a audiência, mas o segundo princípio não deixa de ser aplicado a qualquer prova que o juiz considere necessária para boa decisão de causa.
Assim, as provas requeridas nesta fase processual devem, para além da sua admissibilidade e legalidade e para além de terem relação com o objeto do processo, representar novidade que possa influir na decisão da causa. Daí que o sujeito processual que as requer deva fornecer ao julgador, a quem são conferidos os poderes de disciplina na produção da prova, elementos necessários para que tal avaliação possa ser feita, isto é, deve, no requerimento, alegar as razões da eventual relevância ou utilidade da sua novidade para o desfecho da causa para que aquele possa aferir da notoriedade ou não, do seu carácter irrelevante ou supérfluo, inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou ainda da sua finalidade meramente dilatória.
Note-se que o julgador tem que harmonizar, por um lado, os princípios da investigação ou da verdade material, do contraditório e das garantias de defesa com os princípios da economia e celeridade processuais.
Valem, pois, as considerações de oportunidade e pertinência das provas requeridas.
Vejamos
Em primeiro lugar, o princípio da concentração estabelece a prossecução unitária e continuada dos atos, em especial durante a audiência de julgamento, de forma a garantir uma mais detalhada e fidedigna apreensão da prova produzida por parte do julgador.
Por isso, e em segundo lugar, fora do quadro normal de oferecimento de provas [acusação/pronúncia (artigos 283.º, n.º 3, alíneas d), e) e f) / 308.º, n.º 2, do CPP) e contestação (artigo 315.º, do CPP)], a produção de novos meios de prova só é possível nos casos em que ao tribunal se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (princípio da necessidade – artigo 340.º, n.º 1, cit.).
Em terceiro lugar, impõe-se avaliar a relevância ou o desfasamento entre as diligências requeridas e o tipo de crime em discussão.
A filosofia ínsita no artº 340 do CPP e a sua invocação para o pedido de produção de prova já no decurso da audiência de Julgamento, radica, pois na necessidade de se proceder à produção de prova, obrigando o julgador, pelas exigências de prossecução da verdade material que enformam o nosso direito processual penal, a proceder a todas as diligências com vista à boa decisão da causa.
A omissão dessa diligência de prova reputada de essencial para a descoberta da verdade constitui uma nulidade sanável (portanto, dependente de arguição pelo interessado), nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP.
Ora, no caso sub judice, o arguido, após prestar declarações sobre o objeto do processo, tendo-se apercebido da essencialidade de uma diligência de prova, apresentou um requerimento para a sua realização, requereu que o tribunal diligenciasse pela comparência em Tribunal, para serem inquiridas, das pessoas que indicou, porque, alegadamente, o seu depoimento seria de singular importância para a descoberta da verdade.
E o tribunal indeferiu o requerimento de prova, basicamente, com o fundamento de que tal inquirição não se revela indispensável à descoberta da verdade material, a que acresceria a circunstância de tal retardar o andamento do processo.
Como se pode ler no acórdão do STJ, de 05.05.2004, disponível em www.dgsi.pt (Relator: Cons. Sousa Fonte), “o princípio da preclusão é absolutamente incompatível com a estrutura do nosso processo penal – um sistema acusatório integrado pelo princípio da investigação, o que significa, em suma, que o esclarecimento do material de facto não pertence exclusivamente às partes, mas em último termo ao juiz, sobre quem recai o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente – independentemente das contribuições das partes – o facto submetido a julgamento”.
Com efeito, é consensual a ideia de que o Código de Processo Penal consagra um modelo de processo basicamente acusatório integrado por um princípio subsidiário e supletivo de investigação oficial.
Tal modelo postula uma atitude diferente daquela que assumiu o tribunal recorrido, pois que só é possível falar num due process of law que um Estado de Direito democrático exige quando, efetivamente, se assegura ao Estado a possibilidade de realizar o seu ius puniendi e aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam ser cometidos no exercício desse poder punitivo.
Para tanto, o tribunal não pode satisfazer-se com a “verdade formal” e tomar decisões escoradas em argumentos meramente formais.
O princípio da investigação exige que o tribunal se empenhe no apuramento da verdade material, não só atendendo a todos os meios de prova relevantes que os sujeitos processuais (principalmente, o Ministério Público e o arguido) lhe proponham, mas também, independentemente dessa contribuição, ordenando, oficiosamente, a produção de todas as provas cujo conhecimento se lhe afigure essencial ou necessário à descoberta da verdade e, portanto, que o habilitem a proferir uma sentença justa.
Revertendo ao caso sub judice, entendemos que indeferir a pretensão do arguido com os fundamentos apresentados na decisão de indeferimento não garante, de todo, um processo justo, equitativo e próprio de um Estado de Direito.
Com efeito, como bem expresso no Parecer emitido pelo Exmº PGA, que se sufraga, ”Nos termos do artigo 340.º, n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal, o Tribunal ordena a produção da prova tida por necessária, legalmente admissível, adequada, de obtenção possível ou, pelo menos, não muito duvidosa e consentânea com o normal devir do processo.
A prova é necessária quando for relevante para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
o Sobre isso, até à decisão de surpresa proferida e agora objeto de recurso, o tribunal considerou-a necessária e diligenciou pela sua produção acolhendo o sentido do que vinha sendo requerido pelo arguido quanto à sua produção.
A prova era legalmente admissível.
o Assim o vinha entendendo o tribunal até ao despacho recorrido, o qual não contém norma jurídica que o fundamente em contrário.
A prova é adequada quando apta à prova de factos pertinentes à defesa ou acusação ou ao objeto do processo.
o O que também vinha sendo considerado pelo tribunal até ao despacho recorrido.
A prova era obtenível, i.e., possível.
o Conforme vinha advogando o recorrente através de sugestão de diligências que o tribunal acolhera até ao despacho recorrido.
A prova não era dilatória.
o Por tal não ter sido sequer ponderado ou sustentado no despacho recorrido de forma aceitável, por não fundamentada quanto a esse pressuposto, de facto e direito, sendo até possível a interrupção ou mesmo o adiamento da audiência – 328.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Visto o despacho recorrido, o mesmo não aprecia o condicionalismo legal que impõe ao tribunal o poder/dever de apreciar os pressupostos legais sobre o exercício do poder/dever que exerceu, sendo certo que até ao despacho recorrido se pressupôs verificado esse condicionalismo.
Por outro lado, a prova requerida foi-o desde o primeiro momento apresentada de forma processualmente oportuna (na contestação), como refere o Ministério Público na 1.ª instância. Tratando-se de uma decisão-surpresa, à revelia do que vinha sendo acolhido pelo tribunal quanto à produção de prova requerida pelo arguido, afigura-se-nos violado o princípio do contraditório e da igualdade de armas, com assento constitucional no artigo. 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, o qual impõe que seja dada oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afete, designadamente que seja dada ao acusado a efetiva possibilidade de contrariar e contestar as posições da acusação, princípio que é integrante do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no artigo 6.º, § 1.º da CEDH e no artigo 49.º da CDFUE.
“Na construção convencional, o contraditório, colocado como integrante e central nos direitos do acusado (apreciação contraditória de uma acusação dirigida contra um indivíduo), tem sido interpretado como exigência de equidade, no sentido em que ao acusado deve ser proporcionada a possibilidade de expor a sua posição e de apresentar e produzir as provas em condições que lhe não coloquem dificuldades ou desvantagens em relação à acusação” - cf. acórdão do STJ, de 7-11-2007, processo n.º 07P3630, relator Henriques Gaspar.
Se até ao despacho recorrido as diligências de prova requeridas pelo arguido se afiguraram ao tribunal como relevantes para a descoberta da verdade ou não despiciendas, tendo elas sido requeridas no momento processual próprio, sem que houvesse recusa do tribunal em as aceitar como relevantes, o tribunal devia prosseguir nas diligências para a sua produção, constituindo a sua recusa um incumprimento por parte do tribunal do dever que sobre si impende de produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.”
Nesta perspetiva, a produção da prova requerida será imprescindível para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, impondo-se a sua realização.
Por tudo o que se vem expondo, não pode manter-se o despacho recorrido, por violação da norma do art.º 340.º do CPP, e há que extrair as consequências dessa violação.
A solução que se tem por juridicamente correta é a proposta por Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, 2.ª edição atualizada, 1054, que vê na omissão de diligências probatórias que podiam/deviam ser ordenadas, oficiosamente ou a requerimento, pelo tribunal uma nulidade sanável (artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP) que pode ser invocada em sede de recurso ou uma irregularidade a ser arguida nos termos do art.º 123.º da mesma Codificação, conforme se trate de diligência essencial ou simplesmente necessária à descoberta da verdade”. O recorrente, como vimos, invocou a nulidade em sede de recurso.
É essa nulidade que, reconhecendo-lhe razão, se impõe aqui declarar, extraindo-se as respetivas consequências dessa declaração.
Face ao supra decidido, fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo arguido no recurso pelo mesmo interposto do Acórdão.
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Decisão
Face a tudo o exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em, concedendo provimento ao recurso interlocutório, revogar o despacho proferido pelo qual foi indeferido o requerimento de prova apresentado pelo recorrente e, em consequência:
- anular o Acórdão recorrido;
- determinar que, admitido aquele requerimento de prova, seja reaberta a audiência para inquirição, como testemunhas, das pessoas indicadas pelo recorrente, sem prejuízo da realização de outras diligências que se entendam necessárias à descoberta da verdade e boa decisão da causa, após o que deverá ser proferido novo Acórdão.
- No mais, mostra-se prejudicado o conhecimento das questões suscitadas no recurso interposto do Acórdão.
- Sem tributação.
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Elaborado e revisto pela primeira signatária

Évora, 13 de julho de 2022
Laura Goulart Maurício
Maria Filomena Soares
Maria Fernanda Palma