PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
RECONVENÇÃO
ADEQUAÇÃO FORMAL
Sumário

No âmbito da tramitação da AECOPEC, o juiz deve fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (arts 6º e 547º do CPC) por forma a ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional.

Texto Integral

Processo n.º 40939/21.8YIPRT-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.RELATÓRIO
.Nos presentes autos de ação declarativa de condenação com processo comum, iniciados como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, a Autora, J... Unipessoal, Lda., alegou que, no desenvolvimento dessa atividade prestou ao Réu, AA, serviços de construção civil, incluindo material e mão de obra, discriminados na fatura n.º ..., com data de emissão em 12/12/2018, no valor de 14.878,73€ e na fatura n.º ..., com data de emissão em 15/12/2018, no valor de 11.085,31 €, ambas com vencimento no dia da respetiva emissão.
Alega que das duas facturas supra identificadas o Requerido apenas pagou a factura n.º ..., ficando em dívida em relação à factura n.º ....
Apesar de diversas vezes instado para o efeito, o requerido não pagou à Requerente a referida factura n.º ..., datada de 15/12/2018, no valor de 11.085,31 €,.
Termina e alega que o requerido devedor à requerente do montante de € 11.085,31 (onze mil e oitenta e cinco euros e trinta e um cêntimos) respeitante ao capital em dívida, e, bem assim, da quantia respeitante aos juros de mora já vencidos até esta data, calculados à taxa legal em vigor, cujo montante ascende a 1049,61 € e dos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

.Por sua vez, o Réu deduziu oposição, arguindo a exceção de não cumprimento e enxertando reconvenção, peticionando:
a) A Requerente/Reconvinda condenada a reconhecer o crédito do Requerido/Reconvinte no montante de 2.464,78
b) A Requerente/Reconvinda condenada a reconhecer o crédito do Requerido/Reconvinte no montante 14.878,73 €, correspondente ao valor da fatura n.º ...;
c) A Requerente/Reconvinda condenada a reconhecer o crédito do Requerido/Reconvinte no montante de 10.000,00 €, a título de indemnização correspondente ao recheio totalmente destruído no incêndio;
d) A Requerente/Reconvinda condenada a reconhecer o crédito do Requerido/Reconvinte, a título de danos não patrimoniais resultantes do incêndio que deverão ser fixados equitativamente.

.Da plataforma citius consta que os advogados das partes no dia 28.05.2020 foram notificados do envio à distribuição por oposição.

.No dia 6.06.2021 foi proferido o seguinte despacho.
“Ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, notifique a Autora para, em 10 (dez) dias, responder às exceções arguidas pelo Réu em sede de oposição.”
.Esse despacho foi notificado as partesno dia 16.06.2021.
.E no dia 23.06.2021 a autora apresentou resposta as exceções arguidas e pronunciou-se sobre a reconvenção formulada, sendo esse articulado notificado a ré.
.No dia 3.07.2021 foi proferido despacho marcando para a realização da audiência de julgamento o dia 18 de março de 2022, pelas 9.30 horas (não antes por absoluta indisponibilidade de agenda)
.E no dia 14.03.2022 foi proferido o despacho, cujo conteúdo essencial aqui se reproduz.
«(…)
In casu, analisando-se o objeto dos autos, constata-se que a Autora J... Unipessoal, Lda alega que, no desenvolvimento dessa atividade, a requerente prestou ao Réu AA serviços de construção civil, incluindo material e mão de obra, discriminados na fatura n.º ..., com data de emissão em 12/12/2018, no valor de 14.878,73€ e na fatura n.º ..., com data de emissão em 15/12/2018, no valor de 11.085,31 €, ambas com vencimento no dia da respetiva emissão, impetrando o pagamento do montante de e 11.085,31€, acrescido de 1.049,61€ de juros vencidos e de juros vincendos.
Concomitantemente, o Réu aduziu oposição, arguindo a exceção de não cumprimento e enxertando reconvenção, peticionando:
i) A Requerente/Reconvinda condenada a reconhecer o crédito do Requerido/Reconvinte no montante de 2.464,78€;
ii) A Requerente/Reconvinda condenada a reconhecer o crédito do Requerido/Reconvinte no montante 14.878,73 €, correspondente ao valor da fatura n.º ...;
iii) A Requerente/Reconvinda condenada a reconhecer o crédito do Requerido/Reconvinte no montante de 10.000,00 €, a título de indemnização correspondente ao recheio totalmente destruído no incêndio;
iv) A Requerente/Reconvinda condenada a reconhecer o crédito do Requerido/Reconvinte, a título de danos não patrimoniais resultantes do incêndio que deverão ser fixados equitativamente.
Sopesando-se o exposto, aferindo-se que a vertente ação especial não admite reconvenção, concluiu-se que a justa composição do litígio e o direito fundamental a um processo equitativo demanda a convolação da mesma para a ação de processo comum, ao abrigo do princípio da adequação formal consagrado no art.º 547.º, do Código de Processo Civil
Pelo supra exposto, determina-se a convolação dos autos para a ação de processo comum, em convergência com o plasmado nos arts. 547.º, 548.º e e 552.º e ss., do Código de Processo Civil.
II.Em consequência do predito:
A) Determina-se que a Autora, no prazo de 10 dias, concretize a tipologia e o circunstancialismo dos serviços de construção civil descritos na petição inicial, da emissão das faturas, da sua entrega ao Réu e do pagamento parcial realizado, nos termos e para os efeitos consignados no art.º 590.º/2, al. b) e 4, do Código de Processo Civil;
B) Após, concede-se ao Réu o prazo de 10 dias para o exercício do direito ao contraditório (arts. 3.º/3 e 590.º/5, do Código de Processo Civil);
C) Faculta-se às partes o exercício nos sobreditos prazos do direito de enunciação/alteração dos requerimentos probatórios.
III.Em decorrência do supra referenciado, declara-se sem efeito a audiência designada para o dia 18 de março de 2022.* Notifique.».

Inconformada a autora interpôs recurso e concluiu nos termos que aqui se reproduzem.
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Foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
A Recorrente discorda da decisão que admitiu a reconvenção, na consideração de o procedimento de injunção de valor inferior a 15.000,00 € a não comportar.
A discordância da Recorrente respeita a “duas ordens de razões” invocadas nas suas alegações de recurso, ou seja:
a) Violação do Princípio do Contraditório e da Igualdade – “Neste despacho decide o M.º Juiz, sem ouvir as partes, “convolar” a presente AECOP numa Acção de Processo Comum, para desta forma admitir a Reconvenção que o Requerido deduziu ilegalmente, uma vez que a AECOP não lho permitia”;
b) Violação do Princípio da Adequação Formal.

III. FUNDAMENTAÇÃO.
3.1. A factualidade relevante está descrita no relatório introdutório.

3.2.
É incontestável que o procedimento de injunção foi instaurado pela Requerente com um pedido no valor de 12.134,92 €.
Esse procedimento alicerça-se no decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, cuja finalidade é conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de montante não superior ao valor de 15.000,00€, salvo quando esteja em causa transação comercial para os efeitos do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, caso em que inexiste limite quanto ao montante do crédito, para permitir, de modo mais célere, a obtenção de um título executivo que faculte o acesso direto à ação executiva.
O decreto-lei n.º 62/2013, de 10 de maio (artigo 2º/1), define o seu âmbito de aplicação a “pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais” e exclui “a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”.
Por seu turno, a alínea b) do artigo 3.º desse mesmo diploma, conforma a transação comercial, como “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”. E o seu artigo 10º prevê o regime de “Procedimentos especiais” para “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida” (n.º 1), sendo que “Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum” (n.º 2). Caso em que “Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais” (n.º 3). E acrescenta que “As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação” (n.º 4).

Decorre do exposto que o procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas enunciadas alíneas a), b) e c) do predito decreto-lei 62/2013 (artigo 2º/2).

A.No caso em apreço, estando em causa um pedido inferior a 15.000,00€, resulta do relatório que a decisão recorrida, começou por afirmar que a presente ação especial não admite reconvenção, e, prosseguindo, apelando ao critério de uma justa composição do litígio e ao direito fundamental a um processo equitativo convolou a referida ação especial para a ação de processo comum, ao abrigo do princípio da adequação formal consagrado no art.º 547.º, do Código de Processo Civil
A recorrente argumenta que a decisão sob censura é nula , porquanto:
“.A não aplicação do quadro legal referente à acção especial em causa, que implicava a subsequente rejeição da reconvenção, aliada à imposta convolação dessa acção especial para uma acção declarativa comum, não pretendida pela A., com o único objectivo de “contornar” todo um quadro legal vigente e, por via de tal, admitir uma reconvenção inadmissível, traduz uma clara violação do princípio da adequação formal, previsto no artigo 547.º do Código de Processo Civil, o que o torna também Nulo por violação deste preceito legal. Acresce que
Esta decisão contende também com a aquisição processual de factos, uma vez que permite a alegação pelo R. de factos por Reconvenção e a formulação de pedidos, logo, a correspondente aquisição processual de factos (e correspondentes meio de prova) que não estão em discussão nem fazem parte do objecto da lide. Resulta ainda que,
.Na decorrência do despacho em crise foram cometidas irregularidades que constituem nulidades processuais, as quais foram reclamadas, mas que por mera cautela desde já se invocam, a saber:
a) A omissão do despacho de rejeição da Reconvenção e a omissão da subsequente determinação da realização da Audiência de Julgamento;
b) O regresso do processo que se encontrava em fase de Julgamento a uma fase processual inicial - fase dos articulados, face à determinação constante na segunda parte do despacho (ponto II).
c) A subsequente e imediata alteração da distribuição, efectuada pela Secretaria, no seguimento do despacho, mas em clara violação do preceituado nos artigos 211.º e 210.º do Código de Processo Civil, ou seja, teria que ser dada baixa da anterior distribuição e efectuada nova distribuição, uma vez que existe mais do que um Juiz na Comarca e a distribuição afecta a designação do Juiz, o que não sucedeu.
19. Dando-se por reproduzidas as conclusões supra, o despacho em causa contém uma decisão errada no quadro legal vigente, faz errada interpretação e aplicação da lei, mormente do artigo 547.º e ss do CPC e contende com o direito e os princípios supra aludidos, impondo-se a sua anulação/ revogação.
20. Uma decisão correcta impunha que fosse proferido um despacho de rejeição da reconvenção e a determinar a realização da audiência de Discussão e Julgamento, conforme estabelece os artigos 3.º e 17 do anexo ao DL 268/99 de 1 de Setembro.
21. Ao não ter decidido nos termos preditos, errou o M.º Juiz na interpretação e aplicação do direito, violando o presente despacho o preceituado nos artigos 3.º e 17 do anexo do DL 268/99 de 1 de Setembro e todo este quadro legal; os artigos 3.º n.º 3, 4.º, 547.º, 548.º e 552.º e 590.º n.º 2 al. b) e 4.º do Código de Processo Civil, os quais bem interpretados impunham a decisão de rejeição da reconvenção e a determinação/ Realização da audiência de discussão e Julgamento.
22. O despacho em crise violada ainda o Princípio do Contraditório, o Princípio da Igualdade, o Princípio da Legalidade e o Princípio da Adequação Formal, sendo nulo nos termos supra ditos, motivo pelo qual importa ser reparado, Assim se fazendo a costumada Justiça.”
B.Quid Iuris?
Iniciaremos a nossa análise com a apreciação da alegada violação do princípio do contraditório e do princípio da igualdade.
A necessidade da contradição, aflorada, em diversas disposições do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, vem genericamente concretizada no artigo 3º, que dispõe:
1. O Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2. Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4. Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
O direito ao contraditório, decorrência natural do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4º, na medida em que garante a igualdade das mesmas ao nível da possibilidade de pronúncia sobre os elementos suscetíveis de influenciar a decisão, “possui um conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma ação ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta” (1). Surge como estruturante e basilar no processo Civil.[1]
A violação do princípio do contraditório, mediante a prolação de uma decisão-surpresa, constitui nulidade processual, prevista no nº1, do art. 195º, onde se consagra que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Acresce que, incluindo-se a violação do princípio do contraditório na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do nº1, do art.195º, não constituindo nulidade de que o tribunal conheça oficiosamente, a mesma tem-se por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respetiva intervenção em algum ato praticado no processo - arts 197º, nº 1 e 199º, nº 1 [2]

.Feitas estas considerações, e reportando-nos ao caso presente resulta do relatório que o tribunal a quo em data anterior à prolação do despacho recorrido facultou à requerente-recorrente o contraditório relativamente à compensação – reconvenção formuladas na oposição e que a recorrente exerceu o contraditório.
De resto, como resulta da resposta apresentada pela requerente no dia 23.06.2021 a requerente pronunciou-se quanto à exceção de não cumprimento, quanto à compensação e também se pronunciou relativamente à reconvenção formulada, pugnando pela sua inadmissibilidade legal no âmbito da presente ação especial, e, sem prescindir, impugnou os factos alegados pelo requerido para fundar a reconvenção.
Tanto basta, para se nos afigurar que o tribunal a quo não violou o princípio do contraditório nem o princípio da igualdade das partes consagrados nos arts 3º e 4º do CPC, respectivamente.

C.Quanto à alegada violação do princípio da adequação formal adiantamos desde já que acolhemos o entendimento acolhido na decisão recorrida.
Desde logo, resulta do requerimento inicial que a causa de pedir é o contrato de empreitada celebrado entre Requerente e Requerido, sendo que, por um lado, a Requerente alega a falta de pagamento de factura emitida no âmbito do referido contrato, e, por outro lado, o Requerido, por reconvenção, peticiona o pagamento de alegados créditos emergentes da execução desse contrato e indemnização, em virtude do incumprimento do contrato por parte da Requerente, pelo que, os pedidos formulados pela Requerente e pelo Requerido, fundam-se na mesma causa de pedir. Assim, o pedido reconvencional emerge do mesmo facto jurídico do pedido principal, e tem a mesma causa de pedir que baseia o pedido da Requerente.
Acresce que, não se ignora que durante algum tempo foi pacífico o entendimento que concedia relevo ao facto deste procedimento ser de valor inferior a 15.000,00€ e seguir a forma de processo especial e a partir desse facto determinava que a reconvenção deveria ser liminarmente indeferida, por não ser consentida neste processo especial e ser insuscetível de adição o valor processual da reconvenção, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso [Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, Almedina, 6.ª edição, 2008, págs. 189/191; in www.dgsi.pt: Acs. RP de 02/05/2015, processo 143043/14.5YIPRT.P1; RC de 07/06/2016, processo 139381/13.2YIPRT.C1; RG de 22/06/\2017, processo 69039/16.0YIPRT.G1].
Já quanto às injunções de valor superior a 15.000,00€, considerava-se admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de que a tramitação processual imprimida passa a ser, após a oposição, a do processo comum [Salvador da Costa, ob. e loc. citados]. De facto, esta solução não envolve qualquer óbice de índole adjetiva, porque a consequente distribuição da injunção como ação declarativa depois da oposição à injunção e a forma processual subsequente comporta a viabilidade da reconvenção e, por isso, se admite a reconvenção, sem controvérsia, nas ações de natureza comum decorrentes de injunção relativa a transação comercial de valor superior a €15.000,00 [Edgar Valles, Cobrança Judicial de Dívida, Injunções e Respetivas Execuções, Almedina, 4.ª edição, 2001, a págs. 107/108; In www.dgsi.pt: Ac. RP de 14/05/2012, processo 176189/11.1YIPRT-A.P1].
Apreciando a questão, importa assinalar que a jurisprudência tem vindo a alterar a posição de rejeição da reconvenção que antes vinha sendo pacificamente assumida com uma tripla ordem de argumentação:
(i)a solução gera uma desigualdade entre os peticionantes de valores pecuniários resultantes de transações comerciais, sem que motivos de justiça material fundem tal desigualdade;
(ii) o nosso ordenamento jusprocessual civil facilita a compensação, a qual é admissível mesmo em relação a créditos ilíquidos, já que esta, agora, parec só pode ser deduzida por reconvenção;
(iii) a economia processual resultante da discussão simultânea dos dois pedidos em contraponto com a necessidade de interposição de ação autónoma para formular o pedido reconvencional.
Acresce que não antevemos no regime do decreto-lei n.º 62/2013 (artigo 10º/2) o afastamento das regras processuais gerais sobre o cálculo do valor de uma ação. E, em função do preceituado no artigo 299º do CPC, o valor da reconvenção é adicionado ao valor da ação, salvo se o pedido for o mesmo, pelo que a dedução de oposição e da reconvenção determina a soma dos dois pedidos, valor em função do qual serão tramitados os ulteriores termos dos atos processuais (artigo 299º/3 do CPC).[3]

Com efeito, aderimos ao entendimento que confere ao Requerido a possibilidade de, numa AECOPEC, invocar a compensação/reconvenção e, não obstante ser admissível a instauração de uma ação própria, de modo a evitar um desperdício de recursos, em violação da imprescindível economia de custos, determinar a apreciação simultânea de toda a problemática derivada do mesmo negócio jurídico.
Aliás, esta solução surge compaginada com os princípios processuais que dimanam do atual regime processual civil, que impõe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (artigos 6º e 547º CPC) com vista a tingir a justiça material e, por isso, sempre lhe caberia ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional[4]
Solução idêntica já era defendida pelo professor Miguel Teixeira de Sousa no ano de 2017 relativamente a dedução de compensação pela via reconvencional na tramitação da AECOPEC.[5]
Assim, acolhemos a tese da admissibilidade da reconvenção, em consonância com o expendido por Miguel Teixeira de Sousa no blogue do IPPC[6], no sentido de dar ao demandado a possibilidade de, no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a 15.000,00€, invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual de forma a ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional.
E, convocando o entendimento sufragado em jurisprudência dos tribunais superiores
- cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-06-2017, relator Júlio Gomes, processo n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4-06-2019, relatora Maria Cecília Agante, processo n.º 58534/18.0YIPRT.P1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-06-2018, relator Rodrigues Pires, processo n.º 26380/17.0YIPRT.P1,- onde se aderiu à tese da alteração da forma do processo se por força da dedução da reconvenção o valor passar a ser superior a metade do valor da alçada da Relação
- também se nos afigura que no caso presente de procedimento de injunção destinado à cobrança de dívida de valor inferior a € 15.000,00, fundada num alegado incumprimento de contrato de empreitada, esse procedimento, após ser deduzida a oposição-reconvenção, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor.
O art. 547º do Cód. de Proc. Civil, sob a epígrafe “adequação formal” diz-nos que o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma os atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
Deste modo, em consonância com a argumentação que foi expendida por Miguel Teixeira de Sousa no blogue do IPPC, em 26.4.2017, entendemos que deve ser dada a possibilidade ao demandado de no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) deduzir reconvenção, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual (art. 6º do Cód. do Proc. Civil) de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.
Por conseguinte, a reconvenção deduzida, na qual a ré invocou, entre o mais, a execção de não cumprimento do contrato, o incumprimento do contrato, na forma de cumprimento defeituoso, é admissível, devendo ser dada a possibilidade à autora de a ela responder em articulado próprio.
Na situação em apreço, havendo dedução de oposição e reconvenção, o valor desta deve ser tido em conta, segundo as regras processuais civis, para o cálculo do valor da ação, determinando a forma de processo a seguir. Ora, ao valor do pedido 12.134,92 € somar-se-á o valor do pedido reconvencional 27.343,51 €, pelo que se deverá aplicar a forma do processo comum e admitir-se o pedido reconvencional.
Como dispõe o n.º 2, do art.º 10.º do Dec. Lei n.º 62/2013, “Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição (…) no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum”.
Para estes litígios, o legislador presume, juris et de jure, que esse procedimento especial não é adequado à justa composição do litígio, mandando seguir a forma de processo comum.
Ora, não existindo norma expressa, que exclua a possibilidade de dedução de pedido reconvencional na oposição, a celeridade é um valor inerente a qualquer procedimento processual e no caso deste procedimento, indubitavelmente, não excluirá a defesa por exceção, que também se não compadece com dois articulados, sob pena de, afinal, este procedimento não admitir defesa, tout court.
Como refere o recorrido nas contra-alegações:
“A existência de apenas dois articulados, constitui um axioma, não só não demonstrado, como também logo contrariado pelo texto legal do n.º 2, do artigo 10.º, que manda seguir a forma de processo comum, a qual comporta mais de dois articulados, embora neste caso se coloque a questão de saber o que deve estar primeiro, se o pedido ou a sua admissibilidade.
Não estando demonstrada a impossibilidade processual de natureza física, uma tal argumentação, de dois articulados, contraria frontalmente o princípio da adequação processual, consagrado no artigo 547.º do C. P. C., o qual, ao dispor que “O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”, pretende evitar que razões de natureza meramente adjetiva obstem à realização do direito substantivo, que é o que, claramente, está em causa nesta forma processual simplificada.
No presente caso, está em causa um contrato de empreitada e o seu cumprimento/incumprimento, pedindo a Autora um preço e pedindo o Réu uma indemnização por cumprimento defeituoso.
O argumento de natureza puramente adjetiva e não demonstrado da existência de apenas dois articulados reduziria a intervenção judicial à apreciação parcelar do litígio com violação, entre outros, do princípio da economia processual e com prejuízo da realização da justiça, sem que se vislumbrem valores dignos de proteção legal que tal justifiquem.2
No mesmo sentido, da admissibilidade de dedução de pedido reconvencional, para além do artigo 547.º, do C. P. C., aponta também o disposto no artigo 266.º, n.º 3, do C. P. C., o qual impõe ao juiz, nomeadamente, “quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio”, que determine a dedução de reconvenção, se necessário, adaptando o processado, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, do mesmo Código.
Assim, acolhemos aqui o entendimento sufragado no no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto a 04-06-2019, processo n.º 58534/18.0YIPRT.P1, “à luz do princípio da adequação processual, obstando a que razões de cariz adjetivo impeçam a realização da justiça material, deve o tribunal fazer uso dos seus poderes de adequação formal e de gestão processual e ajustar a tramitação da AECOPEC à admissão do deduzido pedido reconvencional.”
Nesse sentido, também este colectivo de juízes proferiu acórdão no dia Porto,07.04.2022, no Proc. nº 70921/21.9YIPRT.P1.
Em suma,
Apresentado requerimento de injunção e sendo apresentada oposição com defesa por exceção e pedido reconvencional, em aplicação do disposto nos n.ºs 2 e 4.º do artigo 10.º, do Dec. Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, deve ser mandada seguir a forma de processo comum quando tal for determinado, quer pelo valor da transação comercial em causa, quer pelo valor correspondente à soma dos pedidos, em aplicação do disposto no artigo 299.º do C. P. C.
Pelo que, não assiste qualquer razão à Recorrente, a implicar a improcedência do recurso interposto.

.Finalmente, relativamente às invocadas irregularidades que resultaram do despacho recorrido que agora é confirmado, cabe referir o seguinte:
As invocadas irregularidades são, como o recorrente alega posteriores ao acto decisório recorrido e, nessa medida, não cabem no objeto do presente recurso, sendo que, enquanto nulidades processuais, delas cabe reclamação e não recurso, tendo o recorrente alegado que já reclamou no tribunal recorrido das invocadas irregularidades.
Sumário.
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IV.DELIBERAÇÃO:
Nos termos expostos, acordam os juízes em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora, e, em consequência, confirmar o despacho recorrido que determinou a convolação dos autos para a ação de processo comum, em convergência com o plasmado nos arts. 547.º, 548.º e e 552.º e ss., do Código de Processo Civil.
Custas a cargo do recorrente.

Porto, 13.07.2022
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Isabel Silva
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[1] Acórdão do STJ de 27/10/98, processo 98A817, in www.dgsi.pt
[2] Cfr. Acórdãos. do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/1/2005: processo 04B4031, de 11/12/95, processo 96A483, de 03/12/96, processo 97A232, de 06/05/97, processo 97A232 e de 22/01/98, processo 98A448, Acórdão da Relação de Évora, de 1/4/2004: processo 2737/03-2, e Acórdão da Relação do Porto de 10/01/2008, processo nº 0736877, todos in www.dgsi.pt.
[3] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ, em revista excecional, de 06/06/2017, processo 147667/15.5YIPRT.P1.S2, Ac Relação do Porto, de 4.06.2019.
[4] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 13/06/2018, processo 26380/17.0YIPRT.P1.
[5] No blogue do IPPC em 26.4.2017 sob o título “AECOPs e compensação”.
[6] No blogue do IPPC em 17/12/2019, comentando o acórdão desta Relação do Porto de 4.06.2019.