RECURSO DE REVISÃO
PRESSUPOSTOS
PROVA PROIBIDA
REJEIÇÃO
Sumário


O fundamento previsto no art. 449.º, n.º 1, al. e), do CPP, introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29.08, salienta a distinção entre o recurso extraordinário de revisão e o recurso ordinário, desde logo porque: i) por um lado, não se refere à alegação de quaisquer provas proibidas, nomeadamente previstas noutros preceitos legais (caso que pode ser objeto de recurso ordinário), mas apenas abrange provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP; ii) por outro lado, exige que as provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP, que serviram de fundamento à condenação, tenham sido descobertas após o trânsito em julgado da decisão a rever.

Texto Integral




Proc. n.º 418/14.1TACHV-B.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I Relatório

1. O arguido/condenado AA, vem nos termos (entre outros) do artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão da sentença/acórdão de 11.01.2016, proferida no processo comum (tribunal coletivo) n.º 418/14...., pendente no Juízo Central Criminal ..., juiz ..., comarca ..., confirmada por ac. do TR... de 12.07.2016, transitado em julgado, na parte em que o condenou por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, nº1, 24º, als. d) e e) e h), do DL 15/93, de 22.01, na pena de 6 anos de prisão e pela prática de um crime de corrupção passiva, p. e p. no artigo 373º, nº1 do CP, na pena de 2 anos de prisão, sendo em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77º do CP, condenado na pena única de prisão de 6 anos de 10 meses.

2. Para o efeito, o recorrente alega o seguinte no seu recurso:

I – INTRODUÇÃO

O ora Recorrente, foi condenado por Acórdão proferido no processo supra referido, datado de 11.01.2016, nas penas de prisão de 6 anos pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, 24º, alienas d) e e) e h), e na pena de prisão de 2 anos, pela prática de um crime de corrupção passiva, previsto e punido pelo artigo 373º, nº1 do Código Penal.

Em concurso de infracções foi-lhe aplicada, nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, a pena única de prisão de 6 anos de 10 meses.

Por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação ..., datado de 12.07.2016, foi julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido e ora recorrente e confirmada a decisão recorrida, tendo o Acórdão transitado em julgado em 03.10.2016.

Pelo presente recurso não se pretende pôr em causa a sindicância de qualquer tipo de erro judiciário praticado pelo Tribunal Colectivo ..., que é de inegável competência técnica e idoneidade e que certamente decidiu em consciência de acordo com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento.

Só que os pressupostos da condenação do ora Recorrente basearam-se num conjunto de provas directas e indirectas, sendo que algumas delas já não têm agora correspondência com aquilo que se passou em audiência de discussão e julgamento.

Efectivamente, nestes dias, o ora Recorrente tomou conhecimento do plano que levou à sua injusta condenação e que tal plano foi traçado pelo então recluso no Estabelecimento Prisional ..., com o auxílio da sua companheira BB.

Soube o recorrente desse plano através da confidência que o referido CC prestou a outro recluso que estava na sua cela, de nome DD e após averiguações tomou-se conhecimento que tais factos também são do conhecimento de outros reclusos de nome EE, FF, bem como de GG.

Todas estas pessoas acima identificadas querem prestar declarações e, sobretudo, repor a verdade dos factos.

Estas declarações prestadas constituem, do ponto de vista do Recorrente, novos meios de prova que suscitam dúvidas sobre a Justiça da sua condenação.

Pelo exposto, vem o condenado, ora Exponente, requerer a V.Exªs a REVISÃO DA SENTENÇA já transitada em julgado, o que faz ao abrigo dos artigos 449º, nº 1, alínea d), e artigo 450º, nº 1, alínea e), ambos do Código de Processo Penal.

Na verdade todos os meios de prova juntos e os principais factos neles comprovados, são novos no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação do Recorrente e eram por este ignorados no momento em que o julgamento teve lugar.

Esta novidade dos factos existe para o julgador, ainda que o Recorrente por mera hipótese académica os já conhecesse, conforme Jurisprudência Dominante do Venerando STJ, que com a devida vénia se transcreve: “Novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido os não ignorasse no momento do julgamento”.

II – NOVOS FACTOS E MEIOS DE PROVA

Não é segredo para ninguém que em todos os Estabelecimentos Prisionais do País entram produtos estupefacientes e outros produtos, não sendo naturalmente o EP ... excepção.

Efectivamente há época dos factos sob investigação no processo e num dia de visita dos familiares ao E.P. ..., a senhora BB, passou e entregou ao arguido CC, seu companheiro e detido naquele estabelecimento prisional, uma “coisa” que ele imediatamente meteu na boca,

 o que foi observado pela guarda prisional HH, que achou naturalmente tal comportamento suspeito e imediatamente chamou o seu colega, o guarda II, que ficaram na altura desconfiados e suspeitaram que se passava alguma coisa estranha entre o recluso e a companheira.

 Isto para dizer que na altura dos factos constantes da acusação o produto estupefaciente entrava no E.P. por outras pessoas que não o ora recorrente.

 O recorrente apenas introduziu no E.P. produtos higiénicos e acedeu a isso, com o intuito claro de ganhar a confiança dos reclusos e assim recolher informações que pudessem revelar-se importantes para manter a ordem e a disciplina no interior da cadeia e também para saber qual era o meio utilizado para a introdução dos produtos estupefacientes no interior da cadeia, porque existiam fortes suspeitas de envolvimento no tráfico de um outro guarda prisional.

E foi graças a essa confiança adquirida com os reclusos que soube agora por parte de um recluso de nome DD, os factos que agora se vão relatar no presente recurso e que lhe transmitiu o seguinte: “A droga entra pelo seu antigo colega, o careca” uma vez que o viu entregar dentro do E.P. um pequeno embrulho a outro companheiro seu, recluso.

Daqui resulta que era do interesse de alguém dentro do E.P. e do corpo dos guardas prisionais arranjar um “bode expiatório”, atribuir as culpas a outrem pelo seu desprezível comportamento e infelizmente, esse alguém foi o ora recorrente.

Daí o execrável plano perpetuado contra o recorrente.

O referido DD preso no E.P. à época dos factos e que não foi ouvido em sede de julgamento, nem no processo, está disponível para prestar depoimento nos presentes autos e esclarecer toda a verdade sobre a envolvência de terceiros no tráfico de estupefacientes no interior do estabelecimento prisional ....

10º

O mesmo sucedendo com um outro ex-recluso no estabelecimento prisional ... que há época dos factos se encontrava ali detido, de seu nome FF e que agora confidenciou ao recorrente nova factualidade e de GG, ex-recluso daquele identificado estabelecimento prisional que também é conhecedor do relatado.

11º

Na altura em que o facto acima relatado ocorreu, não conhecia o recorrente a arguida BB e apenas conhecia o arguido CC no exercício das suas funções à época de guarda-prisional.

12º

Tudo isto para dizer que naquela altura os produtos estupefacientes entravam no estabelecimento prisional ..., através das visitas e por outros sujeitos.

13º

Efectivamente, o Recorrente, por mera casualidade, conheceu a senhora BB nas visitas que esta efectuou ao companheiro e co-arguido, CC, detido na altura dos factos no E.P ..., local onde o Recorrente prestava servido de guarda prisional.

14º

Volvido algum tempo, encontrou a dita BB no ... em ..., local onde o Recorrente semanalmente se deslocava para comprar o que necessitava para casa e para levar para o trabalho.

15º

O Recorrente encontrou-se pessoalmente algumas vezes com a dita BB, mas nunca esta lhe entregou qualquer produto estupefaciente, mas sim produtos de higiene.

16º

No dia 09 de Março de 2015, a referida BB que não possuía carta de condução, na companhia do irmão JJ, pessoa que nunca a acompanhou nos anteriores encontros, uma vez que foi sempre acompanhada pelo irmão do recluso CC, de nome KK e com o veículo do recluso que estava na altura ausente de Portugal, encontrou-se com o Recorrente em ..., tendo este saído da sua viatura de marca ..., matrícula ..-IR-.. e deslocou-se para junto da viatura em que a referida BB se fazia transportar, veículo de marca ... e recebeu desta uma saca plástica apertada com vários nós que aquela lhe disse conter produtos higiénicos – gel de banho e uns livros de mortalhas – para entregar ao recluso, seu companheiro, CC,

17º

O recorrente colocou tal saco no banco de trás da sua viatura e ao mesmo tempo dirigindo-se para a dita BB disse-lhe que era a última vez que levava os produtos higiénicos. Onde ela retorquiu dizendo que tinha conhecimento que o arguido levava produtos higiénicos para outros reclusos e que se não levasse iria denunciá-lo ao Director e Chefe de Guardas do E.P.

18º

No dia seguinte de manhã quando preparou as coisas para levar para o E.P. onde tinha mais produtos higiénicos para outros reclusos juntou a dita saca de plástico aos outros produtos e quando entrou no EP dirigiu-se imediatamente para a cozinha para guardar os bens alimentares e nessa momento verificou a saca de plástico que estava fechada e apercebeu-se que junto dos produtos higiénicos e dentro de um livro de mortalhas estava um embrulho e foi aí que separou porque lhe pareceu conter um produto suspeito dado aquela caixa de mortalhas ser mais pesada do que as outras e nesse preciso momento entrou a PJ na cozinha e lhe disseram para entregar tudo aquilo que a arguida BB na véspera lhe entregou, fê-lo, julgando que nada de ilícito constava no interior daquela saca de plástico a não ser os ditos produtos higiénicos e as caixas com as mortalhas.

19º

Aqui chegados convém esclarecer que a arguida BB inicialmente começou a aproximar-se do recorrente para com o tempo ganhar a sua confiança, solicitando-lhe sempre o favor de levar um ou outro produto higiénico para o seu companheiro CC e nessas alturas nunca apareceu qualquer produto estupefaciente, nem nada de suspeito, nem tão pouco o arguido foi abordado pela PJ uma vez que já alegadamente estaria sob investigação, dizendo aqueles inspectores em sede de audiência que nunca viram nada.

20º

Ao que o Recorrente foi acedendo, sem que daí houvesse qualquer problema, uma vez que se tratavam de produtos higiénicos que não existiam no E.P., cobrava pelos mesmos o respectivo valor de aquisição, apesar de constarem da lista de produtos comercializados no interior do E.P e porque assim ganharia a confiança daquele recluso e ao mesmo tempo recebia informações para que quando houvesse algo ilícito (“xixa”, telemóveis e produtos estupefacientes e armas brancas) no E.P para se conseguir apurar o mais rapidamente o responsável.

21º

Ao confiar na dita BB e porque nas anteriores entregas de produtos higiénicos nunca houve qualquer problema, não cuidou o recorrente de verificar o conteúdo da saca plástica que aquela lhe entregou, o que só sucedeu no dia seguinte conforme supra relatado.

22º

Efectivamente, nestes dias, o ora Recorrente tomou conhecimento do plano que levou à sua injusta condenação e que tal plano foi traçado pelo então recluso no E.P, CC, com o auxílio da sua companheira BB e que consistiu no seguinte:

23º

A testemunha FF à época dos factos era recluso no E.P ... e era consumidor de haxixe e três dias antes da ocorrência dos factos no recreio do E.P falou com o arguido CC para ver se ele lhe arranjava haxixe, tendo este dito que de momento não tinha mas que iria falar com a mulher para ver se conseguia meter o produto estupefaciente dissimulado nas mortalhas e no saco dos produtos higiénicos, visto que nas palavras dele, o irmão KK já não se encontrava em Portugal que era quem lhe tinha estragado o negócio anteriormente nas vezes que a sua companheira entregou produtos higiénicos ao recorrente.

24º

No dia em que o recorrente foi interceptado pela PJ, todo o EP ... tomou conhecimento disso e o recluso FF que estava junto do recluso CC virou-se para este e disse-lhe já sabes que o guarda LL foi apanhado, tendo aquele retorquido “Já fiz merda, envolvi um guarda nisto quando o homem nem sabia o que trazia”.

25º

Agora pretendem  os  ditos  MM  e  FF dar conhecimento destes novos factos importantes e que até agora eram desconhecidos.

26º

Estes factos também são do conhecimento do recluso à época GG.

27º

Acresce que o recluso à época dos factos DD também tem conhecimento que os produtos estupefacientes eram traficados pelo NN, seu companheiro de cela uma vez que numa ocasião viu um guarda prisional de nome OO deixar um embrulho na cela e após aquele abrir o embrulho viu um produto idêntico a haxixe.

28º

Passados alguns dias após este episódio houve uma revista geral às celas do E.P onde foi encontrado produto estupefaciente nas condutas dos balneários pelo guarda II.

29º

Face a tudo isso, nada mais resta do que a instauração do presente recurso extraordinário de revisão, por ser muito duvidosa, perante a factualidade agora revelada a condenação do recorrente e diga-se nunca o produto apreendido foi alvo de qualquer exame toxicológico no âmbito do identificado processo.

30º

Não se compreende como alguém é condenado por tráfico de produto estupefaciente e o produto apreendido não é examinado para saber qual é a sua composição.

31º

Não constando dos autos a composição do produto apreendido, não poderia o arguido e ora recorrente ser condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.

32º

Pelo que existiu neste caso recurso a prova proibida para fundamentar a decisão nos termos do disposto no artigo 126º, nº1 e 3 e artigo 449º, nº1, alínea e), ambos do C.P.P.

33º

O que também se invoca para os devidos e legais efeitos.”

3. Após a produção de prova (art. 453.º do CPP), o Sr. Juiz pronunciou-se sobre o mérito do pedido (art. 454.º, CPP), nos seguintes termos:

“ O condenado AA veio interpor o presente recurso extraordinário de revisão, alegando que foi injustamente condenado por não terem sido tomadas em conta as provas testemunhais que apresentou neste recurso, que, segundo ele, demonstrariam, em síntese, que o recorrente foi vítima de uma armadilha ou conspiração, não tendo praticado conscientemente os atos pelos quais veio a ser condenado.

Foi produzida toda a prova oferecida pelo recorrente.

O Ministério Público lançou nos autos douto parecer, pugnando pela negação da revisão.

Cumpre proferir o parecer a que alude o art.º 454.º do CPP.

O julgamento em causa nos autos foi realizado por tribunal coletivo presidido por mim, tendo sido eu o relator do acórdão.

Como se vê da fundamentação da matéria de facto que do mesmo consta, para a condenação do ora recorrente foram tidos em conta vários meios de prova: desde logo a sua confissão, ao menos parcial, efetuada em inquérito, mas também prova testemunhal (alguma com vigilâncias), documental e por interseção telefónica. Como se pode ler da fundamentação da matéria de facto, houve da minha parte, dentro do que está ao meu alcance, um especial cuidado de fundamentação e explicação do pensamento do tribunal coletivo, não só por causa da extrema sensibilidade da questão, mas também das consabidas devastadoras consequências profissionais para o ora recorrente de uma decisão condenatória.

As provas testemunhais agora apresentadas pelo condenado revelam um confrangedor desconhecimento de armadilhas ou conspirações, limitando-se a enunciar vacuidades e elucubrações sem qualquer real substrato fático, revelando até alguma incredulidade quando lhes foi dito que o próprio condenado tinha admitido em interrogatório ocorrido no inquérito, mas legalmente apreciado em julgamento, a atividade de tráfico de estupefacientes, justificando-a com dificuldades na vida e outras situações.

Assim, a meu ver, não há qualquer indício, ou resquício de indício, de que o recorrente tenha sido vítima de uma cilada, armadilha ou conspiração, nada sabendo de relevante nesta ou noutra sede as testemunhas agora apresentadas pelo recorrente.

Assim sendo, atenta a cristalinidade da questão, singelo é o meu parecer, segundo o qual revisão deve ser negada.”

4. Já neste Tribunal a Srª. PGA pronunciou-se pela improcedência do recurso, por não se verificar a existência de qualquer dos pressupostos previstos no art. 449.º do CPP, tanto mais que os fundamentos do requerimento de revisão não tinham a virtualidade para suscitar quaisquer dúvidas, muito menos graves, sobre a justiça da condenação.

5. Notificado do Parecer da Srª. PGA, o recorrente pronunciou-se discordando do mesmo e mantendo a sua posição, pugnando pela procedência do recurso, remetendo para todas as provas que foram produzidas neste âmbito e reafirmando que foi condenado com recurso a prova proibida (no que toca à prova pericial realizada ao produto estupefaciente apreendido, ao ser confrontado com a sua existência, que na petição de recurso alegava estar em falta, contra-argumentou que então o relatório pericial ao produto apreendido em 10.03.2015 não continha a referência ao grau de pureza do produto, ou seja, à percentagem do princípio ativo contido na substância em causa, o que na sua perspetiva era importante “porque o grau de criminalização só surge ao atingir os valores percentuais indicados na nota 3 do Mapa anexo da Portaria 94/96” e, assim, faltando essa indicação e não havendo prova da entrega ao CC, a sua conduta, quando muito, era destinada ao consumo, apenas podendo integrar os tipos dos arts. 26.º ou 40.º do DL 15/93, de 22.01 ou o tipo contraordenacional contido no art. 2.º da Lei nº 30/2000, de 29.11), acrescentando novo fundamento de revisão previsto no artigo 449º, n.º 1, al. f), do CPP, alegando, para o efeito, que sem as escutas telefónicas e localizações celulares, não havia prova no processo para sustentar a condenação do recorrente no crime de tráfico de estupefacientes e, concluindo ser o Acórdão do TC nº 268/2022, de 19.04.2022, que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos artigos 4º, 6º e 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de Julho, também aqui aplicável.

6. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem cumpridos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II Fundamentação

Em sede da decisão sobre a matéria de facto, com relevância para esta decisão, fez-se constar da sentença condenatória, confirmada por acórdão do TR..., o seguinte:

Factos Provados

1.º

Durante um período de tempo não concretamente apurado, mas compreendido, pelo menos, entre Janeiro de 2015 e 10 de Março de 2015, os arguidos AA, guarda prisional, e CC, em conjunto, congeminaram e traçaram, e com a intervenção da arguida BB, nos termos referidos infra em 168.º, um plano para introduzirem produto estupefaciente, designadamente, haxixe, no Estabelecimento Prisional Regional ... (E.P.) para daí retirarem todos proveitos económicos.

2.º

Para prosseguirem e executarem em conjunto esse mesmo plano, valeram-se todos das especiais funções de guarda prisional aí exercidas pelo arguido AA e da decorrente facilidade que este tinha em entrar e sair do E.P.

3.º

Na concretização desse plano, a arguida BB, pelo menos durante aquele período de tempo, contactou telefónica e pessoalmente, por várias vezes, os arguidos PP [entre os dois os contactos e encontros remontavam já, pelo menos, a Agosto de 2014] e AA, sendo que o primeiro vendia-lhe o produto estupefaciente e o segundo introduzia-o no E.P. e entregava-o ao arguido CC, aí recluso e seu companheiro, para que este o vendesse/cedesse/distribuísse aos demais reclusos no interior do E.P., cobrando pelos  “charutos”/”charros” de haxixe quantias  unitárias não inferiores a  € 2,50/€ 3,00 (intercepções telefónicas, designadamente: Apenso II: sessões 147, 153, 174, 176, 179, 205, 243, 260, 261, 262, 290, 294, 301, 461, 526, 534, 567, 579, 583, 585, 717, 907; Apenso III: sessões 30, 82, 148, 147, 149, 153, 157, 174, 176, 178, 179, 180, 182, 187, 233, 260, 262, 263, 265, 267, 268, 282, 290, 293, 296, 301, 306; Apenso VII: sessões 196, 198).

Do lucro e/ou proveito que o arguido CC retirava desta atividade de compra e venda de produtos estupefacientes no interior do E.P., cujos concretos valores não foi possível apurar, uma parte servia para pagar ao arguido AA e, a outra, para que a arguida BB, que recebia esse dinheiro das mãos deste aquando da transacção do estupefaciente, pudesse voltar a comprar mais produto ao arguido PP.

5.º

O arguido PP dedica-se à venda a terceiros de produtos estupefacientes, nomeadamente haxixe, há cerca de três anos, dedicando-se também os arguidos AA, CC e BB, estes três em nos termos referidos em 1.º, 33.º e 168.º, à sua compra, venda e introdução não autorizada dentro do E.P. pelo menos desde Janeiro de 2015.

6.º

O arguido AA, pelo menos desde Janeiro de 2015, valia-se da sua especial qualidade de funcionário do E.P. para poder levar consigo, oculto no fardamento de trabalho e/ou sacos/objectos que transportasse, produto estupefaciente para o seu interior.

7.º

Desde data não apurada do mês de Agosto de 2014, a arguida BB, após contacto prévio, encontrava-se com o arguido PP, habitualmente na “lavandaria do mineiro”, em ... – ..., para lhe comprar produto estupefaciente – haxixe – em quantidade suficiente para satisfazer “as encomendas” feitas pelos reclusos ao arguido CC, nos termos referidos em 168.º, sendo que a partir de Janeiro de 2015 esta atividade tinha como intermediário entre a atividade da arguida BB e o arguido CC o arguido AA, nos termos acima referidos.

8.º

Em seguida, a partir de Janeiro de 2015, a arguida BB encontrava-se pessoalmente e várias vezes, quantas as necessárias, com o arguido AA para lhe entregar esse produto estupefaciente, o qual, valendo-se da sua especial qualidade de funcionário, o introduzia no E.P. e fazia chegar ao arguido CC, transações estas que aconteceram, designadamente, nos dias 06-02-2015, 20-02-2015 e 09-03-2015.

9.º

No dia 09-03-2015, pelas 17h30, a arguida BB deslocou-se a ... – ..., transportada por JJ, seu irmão, no veículo automóvel de marca ..., modelo ..., cinzento, com a matrícula ..-..-DV, para se encontrar com o arguido PP.

10.º

Uma vez aí, e tal como tinha combinado telefónica e previamente com este as quantidades e dinheiro a pagar, encontraram-se, como normalmente acontecia, na zona da “lavandaria do mineiro”, em ..., ..., encontros estes que ocorreram, pelo menos, nos dias 09-08-2014, 17-08-2014, 12-11-2014, 26-11-2014, 06-12-2014, 16-12-2014, 07-01-2015 e 19-01-2015.

11.º

Ao avistar o veículo automóvel em que seguia a arguida BB, o arguido PP, que ali se fez transportar ao volante de um veículo de marca ..., modelo ..., azul-escuro, com a matrícula ..-..-MQ, aproximou- -se do mesmo, em marcha lenta, vindo então ambos a parar a cerca de 500 metros da “lavandaria”.

12.º

Acto contínuo, o arguido PP saiu da viatura e abeirou-se da janela adstrita ao lugar em que a arguida BB estava sentada e entregou- -lhe quatro porções de haxixe, que se encontravam embrulhadas em plástico aderente, transparente, recebendo, em troca e como combinado, quantia monetária em montante global não concretamente apurado.

13.º

Posto   isto, a arguida BB, ainda na companhia do irmão JJ, tomou a direção da   estrada   de ... até ..., onde, mais concretamente, em ..., se encontrou com o arguido AA, que aguardava a sua chegada, como combinado, no interior da viatura de marca ..., modelo ..., cinzento-escuro, com a matrícula ..-IR-...

14.º

O arguido AA saiu do interior do veículo e deslocou-se para junto da viatura onde seguia BB, recebendo desta o referido produto estupefaciente que lhe tinha sido entregue, momentos antes, pelo arguido PP para que aquele, quando fosse trabalhar, o introduzisse no E.P., como introduziu, e entregasse ao arguido CC, para venda a terceiros.

15.º

No dia 10 de Março de 2015, pelas 08h32, no interior das instalações do E.P. ..., o arguido AA, de acordo com as funções que ali exerce, trajado com a farda de guarda prisional, na concretização do plano gizado com os arguido CC e BB, aquando da abordagem e interceção pela Polícia Judiciária, tinha na sua posse, no bolso do casaco da farda que envergava, aquelas quatro porções de haxixe, retangulares, envoltas em película aderente.

16.º

Eram estas quatro porções os quatro “rolamentos”/”pastilhas de travões” de haxixe cuja compra, venda e entrega havia sido combinada entre os arguidos PP, CC, BB e AA no dia anterior, 09-03-2015 (intercepções telefónicas reproduzidas e transcritas no apenso I), com o peso líquido de 53,738 gramas.

17.º

O arguido AA, durante um período de tempo não concretamente apurado, mas pelo menos desde os anos de 2013-2014 e até à sua detenção, comprou e introduziu no E.P. vários produtos cuja entrada sabia não ser admitida, para venda aos reclusos, por quantias acima do preço de custo e por valores nunca inferiores a € 3,00, € 4,00, € 4,50/€ 5,00 a unidade, dependendo dos produtos e/ou artigos.

18.º

Assim, mediante aqueles pagamentos, o arguido AA foi comprando e vendendo a vários reclusos diversos produtos de higiene, relógios, lâminas de barbear, embalagens de gel para o cabelo, gel de banho, desodorizantes, entre outros objectos, o que fez, designadamente, a EE, QQ e RR, SS, TT e UU, tendo o arguido no dia 10-03-2015 na sua posse, parte desses objetos, dentro de um dos dois sacos que transportou com ele para o interior do E.P. (intercepções telefónicas, designadamente, Apenso II: sessões 390, 437, 465, 832, 878, 905, 1268, 1271, 1281, 1283, 1286).

19.º

Mais tinha o arguido na sua posse um telemóvel de marca ..., modelo ..., que se encontrava no interior do seu cacifo do E.P., com dois cartões SIM referentes aos n.ºs ...44 e ...59, números estes correspondentes aos alvos de intercepções telefónicas ...60 e ...40.

20.º

O arguido AA, para se organizar quanto aos pedidos dos reclusos e para não se esquecer das encomendas de produtos, bens, objetos e/ou artigos que estes lhe iam fazendo, apontava-os num papel, à semelhança da listagem constante do manuscrito que tinha na sua posse no dia 10-03-2015 (foto de fls. 172).

21.º

Descrevia os produtos que eram precisos e que os reclusos lhe iam encomendando para, contrariamente às suas funções de guarda prisional e aos deveres a ela inerentes, fornecer-lhes, mediante o pagamento de várias quantias em valores não concretamente apurados, mas sempre superiores ao preço de custo, esses mesmos bens/produtos/artigos, o que bem sabia ser ilícito, não admitido e punido por lei.

22.º

O arguido PP, dedicava-se desde há pelo menos três anos, por reporte ao dia da sua detenção, à compra e venda a terceiros do produto estupefaciente haxixe, o que fez, com regularidade, designadamente, a VV, WW, XX, QQ, YY, ZZ, AAA, BBB e CCC, por valores unitários nunca inferiores a € 10,00/ € 20,00 (intercepções telefónicas – Apenso III: sessões 260, 262, 290, 294, 301; Apenso IV: sessões 1, 2, 3, 4, 5, 7, 11, 18, 20, 21, 34, 35, 38, 39, 41, 42, 44, 45, 52, 55, 56, 59, 60, 64, 66, 67, 68, 70, 71, 74, 76, 87, 89, 90, 91, 92, 95, 96, 98, 103, 106, 114, 126, 128, 136, 137, 138; Apenso V: sessões 184, 196, 307).

(…)

33.º

Os arguidos AA, BB e CC, ao agirem da forma atrás descrita, fizeram-no em comunhão de vontades e congregando tarefas, livre, voluntária e conscientemente, com o intuito, concretizado de, quanto aos arguidos AA e CC, introduzirem no E.P., no período supra mencionado, produto estupefaciente, e, quanto à arguida BB, com o objectivo de lhes permitir realizar aquele desiderato, produtos cuja natureza e características psicotrópicas bem conheciam, que, nos termos acima referidos, adquiriram, detiveram, cederam e venderam aos reclusos que ali se encontravam, com o propósito de obterem proveitos económicos indevidos.

34.º

Ao agir da forma descrita, o arguido AA fê-lo livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as contrapartidas patrimoniais que aceitou receber e, efetivamente, recebeu quer do arguido CC, quer de vários reclusos, alguns deles acima identificados, não lhe eram devidas e que, com os atos que, em contrapartida, se dispôs a praticar e praticou, violava os deveres inerentes às especiais funções que desempenhava, o que quis e conseguiu.

35.º

Os arguidos BB e CC agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que, com as suas condutas, auxiliavam o arguido AA a praticar atos contrários à sua função, em contrapartida de vantagens económicas, que, sem tal auxílio, não conseguiriam, sabendo também que tal era ilícito e proibido por lei.

36.º

Todos os arguidos estavam perfeitamente cientes da natureza e características das substâncias estupefacientes que, no período supra mencionado, detiveram, negociaram, cederam, compraram, venderam e distribuíram, em ordem à obtenção, alcançada, de proveitos económicos, vantagens indevidas e enriquecimento ilegítimo.

(…)

39.º

Sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

(…)

168.º

A arguida BB agiu sempre sob o forte domínio emocional e financeiro que sobre ela exercia o arguido CC, seu companheiro, manifestando esta, em relação a ele, um absoluto espírito de submissão, executando, em estrita obediência, as tarefas que ele lhe ordenava.

169.º

Por despacho concluso a 24-02-2015, a fls. 111 dos autos, o Ministério Público requereu que fosse autorizada uma busca ao domicílio dos suspeitos, e designadamente aos “Armários/Cacifos em uso pelo suspeito AA, no Estabelecimento Prisional Regional ..., sito na Av. ..., ... – ..., ...”.

170.º

Como resposta, por despacho concluso a 25-02-2015, fls. 120 dos autos, quanto ao arguido AA, o Exmo. Sr. Juiz de Instrução, autorizou a realização de uma busca domiciliária aos seguintes espaços:

1. Habitação/anexos da residência do suspeito AA, sita na ..., ... ...;

2. Habitação/anexos da residência dos pais do suspeito AA, uma vez que é este que tem disponibilidade do espaço, sita no Lugar ..., ... – ...;

171.º

Por despacho de 26-02-2015, fls. 123 dos autos, o Ministério Público veio determinar a realização de busca aos armários/cacifo em uso pelo suspeito AA, no Estabelecimento prisional ..., em ordem à eventual apreensão de substâncias  estupefacientes e/ou objectos relacionados com a sua comercialização, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 174°, n.° 2o, 176° do Código de Processo Penal.

172.°

A fls. 165 dos autos consta o Mandado de Busca e Apreensão aos armários/cacifo em uso pelo suspeito, aqui arguido.

173.°

Sendo que os inspetores da Polícia Judiciária procederam em 10 de Março de 2015 à elaboração do auto de busca e apreensão (Cfr. fls. 167 dos autos).

174.°

E de cujo auto consta o seguinte resultado:

- Efectuada busca aos pertences que o AA trazia aquando da entrada no EP ... foi por ele de imediato entregue quatro porções rectangulares de cor ... envoltas em película aderente, tratando-se supostamente de haxixe que trazia no bolso do casaco da farda que trajava.

- Foram localizados os seguintes objectos que se encontravam num saco de compras, que o mesmo trazia:

Cinco embalagens de gel para o cabelo de ...;

Um gel de banho de marca ... ”;

Um desodorizante “rolon ” de marca ...;

- Foi ainda apreendido um pequeno papel manuscrito com nome dos reclusos e os pedidos dos mesmos, de bens de higiene pessoal e outros, que se encontravam no interior da carteira do buscado.

- No interior do armário do buscado foram apreendidos os seguintes objectos:

Um aparelho de internet móvel marca ... contendo cartão SIM ... “...09”, com respectivo carregador;

Um teclado USB de cor ..., sem marca.

Um dispositivo de descodificação de sinal e ligações externas (raspberry) de cor ..., com carregador.

- Foi apreendido o telemóvel do buscado que se encontrava no cacifo de entrada do EP, a saber:

Telemóvel marca ..., modelo ..., cor ..., contendo dois cartões SIM (... ...44) e da operadora ... “...59”, com dois ... “...20” e “...79”, com carregador, e PIN 3216.

- Ainda apreendidos cinco embalagens de “mortalhas” de marca “smoking”, que se encontravam no saco que o buscado transportava.

175.º

É nos cacifos que os guardas prisionais guardam os seus pertences e objetos pessoais.

176.º

A Direção-Geral dos Serviços Prisionais não foi avisada.

177.º

E não esteve presente, desde o início da operação, o diretor do estabelecimento prisional ..., que chegou depois.

178.º

Não foi formulado despacho a ordenar as perícias de fls. 858-861 e 1011-1019.

179.º

E, em sede de inquérito, os arguidos não foram notificados das perícias.

180.º

Os peritos em causa não foram nomeados por despacho no processo.

181.º

O arguido AA nunca usou instrumentos usados no tráfico.

182.º

O arguido nunca cultivou, produziu, fabricou, extraiu, preparou, ofereceu, colocou à venda, vendeu, comprou, distribuiu, cedeu, importou ou exportou produtos estupefacientes.

183.º

Nunca foi este o modo de vida do arguido.

Não provados

- que a atividade referida em 1) e 5) dos factos dados como provados tenha tido início em Outubro de 2014 e que o arguido PP também tivesse congeminado e traçado o plano ali referido;

- que os valores do lucro do arguido CC, referidos em 4.º que podiam ascender a € 50,00/€100,00/€200,00;

- que a arguida BB tivesse atuado com o intuito de introduzir estupefacientes no EP, e que tivesse congeminado e traçado, em conjunto com os arguidos AA e CC, o plano referido em 1.º dos factos dados como provados;

- que a atividade do arguido PP, referida em 5) dos factos dados como provados, se verifique há mais de cinco anos;

- que o arguido AA também atuava para facilitar a entrada da arguida BB nas visitas que efetuava ao companheiro, o arguido CC, nos turnos em que aquele estava de serviço;

-que   nos   factos   referidos   em   11),   o   arguido   PP,   ao   cruzar-se  o  JJ disse-lhe para dar a volta e seguir atrás de si;

- que o arguido AA fosse conhecido entre os reclusos como “madrinha”/”primo;

- que o arguido AA tenha recebido, pela sua atividade descrita em 17) a 21) dos factos dados como provados, favores ou pagamento de prestações bancárias, bem como pagamentos de várias despesas próprias, como o imposto único automóvel;

- que o arguido AA também tivesse comprado aparelhos TDT;

- que na atividade referida em 18) o arguido AA tenha comprado e vendido a reclusos tabaco, telemóveis, bebidas, bens alimentares, cartões SIM, comprimidos, embalagens de mortalhas e comandos;

-que o arguido PP se dedicasse à actividade de venda de estupefacientes de forma concertada com os arguidos BB, CC e AA;

-  que o arguido PP se dedicasse, por  reporte ao dia da sua detenção, à venda de estupefacientes a terceiros há mais de cinco anos;

- o arguido DDD desde há pelo menos três anos que comprava produto
estupefaciente ao arguido PP, o que fazia semanal e regularmente, pelo
preço de € 20,00;

-que o arguido PP tenha agido nos termos referidos em 33) dos factos dados como provados;

- que o arguido AA tenha recebido contrapartidas não patrimoniais, e que tenha recebido contrapartidas patrimoniais de familiares dos arguidos CC e BB, e dos familiares de reclusos;

- que o arguido AA tenha recebido contrapartidas patrimoniais da arguida BB;

- o arguido PP, ao agir da forma atrás descrita, fê-lo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que, com a sua conduta, auxiliava os arguidos BB, CC e AA a realizarem o seu desígnio conjunto e que sem ele não o teriam conseguido e, ainda, que tal era proibido e punido por lei (art.º 35.º da acusação, que se refere à atividade conjunta do arguido EEE com os arguidos AA, CC e BB, que se não provou)

- os arguidos PP, FFF e DDD fizeram da prossecução desta atividade delituosa de compra e venda de produtos estupefacientes modo de vida (sendo certo que a afirmação envolve juízo conclusivo);

- o arguido PP obtinha haxixe “à consignação” de um individuo do concelho ...;

- o arguido AA não atuava e desconhecia qualquer estrutura organizativa tendente ao tráfico de droga.

-o arguido AA não tinha planos gizados;

- que a transação referida em 12) dos factos dados como provados fosse paga em
várias notas de vinte euros que estavam dobradas;

Motivação (Provas a que o tribunal atendeu para decidir a matéria de facto pela forma que antecede e razões determinantes da convicção formada)
a) Declarações do arguido FFF, que admitiu em julgamento, embora no fim da audiência, que é parcialmente verdade o que consta da acusação, designadamente que no período ali referido vendeu haxixe, mas que o fez apenas para sustentar o seu vício de consumo desse produto, uma vez que não tinha proventos para tal, pois estava desempregado e estava a fazer tratamento; todavia, a sua explicação para estas declarações não foi considerada satisfatória, pelo que não lhe foi dada credibilidade, entendendo-se que dessa atividade sustentava o seu vício, mas também efetuava outros gastos; reconheceu que por vezes se abastecia junto do arguido PP, embora não fosse o seu único fornecedor, afirmando que este também era consumidor; negou, contudo que se abastecesse junto do arguido DDD, reconhecendo, contudo, que falou com ele ao telefone, e que se dirigiu a casa deles, mas apenas para fumar com ele, o que não foi considerado credível, uma vez que é relevante a distância ente ... (onde o arguido reside) e ..., onde se situava a casa daquele arguido, para além de que não havia qualquer relação e amizade entre eles, sendo certo ainda que, como adiante se verá, das interceções telefónicas efetuadas ao arguido TT resulta claramente que este procurou o arguido DDD depois da prisão do arguido PP para se abastecer de haxixe, na sequência de várias tentativas de “clientes” seus, e após lhe ter sido fornecido o contacto por uma outra pessoa;

b) Declarações do arguido PP, igualmente prestadas no fim do julgamento, admitindo que vendeu haxixe para sustentar o seu vício, sendo toxicodependente há cerca de 10 anos, mas restringindo a atividade de venda a 2 ou 3 anos, não tendo proventos para sustentar tal dependência; gastaria com a sua adição cerca de € 25,00 a € 30,00 em cada 15 dias; reconheceu que auferia cerca de € 300,00 ou € 400,00 por mês; também a sua explicação a este respeito não foi considerada convincente, pelo que o tribunal não acreditou que os proventos obtidos com a sua atividade fossem aplicados exclusivamente no sustento do seu consumo; as suas declarações a respeito das quantidades vendidas foram muito fugidias e pouco claras; afirmou que vendia quantidades por € 5,00 ou € 10,00; disse que conhece a arguida BB, e que nunca conheceu os arguidos AA ou CC, e que não sabia que a droga que entregou à BB se destinava a entrar no EP ...; manifestou arrependimento, e reconheceu até que algumas das testemunhas que afirmaram que não lhe compraram estavam a mentir, como é o caso de GGG, a quem vendeu por duas ou três vezes (ao contrário do que a testemunha disse); disse que apenas tinha dois telemóveis, e não três, como consta dos autos, e deu uma explicação para a detenção do dinheiro que lhe foi apreendido que coincidiu com a que foi apresentada pela sua mãe e pela sua namorada; todavia, confrontado com o teor das suas declarações sobre o referido dinheiro aquando do primeiro interrogatório judicial, que são diferentes da que agora prestou, disse que estava sob grande tensão (arterial inclusive) e que nem se lembra do que disse; todavia, essas declarações foram reproduzidas em julgamento, tendo o tribunal ficado convencido que a versão comum apresentada por arguido, mãe e namorada, em julgamento, não corresponde à verdade, pelo que as quantias apreendidas provinham da atividade de tráfico;

c) Depoimento da testemunha HHH, inspetor da Polícia Judiciária, que participou na investigação dos autos, tendo efetuado vigilâncias em 06 de Fevereiro, relatando o encontro entre o arguido AA e a arguida BB (acompanhada pelo cunhado, KK) em ... – os carros ficaram estacionados lado a lado, tendo conversado entre eles, após o arguido AA ter saído do carro; outra vigilância, em 20 de Fevereiro, num encontro como arguido PP, em ... (lavandaria do minério), tendo observado conversa entre ambos, e relacionou estes encontros com o teor das interceções telefónicas; referiu que depois deste segundo encontro, a arguida BB foi encontrar-se no ... com o arguido AA; referiu ainda outro encontro da BB (acompanhada do irmão) com o PP, em ... (embora não tenham visto o encontro em concreto, mas a sua existência decorre das escutas telefónicas), após o que a arguida BB se terá encontrado de novo com o arguido AA; no dia seguinte a este encontro tiveram lugar as buscas no E de ..., com o resultado que consta dos autos, e que descreveu; disse que o arguido AA foi abordado dentro das instalações do EP ..., junto à cozinha; o estupefaciente (para além do mais) foi entregue voluntariamente pelo arguido; referiu-se à busca ao cacifo do arguido no EP ...; disse que aquando da diligência no EP ... estava o chefe dos guardas, a testemunha e outro agente da PJ, tendo puco tempo depois chegado a diretora do EP ...; explicou por que em seu entender o arguido AA era a “madrinha”, e o arguido PP era o rapaz do restaurante ou da oficina, e que as expressões, “pneus”, “rolamentos” e outras que constam da interseções eram expressões encriptadas, que queriam referir estupefaciente; descreveu ainda o estado em que estava o produto apreendido ao arguido DDD, designadamente que estava seco e pronto para consumo; esclareceu ainda que no saco de compras apreendido ao arguido AA não viu qualquer talão de compras – o que é estranho, porque algumas testemunhas para quem o arguido levava produtos para o interior do EP referiram que ele lhes levava os talões das compras, dando, assim, a entender que estas testemunhas não falaram verdade nesta parte;

c) Depoimento da testemunha III, inspetor da Polícia Judiciária, que interveio em vigilâncias e nas buscas e revista no EP ...; referiu a vigilância junto ao EP ..., quando uma pessoa entregou algo a um funcionário do EP, bem como o encontro na ... entre a BB e o AA (juntamente com a anterior testemunha), o encontro entre estes arguidos em ..., junto a uma palhota, e ainda aa vigilância efetuada em ..., na qual a testemunha estava fixo e fez registo fotográfico; referiu-se também ao significado de algumas expressões dos autos – “madrinha”, “primo”, e a nomes de código para o produto estupefaciente; descreveu os procedimentos no EP ... para abordarem o arguido, descrevendo o que o arguido entregou; referiu-se ainda à busca ao cacifo do arguido AA e à cela do arguido CC; disse ainda quem estava presente nessa diligência – a testemunha, o seu colega e o arguido, e, posteriormente, o chefe dos guardas, e depois a diretora do EP;

d) Depoimento da testemunha JJJ, guarda prisional, chefe do corpo da guarda prisional e dos serviços de vigilância e segurança que, por isso, conhece os arguidos AA, CC, BB e PP, que descreveu a última revista geral efetuada ao EP, em Agosto de 2014, na qual foi encontrada uma porção de haxixe na casa de banho em que os reclusos tomam banho na conduta dos extratores, não sabendo dizer de quem era; na opinião da testemunha aquela quantidade de droga não podia entrar pelas visitas, e terá sido ali colocada minutos antes da revista, pois, como estava enrolada em papel higiénico, não aguentaria por muito tempo os teores de humidade que passam por aquela conduta; disse também que as visitas só podem levar comida, até 1 kg, e roupa; para além disso, só com autorização do diretor; afirmou que foram apreendidos por si três relógios ao recluso RR, e “giletes” (de marca diferente da que se pode vender no EP) da barba a um recluso que já está em liberdade, de nome KKK, para além do o cão de buscas ter dado sinal na cela 5 da existência de droga, sendo certo que nessa cela estava um romeno (LLL) e outra pessoa, que não ao arguido CC; esteve presente na diligência efetuada pela PJ no EP ..., tendo descrito os procedimentos que aqueles seguiram, bem como a reação do arguido; quando a PJ chegou, avisou a diretora do EP, que vinha de ..., onde mora, tendo chegado pouco depois;

f) Depoimento da testemunha EE, recluso no EP ... há cerca de 3 anos e 9 meses, que disse conhecer bem o arguido AA, o qual lhe trouxe gel de banho ..., por duas vezes, tendo pago € 5,00 de cada vez, sendo certo que, em seu entender, cá fora o produto custa € 4,50 ou € 5,30, assegurando, espontaneamente, que viu o talão de compra – preocupação curiosa, a da testemunha, sem dúvida; disse que nunca viu este arguido vender estes produtos a outros reclusos, e que conhece o arguido CC, mas desconhece se o mesmo tinha droga para vender; disse não conhecer qualquer alcunha para o arguido AA;

g) Depoimento da testemunha QQ, recluso no EP ... desde 2011, que disse que pediu ao arguido AA para lhe trazer um aparelho de TDT, ao que ele acedeu, tendo sido o irmão da testemunha quem lho entregou, tendo-lhe dado o número de telefone do seu irmão para esse feito; disse que não pagou nada por isso, nem deu nada em troca; isto passou-se uma semana e meia antes de o arguido AA ter sido detido; reconheceu que uma ou duas vezes lhe adquiriu shampoo e gel de banho, tendo pago “quatro euros e qualquer coisa”, e tendo visto o talão de compra; chegou mesmo afirmar, espontaneamente, que o arguido AA não teve qualquer lucro, preocupação notável da testemunha, sem dúvida,

h) Depoimento da testemunha RR, recluso no EP ... desde 2009, que disse que pediu ao arguido AA para lhe trazer uns relógios, gel de banho e shampoo, tendo pago o que ele lhe mostrou quanto aos preços cá fora; “giletes” também por uma vez, por € 7,00, tendo visto o talão do supermercado; pediu ainda ao arguido para telefonar ao pai para lhe trazer dinheiro, o que o arguido fez, sendo cerca de € 10,00 ou € 20,00 de cada vez; disse que nunca lhe deu nada em troca por estes serviços;

i) Depoimento da testemunha SS, que esteve preso no EP ... entre 2009 e 2015, o qual pediu ao arguido AA para lhe trazer produtos que a namorada lhe comprava; era um favor que lhe fazia, não lhe tendo dado ou pago o que quer que fosse; na sequência das declarações da testemunha a seguir referida, sua namorada/companheira, indicou uma versão diferente da desta - um amigo de um centro de abate automóvel, arranjá-los-ia, e o arguido ia lá comprá-los, não tendo o pai nada que ver com isto;

j) Depoimento da testemunha MMM, companheira da anterior testemunha, que disse que o arguido AA levava para aquele shampoo e giletes para a barba, tendo o SS dito que lhe arranjava uns faróis para o carro do pai; a testemunha, contudo, nada deu ao arguido; reconheceu que o arguido AA lhe ligou duas ou três vezes; o tribunal acreditou que tivesse havido esta promessa e não achou verosímil a explicação dada pela testemunha SS a este respeito, acima descrita – na verdade, não é razoável que uma pessoa presa ande a tratar de diligências tão complexas, bastando, se fosse verdade o que diz, indicar o local e a pessoa ao arguido AA para ele lá ir comprar os tais faróis (era até notória a voz embargada da testemunha SS quando dava esta insustentável explicação);

k) Depoimento da testemunha NNN, recluso no EP ..., que disse que pediu ao arguido AA para entrar em contacto com a mãe (o que sucedeu no supermercado) e assim trazer-lhe dinheiro para dentro do EP, o que aquele fez, sem que lhe tivesse pago o que quer que fosse; depois o arguido pediu-lhe o número da mãe para lhe perguntar onde terá comparado umas sapatilhas que o arguido usava, pois gostou muito delas;

l) Depoimento da testemunha OOO, mãe da anterior testemunha, que disse que um dia encontrou o arguido AA no supermercado, e que este se ofereceu para levar dinheiro para o filho, tendo-lhe dado € 15,00 para esse efeito; depois, mais tarde, ele telefonou à testemunha perguntando por umas sapatilhas, ao que lhe disse que as comprou na feira de ...;

m) Depoimento da testemunha PPP, pai da testemunha RR, que disse que o filho lhe ligou a dizer que o arguido AA lhe levava dinheiro, pelo que se dirigiu à porta do EP, por duas vezes, tendo-lhe entregue o dinheiro; foi € 10,00 e € 20,00 de cada vez; o filho disse-lhe que recebeu a quantia por inteiro; não deu qualquer recompensa ao arguido AA;

n) Depoimento da testemunha QQQ, mãe da testemunha EE, que recebeu um telefonema do arguido AA a perguntar pelo EE, tendo sido sempre muito simpático, nunca tendo jantado ou combinado jantar com ele;

o) Depoimento da testemunha RRR, preso há cinco anos no EP ..., que disse que nunca comprou nada ao arguido, pois ele trazia os talões dos produtos que lhe pedia para trazer de fora; disse ainda que o arguido CC tinha droga e que em fim de 2014 e princípio de 2015 lhe comprou droga (haxixe), por duas vezes, pagando € 5,00 por cada dose, comprando consoante o dinheiro que tivesse; lidas em audiência as suas declarações de fls. 610, e que a testemunha reputa como as que retratam a verdade, resulta claro que adquiriu estupefaciente ao arguido CC dentro do EP ..., durante o ano de 2014 (embora as inteceções telefónicas só permitam surpreender a conduta do arguido AA em 2015, o que foi devidamente valorado) e princípio do ano de 2015, e que tal atividade deste arguido cessou quando o AA foi preso, o que é bem demonstrativo do período de atuação destes dois arguidos (não obstante, efectuou-se alguma restrição temporal em relação ao arguido AA, nos termos sobreditos), e da direta ligação entre a permanência do AA no serviço e a detenção de haxixe para venda por parte do CC – é certo que durante esse período, outras pessoas que não o arguido AA (designadamente a arguida BB, cujos contactos telefónicos com o arguido PP datam, pelo menos, de Agosto de 2014, como se vê de fls. 3 do Apenso A) poderiam também ter passado droga para o CC, mas não deixa de ser seguro que após a prisão desse arguido e da arguida BB, a droga deixou de aparecer nas mãos do CC; tratou-se de um depoimento inicialmente inverosímil, pelo menos em parte, como tantos outros, designadamente por causa dos famigerados “talões” e da intenção subjacente a essa afirmação, mas acabou por se tornar importante, após a leitura das declarações prestadas o inquérito, porque, já nesta fase, não revelou, ao contrário de outros, qualquer inverosimilhança ou constrangimento, o que o tribunal teve em boa conta;

p) O depoimento da testemunha SSS, que está preso no EP ..., e conhece o arguido AA, não foi tido em conta, por ter revelado falta de isenção e profunda inverosimilhança, negando que alguma vez lhe tenha comprado algo, afirmando que o arguido CC costumava ter droga depois das visitas da companheira, ou pelo menos da pessoa que a testemunha pensava ser companheira dele – todavia, não conhece nem nunca viu esta pessoa, dando a nítida impressão que pretende, com o seu depoimento, ilibar o arguido AA, empurrando toda a responsabilidade para a arguida BB; como já se disse em p), é bem possível que a arguida BB também tivesse levado, por si própria, estupefaciente para o arguido CC aquando das visitas (embora não esteja acusada desses factos), pois contactava o arguido PP ainda antes de ter contactos registados com o arguido AA, pois que, não sendo consumidora de haxixe, não se vê outra razão para tais contactos, mas a forma assertiva, apesar da fraca razão de ciência, e, por isso, manifestamente parcial, como a testemunha depôs levou o tribunal a desconsiderá-lo;

q) O depoimento da testemunha TTT, que está preso há 4 anos no EP ..., não foi tido em conta, porque nada disse de relevante;

r) O depoimento da testemunha UUU, preso em ... há 3 anos, também não foi tido em conta, por não ter qualquer relevância;

s) Depoimento da testemunha TT, preso no EP ..., que disse ter comprado um gel de cabelo ao arguido AA, por € 3,50, não sabendo qual era o preço cá fora, não sabendo se ele tinha margem de lucro;

t) Depoimento da testemunha UU, preso no EP ... há 3 anos, que conhece o arguido AA, e reconheceu que lhe encomendou um produto, para o que lhe deu € 5,00, tendo, entretanto, o arguido sido preso, pelo que ficou sem o dinheiro e sem o produto;

u) O depoimento da testemunha LLL, não foi tido em conta, por não ter qualquer relevância;

v) Depoimento da testemunha VV, professora, que disse que o arguido PP lhe disponibilizou haxixe por quatro ou cinco vezes, sem lhe pedir nada, entregando-lhe a testemunha, por uma questão e consciência, 5 ou 10 euros; para tal telefonava-lhe e encontrava-se com ele em ..., em ...; enfim u depoimento parcialmente verdadeiro, pois a parte da “ consciência”, naturalmente, não convence, como o próprio arguido reconheceu nas suas declarações;

w) Depoimento da testemunha WW, amigo dos arguidos PP, TT e DDD, que disse que comprou haxixe por uma vez ou duas ao arguido PP;

x) Depoimento da testemunha XX, monitor de atividades desportivas, conhecido do arguido PP, que disse que este arguido lhe vendia haxixe, por € 10,00, € 20,00 ou € 30,00, conforme os casos, contactando-o por telefone para esse efeito, após o que se encontrava com ele em ..., referindo essa atividade até a momento anterior ao que a acusação menciona;

y) Depoimento da testemunha QQ, tratorista, de ..., que conhece o arguido PP, que disse que chegou a fumar haxixe com este, mas que por vezes também lhe adquiria, designadamente desde há cerca de 2/3 anos, aos sábados á noite; disse também que o arguido e a família têm uma serralharia e que às vezes, mas não muitas, o via lá a trabalhar, não sabendo quanto ganhava;

z) Depoimento da testemunha AAA, de ..., que disse que comprava haxixe ao arguido PP, por € 5,00 ou € 10,00, de 15 em 15 dias, há cerca de um ou dois anos;

aa) Depoimento da testemunha BBB, madeireiro, amigo do arguido PP, que disse que por vezes o arguido lhe cedia haxixe gratuitamente, e que, outras vezes, lhe adquiria esse produto por € 10,00 ou € 20,00;

bb) Depoimento da testemunha CCC, motorista, de ..., que disse que por vezes o arguido lhe cedia haxixe gratuitamente, e que, outras vezes, lhe adquiria esse produto por € 5,00;

cc) O depoimento da testemunha GGG, amigo do arguido PP, não foi tido em conta, porque disse apenas que nunca lhe adquiriu produto estupefaciente, embora já tenha fumado com ele; foi um depoimento manifestamente omissivo, de quem pretende ajudar o arguido, revelando até alguns laivos de soberba e arrogância perante as instâncias que legitimamente lhe foram dirigidas pela acusação e pelo tribunal, depoimento que está em nítida contradição com o teor de interceções telefónicas que constam dos autos – por exemplo, Apenso V, sessão n.º 511;

dd) Depoimento da testemunha YY, conhecido dos arguido PP e TT, que disse que este lhe cedia gratuitamente e que aquele lhe vendia, tendo-lhe comprado desse produto por duas ou três vezes, por € 10,00;

ee) Depoimento da testemunha VVV, conhecido do arguido TT, a quem comprou haxixe por duas ou três vezes, por € 20,00 ou € 30,00, tendo a primeira vez sido no Natal de 2014;

ff) Depoimento da testemunha WWW, professor de música, de ..., que disse conhecer os arguido TT e PP, tendo fumado haxixe com o primeiro, que lhe “dispensava”, por € 5,00, telefonando-lhe para esse feito, encontrando-se com ele em ..., e ainda que o arguido TT lhe disse que comprava o produto em ...; disse nunca ter comprado ao arguido PP, sendo certo que, há uns anos, numa festa, ele lhe deu um bocado para consumir;

gg) O depoimento da testemunha ZZ, não foi tido em conta, uma vez que nada disse de relevante;

hh) Depoimento da testemunha XXX, conhecido do arguido TT, a quem disse ter comprado estupefaciente, desde 2014, pelo meio do ano, telefonando-lhe para o efeito, encontrando-se com ele no café “B...”, em ..., comprando-lhe uma vez por semana; também comprou desse produto ao arguido PP, de vez em quando, cerca de € 10,00 ou € 20,00, desde há cerca de 2/3 anos, ligando-lhe para o efeito, indo ter com ele a ... para esse fim;

ii) Depoimento da testemunha YYY, amigo do arguido TT, a quem adquiriu haxixe, desde Agosto de 2014, por € 10,00 ou € 20,00, por uma ou duas vezes por mês;

jj) Depoimento da testemunha ZZZ, agricultor, de ..., que desde há um ano compra haxixe ao arguido TT, semanal ou quinzenalmente, até ser ouvido na GNR;

kk) Depoimento da testemunha AAAA, amigo do arguido TT desde 2014, a quem. por duas ou três vezes, comprou haxixe, em barra ou pólen, por € 10 ou € 15,00;

ll) Depoimento da testemunha BBBB, montador de elevadores, irmão da testemunha QQ, que disse que entregou ao arguido AA um aparelho de TDT para este entregar ao seu irmão dentro do EP, tendo-lho entregue à porta do EP ..., não tendo pago nada por isso, nunca mais tendo visto o arguido;

mm) Depoimentos das testemunhas JJ e CCCC,  guardas prisionais,  que  disseram  que  o  arguido  AA  era  trabalhador  bom   colega de trabalho;

nn) Depoimentos das testemunhas DDDD e EEEE, agentes, respetivamente, da PSP e GNR, que disseram que, por vezes o arguido AA lhes transmitia informações para os inquéritos em curso;

oo) Depoimento da testemunha FFFF, oficial de justiça, que disse que o arguido AA era ordeiro, respeitador, colaborante e disponível;

pp) Depoimento da testemunha GGGG, mãe do arguido CC, que disse que a filha deste com a arguida BB é muito ligada á mãe;

qq) Depoimento da testemunha HHHH, mãe do arguido PP, que contou ao tribunal o percurso de vida deste, que consigo trabalha, procurando, ainda, explicar a origem do dinheiro que foi apreendido a este arguido, no que estava razoavelmente sintonizada como depoimento da namorada deste e com a declarações do mesmo, mas no que o tribunal não acreditou, como já acima explicou; disse ainda que o visita regularmente na cadeia e que lhe dará todo o apoio quando o mesmo obtiver de novo a liberdade;

rr) Depoimentos das testemunhas IIII, DDD e JJJJ, respetivamente, comerciante, funcionário de comércio e taxista, todos de ..., que disseram que o arguido PP é boa pessoa, respeitado e respeitador, e muito prestável;

ss) Depoimento da testemunha KKKK, namorada do arguido PP, que descreveu ao tribunal o seu relacionamento com ele, que o visita na cadeia sempre que pode, que está disposta a ajudá-lo na recuperação da sua toxicodependência, tendo ainda procurado justificar a quantia que foi apreendida ao arguido, no que não logrou convencer o tribunal, nos termos já expostos;

tt) Declarações do arguido AA, prestadas em primeiro interrogatório judicial, reproduzidas em audiência de julgamento, que reconheceu que por três vezes (“esta era a terceira vez”) introduziu haxixe no EP, justificando-se com uma fase menos boa da sua vida, com alguma desorientação psicológica, de origem financeira e também de problemas de saúde de familiares; disse que não o fez para enriquecer, porque o destinatário (CC) era um pobre coitado e dava-lhe apena o que queria –  não terá chegado aos  €  50,00; disse ter sido pressionado pelo CC (o que é extraordinariamente inverosímil, atenta a posição de um e de outro, dentro do EP), que já não era a primeira vez que estava preso; todavia, não conseguiu lembrar-se com rigor quando foi a primeira vez, o que é muito estranho, pois a gravidade do comportamento (de que o arguido tem consciência) levá-lo-ia certamente a fixar a data em causa, pelo menos aproximadamente; quanto aos outros produtos, reconheceu que levava alguns deles para dentro do EP, designadamente de higiene, como gel, mas levando-os a preços de custo, não recebendo nada em troca, fazendo-o por puro altruísmo e benemerência, recebendo “ um euro ou dois ou o que estava lá marcado”, o que é bem diferente dos valores indicados pelas testemunhas (3, 4, 5 euros), sendo certo que o arguido não falou, nesta altura, dos famosos “talões” comprovativos do preço de custo, e não há justificação razoável para os não referir aqui, caso tivessem existido – mas não existiram, apesar do que disseram as testemunhas; negou outras entregas, designadamente de telemóveis, e manifestou arrependimento; deu-se ainda como provado que a arguida BB recebia dinheiro das mãos do arguido AA, proveniente do arguido CC, pois essa era a única maneira de esta poder obter fundos para a aquisição de mais estupefaciente, atentas as dificuldades económicas com que vive, residindo até em casa dos pais do CC, fator que mais adensa a sua submissão e servilismo em relação ao arguido, sendo manifesto que a esse respeito consta das interseções telefónicas; e como caso exemplar das entregas de dinheiro do arguido AA à arguida BB temos, por exemplo, a sessão 30, constante do Apenso III, em que “primo” é o arguido AA (embora não se tivesse provado que os outros reclusos o conhecessem por esse nome), que entrega a “prenda” (que o arguido CC inadvertidamente logo chama de “dinheiro”), para ”levar o carro à vistoria” – adquirir estupefaciente -, sendo certo que o arguido AA retirou o necessário para pagar o IUC do seu carro “(…) pois exato ele disse que queria que lhe pagasse o selo”; todavia, como o pagamento do IUC estava alegado na acusação como proveito obtido pelas entradas de produtos no EP para outros reclusos que não o CC, o tribunal deu essa matéria como não provada – quem lho pagou foi o CC, com dinheiro ganho no tráfico levado a cabo dentro do EP;

uu) Quanto à vantagem patrimonial que o arguido AA obteria com a entrega/vendas de produtos de higiene, e outros, a reclusos, o tribunal entende que os depoimentos das testemunhas a este respeito não são inteiramente credíveis, pois a afirmação clara (e por iniciativa própria!), por parte de alguns, de que não haveria lucro para o arguido, e a “novidade” (porque não referidos pelo arguido AA em primeiro interrogatório), por parte de quase todos, dos “talões de compra” (que nunca apareceram) comprovativos do preço, soam a “favor” (sabe-se lá porquê!) ao arguido; além disso, é ainda certo que são bem diferentes os valores que as testemunhas indicaram em julgamento (3, 4, 5 euros) para pagamento de tais produtos e aqueles que o arguido AA referiu em primeiro interrogatório judicial (1 ou 2 euros) para esses mesmos valores; acresce ainda que é totalmente inverosímil a versão do arguido de que fazia tudo isto apenas por benemerência e boa vontade, e com espírito de ajudar os reclusos, pois não  é  razoável que alguém  corra tamanhos riscos profissionais (porque se trata, pelo menos, de gravíssima infração disciplinar, embora se demonstre no processo que também constitui crime), e para fins tão fúteis (porque, por exemplo, até havia produtos de higiene no EP, embora de marcas diferentes) sem qualquer ganho ou lucro, tanto mais que o arguido atravessava, nessa altura, segundo ele próprio, sérias dificuldades financeiras; se, por hipótese quase académica, estivessem em causa produtos de primeira necessidade, como alimentos (e caso os presos passassem fome) ou medicamentos (e para doenças graves e de que eles não dispusessem na cadeia), ainda faria algum sentido que uma pessoa especialmente bondosa ou solidária, e que fizesse do abnego um hino de vida, corresse tamanhos riscos por causa do bem-estar alheio; mas, não estão em causa esses bens, muito até pelo contrário, como já se disse, e a personalidade que o arguido AA revela em algumas das intersecções telefónicas inculca um caráter situado nos antípodas do que acima se balizou – na verdade, simular o recebimento de mensagens ou chamadas só para chegar à fala com familiares de presos, como é o caso das sessões 390 (fls.11, em que manifestamente é o arguido que liga à mãe do preso e não o contrário, como, certamente por lapso consta do auto de transcrição) e 437 (fls.14), ambas do apenso II, oferecendo préstimos inadequados (“não lhe deixamos faltar nada”! - e ao outros?), ou mantendo uma, aparentemente, disparatada conversa sobre sapatilhas, são comportamentos típicos de quem se está a “pôr a jeito” para receber algo, de quem não hesita um instante sequer em manipular os sentimentos de quem está em posição difícil, a favor da satisfação da suas necessidades; está, portanto, e em síntese, o tribunal certo que as testemunhas mentiram a este respeito (falta de lucro, existência de talões) e que a versão do arguido não é credível (a benemerência não se concatena com a futilidade dos bens e com a personalidade egoísta do arguido), acrescendo a isto ainda que a diferença entre a versão do arguido em primeiro interrogatório (preços de 1, 2 euros) e as versões das testemunhas ouvidas em audiência (preços 3, 4, 5 euros) acarretam diferenças monetárias que não podem ser negligenciadas, versões que só muito tardiamente (e apenas as testemunhas, porque o arguido não prestou declarações em julgamento) e de modo manifestamente forçado referiram os “talões” comprovativos do preço, sendo ainda certo que o arguido atuou, segundo ele próprio, num quadro de dificuldades financeiras, que terão contribuído, ainda segundo a sua versão, para o levar a praticar até crimes bem mais graves (tráfico de estupefacientes) – poder-se-ia dizer que neste caso a motivação seria diferente porque o lucro seria grande, pelo que o crime compensaria, mas é o próprio arguido a dizer que o fazia por uma autêntica ninharia, não chegando a € 50,00 a remuneração pela sua atividade! Assim, deu-se como demonstrada a vantagem patrimonial para o arguido AA com a sua atividade de transporte/venda/intermediação destes produtos para o interior do EP, vantagem essa cujo concreto valor é, naturalmente, impossível de averiguar, atenta, por uma lado, o baixo valor de cada uma das transações, e, por outro lado, a elevada quantidade delas (repare-se que até no dia em que foi detido, o arguido levava mais uma saca de produtos, acompanhada do papelinho escrito relativo a encomendas, desse ou de outro ou outros dia - documento considerado domo particularmente relevante), sendo,   todavia,   certo,   certíssimo,   dir-se-ia,   que existiu; e o tribunal deu   como provado o período de tempo de exercício desta atividade criminosa que constava da acusação porque foram ouvidas várias testemunhas que estão em reclusão desde data muito anterior a esse período, não tendo havido qualquer restrição nas suas declarações a esse respeito, pelo que se conclui que desde que esse período deveria ser atendido; e repare-se que caso não se bastasse o tribunal com esta, aliás exuberante, prova indireta, e exigisse prova direta do tempo de atividade, da vantagem e dos seus concretos valores globais (que também não foram alegados na acusação), apenas por via da prova testemunhal ou da confissão se poderia atingir tal desiderato – contudo, a prova testemunhal estava, manifestamente, condicionada, como se viu, e a confissão não surgiu, como era de esperar, atento, precisamente, o carater indireto da prova; além disso, é consabido que a prova indireta não é proibida em processo penal, sendo em muitos casos, como o presente, a única forma de demonstrar a verdade de um facto; ignorá-la será não ver o óbvio;

vv) Declarações do arguido FFF em primeiro interrogatório judicial, reproduzidas em audiência de julgamento, nas quais o arguido admitiu que às vezes ia buscar estupefaciente a ..., ao arguido PP, e que trazia para os seus conhecidos em ...; não lhe comprava sempre o mesmo, mas o mínimo era € 20,00; disse que ia sempre buscar a droga ao PP; disse que não vendia, mas que apenas “dispensava”, porque o “chateavam” para isso, ou que reunia dinheiro de outros para ir buscar para eles;

ww) Documentos de fls. 22-24,   na  medida em que demonstram  a  existência   no interior do EP de bens não autorizados, sendo certo que isto não quer dizer que tenham todos sido ali introduzidos pelo arguido AA, 42, 58, 84, 125, 128, 157/158, 392-394, referente aos relógios apreendidos a RR, 715/718, 742, 851-853, 1107 e 1109-1111;

xx) Documento n.º 1 junto com a contestação do arguido AA, que demonstra que bens se podiam vender no EP, mas que nenhum interesse tem para a decisão;

yy) Documento n.º 1 junto com a contestação do arguido PP;

zz) Relatos de diligência externa de fls. 61-63, 88-92, 93, 133-138 e 162-164, devidamente descritos e conformados em audiência de julgamento pelos inspetores da Polícia Judiciária que neles intervieram, depoimentos que, devidamente conjugados com as interceções telefónicas, permitem concluir pela verificação concreta de três situações de entrega de estupefacientes da arguida BB ao arguido AA, sendo que em duas (se atentarmos também nas interceções diríamos nas três) delas também é claramente percetível que o estupefaciente provém do arguido PP; na última das situações, 162/164, que verifica um facto ocorrido em 09/03/2015, pelas 18H18M, pode constatar-se logo em seguida, a fls. 167, a apreensão do produto estupefaciente ao arguido AA no EP ..., no dia seguinte pela manhã; uma das situações (fls. 133/138) não tem que ver com estupefacientes, mas sim com a entrega do aparelho de TDT ao arguido AA por parte do irmão do recluso QQ; quanto ao valor do auto de vigilância, segue-se de perto a posição defendida no Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação ... de 28/05/2104, relatado pelo Exmo. Juiz Desembargador LLLL;

aaa) Autos de busca e apreensão de fls. 167-172, do qual consta o que foi apreendido ao arguido AA dentro do EP (não constando ali qualquer talão de compra de supermercado!) 178-181, e 183/184, na residência do arguido AA;

bbb) Autos de exame de fls. 182 (arma apreendida ao arguido AA) e 617, em relação ao que foi apreendido ao arguido DDD;

ccc) Testes rápidos de fls. 194/195, 247/248, 627-648 e 650/651;

ddd) Autos   de busca e apreensão de fls.   220   (telemóvel d  arguida BB), 229- 240, em relação ao que foi apreendido ao arguido PP (três telemóveis, e enão dois, como o arguido insistentemente disse em julgamento),496, em relação ao arguido TT, e 618-626, em relação ao arguido DDD;

eee) CRC’s dos arguidos de fls. 1022-1024, 1028-1032, 1033-1045 e 1063-1081;

fff) Apensos I a VII – deixaram-se ficar as referências diretas a interseções telefónicas que constavam do articulado da acusação em relação a cada ponto da matéria de facto, com cuja ligação, em geral, se concorda, elaborando-se, em seguida, uma apreciação mais pormenorizada do teor dos meios de prova (conversações) resultantes daquele meio de obtenção da prova; no apenso II estão transcritas conversas do arguido AA com familiares de arguidos, como se vê a fls. 14 (onde o arguido força uma chamada para veladamente pedir – só não vê quem não quer - umas sapatilhas à mãe de um recluso), 20 (caso em que o arguido fala com a companheira de um arguido –a questão dos faróis para o carro acima referida – perguntando se “(…) tem alguma coisa (…)”), e 34 (na qual pede ao pai de um arguido a restituição do dinheiro que diz ter-lhe emprestado); ora estas conversas, manifestamente despropositadas e indignas, só podem ter como fim a obtenção de vantagens por parte do arguido de pessoa profundamente fragilizadas, dada a prisão dos familiares, sendo certo que essas pessoas conhecem bem as dificuldades que existem no meio prisional, podendo muito procurar fazer de tudo para ajudar, ou tentar ajudar, esses familiares, disso se aproveitando, manifestamente, o arguido com este tipo de atitudes – não obstante as vantagens obtidas através de familiares não se provaram; por outro lado, estão transcritas conversa ocorridas entre o arguido AA e a arguida BB, de onde claramente decorre, na sessão 205, uma combinação de ambos para algo de que depende a participação do arguido AA (“o problema é que eu estou ali dentro e não dá”; “ se você chegasse la acima à palhota”), o que, no presente contexto, e atenta a linguagem cifrada, só pode ter que ver com estupefacientes, sendo certo que muitas das conversas entre ambos não ocorreram ao telemóvel (“ depois…eu explica-me melhor pessoalmente do que às vezes por telemóvel, porque eu por telemóvel … ai! É um bocado complicado” fls. 5); resulta ainda claro das sessões 461, 526, 534, 567,  579,  583  e  585  toda  a  preparação   para  o  encontro  que  teve lugar  na ..., testemunhado pelos inspetores da Polícia Judiciária ouvidos em julgamento, e das sessões 717, 907, deste apenso e 149, 157, 178, 180 e 182 do apenso III, do encontro de 20/02/2015, em ..., e ainda as sessões 267 ( “ é para me ir levar lá baixo a ... e depois levar-me ó ó ó gajo”), 268, 293 e 306, deste Apenso III, que se refere à preparação do segundo encontro na ..., palhota ou ..., com o objetivo de entregar estupefaciente ao arguido AA para que este o levasse para o EP, para o arguido CC – aliás, estas três entregas são admitidas pelo arguido AA nas suas declarações em primeiro interrogatório judicial; da sessão 30 resulta ainda claro que o arguido AA retirou do dinheiro, proveniente do CC, e que devia entregar à arguida BB, o montante para pagamento do IUC da sua viatura; neste Apenso III, para além do que já se referiu, existem conversas entre a arguida BB e o arguido PP das quais se depreende claramente que o estupefaciente entregue ao arguido AA foi adquirido pela BB ao arguido PP, embora não resulte das mesmas que este soubesse disso (na verdade, a única expressão incriminatória a este respeito para o arguido PP seria que consta de fls.36 – “já vos estou a fazer um desconto”; “ e só vos faço é a vós” -, mas não resulta inteiramente claro quem seria o “vós”, pois poderia ser o CC ou a pessoa que conduzia o carro, o irmão ou o cunhado da BB, sendo certo que nada demonstra que possa ser o arguido AA, sendo até muito natural que a BB nada lhe tivesse contado sobre o plano em causa, por totalmente desnecessário e atento o seu melindre; as conversas atrás aludias constam das sessões 147, 153, 174, 176 (“já tenho aqui os vidros” e “vais ter ao mesmo sítio da outra vez”), 260, 262, 290, 294 e 301; por outro lado, é ainda claro o envolvimento neste plano do arguido CC, quer porque o arguido AA o disse em declarações em primeiro interrogatório judicial – fi-lo porque ele me pressionou (não obstante o tribunal não ter acreditado na pressão) -, quer porque das sessões 82, 148, 187, 233, 263, 265 e 282 do Apenso III contêm conversas que claramente demonstram, por um lado, o total domínio (incluindo financeiro) que o arguido CC exerce sobre a arguida BB, a que corresponde um total submissão por parte desta, e o envolvimento no negócio de aquisição de estupefaciente e sua introdução no EP (note-se que não há notícia que a arguida BB consuma haxixe): “ dei-lhe onze euros porque ele ontem me comprou as mortalhas”; as referências ao “primo” – fls. 9 - e as conversas que ambos com ele mantiveram, referindo-se claramente ao arguido AA, bem como o diálogo sobre preços – “foi um e quatro”, querendo dizer 140; os “rolamentos” da “ oficina” – fls. 14 -, “mas eu depois quando lá chegar e perguntar (…) porque assim por telefone não dá”, “ainda não falaste com a minha madrinha” – o arguido AA, “chegaste a ir lá a casa da minha madrinha –isto em 21/02/2015, ou seja, no dia a seguir à entrega de 20/02/2015 -, ao que a BB respondeu “uhm, uhm”, seguida de conversa sobre se houve descontos nas “escovas” na oficina (fls. 35), “já vieram as peças” – fls. 47 -, “meter as pastilhas de travões” e que as “últimas só duraram um mês” – note-se que é extraordinário que o carro precise de tantas peças, e que as mesmas sejam aplicadas numa oficina de serralharia (!) de ..., e que as peças durem tão pouco, em regra um mês, tratando-se de escovas, rolamentos  e  pastilhas   de travões, algo   que,   consabidamente, dura  muito  mais, em qualquer veículo automóvel, mesmo em condições de utilização severas – anos, na maior parte dos casos; é, portanto, claro que a “madrinha “ do arguido CC é o arguido AA, não obstante se não ter dado como provado que ele era assim conhecido pelos outros presos, porque só isso justifica o teor da conversa da sessão 265, designadamente quando o arguido CC diz à arguida BB para não ligar à madrinha porque está a trabalhar, noutra loja – qual seria o problema de ligar à madrinha estando ela a trabalhar? E como saberia o arguido, estando preso, em que loja estaria a madrinha a trabalhar? E quem é essa madrinha, que nunca apareceu? Os Apensos IV e V contêm conversações do arguido PP com várias pessoas que lhe pretendiam adquirir estupefaciente, o que, aliás, o arguido confessou (até em dimensão temporal bem superior ao que resultaria das interseções telefónicas e atá da maior parte da prova testemunhal apresentada a este respeito), sendo que a sessão 74 confirma o que disse o arguido FFF no tocante à sua relação negocial com o arguido PP em sede de produtos estupefacientes (confirmado, igualmente na sessão 103 do Apenso VI: “O bacano com quem eu andava foi de saco”); dessas conversações resulta de forma cristalina que se trata de negociação para aquisição de estupefaciente, pelo que as pessoas ali envolvidas e que vieram a tribunal dizer que nunca adquiriram estupefaciente a este arguido mentiram deliberadamente; o Apenso VI contém conversações do arguido FFF, que, de resto, confessou a generalidade dos factos de que vinha acusado; todavia, negou qualquer relação de compra de estupefacientes ao arguido DDD, sendo certo que as sessões 103, 112, 115, 116 (que demonstram que pelo facto de o PP ter sido preso o arguido FFF ficou sem produto estupefaciente), 121 (que demonstra que o arguido FFF anda à procura de outro fornecedor), 294 (em que um terceiro informa o arguido FFF sobre o contacto do arguido DDD (“ é de ...”; “diz-me lá o número atão”), 295 (onde já consta o nome “Sr. DDD” num sms), e as sessões 297 e 302, que demonstram a forma quase desesperada como o arguido TT procura o arguido DDD, sendo certo que não convenceu minimamente, como já se explicou em cima, a versão de que o contacto e a visita se deveu à vontade de partilhar um “charro”;

ggg) Anexo A, no qual se pode constatar que os contactos telefónicos entre a arguida BB e o arguido PP remontam a 09/08/2014, como se vê logo de fls. 3, e que os contactos telefónicos desta arguida o arguido AA se iniciam em Janeiro de 2015, como se vê de fls. 5, o que levou a admitir a que a conduta da arguida em conjugação com a do arguido PP tivesse diferente duração no tempo do que a sua conduta em conjugação com este arguido (se bem que não se provou que o mesmo soubesse qual o fima que se destinava o estupefaciente) e o arguido AA; deste apenso constam ainda anda naturais contactos entre a arguida BB e o arguido CC, atenta a sua ligação afetiva;

hhh) Relatórios exame de fls. 858-861, em  relação  ao  estupefaciente ao arguido AA no EP ..., e na viatura do arguido PP, e 1011-1019, em relação ao produto estupefaciente apreendido ao arguido DDD;

Direito

O recurso extraordinário de revisão, previsto nos artigos 449.º a 466.º CPP, é um meio processual (que se aplica às sentenças transitadas em julgado, bem como aos despachos que tiverem posto fim ao processo – art. 449.º, n.º 1 e n.º 2 do CPP – também transitados) que visa alcançar a possibilidade da reapreciação, através de novo julgamento, de decisão anterior (condenatória ou absolutória ou que ponha fim ao processo), desde que se verifiquem determinadas situações (art. 449.º, n.º 1, do CPP) que o legislador considerou deverem ser atendíveis e, por isso, nesses casos deu prevalência ao princípio da justiça sobre a regra geral da segurança do direito e da força do caso julgado (daí podendo dizer-se, com Germano Marques da Silva[1], que do “trânsito em julgado da decisão a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem.”).

A sua importância (por poder estar em causa essencialmente uma “condenação ou uma a absolvição injusta”) é de tal ordem que é admissível o recurso de revisão ainda que o procedimento se encontre extinto, a pena prescrita ou mesmo cumprida (art. 449.º, n.º 4, do CPP).

O que, quanto às condenações, se conforma com o artigo 29.º, n.º 6, da CRP, quando estabelece que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

Tem legitimidade para requerer a revisão os sujeitos indicados no art. 450.º do CPP, entre eles, o condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias (ver art. 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Comportando o recurso de revisão duas fases (a fase do juízo rescindente decidida pelo STJ e a do juízo rescisório, começando esta última apenas quando é autorizado o pedido de revisão e, por isso, acontecendo quando o processo baixa à 1ª instância para novo julgamento) e, sendo esta, a primeira fase (a do juízo rescindente), importa analisar se ocorrem os pressupostos para conceder a revisão pedida aqui em apreço.

Invoca o arguido/condenado, no requerimento/petição desta providência de revisão da sentença condenatória, como seu fundamento, em resumo, por um lado, o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, alegando a “descoberta superveniente de factos e de meios de prova”, juntando para o efeito uma declaração (confessória) que diz ter sido elaborada pelo coarguido CC e oferecendo testemunhas, pretendendo provar que ele próprio não passou de “um bode expiatório” de “alguém dentro do EP e do corpo dos guardas prisionais”, uma vez que “existiam fortes suspeitas de envolvimento no tráfico de estupefacientes de um outro guarda prisional” (sendo que “o recluso à época dos factos DD também tem conhecimento que os produtos estupefacientes eram traficados pelo NN, seu companheiro de cela, uma vez que numa ocasião viu um guarda prisional de nome OO deixar um embrulho na cela e após aquele abrir o embrulho viu um produto idêntico a haxixe” e “passado alguns dias após este episódio houve uma revista geral às celas do EP, onde foi encontrado produto estupefaciente nas condutas dos balneários pelo guarda II”), além de que tudo não passou de um plano do coarguido CC que, com o auxílio da sua companheira BB, o quiseram incriminar, como confidenciaram a outros reclusos (pensando o recorrente que apenas transportava produtos higiénicos, confiou na dita BB e não se apercebeu que transportou para dentro do EP para entregar ao recluso CC o estupefaciente que veio a ser apreendido pela PJ em 10.03.2015) e, por outro lado, o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. e), do CPP, sustentando a utilização de prova proibida (art. 126.º, n.º 1 e n.º 3 do CPP), por o produto apreendido não ter sido examinado para saber qual era a sua composição e, por isso, conclui que não podia ter sido condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes.

Vejamos.

Fundamento previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP

Dispõe o artigo 449.º, n.º 1, do CPP, que “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Portanto, para haver a revisão é necessário desde logo que o acórdão condenatório tenha transitado em julgado, o que neste caso sucede (como se verifica pela certidão junta aos autos).

Para além disso, é pressuposto do fundamento invocado pelo recorrente/condenado previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, que “sejam descobertos novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Defende Germano Marques da Silva[2], “A novidade dos factos ou dos elementos de prova deve sê-lo para o julgador; novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido não os ignorasse no momento do julgamento.”

Sendo certo que a jurisprudência durante vários anos concordava com essa tese sem limites, a verdade é que, entretanto, passou a fazer uma interpretação mais restritiva e mais exigente dessa norma (até para evitar transformar o recurso extraordinário em recurso ordinário que não era), começando a entender que “novos são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal. Mais recentemente, o STJ tem vindo a admitir a revisão quando, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura.”[3]

No entanto, é importante (como tem defendido igualmente a jurisprudência do STJ) que se trate da apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior (claro que se fossem factos ou provas que podiam e deviam ter sido levados ao julgamento anterior e só, por exemplo, por incúria ou estratégia da defesa não foram, então não se trata de caso de revisão, mas antes de recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário que não é[4]).

E, assim, melhor se percebe, a exigência complementar do terceiro requisito (que evita a transformação do recurso extraordinário de revisão em recurso ordinário), quando ainda estabelece que não pode ter como fim único a correção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do artigo 449.º) e tem antes de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação (isto é, dúvidas que atinjam gravidade tal que coloquem em causa a justiça da condenação e não que se suscitem simples dúvidas sobre a justiça da condenação).

Ora, o que sucede neste caso, é que o recorrente invoca na petição da revisão da decisão condenatória, ter descoberto novos factos que assentam em o então recluso no EP ... CC, com o auxílio da sua companheira BB, ter traçado um plano que o (ao recorrente) levou à sua condenação, nos moldes que indicou naquele articulado (que veio a apurar através da confidência que esse coarguido CC prestou a recluso que estava na sua cela, de nome DD e, após averiguações, tomou conhecimento que tais factos também são do conhecimento de outros reclusos, a saber EE, FF e GG).

Sucede que a versão que apresentou na petição do recurso de revisão, para além de não encontrar apoio na prova que indicou e foi produzida nas inquirições que ocorreram em 21.03.2022 e 2.05.2022, esbarra (desde logo) com as próprias declarações que o recorrente/arguido AA prestou em sede de 1.º interrogatório judicial (art. 141.º do CPP) em 11.03.2015, reproduzidas em audiência de julgamento – que serviram para fundamentar a convicção do Coletivo – nas quais o mesmo “reconheceu que por três vezes (“esta era a terceira vez”) introduziu haxixe no EP, justificando-se com uma fase menos boa da sua vida, com alguma desorientação psicológica, de origem financeira e também problemas de saúde familiares” (…).

No que aqui agora interessa, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, essa confissão parcial do arguido/recorrente (que é um meio de prova autónomo e independente dos demais referidos na decisão condenatória, que foi por si livremente produzido), aliada a parte da prova testemunhal (particularmente os depoimentos dos inspetores da PJ HHH e III que também efetuaram vigilâncias em 6.02.2015, 20.02.2015 e em 9.03.2015, bem como articulados com o depoimento do chefe dos guardas prisionais JJJ, os quais ainda descreveram a interceção do arguido AA no interior do EP, em 10.03.2015 e procederam à respetiva apreensão do produto estupefaciente por ele entregue) e também conjugada com a respetiva prova pericial junta aos autos, que foi efetuada ao mesmo produto apreendido, permitiu sustentar a condenação do recorrente e não é posta em causa pela versão agora alegada em sede de petição do recurso de revisão.

Por outro lado, os documentos que apresenta, supostamente produzidos ou subscritos, quer pelo coarguido CC, quer por terceiro (testemunha UU que foi inquirida em 2.05.2022), para além de constituírem apenas mera prova documental (art. 164.º do CPP), particular, não servem para demonstrar a veracidade da declaração neles contida.

Assim, nem com a versão fáctica alegada na petição da revisão, nem com base nesses documentos, se podia concluir que o recorrente tivesse trazido factos novos ou provas novas que fossem suscetíveis de fundamentar a revisão, nomeadamente (o fundamento previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP), que fossem de molde a criar graves e fundadas dúvidas sobre a justiça da condenação.

De resto, no processo penal, aquele documento particular do recluso CC (que sempre podia ser arguido de falso), sujeito a livre apreciação pelo tribunal (nos termos do art. 127.º do CPP), nem sequer tem o valor da confissão integral e sem reservas desse coarguido (prevista no art. 344.º do CPP), não valendo como tal (isto é, não vale como confissão).

Também, como vem sendo jurisprudência do STJ[5], a confissão por outra pessoa (designadamente co-arguido, suspeito, testemunha), de ter sido ele o (único) autor de crime pelo qual determinado arguido foi condenado por sentença transitada em julgado, não tem como consequência ou efeito imediato, só por si, fundamentar a revisão dessa condenação.

Nesse caso o legislador exige que os factos confessados, que constituem o crime pelo qual o arguido foi condenado por sentença transitada em julgado, sejam comprovados “em outra sentença/acórdão e, da oposição entre os factos provados em uma e os factos provados na outra decisão judicial, resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”[6].

O que se compreende, pois, o mesmo se passa com as testemunhas determinantes para a condenação que, depois de ouvidas em julgamento, se retratam, apresentando nova versão em sentido contrário (até em declarações escritas vertidas em instrumento notarial), caso em que a revisão da sentença apenas pode ocorrer baseada na falsidade do depoimento prestado em audiência de julgamento, através do fundamento previsto no art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP, com sentença transitada em julgado a declarar a falsidade desse depoimento.

Ora, na falta de sentença que comprove que os factos confessados, que constituem o crime pelo qual o arguido foi condenado por sentença transitada em julgado, foram cometidos por outra pessoa distinta do arguido/recorrente ou que comprove que o teor daquele documento particular é verdadeiro, o mesmo documento só por si não é o adequado, nem serve para substituir a sentença transitada em julgado em falta.

Mas, como se disse, neste caso, a confissão parcial do arguido (meio de prova autónomo dos demais indicados no acórdão condenatório, perfeitamente válido[7]), até foi articulada com a prova testemunhal e a prova pericial que acima se particularizou, tendo fundamentado a sua condenação, sendo manifesto que a versão que o recorrente apresentou na petição do recurso de revisão não subsiste por não configurar facto ou meio de prova novo para efeitos do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.

Tão pouco o demais alegado em sede de motivação da sua petição da revisão da decisão condenatória suscita quaisquer dúvidas sobre a justiça da condenação, estando, por isso, afastada a autorização da revisão da sentença.

De resto, toda a prova indicada pelo recorrente, que foi produzida, não permitia tomar decisão diferente daquela que pretende rever e tão pouco suscita dúvidas sobre a justiça da condenação.

Portanto, não foram apresentados os alegados novos factos ou novos meios de prova, o que invalida o preenchimento do pressuposto previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.

Fundamento previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. e), do CPP

Dispõe o art. 449.º, n.º 1, do CPP, que “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;”

Aqui a revisão da sentença transitada em julgado é admissível no caso de se descobrirem provas proibidas nos termos do art. 126.º, n.ºs 1 a 3 do CPP, que serviram de fundamento à condenação.

Assim, vemos que este fundamento introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29.08, distingue esta meio de reação extraordinário que é a revisão do recurso ordinário, uma vez que, por um lado, não se refere à alegação de quaisquer provas proibidas, nomeadamente previstas noutros preceitos legais (caso que pode ser objeto de recurso ordinário), mas apenas abrange as provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP e, por outro lado, exige que as provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP, que serviram de fundamento à condenação, tenham sido descobertas após o trânsito em julgado da decisão a rever.

Ora, o recorrente invoca haver prova proibida (art. 126.º, n.º 1 e n.º 3 e art. 449.º, n.º 1, al. e), do CPP), por o produto apreendido não ter sido examinado para saber qual era a sua composição e, por isso, conclui que não podia ter sido condenado por crime de tráfico de estupefacientes.

No entanto, fê-lo sem razão, por três motivos: primeiro porque como ficou demonstrado nos autos, foi feito o exame pericial ao produto que lhe foi apreendido; segundo, porque ainda que ocorresse a alegada ausência de prova pericial ao produto apreendido (o que não sucedeu, como se verificou), isso não significava a existência de prova proibida (sendo certo que até havia a sua livre confissão parcial, prestada nos moldes referidos, em 1º interrogatório judicial e reproduzida em audiência, que foi apreciada livremente); e terceiro, para além de não corresponder à verdade que o produto apreendido não fora examinado, como sustenta na petição da revisão da sentença, também não alegou a descoberta de prova proibida nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP, que tivesse servido de fundamento à condenação.

A sua contra-argumentação (quando foi notificado para, querendo, se pronunciar sobre o parecer da Srª. PGA, oportunidade que lhe foi dada para poder exercer o contraditório quanto a esse parecer), de que então o relatório pericial ao produto apreendido em 10.03.2015 não continha a referência ao grau de pureza do produto, ou seja, faltava a referência à percentagem do princípio ativo contido na substância em causa, o que na sua perspetiva era importante “porque o grau de criminalização só surge ao atingir os valores percentuais indicados na nota 3 do Mapa anexo da Portaria 94/96” e, assim, faltando essa indicação e não havendo prova da entrega ao CC, a sua conduta, quando muito, era destinada ao consumo, apenas podendo integrar os tipos dos arts. 26.º ou 40.º do DL 15/93, de 22.01 ou o tipo contraordenacional contido no art. 2.º da Lei nº 30/2000, de 29.11, também não tem qualquer relevância para efeitos do art. 449.º, n.º 1, al. e), do CPP.

Com efeito, para além de no relatório pericial ao produto apreendido não ter de constar a referência ao grau de pureza do produto estupefaciente em causa (ou seja, é válida a prova pericial mesmo que dela não conste a referência à percentagem do princípio ativo contido na substância estupefaciente objeto da perícia), como acima já se referiu, essa argumentação do recorrente é irrelevante e inconsequente não integrando a descoberta de prova proibida nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP, que tivesse servido de fundamento à condenação.

Daí que, também não se verifica este fundamento que invocou previsto no art. 449.º, n.º 1, al. e), do CPP.

Fundamento do art. 449.º, n.º 1, al. f), do CPP (alegado depois da petição da revisão)

Dispõe o art. 449.º, n.º 1, do CPP, que “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;”

Trata-se, também, de um fundamento de revisão introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29.08.

Igualmente aqui a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do TC deve ser posterior ao trânsito em julgado da decisão a rever.

Ora, quando foi notificado para, querendo, se pronunciar sobre o parecer da Srª. PGA, oportunidade que lhe foi dada para poder exercer o contraditório quanto a esse mesmo parecer, o recorrente veio acrescentar um novo fundamento de revisão, precisamente o previsto no artigo 449º, n.º 1, al. f), do CPP, alegando, para o efeito, que sem as escutas telefónicas e localizações celulares, não havia prova no processo para sustentar a condenação do recorrente no crime de tráfico de estupefacientes e, concluindo ser o Acórdão do TC nº 268/2022, de 19.04.2022, que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos artigos 4º, 6º e 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de Julho, também aqui aplicável.

Como sabido, o objeto do recurso de revisão é definido na respetiva petição ou requerimento inicial a pedir a revisão, sendo sempre motivado, contendo a indicação dos meios de prova, é acompanhado da certidão da decisão a rever e do seu trânsito, bem como dos documentos necessários à instrução do pedido, é apresentado no tribunal onde se proferiu a sentença que deve ser revista (art. 451.º do CPP) e depois é processado por apenso aos autos onde foi proferida a decisão a rever (art. 452.º do CPP).

O juiz do tribunal onde foi proferida a sentença que deve ser revista intervirá, se for o caso, nos termos definidos no artigo 453. °, n.º 1 do CPP, realizando diligências «quando a elas houver lugar» e prestará a informação a que se refere o art. 454.º do CPP, incumbindo ao STJ decidir sobre a autorização ou negação da revisão (art.11.º, n.º 4, al. d), do CPP)[8].

Do exposto resulta, desde logo, que o pedido de revisão é definido pelos fundamentos invocados na petição ou requerimento inicial, neste caso apresentado pelo recorrente em 25.01.2022, sendo nessa altura que se fixou o seu objeto e que ficou delimitado o seu âmbito, ou seja, ficou estabilizado o objeto desta providência extraordinária, que é o pedido de revisão da sentença condenatória, para efeitos de conhecimento por este STJ.

A invocação de fundamento diverso (previsto no art. 449.º, n.º 1, al. f), do CPP) em momento posterior à apresentação da petição da revisão da sentença condenatória, como aqui sucedeu, quando se pronunciou sobre o parecer da Srª. PGA, aproveitando notificação que lhe foi feita apenas para lhe dar oportunidade de exercer o contraditório quanto a esse parecer, não é admissível (tendo presente que o âmbito deste recurso extraordinário é delimitado pelas razões do pedido de revisão apresentadas na motivação da petição de revisão que o recorrente apresentou em 25.01.2022)[9].

Esse novo fundamento invocado (previsto no art. 449.º, n.º 1, al. f), do CPP) apenas pode dar origem a novo procedimento de revisão (para poder ser conhecido), em que se tenha em atenção a respetiva tramitação acima indicada, nomeadamente a processar na 1ª instância (arts. 451.º a 454.º do CPP), uma vez que já não pode ser atendido neste processo de revisão (cf. ainda art. 465.º CPP).

Em conclusão: não se verificando os pressupostos da revisão da sentença requerida pelo recorrente nesta providência, improcede o presente recurso extraordinário, sendo certo que não foram violadas as normas legais por si invocadas.

III Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revisão pedida pelo condenado AA.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC`s.

*

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria, pelo Senhor Juiz Conselheiro Adjunto e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente desta Secção Criminal.

*

Supremo Tribunal de Justiça, 07.07.2022

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Cid Geraldo

Eduardo Almeida Loureiro

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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo: Lisboa, 1994, p. 359, acrescentando o seguinte: “Há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança e a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado, o que é praticamente sensível no domínio penal em que as ficções de segurança dificilmente se acomodam ao sacrifício de valores morais essenciais.”
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Lisboa: Verbo, 1994, p. 363.
[3] Assim, Ac. do STJ de 19.11.2020, processo n.º 29/17.0GIBJA-C.S1 (Francisco Caetano), consultado no site do ITIJ - Bases Jurídico-Documentais. E, a propósito, da evolução da jurisprudência sobre o dito conceito de “novidade”, recorda-se, mais à frente, quando se analisam documentos que foram apresentados em sede do recurso de revisão ali em apreciação, o que foi dito por Pereira Madeira (CPPC, 2.ª ed., p. 1509) «o arguido “se os conhecia e não invocou aquando do julgamento faltou, certamente por estratégia de defesa, ao dever de lealdade e colaboração e com o tribunal, pelo que, seria iníquo permitir-lhe agora invocar factos que só não foram oportunamente apreciados por mero calculismo, circunstância que está longe de se equiparar à gravidade do facto que é a justiça da condenação. É seguramente esta a jurisprudência maioritária do Supremo”.» . Com interesse, também, na matéria, entre outros, Ac. do STJ de 24.06.2021, processo n.º 1922/18.8PULSB-A.S1 (Helena Moniz) e ac. do STJ de 11.11.2021, processo n.º 769/17.3PBAMD-B.S1 (Eduardo Loureiro), consultados no mesmo site.

[4] Ver, entre outros, Ac. do STJ de 19.11.2020, Processo n.º 198/16.6PGAMD-A.S1 (Margarida Blasco), consultado no mesmo site.
[5] Assim, entre outros, Ac. do STJ 12.01.2022, processo n.º 107/19.0PJAMD-A.S1 (Nuno Gonçalves) e Ac. do STJ de 7.03.2018, processo n.º 490/10.3IDPRT-F.P1.S1 (Manuel Augusto de Matos), bem como jurisprudência citada em ambos, consultados no site acima indicado.
[6] Ver citado Ac. do STJ 12.01.2022, processo n.º 107/19.0PJAMD-A.S1 (Nuno Gonçalves).
[7] Ver, neste sentido, também Ac. do STJ de 23.06.2022, processo n.º208/19.5GEBRG-N.S1 (Orlando Gonçalves).
[8] Ver decisão de reclamação (art. 405.º do CPP) de 20.10.2021, proferida no processo n.º 142/19.9JELSB-B. L1.S1 (Srª. Vice-Presidente do STJ Maria dos Prazeres Pizarro Beleza).

[9] Neste sentido, ac. STJ de 23.06.2022, proferido no processo n.º 33/15.2JAPRT-A.S1 (Helena Moniz).