HABEAS CORPUS
EXTRADIÇÃO
RECURSO DO ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PROCEDIMENTO CRIMINAL
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
Sumário


I- Quando a extradição acontece para efeitos de procedimento penal, nem a Lei n.º 144/99, de 31.08, nem o Acordo sobre Extradição Simplificada aplicável neste caso, exige que sejam identificados os atos processuais e/ou diligências a praticar, o que se compreende, por isso se relacionar com matéria de investigação criminal, que está dependente da orientação de quem dirige esse procedimento, o que poderia desde logo colocar em causa a investigação em curso e a estratégia a seguir em cada momento.
II- Estabelece o art. 23.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 144/99, de 31.08, que o pedido de cooperação deve indicar: “A narração dos factos, incluindo o lugar e o tempo da sua prática, proporcional à importância do ato de cooperação que se pretende”. Neste caso concreto, a descrição dos factos que foi feita no pedido de extradição (ao contrário do que alega o recorrente) foi minimamente concretizada para se perceber o objeto do procedimento criminal, a razão do pedido de extradição em causa e a sua importância. Além disso, essa mínima concretização dos factos, articulada com os demais elementos que constam do pedido de extradição, permitem que o Estado recetor, no caso o Estado português, fizesse o controlo sobre se tinham ou não sido cumpridos os requisitos formais para execução do pedido de extradição.
III- O facto de o recorrente, cidadão guineense, ir para a Argentina para fins de procedimento criminal e, ficar nesse período afastado de Portugal, onde se inseriu profissionalmente e está integrado familiarmente, mesmo interrompendo temporariamente o seu projeto de vida, não ofende os seus direitos fundamentais, antes é uma consequência normal de quem é extraditado para esse efeito, não se vendo que haja qualquer desproporção entre as suas condições de vida em Portugal por um lado e a importância do ato de cooperação aqui em causa por outro lado (que foi deferido, por se verificarem os pressupostos legais para o efeito), não se verificando motivos de inadmissibilidade de extradição ou da sua recusa obrigatória ou facultativa.

Texto Integral




Proc. n.º 201/22.0YRLSB.S1

Extradição

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

 I. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.07.2022 foi autorizada a extradição, e determinada a entrega às autoridades judiciárias da República da Argentina, do cidadão de nacionalidade guineense AA, para fins de procedimento criminal, no âmbito do processo n.º ... ...50..., que corre termos no Juzgado Criminal Y Correccional Federal ..., no qual “o extraditando é suspeito da prática de factos susceptíveis de configurar, em co-autoria, o crime de associação criminosa para a prática de um crime de tráfico de estupefacientes internacional e dois crimes de tráfico de estupefacientes internacional na forma tentada, previstos e puníveis pelo artigo 5º, alínea c) da Lei Geral de Repressão dos Crimes Cometidos com Estupefacientes e Psicotrópicos - Lei 23.737; artigos 863º, 865º, 866º, parágrafo segundo, 871º e 872º do Código Aduaneiro - Lei 22.415, e artigos 45º, 55º, 210º do Código Penal da Argentina”, por factos que “ocorreram entre 2014 e 2015 e são puníveis com pena máxima abstractamente aplicável de 4 anos e seis meses a 16 anos de prisão, nos termos do artigo 55º do Código Penal argentino.”

II. Inconformado com esse acórdão do TRL o extraditando AA recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões:

1. O requisito da alínea b) do art. 23º da Lei 144/99 não se encontra preenchido, uma vez que não é possível compreender qual o real objetivo da extradição.

2. Com efeito, o douto pedido de extradição não precisa minimamente quais serão estes atos processuais ou quais as diligências a realizar, deixando à completamente à imaginação do extraditando quais os tramites legais que o processo-crime pode seguir.

3. No que toca aos factos imputados ao extraditando, não existe uma concretização mínima dos mesmos.

4. O douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 10.11.2021, ensina que “importa averiguar se os factos com relevância criminal descritos no pedido de extradição, e que mereceram determinada tipificação legal por parte do Estado requerente, encontram igualmente acolhimento punitivo no ordenamento penal português”.

5. Ora, não sendo estes factos concretizados, é impossível ao extraditando determinar se tais requisitos formais se encontram preenchidos.

6. Com efeito, é impossível determinar se tais factos são, ou não, puníveis pela lei penal portuguesa e pelo estado requerente, com pena ou medida de segurança privativas da liberdade de duração máxima não inferior a um 1 ano.

7. Assim, face ao disposto no nº2 do art. 55º da Lei 144/99 não é igualmente possível determinar o cumprimento dos requisitos necessários para execução da extradição, pelo que deve o pedido da mesma ser negado.

8. Os factos imputados ao extraditando (ainda mais, por serem pouco ou nada precisos) não se revelam proporcionais ao ato de cooperação pretendido, nos termos do artigo 23º da supracitada lei.

9. Os factos foram praticados em 2015, ano em que a Argentina já tinha conhecimento de que o extraditando se encontrava a residir em Portugal, mas nada fez ou requereu.

10.Decorridos 7 anos desde a prática dos factos, e estando o extraditando completamente vinculado a Portugal, vem a Argentina requerer a sua extradição, com todas as graves consequências pessoais que isso acarretará para o mesmo.

11.Decorrido este lapso temporal, a eventual aplicação de uma pena de prisão ao extraditando, viola frontalmente os princípios da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdade Fundamentais.

12.O nº2 do art. 18º da Lei 144/99 refere que “pode ainda ser negada a cooperação quando, tendo em conta as circunstâncias de facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou outros motivos de carácter pessoal.”

13.Face à supracitada norma, note-se que as graves consequências para o extraditando que aqui relevam, não são, obviamente, a possibilidade de o extraditado vir a condenado e cumprir pena em território Argentino, pois essas são as consequências normais da extradição.

14.O que importa ressalvar, e é neste sentido que se considera haver consequências graves para a pessoa visada, é que o extraditando não tem qualquer ligação ao país, apoio familiar ou suporte emocional.

15.Existe risco para a sua integridade psicológica decorrente da extradição, o que não constitui uma decorrência normal de uma extradição da prática de um crime, como bem ensina o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo nº16/13.7YREVR.E1.S3.

16.O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supracitado, proferido no âmbito de um processo de extradição, ensina que “Até porque constitui jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a afirmação de que “a expulsão de um estrangeiro para um país onde não tem ligações só pode ser admitida em circunstâncias excepcionais, pois a ingerência das autoridades no direito a uma vida familiar, previsto no n.º 1, do art. 8.º, da CEDH, deve ser proporcional ao fim visado, “deve estar justificada por uma necessidade social imperiosa proporcional ao fim perseguido”, proporcionalidade esta que se estende aos casos de extradição, conforme decisão do TEDH, de 4.set.1995, queixa n.º 25342/94.

17.In casu, o extraditando não tem qualquer familiar ou vinculo nesse país.

18.É em Portugal que vive há 37 anos com a sua mulher e os seus dois filhos menores, de 8 e 2 anos de idade, onde exerce a sua atividade profissional e onde residem ainda os seus outros filhos maiores, frutos de outras relações.

19.A sua extradição configura efetivamente uma circunstância excecional e especiais graves consequências para o mesmo, porquanto tal extradição viola frontalmente o direito a uma vida familiar previsto no nº1 do art.8º da CEDH.

20.A sua extradição não é “uma necessidade social imperiosa, proporcional justificado pelo fim perseguido”, como ensina o Supremo Tribunal de Justiça e como resulta da decisão do TEDH, de 4.set.1995, queixa n.º 25342/94, pois no limite, a concretização dos atos processuais a realizar sempre poderiam ser realizados por videoconferência.

21.O douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, não explica por que motivo é que o procedimento criminal não pode correr, estando o extraditando em Portugal.

22.Justificar-se-ia, pelo menos, a pronúncia do Tribunal acerca da (im)possibilidade do procedimento criminal seguir os normais trâmites legais, estando o extraditando em Portugal, pois reitere-se que independentemente do mesmo cumprir, ou não, os requisitos da extradição, esta só deve ocorrer em circunstâncias excecionais tendo em consideração que não tem qualquer vinculo aquele país.

23.Acresce que as condições prisionais na Argentina se afiguram bastante precárias, sendo bastante inferiores aquelas que existência em Portugal e tendo tal país uma elevada perigosidade social.

24.O extraditando não pretende eximir-se à justiça, no entanto, tendo em consideração a desproporcionalidade do ato de cooperação que aqui se discute, é seu desejo resolver o processo pendente de uma forma mais justa e que não lhe acarrete consequências desastrosas.

25.Face a todo o exposto, entende-se que deve ser negada a concessão da extradição requerida, e – no limite – concretizados os atos processuais necessários por videoconferência, evitando a sua extradição.

NORMAS VIOLADAS: Art.8º, nº1 da CEDH. e Art. 6.º e 18.º, n.º 2 e 23º da Lei 144/99 de 31.08.

Termina pedindo que não seja concedida a extradição requerida ou, caso assim não se entenda, seja então concedida a possibilidade da concretização do ato processual pretendido através de videoconferência ou outro meio eletrónico que permita comunicação à distância, evitando assim a sua extradição para a Argentina.

III. Na resposta ao recurso, o Sr. PGA no TRL apresentou as seguintes conclusões:

1 – como resulta do requerimento inicial e da documentação anexa, o pedido de extradição para a República da Argentina, para efeitos de procedimento criminal, assenta em factos susceptíveis de configurarem, em co-autoria, o crime de associação criminosa para a prática de um crime de tráfico de estupefacientes internacional e dois crimes de tráfico de estupefacientes internacional na forma tentada, previstos e puníveis pelo artigo 5º, alínea c) da Lei Geral de Repressão dos Crimes Cometidos com Estupefacientes e Psicotrópicos - Lei 23.737; artigos 863º, 865º, 866º, parágrafo segundo, 871º e 872º do Código Aduaneiro - Lei 22.415, e artigos 45º, 55º, 210º do Código Penal da Argentina, puníveis com pena máxima, abstractamente aplicável, de 4 anos e seis meses a 16 anos de prisão, nos termos do artigo 55º do Código Penal argentino, não sendo puníveis nem com pena de morte nem com prisão perpétua;

2 – Os crimes em causa são igualmente puníveis no ordenamento jurídico nacional, de acordo com os artigos 21º (tabela I-B) e 28º do D.L. 15/93, de 22.01, e 22º, 23º, 72º e 73º do Código Penal, cabendo penas máximas abstratamente aplicáveis de 5 a 15 anos de prisão;

3 – O procedimento criminal relativo aos factos descritos não se encontra prescrito no ordenamento jurídico argentino (artigo 62º do Código Penal da Argentina); nem em Portugal, ocorreu a prescrição do respetivo procedimento criminal pelos referidos crimes (art. 118º, nº 1, alínea a), do Código Penal Português);

4 – Assim, estamos perante factos devidamente concretizados, de acordo com o disposto no art. 23º da Lei 144/99 de 31/8, estando assim verificada a dupla incriminação;

5 – E estamos perante crimes puníveis com penas de prisão superiores a um ano, conforme decorre do disposto no art. 2º do Acordo sobre Extradição Simplificada e no art. 31º da Lei 144/99 de 31/8;

6 – Por sua vez, o art. 23º da Lei 144/99 de 31/8 não prevê qualquer necessidade de avaliação de proporcionalidade do acto de cooperação pretendido, mas apenas que o detalhe com que os factos são narrados seja proporcional ao acto de cooperação pretendido;

7 – O eventual cumprimento de pena de prisão por parte de pessoa inserida na sociedade, não pode ser considerada como consequências graves para efeitos do disposto no artº 18º nº 2 da Lei 144/99 de 31/8;

8 – O lapso de tempo entre os factos e o cumprimento de eventual pena de prisão por procedimento criminal que não está prescrito, a aplicar á luz do Acordo sobre Extradição Simplificada entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, o Reino de Espanha e a República Portuguesa, assinado em Santiago de Compostela, em 3 de Novembro de 2010, não põe em causa as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Termina pedindo o não provimento do recurso.

IV. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, no exame preliminar, a Relatora ordenou que os autos fossem aos vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

Fundamentação

Factos

V. Do acórdão sob recurso resultam assentes os seguintes factos e ocorrências processuais relevantes:

a) em 18.09.2015, pelo Exmo. Sr. Juiz BB, do Tribunal Nacional Criminal e Correccional ... da Argentina, foi emitido um Mandado de Detenção Internacional contra o ora requerido, AA (de nacionalidade guineense) – Mandado inserido no Sistema de Informação Interpol nº ...39 – onde se solicita a detenção com vista à extradição para efeitos de procedimento penal por estar indiciado pela prática em co-autoria de dois crimes de tentativa de tráfico agravado em concurso com o crime de posse para fins de comercialização agravado;

b) no âmbito do Processo nº ... ...50..., que corre termos no Juzgado Criminal Y Correccional Federal ..., o extraditando é suspeito da prática de factos susceptíveis de configurar, em co-autoria, o crime de associação criminosa para a prática de um crime de tráfico de estupefacientes internacional e dois crimes de tráfico de estupefacientes internacional na forma tentada, previstos e puníveis pelo artigo 5º, alínea c) da Lei Geral de Repressão dos Crimes Cometidos com Estupefacientes e Psicotrópicos - Lei 23.737; artigos 863º, 865º, 866º, parágrafo segundo, 871º e 872º do Código Aduaneiro - Lei 22.415, e artigos 45º, 55º, 210º do Código Penal da Argentina;

c) os factos que deram causa ao presente pedido de extradição ocorreram entre 2014 e 2015 e são puníveis com pena máxima abstractamente aplicável de 4 anos e seis meses a 16 anos de prisão, nos termos do artigo 55º do Código Penal argentino.

d) os respetivos factos imputados ao Requerido constam da notícia vermelha e do pedido formal de extradição, que se encontram juntos aos autos e se dão por reproduzidos, ou seja que: “O Requerido é acusado de ter feito parte, de 29 de Agosto de 2014 a 17 de Setembro de 2015, juntamente com CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO e PP, de uma organização criminosa dedicada principalmente ao tráfico ilegal de substâncias estupefacientes, a nível nacional e internacional, contanto com uma complexa estrutura direccionada para o branqueamento de capitais e de outros bens de origem ilícita. O alerta para tais actividades deu-se depois de frustrados dois carregamentos de cocaína e derivados destinados a ..., ... e ..., geralmente dissimulados em carregamento de produtos alimentares tais como embalagens de ketchup e de arroz. Informações adicionais Outros indivíduos envolvidos: QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA”;

e) por despacho proferido em 23 de Maio de 2022, Sua Excelência a Sr.ª Ministra da Justiça, considerando o disposto nos artigos 1º, 2º, nº 1 e 3º do Acordo Sobre Extradição Simplificada entre a República da Argentina, a República Federativa do Brasil, o Reino de Espanha e a República Portuguesa e bem assim os artigos 6º a 8º a contrario, 32º, nº 1 a contrario e 48º, nº 2 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei 144/99, de 31.08, e atenta a informação prestada pela Procuradoria-Geral da República, considerou admissível o pedido de extradição.

f) o requerido reside em Portugal há trinta e sete anos, exercendo a actividade de compra e venda de produtos vários que envia para a ...;

g) vive com a actual companheira há cerca de oito anos, tendo ambos dois filhos menores com oito e dois anos; tem três outros filhos maiores de outras relações;

h) tem pendente há cerca de um ano pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa.

Direito

V. Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP).

Analisadas as conclusões do recurso apresentado no STJ, verifica-se que foram colocadas as seguintes questões:

1.º- não ter sido observado o requisito do art. 23.º, n.º 1, al. b), da Lei nº 144/99, por, na sua perspetiva, ser incompreensível o “real objetivo da extradição”, não se alcançando quais os atos/diligências processuais a realizar na Argentina, que deveriam ter sido concretizados, de acordo com o estatuído na referida alínea b), onde se refere que o pedido de cooperação deve indicar o objeto e motivos do pedido;

2:º - não terem sido concretizados minimamente os factos imputados ao extraditando, sendo os narrados genéricos e abstratos, o que impede desde logo a verificação dos requisitos formais do pedido de extradição (incluindo pelo Estado português) e também o impede a si de (tendo em vista o disposto no art. 55.º, n.º 2, da Lei nº 144/99) determinar o cumprimento dos requisitos necessários para a execução da extradição, devendo, em consequência, o pedido ser negado;

3.º- que os factos que lhe são imputados não se revelam proporcionais ao ato de cooperação pretendido, nos termos do art. 23.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 144/99;

4.º- que fazer o pedido de extradição passado 7 anos sobre os factos que lhe são imputados, quando está integrado em Portugal, leva à conclusão de que eventual aplicação de uma pena de prisão viola frontalmente os princípios da CEDH, devendo ter-se presente o disposto no art. 18.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, afigurando-se as condições prisionais na Argentina bastante precárias, não tendo o extraditando qualquer vínculo à Argentina, devendo ainda concluir-se que existe risco para a sua integridade psicológica decorrente da extradição, sendo tal ato de cooperação desproporcionado com a sua situação em Portugal (onde tem a sua vida familiar estabilizada há vários anos), violando a extradição o seu direito a uma vida familiar previsto no art. 8.º, n.º 1, da CEDH, além da pedida extradição não ser “uma necessidade social, imperiosa, proporcional justificada pelo fim perseguido”, pois, no limite, os atos processuais a realizar, sempre poderiam ser feitos por videoconferência ou videochamada.

Vejamos então, sendo certo que praticamente quase todas essas questões já haviam sido colocadas perante a Relação de Lisboa, a qual no acórdão sob recurso se pronunciou nos seguintes termos:

Em causa está o cumprimento do pedido de extradição para a República da Argentina, para efeitos de procedimento criminal, relativo ao cidadão de nacionalidade guineense AA, que reside em Portugal, e se encontra indiciado, no âmbito do Processo nº ... ...50..., que corre termos no Juzgado Criminal Y Correccional Federal ..., pela prática de factos susceptíveis de configurarem, em co-autoria, o crime de associação criminosa para a prática de um crime de tráfico de estupefacientes internacional e dois crimes de tráfico de estupefacientes internacional na forma tentada, previstos e puníveis pelo artigo 5o, alínea c) da Lei Geral de Repressão dos Crimes Cometidos com Estupefacientes e Psicotrópicos - Lei 23.737; artigos 863°, 865°, 866°, parágrafo segundo, 871° e 872° do Código Aduaneiro - Lei 22.415, e artigos 45°, 55°, 210° do Código Penal da Argentina.

Ao presente pedido aplica-se o Acordo sobre Extradição Simplificada entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, o Reino de Espanha e a República Portuguesa, assinado em Santiago de Compostela, em 3 de Novembro de 2010 (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n° 15/2015, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n° 14/2015 e publicada na 1a série do DR, n° 27, de 9.02.2015) e a Lei 144/99 de 31.08.

Os factos que deram causa ao presente pedido de extradição ocorreram entre 2014 e 2015 e são puníveis com pena máxima abstractamente aplicável de 4 anos e seis meses a 16 anos de prisão, nos termos do artigo 55° do Código Penal argentino, não sendo puníveis nem com pena de morte nem com prisão perpétua. Os crimes em causa são igualmente puníveis no ordenamento jurídico nacional, de acordo com os artigos 21° (tabela I-B) e 28° do D.L. 15/93, de 22.01, e 22°, 23°, 72° e 73° do Código Penal, cabendo penas máximas abstratamente aplicáveis de 5 a 15 anos de prisão.

Está, assim, verificada a dupla incriminação (cfr. o disposto no art. 3o do Acordo sobre Extradição Simplificada).

Por outro lado, trata-se de crimes puníveis com penas de prisão superiores a um ano (cfr. a exigência prevista no art. 2o do Acordo sobre Extradição Simplificada e no art. 31° da Lei 144/99).

O procedimento criminal relativo aos factos descritos não se encontra prescrito no ordenamento jurídico argentino (artigo 62° do Código Penal da Argentina); nem em Portugal, ocorreu a prescrição do respetivo procedimento criminal pelos referidos crimes (art. 118°, n° 1, alínea a), do Código Penal Português).

Considerando o disposto no n° 2 do art. 55° da Lei 144/99 de 31.08, a oposição do extraditando só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição.

Alega o requerido que não se mostra preenchido um dos requisitos do art. 23° da Lei 144/99 na medida em que o objectivo do pedido de extradição (a constituição do extraditando como arguido, o seu interrogatório, o seu julgamento, ou qualquer outro ato processual?) é imperceptível.

O identificado art. 23° estipula no n° 1 que “O pedido de cooperação deve indicar:

a) A autoridade de que emana e a autoridade a quem se dirige, podendo fazer esta designação em termos gerais;

b) O objecto e motivos do pedido;

c) A qualificação jurídica dos factos que motivam o procedimento;

d) A identificação do suspeito, arguido ou condenado, da pessoa cuja extradição ou transferência se requer e a da testemunha ou perito a quem devam pedir-se declarações;

e) A narração dos factos, incluindo o lugar e o tempo da sua prática, proporcional à importância do acto de cooperação que se pretende;

f) O texto das disposições legais aplicáveis no Estado que o formula;

g) Quaisquer documentos relativos ao facto”.

As Autoridades argentinas cumpriram todas estas indicações, sendo que em lado algum se exige que se concretize qual é o procedimento criminal pretendido.

Mais se dirá que, ao contrário do que alega o requerido, os factos que lhe são imputados são concretizados (como determina o citado art. 23º), não sendo necessário que o pedido de extradição venha acompanhado de elementos de prova.

E, também ao contrário do que alega o requerido, aquele art. 23º não prevê qualquer necessidade de avaliação de proporcionalidade do acto de cooperação pretendido. O que afirma a alínea e) é que A narração dos factos, incluindo o lugar e o tempo da sua prática, tem que ser proporcional à importância do acto de cooperação que se pretende - ou seja o detalhe da narração tem que ser proporcional ao acto de cooperação pretendido.

Alega também o requerido que não constam do requerimento/pedido todos os elementos exigidos pelo art. 44º da Lei 144/99. Preceitua o referido art. 44º que:

1- Além dos elementos referidos no artigo 23º, o pedido de extradição deve
incluir:

a) Demonstração de que, no caso concreto, a pessoa a extraditar está sujeita à jurisdição penal do Estado requerente;

b) Prova, no caso de infracção cometida em terceiro Estado, de que este não reclama o extraditando por causa dessa infracção;

c) Garantia formal de que a pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado, nem detida para procedimento penal, para cumprimento de pena ou para outro fim, por factos diversos dos que fundamentarem o pedido e lhe sejam anteriores ou contemporâneos.

2 - Ao pedido de extradição devem ser juntos os elementos seguintes:

a) Mandado de detenção da pessoa reclamada, emitido pela autoridade competente;

b) Certidão ou cópia autenticada da decisão que ordenou a expedição do mandado de detenção, no caso de extradição para procedimento penal;

c) Certidão ou cópia autenticada da decisão condenatória, no caso de extradição para cumprimento da pena, bem como documento comprovativo da pena a cumprir, se esta não corresponder à duração da pena imposta na decisão condenatória;

d) Cópia dos textos legais relativos à prescrição do procedimento penal ou da pena, conforme o caso;

e) Declaração da autoridade competente relativa a motivos de suspensão ou interrupção do prazo da prescrição, segundo a lei do Estado requerente, se for caso disso;

f) Cópia dos textos legais relativos à possibilidade de recurso da decisão ou de efectivação do novo julgamento, no caso de condenação em processo cuja audiência de julgamento tenha decorrido na ausência da pessoa reclamada”.

Compulsado o requerimento em causa, não se vê que elementos exigidos por este normativo estariam em falta, nem o requerido os identifica, pelo que esta alegação não procede.

Finalmente, alega o requerido que os factos remontam a 2015, pelo que ocorre um grande lapso temporal entre o facto e um eventual cumprimento de pena, ultrapassando o prazo razoável para a eventual aplicação de uma pena de prisão, o que ofende os princípios da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; que à luz da CRP e dos princípios da Convenção Europeia Para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, não faz sentido a extradição de um homem (inserido profissional e socialmente em Portugal, onde se encontra a sua família, onde tem trabalhado) para a realização de um ato processual na Argentina, sendo provável a sua detenção por um longo período de tempo, num país com elevada perigosidade social e falta de condições prisionais; e que submetê-lo a procedimento penal e eventual cumprimento da pena só se justifica por critérios de mera expiação que não é a previsão da lei penal portuguesa (cf. art. 40º, nº 1 do Cód. Penal).

Opõe-se, assim, ao deferimento do pedido com base no disposto nos arts. 6º 1 a) e 18º 2, da Lei 144/99.

Nos termos do nº 1 do art. 6o da citada Lei, "O pedido de cooperação é recusado quando: a) O processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal”.

E nos termos do nº 2 do art. 18º das mesma Lei “Pode ainda ser negada a cooperação quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal”.

Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se vê que o lapso de tempo entre os factos e o cumprimento de eventual pena de prisão por procedimento criminal que não está prescrito não respeite as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. E também não se vê em que é que o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal. Desde logo, não se alegam motivos em razão da idade ou estado de saúde e é certo que o eventual cumprimento de pena de prisão por parte de pessoa inserida na sociedade, não pode ser considerada como consequências graves para efeitos da norma, independentemente das condições das prisões argentinas. Com efeito, admitimos que o cumprimento de uma pena de prisão tem sempre consequências graves para o condenado, pelo que só condições especiais poderiam levar a equacionar a excepção, o que não é o caso. Quanto aos fins das penas argentinas, admitimos como certo que não visam apenas razões de expiação.

Improcedendo a oposição, resta a apreciação do pedido subsidiário de que seja possibilitada a concretização do acto processual pretendido através de videoconferência ou outro meio eletrónico que permita comunicação à distância.

A este respeito diremos apenas que não existem quaisquer razões atendíveis para deferir este pedido subsidiário, que significaria, no fundo, a recusa do pedido de extradição nos moldes peticionados e já vimos que nada obsta à sua execução.

Pelo que se conclui pela improcedência da oposição, não existindo motivo para a recusa da execução do pedido de extradição.

Analisemos então as questões colocadas, tendo presente que ao presente pedido aplica-se, além da Lei nº 144/99, de 31.08, ainda o Acordo sobre Extradição Simplificada entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, o Reino de Espanha e a República Portuguesa, assinado em Santiago de Compostela, em 3 de Novembro de 2010, aprovado por Resolução da Assembleia da República n° 15/2015, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n° 14/2015, publicada no DR, 1ª Série, de 9.02.2015.

1.ª questão

Alega o recorrente não ter sido observado o requisito do art. 23.º, n.º 1, al. b), da Lei nº 144/99, uma vez que, na sua perspetiva, é incompreensível o “real objetivo da extradição”, não se alcançando quais os atos/diligências processuais a realizar na Argentina, os quais deveriam ter sido concretizados, de acordo com o estatuído na referida alínea b), onde se refere que o pedido de cooperação deve indicar o objeto e motivos do pedido.

Vejamos então.

Estabelece o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), da citada Lei n.º 144/99, que o pedido de cooperação deve indicar “o objeto do pedido e motivos do pedido.”

Claro que o pedido de cooperação só pode ser para um dos atos de cooperação previstos na mesma lei (neste caso ver particularmente artigos 1.º e 31.º da Lei n.º 144/99).

Ora, a autoridade competente que formulou o pedido de extradição na República da Argentina mencionou que era para efeitos de procedimento criminal, relativo ao cidadão de nacionalidade guineense AA, residente em Portugal, que se encontrava indiciado, no âmbito do Processo nº ... ...50..., que corre termos no Juzgado Criminal Y Correccional Federal ..., pela prática de factos susceptíveis de configurarem, em co-autoria, o crime de associação criminosa para a prática de um crime de tráfico de estupefacientes internacional e dois crimes de tráfico de estupefacientes internacional na forma tentada, previstos e puníveis pelo artigo 5o, alínea c) da Lei Geral de Repressão dos Crimes Cometidos com Estupefacientes e Psicotrópicos - Lei 23.737; artigos 863°, 865°, 866°, parágrafo segundo, 871° e 872° do Código Aduaneiro - Lei 22.415, e artigos 45°, 55°, 210° do Código Penal da Argentina.

Os factos que deram causa ao presente pedido de extradição ocorreram entre 2014 e 2015 e, tendo em atenção a respetiva moldura abstrata dos crimes em causa, quer considerando o CP Argentino (puníveis com pena máxima abstratamente aplicável de 4 anos e seis meses a 16 anos de prisão, nos termos do artigo 55.° do Código Penal argentino e não sendo puníveis nem com pena de morte nem com prisão perpétua), quer o CP Português (puníveis de acordo com os artigos 21. (com referência à tabela I-B) e 28.° do D.L. 15/93, de 22.01, e 22°, 23°, 72° e 73° do Código Penal, com penas máximas abstratamente aplicáveis de 5 a 15 anos de prisão), está verificada a dupla incriminação (cfr. o disposto no art. 3.o do Acordo sobre Extradição Simplificada), para além de que se tratam de crimes puníveis com penas de prisão superiores a um ano (ver art. 2.o do Acordo sobre Extradição Simplificada e art. 31.° da Lei 144/99).

Acresce, como referido pela Relação, que “o procedimento criminal relativo aos factos descritos não se encontra prescrito no ordenamento jurídico argentino (artigo 62.° do Código Penal da Argentina); nem em Portugal ocorreu a prescrição do respetivo procedimento criminal pelos referidos crimes (art. 118.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal Português).”

Ora, nem a Lei n.º 144/99, nem o Acordo sobre Extradição Simplificada acima referido exigem que, quando a extradição acontece para efeitos de procedimento penal, sejam identificados os atos processuais e/ou diligências a praticar, o que se compreende, por isso se relacionar com matéria de investigação criminal, que está dependente da orientação de quem dirige esse procedimento, o que poderia desde logo colocar em causa a investigação em curso e a estratégia a seguir em cada momento.

Portanto, ao contrário do que alega o recorrente, as indicações que constam do pedido de extradição satisfazem todos os requisitos do artigo 23.º da Lei n.º 144/99, incluindo o do n.º 1, alínea b), quanto ao “objeto e motivos do pedido” (como foi assinalado pela Relação), sendo certo que, dessa mesma alínea, não se pode deduzir que seja exigível outro tipo de concretização para além da que foi observada, sendo compreensível o “real objetivo do pedido de extradição”.

Improcede, pois, esta argumentação do recorrente.

2ª Questão

Alega, ainda, o recorrente que não foram concretizados minimamente os factos que lhe são imputados, sendo os narrados genéricos e abstratos, o que impede desde logo a verificação dos requisitos formais do pedido de extradição (incluindo pelo Estado português) e também o impede de (tendo em vista o disposto no art. 55.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99) determinar o cumprimento dos requisitos necessários para a execução da extradição, devendo, em consequência, o pedido ser negado.

Pois bem.

Estabelece o art. 23.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 144/99 citada, que o pedido de cooperação deve indicar: “A narração dos factos, incluindo o lugar e o tempo da sua prática, proporcional à importância do ato de cooperação que se pretende”.

E, a descrição dos factos que foi feita no pedido de extradição (ao contrário do que alega o recorrente) foi minimamente concretizada para se perceber o objeto do procedimento criminal, a razão do pedido de extradição em causa e a sua importância.

Com efeito (tal como consta da notícia vermelha e do pedido formal de extradição) “O Requerido é acusado de ter feito parte, de 29 de Agosto de 2014 a 17 de Setembro de 2015, juntamente com CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO e PP, de uma organização criminosa dedicada principalmente ao tráfico ilegal de substâncias estupefacientes, a nível nacional e internacional, contanto com uma complexa estrutura direccionada para o branqueamento de capitais e de outros bens de origem ilícita. O alerta para tais actividades deu-se depois de frustrados dois carregamentos de cocaína e derivados destinados a ..., ... e ..., geralmente dissimulados em carregamento de produtos alimentares tais como embalagens de ketchup e de arroz.”

Para além disso constam ainda, nas informações adicionais, a identificação de outros indivíduos envolvidos (cf. alínea d) da fundamentação do acórdão do TRL recorrido acima transcrito).

Essa mínima concretização dos factos, articulada com os demais elementos que constam do pedido de extradição, permitem que o Estado recetor, no caso o Estado português, fizesse o controlo sobre se tinham ou não sido cumpridos os requisitos formais para execução do pedido de extradição.

E, foi isso o que foi feito, como resulta claramente do acórdão do TRL objeto do recurso em apreciação.

Ou seja, ao contrário do que alega o recorrente, foram concretizados minimamente os factos que lhe foram imputados, de modo a satisfazer as exigências legais, permitindo o controlo dos requisitos necessários para a execução do pedido de extradição aqui em apreço, os quais se mostram cumpridos, como foi verificado pelas autoridades competentes, neste caso pelo TRL, cuja decisão não merece censura.

E, como foi salientado na decisão sob recurso “os factos que lhe são imputados são concretizados (como determina o citado art. 23º), não sendo necessário que o pedido de extradição venha acompanhado de elementos de prova.”

De resto, como já acima se salientou, com os factos descritos no pedido de extradição, também não há dúvidas que está verificada a dupla incriminação, sendo os crimes em causa puníveis igualmente no CP Português (de acordo com os artigos 21., com referência à tabela I-B, e 28.° do D.L. 15/93, de 22.01, e 22°, 23°, 72° e 73° do Código Penal, com penas máximas abstratamente aplicáveis de 5 a 15 anos de prisão), tratando-se de crimes puníveis com penas de prisão superiores a um ano (ver art. 2.o do Acordo sobre Extradição Simplificada e art. 31.° da Lei 144/99).

Portanto, também improcede esta argumentação do recorrente.

3ª Questão

Acrescenta o recorrente que os factos que lhe são imputados não se revelam proporcionais ao ato de cooperação pretendido, nos termos do art. 23.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 144/99.

Discorda o recorrente da interpretação feita pela Relação, no sentido de tal dispositivo não prever “qualquer necessidade de avaliação da proporcionalidade do acto de cooperação pretendido”, sendo que o que se afirma naquela alínea é que “a narração dos factos, incluindo o lugar e o tempo da sua prática, tem que ser proporcional à importância do acto de cooperação pretendido.”

Argumenta, para o efeito, que sendo os factos de 2015 e, tendo a Argentina desde então conhecimento que o extraditando se encontrava a residir em Portugal, nada fez ou requereu nessa altura e, só passado 7 anos, quando já estava completamente vinculado a Portugal, é que requereu a sua extradição, com todas as graves consequências pessoais que isso lhe irá acarretar, ainda para mais se naquele país (com o qual não tem qualquer ligação) vier a ter de cumprir uma pena.

De notar que o pedido de detenção foi emitido em 18.09.2015, tal como consta da notícia vermelha, sendo pedido que, no caso de localização do requerido, fosse logo informada a Interpol de ....

Portanto, foram feitas as diligências necessárias para a localização do recorrente, tendo logo sido inserido o pedido de detenção internacional no sistema de informação Interpol n.º ...39 (sendo após a detenção que seria feito o pedido de extradição), tudo conforme consta da notícia vermelha acima referida.

E, analisando os factos acima descritos, tendo igualmente em atenção a natureza dos crimes envolvidos e sua gravidade, concluímos que a narração feita é proporcional à importância do acto de cooperação que se pretende, a saber, entrega do extraditando (ora recorrente) para fins de procedimento criminal, no âmbito do referido do Processo nº ... ...50..., que corre termos no Juzgado Criminal Y Correccional Federal ....

Improcede, pois, a argumentação do recorrente.

4ª Questão

Sustenta, ainda, o recorrente que fazer o pedido de extradição passado 7 anos sobre os factos que lhe são imputados, quando está perfeitamente integrado em Portugal, leva à conclusão de que eventual aplicação de uma pena de prisão viola frontalmente os princípios da CEDH, devendo ter-se presente o disposto no art. 18.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, afigurando-se, além disso, as condições prisionais na Argentina bastante precárias, havendo elevada perigosidade social, não tendo o extraditando qualquer vínculo à Argentina, ali não tendo qualquer apoio familiar ou suporte emocional, sendo nesse sentido que se deve ainda concluir que existe risco para a sua integridade psicológica decorrente da extradição, sendo tal ato de cooperação desproporcionado com a sua situação em Portugal (onde tem a sua vida familiar estabilizada há vários anos, vivendo e convivendo com os filhos, para além de ter também a sua vida profissional organizada).

Nessa perspetiva, entende que deve igualmente concluir-se que a extradição viola o seu direito a uma vida familiar previsto no art. 8.º, n.º 1, da CEDH, que tem em Portugal, estabilizada.

Para além disso, reafirma que a pedida extradição não é “uma necessidade social, imperiosa, proporcional justificada pelo fim perseguido”, pois “no limite a concretização dos atos processuais a realizar” sempre poderiam ser feitos por videoconferência ou videochamada (devendo o tribunal se ter pronunciado sobre a impossibilidade do procedimento criminal prosseguir estando o extraditando em Portugal, uma vez que a extradição neste caso só deve ocorrer por motivos excecionais, uma vez que o recorrente não tem qualquer vínculo à Argentina).

Pois bem.

Começa o recorrente por renovar a invocação de motivos para a recusa facultativa da extradição (discordando da decisão da Relação que impugna), esquecendo que (ao menos para já) não estão preenchidos quaisquer dos requisitos previstos no artigo 18º da Lei n.º 144/99, de 31.8, perante o pressuposto de que parte (ainda que considere que terá de cumprir uma pena de prisão na Argentina, onde não tem ligações ou laços familiares, esquecendo que sempre poderá, a seu tempo, se for o caso, requerer o cumprimento da pena em Portugal -atentas as suas ligações v.g. afetivas, familiares e profissionais a este país -  usando para o efeito os mecanismos legais próprios ao dispor, solicitando às competentes autoridades do Estado requerente autorização, para o efeito, isto é, para poder cumprir a pena em que eventualmente for condenado em estabelecimento prisional português, o que, como sabido, de qualquer modo, não é um meio de substituição da extradição requerida).

Acresce que, o pedido de extradição foi apresentado para efeitos de procedimentos criminal e, não para cumprimento de pena de prisão (o que parece ter sido esquecido pelo recorrente).

Portanto, também alegar que a eventual aplicação de uma pena de prisão viola frontalmente os princípios da CEDH, não passa de uma mera especulação, que ainda não se verificou.

De resto, ficou por demonstrar que o deferimento do pedido de extradição “possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal” (art. 18.º, n.º 2, da Lei nº 144/99), apesar da sua (do recorrente) integração social, familiar e profissional em Portugal, país onde reside há vários anos, como resulta dos factos provados, tendo em atenção, em contraponto, a importância e gravidade do acto de cooperação que se pretende (vista a descrição dos factos acima apontados e gravidade dos crimes que lhe são imputados).

Além disso, está afastada a possibilidade de recusa de extradição com fundamento nas alegadas condições precárias do sistema prisional do Estado requerente do pedido de extradição e perigosidade social que existe naquele país e, apesar de (como acima referido) o recorrente não ter qualquer vínculo à Argentina (ali não tendo qualquer apoio familiar ou suporte emocional), tal não é bastante para se concluir que existe risco para a sua integridade psicológica decorrente da extradição, nem tão pouco se pode deduzir que por ser deferido o pedido de extradição (perante a integração do recorrente em Portugal) existe violação do seu direito a uma vida familiar previsto no art. 8.º da CEDH.

Ora, perante os factos apurados, fazendo uma ponderação entre os interesses em conflito (ponderando por um lado o que se apurou relativamente ao recorrente, sua vinculação a Portugal e, por outro lado, a importância dos valores em causa neste pedido de extradição para fins de procedimento criminal na Argentina, perante os factos concretos que lhe são imputados e crimes em investigação que lhe são imputados), não se pode concordar com o recorrente quando chega à conclusão abstrata de que, neste caso, a “extradição não é uma necessidade social imperiosa, proporcional justificada pelo fim perseguido”.

Igualmente a sua dedução de que “no limite a concretização dos atos processuais a realizar” sempre poderiam ser feitos por videoconferência ou videochamada, não passa de mera especulação.

O tribunal da Relação não tinha de se pronunciar sobre as especulações do recorrente, designadamente, sobre a impossibilidade do procedimento criminal prosseguir estando o extraditando em Portugal, por o recorrente não ter qualquer vínculo à Argentina.

Aliás, o Tribunal da Relação deixou bem claro que não havia razões atendíveis para deferir o pedido subsidiário do extraditando (sobre a possibilidade de concretização do ato processual pretendido através de videoconferência ou outro meio eletrónico que permitisse a comunicação à distância), que significava no fundo a recusa do pedido de extradição, quando não havia motivos que obstassem à sua execução, tendo em atenção a legislação aplicável ao caso.

O facto de o recorrente, cidadão guineense, ir para a Argentina para fins de procedimento criminal e, ficar nesse período afastado de Portugal, onde se inseriu profissionalmente e está integrado familiarmente, mesmo interrompendo temporariamente o seu projeto de vida, não ofende os seus direitos fundamentais, antes é uma consequência normal de quem é extraditado para esse efeito, não se vendo que haja qualquer desproporção entre as suas condições de vida em Portugal por um lado e a importância do ato de cooperação aqui em causa por outro lado (que foi deferido, por se verificarem os pressupostos legais para o efeito).

Como já foi explicado não há motivos de inadmissibilidade de extradição ou da sua recusa obrigatória ou facultativa.

Improcede, pois, a argumentação do recorrente, não merecendo censura o acórdão impugnado.

Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso, sendo certo que não foram violados os princípios e normas invocados pelo recorrente.

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Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA, mantendo-se integralmente o acórdão impugnado.

Sem custas (art. 73.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08), sem prejuízo do disposto no art. 26.º n.º 2 als. b) a d) e n.º 4 do mesmo diploma legal.

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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria, pelos dois Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 08.08.2022

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Cid Geraldo (Juiz conselheiro Adjunto)

Jorge Arcanjo (Juiz Conselheiro Adjunto)