CONTRATO-PROMESSA
CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL
IMPOSSIBILIDADE DEFINITIVA
Sumário

I - Quando as partes previram e convencionaram que o contrato de compra e venda (o contrato prometido) poderia ser celebrado com outrem que não o promitente comprador nele identificado, isto é, que outrem poderia vir a ser o comprador da fracção autónoma em causa ou a ocupar, na relação contratual estabelecida, a posição de promitente comprador pode concluir-se que o promitente comprador ficou desde logo autorizado também a ceder a terceiro a sua posição no contrato.
II - Sendo o consentimento anterior à cessão, esta não produz efeitos logo que o contrato (instrumento) é celebrado; apenas os produz após a notificação da cessão ao cedido ou do seu reconhecimento.
III - Impossível que se tornou uma das prestações, deixa de existir causa ou fundamento, qualquer facto jurídico idóneo para justificar a apropriação da contraprestação efectuada, o que motiva a obrigação de restituir, embora segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – B.......... e mulher C.........., com residência na Rua .........., n.º .., .........., .........., instauram acção declarativa sumária contra D.........., residente na Rua .........., n.º .., .........., alegando que a ré celebrou com E.......... contrato promessa, pelo qual aquela prometeu vender a este que, por sua vez, prometeu comprar aquela, a fracção autónoma designada pela letra “B” sita na Rua .........., nº .., .........., .........., tendo a posição contratual do promitente comprador, por via de sucessivas cessões de posição contratual, sido adquirida pelos AA.
A ré não cumpriu a obrigação emergente da promessa por facto que lhe é imputável, tendo os AA perdido o interesse na concretização do negócio, pelo que pretendem a resolução do contrato.
Aos AA foi autorizado entrar na posse da fracção prometida vender, tendo nela efectuado benfeitorias diversas de que devem ser indemnizados, pois que as obras realizadas trouxeram à ré proveito e enriquecimento.
Concluem pela procedência da acção e, por essa via, pedem:
a) se decrete a resolução do contrato promessa identificado por incumprimento definitivo da ré e a perda de interesse dos AA na realização do negócio;
b) se condene a ré a pagar-lhes a quantia de € 4.988,00, de restituição do sinal em dobro;
c) se condene a ré a pagar-lhes a quantia de € 7.325,00, de indemnização por benfeitorias;
d) se condene a ré a pagar-lhes a quantia de € 292,00 a título de reembolso pelo pagamento das facturas em débito do fornecimento de electricidade e água.

Citada regularmente, a ré contestou a acção.
Excepciona a sua ilegitimidade, por não haver contratado com os AA.
Jamais teve conhecimento da cedência da posição contratual.
Não deu consentimento como nunca a autorizou a cessão de posição contratual.
O promitente-comprador sempre lhe disse que resolveria o problema de o imóvel a alienar também pertencer aos seus filhos menores, tendo celebrado o contrato promessa na condição de ser obtida autorização judicial para a realização da venda.
A ré nunca autorizou os autores ou outra pessoa a entrar na posse da fracção em questão nem a que, na mesma, fossem feitas obras contra a sua vontade.
Verificando que os AA, que desconhecia, estavam a habitar a fracção em apreço, sem a sua autorização, mudou as chaves da respectiva porta e entrou na posse da mesma.
As obras realizadas pelos AA na identificada fracção autónoma em nada a beneficiaram, tendo sido realizadas para comodidade dos autores.
Conclui a pedir a sua absolvição da instância ou, a assim se não entender, a improcedência da acção e absolvição do pedido.

Os AA responderam pela improcedência da excepcionada ilegitimidade e pela procedência da acção, como pedido na petição.

II - Foi a instância julgada válida e regular, seguindo-se a selecção da matéria de facto, com a organização da base instrutória.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar aos autores a quantia de € 5.279,98.

III - Inconformados com a sentença, dela recorrem a Ré e os AA.
III – A) A ré fecha as suas alegações concluindo:
“1-O Mmo Juiz do tribunal “a quo” deu como provado que a recorrente teve conhecimento das cedências das posições contratuais, após a sua celebração e após se ter deslocado à fracção objecto dos contratos atrás referidos e deparado com os autores no seu interior.
2- Ou Seja o tribunal “a quo” dá como provado que a recorrente apenas teve conhecimento das cedências, sucessivamente realizadas após estas terem sido celebradas e na sequência de uma deslocação à fracção objecto dos contratos.
3- O mesmo Tribunal dá como não provado que a Recorrente deu o seu consentimento à assinatura das diversas cedências de posição.
4- O art. 424º nº 1 do Código Civil refere que num contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiros a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão;
5- Porém o nº 2 do artº424º do C.C. refere que se o consentimento do outro contraente for anterior á cessão, esta só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento.
6- Para que as sucessivas cessões da posição contratual sejam eficazes perante a recorrente e contra a mesma possam ser invocadas, é necessário que se verifique a sua notificação ou o reconhecimento seguro por parte da mesma, o que no caso em concreto não se verificou.
7- Ou seja, a recorrente obrigatoriamente teria que ter tomado conhecimento seguro e concreto das sucessivas cessões de posição contratuais, por forma a conhecer a entidade que figura como sujeito da relação jurídica emergente da celebração do contrato promessa de que a mesma é um dos sujeitos.
8- Tendo em conta que Tribunal “a quo” deu como provado que a recorrente teve conhecimento das cedências das posição contratuais, após a sua celebração e na sequência de uma deslocação à fracção objecto dos contratos atrás referidos, tendo-se deparado com os autores no seu interior, não pode o mesmo Tribunal concluir pela oponibilidade perante a mesma por parte dos recorrido.
9- À luz da matéria dada como provada, não pode o Mmo Juiz do Tribunal “a quo” concluir que a ré tomou conhecimento das sucessivas celebrações dos acordos de cessão da posição contratual mencionados, como é referido na fundamentação da sentença.
10- Existe uma notória contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação da sentença ora posta em crise.
11- Segundo Almeida Costa, em Obrigações, 4ª Ed., pág. 471, na falta de notificação do cedente ao cedido, o reconhecimento - «aceitação» - deste último só relevará, para que a cessão produza efeitos em relação a ele, no caso de se revestir de um significado tão amplo que equivalha para esse efeito à notificação.
12- Na questão em apreço, resultou claro e provado, que a recorrente só tomou conhecimento das cessões das posições contratuais quando se dirigiu à fracção em causa.
13- De acordo com o mesmo autor apenas existe aceitação quando o cedido passa a cumprir as obrigações contratuais para com o cessionário, ou seja quando reconheça expressamente o cessionário como sua contraparte, o que mais uma vez não se verificou.
14- Após de ter deslocado á fracção e se ter deparado com os recorridos, a recorrente de imediato mudou as chaves da porta da fracção e entrou na posse da mesma.
15- A posição contratual titulada pelo Sr. E.......... não é actualmente titulada pelos recorridos, pelo que, ao contrário do entendimento do Tribunal “a quo”, não podem, os mesmos invocar a titularidade da posição de promitentes compradores contra a aqui recorrente.
16- Mas, mesmo aceitando-se o atrás referido, o que só se admite por mera hipótese académica, os mesmos apenas poderiam exigir a restituição das prestações baseadas no instituto do enriquecimento sem causa por remição do art. 795º do C.C.
17- Relativamente ao enriquecimento sem causa, esse dever ser avaliado em concreto, correspondendo á diferença entre a situação patrimonial real anterior á deslocação patrimonial que a gerou e a situação patrimonial posterior.
18- Como resultou claro da audiência de julgamento, bem como é referido no art. 8º da petição inicial, os recorridos apenas entregaram a quantia de € 2.494,00 (dois mil quatrocentos e noventa e quatro euros) a título de sinal.
19- Assim sendo, o enriquecimento a verificar-se seria o valor do sinal entregue, ou seja € 2.494,00 e não a quantia de € 4.987,98, como é referido pelo Tribunal “a quo”.
20- Resulta assim claro que o Mmo Juiz do tribunal “a quo” errou, pois os elementos fornecidos pelo processo impõem uma decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal “a quo”.
21- Com efeitos, os elementos carreados nos autos e efectivamente provados permitem-nos que existiu um erro do Mmo Juiz do tribunal “a quo”, motivo pelo qual deve a sentença recorrida ser parcialmente revogada e em sua substituição ser proferida outra que absolva a recorrente dos demais pedidos.
22- A decisão ora posta em crise violou os arts. 342º do Código Civil e os arts. 516º e 659º/3 do Código de Processo Civil.

Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com mui douto suprimento de V. Exas., deve a decisão de primeira instância ser parcialmente revogada e em consequência ser proferida outra que julgue a acção improcedente por não provada e consequentemente absolva a recorrente dos demais pedidos.
Assim decidindo Vas. Exas., farão, como sempre, sã, serena e objectiva JUSTIÇA.”

Os recorridos contra-alegaram pela improcedência do recurso interposto pela ré.

III - A) Por sua vez, os AA concluem as suas alegações nos seguintes termos:
1 – A sentença do Tribunal “a quo” extinguiu a obrigação da Recorrida, por impossibilidade subjectiva, nos termos do art. 791º do C.C.
2 – Dessa forma, ficou a Recorrida desonerada, enquanto promitente vendedora de cumprir o contrato promessa de compra e veda a que estava vinculada.
3 – Fundamenta o “Tribunal “a quo” a sua decisão, no facto da recorrida fazer depender o cumprimento da sua obrigação de promitente vendedora à verificação de uma condição da qual dependeriam os efeitos do contrato promessa de compra e venda do imóvel.
4 – Ora, essa condição tem de ser adequada à própria natureza do negócio.
5 – A Recorrente teve conhecimento de que por via de sucessivos contratos de posição contratual os Recorrentes adquiriram a qualidade de promitentes compradores de um imóvel, num contrato promessa de compra e venda no qual a Recorrida figurava como promitente vendedora.
6 – Na qualidade de cessionários, os recorrentes entraram na titularidade dos direitos e obrigações que tinham pertencido ao promitente comprador, aquele com quem a Recorrida inicialmente contratou, na mira de alienar o seu imóvel.
7 – Prevê o art. 410º do C.C. que o contrato promessa de compra e venda de imóvel só é válido se constar de documento escrito, o que significa que a prestação de facto que o contrato promessa supõe quando se trata de prometer a alienação de um imóvel, tem de consistir na emissão de uma declaração negocial.
8 – Do teor dessa declaração negocial devem constar todas as cláusulas essenciais á realização do negócio prometido, as quais são necessárias á própria existência da declaração negocial e imprescindíveis à validade do contrato promessa.
9 – Valorizou o Tribunal “a quo” um acordo verbal existente entre a recorrida e o primeiro promitente comprador, o qual deveria constar do clausulado do contrato promessa entre eles celebrado já que se configurava como essencial à concretização do negócio.
10 – De facto, objecto do referido acordo verbal era a obtenção de autorização judicial para a alienação do imóvel objecto do contrato promessa, o qual pertencia, em comum e sem determinação de parte ou direito á Recorrida e às suas 3 filhas menores.
11 – Tal acordo verbal condicionava a obrigação da Recorrida, promitente vendedora, na celebração do contrato prometido e à viabilidade do seu cumprimento.
12 – Além disso, a obrigação decorrente do contrato promessa de celebração do contrato prometido apenas vincularia a Recorrida se e quando a condição estivesse preenchida, isto é, se e quando a autorização judicial para a venda do imóvel fosse obtida.
13 – (O que efectivamente não aconteceu, já que em 17/7/2003, o Tribunal de Família e Menores do Porto, negou a requerida autorização).
14 – O referido acordo verbal supondo a verificação de uma condição – a autorização judicial para venda – para que os efeitos do contrato promessa se produzissem, era cláusula essencial a constar do contrato promessa, uma vez que era imprescindível à sua própria existência e validade.
15 – O contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Recorrida e o primeiro promitente comprador deveria conter expressamente no contrato promessa que a celebração do contrato definitivo ficaria dependente da condição de obtenção da referida autorização judicial para a venda do imóvel.
16 – A omissão do clausulado do contrato promessa de uma condição que as partes não podem ignorar já que da sua verificação dependerá a produção dos efeitos do referido contrato, é considerar que a mesma não existe, na medida em que aquela é essencial do contrato.
17 – Sendo essencial á declaração negocial e dela não fazendo parte como devia, é inválido o acordo verbal estabelecido entre a Recorrida e o primeiro promitente comprador.
18 – Não deveria, pois, o Tribunal “a quo” considerar tal acordo como válido.
19 – E nessa sequência, face à não verificação da condição, considerar extinta a obrigação da Recorrida por impossibilidade subjectiva nos termos do art. 791º do CC.
20 – Efectivamente o cumprimento da obrigação pela R Recorrida, tornou-se impossível, mas essa impossibilidade apenas a si – Recorrida – pode ser imputável.
21 – Fixado que estava no contrato promessa o prazo para a realização da escritura pública de compra e venda, os Recorrentes interpelaram a Recorrida para, dentro do prazo razoável, proceder à eliminação dos obstáculos que impediam a celebração da escritura de compra e venda do imóvel.
22 – Esgotado o prazo, não se encontravam eliminados pela Recorrida, como lhe competia, os obstáculos que impediam a celebração do negócio definitivo.
23 – Além de que, porque não consta do clausulado escrito do contrato promessa, carece de validade o acordo verbal entre a Recorrida e o primeiro promitente comprador através do qual pretendiam obter a autorização judicial para a venda do imóvel.
24 – Face à impossibilidade de cumprir a obrigação a que se vinculou, tal incumprimento apenas à Recorrida pode ser imputável, o que a torna responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação tal como determina o art. 801º, nº 1 do CC.
25 – Essa circunstância legitima os recorrentes a resolver o contrato promessa de compra e venda celebrado e a exigir da recorrida a restituição em dobro, do sinal prestado.

Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, como acto de inteira e sã JUSTIÇA.”

A ré/recorrida apresentou contra-alegações, pugnado pela improcedência da apelação dos autores.

IV - Na sentença recorrida vêm provados os seguintes factos que, por não impugnada a decisão da matéria de facto, cumpre acatar:
1) Por documento escrito assinado pela ré, D.......... e E.........., datado de 16-04-2001, cuja cópia consta de fls. 66 e seguintes e cujo teor aqui se dá por reproduzido, aquela declarou-se dona e legítima possuidora da fracção autónoma designada pela letra "B" do prédio urbano situado na Rua .........., n.º .., em .........., .......... .
2) Conforme cláusula II do referido documento, a ré declarou que prometia vender a E.........., e este declarou que prometia comprar, pelo preço de 10.000.000$00, a fracção mencionada em 1.
3) Conforme cláusula III do referido documento, como sinal e princípio de pagamento, E.......... declarou que entregou à ré a quantia de 1.000.000$00, tendo esta declarado que havia recebido tal quantia, dando no contrato a respectiva quitação.
4) Conforme cláusula V do aludido documento, a escritura de compra e venda seria efectuada até 120 dias da data de outorga do contrato corporizado em tal documento.
5) De acordo com a cláusula VI do mesmo documento, a escritura de compra e venda seria realizada em nome de E.......... ou de quem este indicar.
6) Conforme cláusula VII do aludido documento, a fracção referida em 1 seria vendida livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades.
7) Conforme cláusula X do mesmo documento, ambos os outorgantes, por mútuo acordo, declararam que prescindiam do reconhecimento notarial de assinaturas.
8) Por documento escrito, datado de 23-04-2001, assinado por E.......... e F.........., cuja cópia consta de fls. 20 e seguintes, aquele declarou que, pelo preço de 11.750.000$00, cedia a este a posição que ocupava no contrato a que se reporta o documento referido em 1 a 7.
9) Por documento escrito, datado de 26-04-2001, assinado por F.......... e pelo representante legal de G.........., Lda., cuja cópia consta de fls. 17 e seguintes., aquele declarou que cedia a esta a posição que ocupava no contrato a que se reporta do documento referido em 1 a 7.
10) Por documento escrito, datado de 06-07-2001, assinado pelo legal representante de G.........., Lda. e pelos autores e cuja cópia consta de fls. 13 e seguintes, aquela declarou que cedia a estes a posição que ocupava no contrato a que se reporta do documento referido em 1 a 7.
11) O direito de propriedade sobre a fracção autónoma referida em 1 está inscrito a favor de D.........., H.........., I.......... e J.........., em comum e sem determinação de parte ou direito, mediante a apresentação 02/........ e sob a cota G-2.
12) No processo especial de autorização judicial n.º .../2001, que correu termos no .. Juízo – .. Secção do Tribunal de Família e de Menores do Porto, em 17-07-2003, foi proferida sentença, transitada em julgado, em que se decidiu indeferir o pedido de autorização da venda da fracção autónoma mencionada em 1 formulado pela ré na qualidade de mãe das menores H.........., I.......... e J.......... .
13) Até à data de interposição da acção, não foi celebrada qualquer escritura pública de compra e venda ente autores e ré sobre a fracção autónoma mencionada em 1.
14) A ré entregou as chaves da porta de entrada da fracção mencionada em 1 a E.......... .
15) Os autores, na data referida em 10, receberam as chaves da porta de entrada na fracção mencionada em 1 e passaram a ocupá-la.
16) Em finais de 2001, a ré procedeu à troca de fechaduras da porta de entrada da fracção mencionada em 1.
17) Em consequência do referido em 16, os autores estão impedidos de entrar na fracção referida em 1.
18) Por carta datada de 28-03-2002 e cuja cópia consta de fls. 42, recebida pela ré, registada nos serviços de correios no dia 02-04-2002, os autores declararam àquela que a interpelavam para, no prazo máximo de 15 dias, serem removidos os obstáculos no sentido de poder ser realizada a escritura de compra e venda da fracção referida em 1, sendo que, findo tal prazo, considerariam a atitude da mesma como recusa do cumprimento do contrato–promessa de compra e venda, com todas as legais consequências.
19) Até à altura referida em 15, os autores habitavam em casa dos pais do autor.
20) Com a aquisição da fracção referida em 1, os autores pretendiam obter habitação própria.
21) Os autores realizaram as seguintes obras na fracção referida em 1:- substituíram a tijoleira e azulejo da cozinha e da casa-de-banho,
- rasparam e envernizaram os pavimentos em madeira da sala e quartos,
- arranjaram e pintaram os tectos e paredes,
- substituíram a canalização e louças da casa-de-banho,
- substituíram os móveis da cozinha por outros em termolacados em branco, com colocação de placa de fogão, forno, exaustor e banca, da marca TEKA.
22) A ré teve conhecimento do referido em 8, 9 e 10, após a sua celebração e após se ter deslocado à fracção referida em A) e deparou com os autores no seu interior.
23) Após o referido em 15, os autores procederam à transferência dos contadores do abastecimento de água e de electricidade na fracção referida em 1).
24) E pagaram a quantia de € 292,00 referentes a valores em débito.
25) O custo das obras referidas em 21 foi de € 10.474,76 (2.100.000$00).
26) Aquando da assinatura do documento referido em 1), E.......... tinha conhecimento do referido em 11).
27) E acordou com a ré que resolveria o problema da necessidade de obtenção de autorização judicial para venda da fracção referida em 1).
28) Aquando da assinatura do documento referido em 1), a ré e E.......... acordaram verbalmente que a escritura pública de compra e venda da fracção mencionada em 1 apenas poderia ser celebrada caso fosse concedida à ré a autorização judicial para tal.

V – Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (arts. 684º, nº 3, e 690, nº 1, do CPC), não sendo objecto de conhecimento outras questões, salvo as do conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a resolver:
A) Quanto ao recurso da Ré:
- se são inoponíveis as cessões da posição de promitente comprador à ré, por falta de notificação das cessões ou reconhecimento por parte desta;
- se a obrigação de restituição, segundo o instituto do enriquecimento sem causa, se deve limitar a € 2.494,00, valor despendido pelos recorridos.
B) Quanto ao recurso dos AA:
- se é inválida a cláusula verbal de subordinação da celebração do contrato de compra e venda à autorização judicial da venda do imóvel por não constar do documento escrito que titula o contrato promessa;
- se a impossibilidade da prestação da ré lhe é imputável e determina a resolução do contrato pelos autores;
- se há obrigação de restituição do valor recebido pela ré , de sinal, em dobro.

VI – Conhecimento do recurso interposto pela ré.
Primeira questão – Quanto à validade e eficácia da cessão da posição contratual. Não vem colocada em recurso qualquer questão quanto à interpretação ou, mesmo, qualificação das “cedências de posição contratual” que conduziram à posição dos AA no contrato promessa que a ré celebrou ou que as cessões tivessem lugar. Se bem que os contratos de cedência da posição do E.......... a F.......... e da “G.........., Lda” aos AA contenham cláusulas que, como se afirma na sentença recorrida (quanto aquela), “extravasam o âmbito da mera cessão de posição contratual”, e não vindo questionado a qualificação feita na sentença recorrida ou a decisão que esta deu a essa questão, nada há a decidir nessa sede.
Dispõe o artigo 424º do CCivil que “no contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiros a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão”.
O contrato promessa de compra e venda, como convenção pela qual as partes - sendo a promessa bilateral - se obrigam a celebrar certo contrato (art. 410º, nº 1, do CC), o contrato definitivo, é de prestações recíprocas. Por ele obriga-se o promitente vendedor a vender e o promitente comprador a comprar, ou a emitirem as correspondentes declarações negociais, sendo uma correspectiva da outra, a sua razão de ser ou a sua causa.
Pelo contrato de cessão, uma das partes (o cedente) num contrato transmite a terceiro (o cessionário) a sua posição contratual nesse contrato, englobando o conjunto de direitos e obrigações que para o cedente dele derivam [V. Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, 1982, pág. 77]. Para a validade e eficácia da cessão dessa posição necessário se torna a autorização do outro contraente (o cedido).
A cessão da posição contratual consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato [Antunes Varela, Direito das Obrigações em Geral, II, 5ª ED., 383)], desligando-se o cedente da sua posição contratual no contrato base, que se transmite para o cessionário, passando a ocupar a posição daquele no conjunto dos direitos e obrigações que dele emergem. Nesse conjunto de direitos e obrigações transmitido, é a própria qualidade de contraente que muda de esfera jurídica [Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, II/121-122], do cedente para o cessionário, deixando o cedido de ter como contraparte o primeiro interveniente (cedente), que é substituído pelo cessionário. Fica, assim, o cessionário a ocupar o lugar do cedente como contraparte do cedido no contrato-base tal como este contrato existia na data da cessão.
A cessão da posição contratual não é admitida sem o consentimento do outro contraente, pois não lhe é indiferente a pessoa que tem como contraparte no contrato que celebrou, nomeadamente a pessoa do devedor nas obrigações de que ele seja o credor.
No contrato de cessão intervêm o cedente e o cessionário, que adquire a posição daquele em contrato de prestações recíprocas de que seja parte, mas para a cessão produzir efeitos impõe-se o concurso do cedido no sentido deste consentir na cessão, sem o que esta não lhe é oponível.

Por via de sucessivas cessões da posição contratual (contrato instrumento) de promitente comprador, os AA adquiriram essa posição no contrato promessa celebrado entre a ré e o inicial promitente comprador, E.......... (als. 8, 9 e 10 da matéria de facto). Operou-se uma modificação subjectiva na relação contratual estabelecida entre a ré e esse E.........., assumindo os AA, em bloco, os direitos e obrigações derivadas do contrato promessa, desde que na cessão haja consentido a ré/recorrente.
Afirma esta que não consentiu na cessão que também não lhe foi notificada.
E é necessário esse consentimento (expresso ou tácito), que pode ser prestado antes ou depois de ser celebrado contrato em que se opera a substituição de sujeitos num dos lados da relação contratual. Sendo a cessão válida e eficaz, ficam partes no contrato promessa a ré e os autores, respectivamente, como promitente vendedora e promitentes compradores, com os direitos e obrigações que derivam dessa relação contratual, por a cessão operar a transmissão global da posição contratual, com o todo o seu conteúdo.
Conforme cláusula VI do contrato promessa, a escritura do contrato a celebrar, de compra e venda, seria realizada em nome do E.......... ou de quem este indicar. Logo as partes previram e convencionaram que o contrato de compra e venda (o contrato prometido) poderia ser celebrado com outrem que não o promitente comprador nele identificado, isto é, que outrem poderia vir a ser o comprador da fracção autónoma em causa ou a ocupar, na relação contratual estabelecida, a posição de promitente comprador. Dessa cláusula se pode concluir que o promitente comprador ficou desde logo autorizado também a ceder a terceiro a sua posição no contrato. É esse o sentido que, para um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, teria a declaração, sendo que esse sentido tem suporte literal no texto do documento (cfr. arts. 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do CC). Não significa que o previsto nessa cláusula apenas permitisse ao promitente comprador ceder a posição no contrato; mas consentia-o. A este ficariam abertas outras possibilidades de ceder os direitos resultantes da promessa, ao reservar-se o direito de ser ele ou outrem por si indicado a outorgar a compra e venda, mesmo para transmitir a terceiro o direito adquirido.
No sentido dessa interpretação milita a afirmação da ré na sua contestação de que entregou as chaves da fracção ao E.......... para este poder mostrá-la a outros interessados (item 7 da contestação), do que decorre que as partes nesse contrato já perspectivavam que seria outrem, que não o promitente comprador, a outorgar o contrato definitivo ou, por outras palavras, que a posição de promitente comprador podia ser cedida a terceiro interessado na aquisição da fracção autónoma em causa. É de concluir que a ré havia, na data da celebração da promessa, consentido na cessão da posição do promitente comprador.
Sendo a translação da posição contratual válida, provoca, em princípio, a total liberação do cedente em relação ao cedido como deste em relação aquele.

Preceitua o nº 2 do artigo 424º do CC que “se o consentimento do outro contraente for anterior à cessão, esta só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento”.
A cessão só produz efeitos, mesmo que, logo na data da celebração da promessa haja autorização para cedência, a partir da sua notificação ao cedido, podendo produzir efeitos também em caso de reconhecimento da cessão por este. Se o consentimento for prestado antes da cessão, impõe-se que seja levada ao conhecimento do cedido, por meio de notificação (como simples declaração negocial, embora receptícia) ou que ele a reconheça, o que pode fazer expressa ou tacitamente [Antunes Varela, ob. cit., 398] (artigo 217º do CC). A notificação é o acto de levar a cessão ao conhecimento do cedido ou a actividade tendente a produzir o conhecimento por este do negócio translativo. Conforme Almeida Costa, citado pela recorrente, “na falta de notificação do cedente ao cedido, o reconhecimento (“aceitação”) deste último só relevará, para que a cessão produza efeitos em relação a ele, no caso de se revestir de um significado tão amplo que «equivalha para esse efeito à notificação»”.
Sendo o consentimento anterior à cessão, esta não produz efeitos logo que o contrato (instrumento) é celebrado; apenas os produz após a notificação da cessão ao cedido ou do seu reconhecimento. Só com a comunicação da cessão fica o outro contraente no contrato básico a conhecer a contraparte e perante quem tem de cumprir, com quem passa a ficar vinculado às obrigações com origem nesse contrato, a não ser que haja reconhecido a cessão, caso em que se dispensa a notificação. Ao outro contraente no contrato cedido deve ser dada, de forma inequívoca, a notícia da cessão, de modo que fique a conhecer a pessoa perante quem fica vinculado nos termos de cumprimento do contrato inicial, sem o que nenhum comportamento lhe é exigível face ao cessionário.
O reconhecimento tem o sentido da aceitação da cessão e pode ser expresso ou tácito, sendo este o que se deduz de factos concludentes praticados pelo cedido que inequivocamente o revelam. O reconhecimento produz os efeitos equivalentes à notificação; sem esta ou aquele, presume-se a ignorância da cessão.

Das cessões de posição contratual tomou a ré conhecimento, depois destas ocorrerem e após deparar com os AA no interior da fracção autónoma, nos finais de 2001 (als. 15, 16, 17 e 22 da matéria de facto). Desse facto decorre que as cessões não haviam sido antes notificadas à ré. Delas a ré apenas teve notícia posteriormente a esses factos, desconhecido sendo o modo por que foi adquirido esse conhecimento.
O conhecimento da cessão, e sua aceitação, é também revelado pela declaração da ré/recorrente, constante do documento de fls. 73 (carta da ré, de 23 de Abril de 2002, por esta enviada aos AA e que constitui resposta à missiva destes, de 28 de Março de 2002, que consta de fls. 42 do processo). Nela afirma a ré que “efectivamente tenho conhecimento que o Exmº Senhor E.......... cedeu a sua posição contratual a V. Exªs, no contrato que comigo celebrou em 16 de Abril de 2001”. Nessa mesma carta, afirma ainda a ré que “só será possível marcar a escritura de venda depois do tribunal autorizar a venda, se é que vai autorizar …”. Nessa comunicação, nunca a ré levanta qualquer objecção à cessão da posição contratual, nomeadamente que não a aceitou. Apenas que existe uma condicionante da celebração da escritura pública e que, na circunstância, não se mostra seguro que essa condição (a autorização judicial à venda da fracção, por também pertencer a menores) se venha a verificar, como, na realidade, se não verificou. Da conjugação do constante da al. 22) da matéria de facto com a comunicação da ré constantes de fls. 73, concluir-se que a ré/recorrente tomou conhecimento da cessão, que lhe foi dada notícia desta, e que a reconhece. Não se tendo a data precisa em que foi dada a notícia da cessão à ré, seguro é que esse conhecimento ocorre, pelo menos, com a recepção da comunicação dos AA que consta do doc. de fls. 42 (referido na al. 18 da matéria de facto), sendo a partir daí, na situação descrita, que a cessão se torna oponível à ré. Improcedem as conclusões 1ª a 15º do recurso da ré.

Segunda questão – tendo o tribunal recorrido, na douta sentença, concluído por impossibilidade (definitiva) subjectiva da prestação a cargo da recorrente, por facto a esta não imputável, a obrigação de restituição aos recorridos nos termos do artigo 795º do CC foi fixada no valor do sinal prestado pelo promitente comprador.
Entende a recorrente que esse valor não deve exceder o valor do “sinal” prestado (melhor, parte do preço já pago à cedente pela cessão de posição contratual), de € 2.494,00, pelos recorridos à cedente da posição contratual (segundo se afirma no contrato de cessão, sendo o restante preço da cessão a pagar no acto de escritura do contrato prometido/compra e venda – doc. 2 junto com a petição pelos AA).
O contrato promessa referido em 1) dos factos provados é um contrato bilateral.
A decisão recorrida julgou extinta a obrigação da recorrente, de cumprir a promessa, face à não autorização judicial para a venda do imóvel, por não poder substituir-se por terceiro.
Tendo os AA (pelo inicial promitente comprador) efectuado parte da prestação do preço da coisa prometida comprar, a sentença ordenou a restituição do enriquecimento ao abrigo do disposto no artigo 795º do CC. E determinou o pagamento aos AA (além de outros valores referentes a despesas de água e electricidade, não questionados em recurso) da quantia de € 4.987,98, que foi o valor do sinal pago à ré pelo promitente comprador E.......... .
Nos contratos bilaterais verificando-se a impossibilidade de uma das prestações, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem direito, se já a tiver realizado, à sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa (artigo 795º, nº 1, do CC).
O princípio contido nessa norma é o do “credor poder considera-se desobrigado da sua contraprestação, se a prestação do devedor se tornar impossível. É a chamada condição resolutiva tácita”.
Impossível que se tornou uma das prestações, deixa de existir causa ou fundamento, qualquer facto jurídico idóneo para justificar a apropriação da contraprestação efectuada, o que motiva a obrigação de restituir, embora segundo as regras do enriquecimento sem causa. O enriquecimento consiste numa vantagem, normalmente, de carácter patrimonial e a falta de justificação para o enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito à restituição.
O enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento de uma pessoa, b) que não tenha causa que o justifique e c) que esse enriquecimento seja obtido à custa do empobrecimento do titular do direito à restituição [Ver Acs. STJ, de 14/5/96, na CJ/2/70, de 27/1/98, no BMJ, 473/474, e de 24/6/04, proc. 03B3105, em ITIJ/net], restituição que não poderá exceder o valor do enriquecimento (patrimonial) nem o do empobrecimento. O empobrecido não pode pretender mais que o benefício obtido pelo enriquecido nem mais que o correspondente ao seu prejuízo real.
Nos termos do art. 473º são pressupostos da obrigação de restituir, nos termos do artº 473º do CCivil, o enriquecimento de um património e o correlativo empobrecimento do titular do direito à restituição, além da inexistência de causa justificativa para a deslocação patrimonial. A obrigação de restituir o enriquecimento sem causa mede-se pelo enriquecimento e pelo empobrecimento; mas é o enriquecimento ou vantagem injustificada que a lei pretende remover, transferindo-o do interventor para o titular do direito, por ter sido obtido injustificadamente à custa deste. Não visa a indemnização do dano (ou do empobrecimento) como na responsabilidade civil, mas deslocar para a esfera jurídica do titular do direito o enriquecimento injustificado obtido pelo agente da intervenção à custa daquele; a remoção do dano sofrido por este é indirecta e eventual [Pereira Coelho, O Enriquecimento e o Dano, 22].
Extinta a obrigação da ré, emergente da promessa de venda da fracção identificada no processo, o enriquecimento corresponde, em princípio, ao valor do sinal que recebeu do promitente comprador, que constituía já princípio de pagamento (parte do preço da prometida compra). É esse acréscimo patrimonial que, em princípio e havendo lugar à aplicação da norma do artº 795º, nº 1, do CC, deve ser restituído ao empobrecido. Extinta a obrigação de vender, injustificado fica a deslocação patrimonial correspondente ao sinal prestado na perspectiva do cumprimento dessa obrigação.
Os AA assumiram a posição contratual do promitente comprador, adquirindo, além do mais, os direitos e obrigações, titulados e contraídas por aquele. E este entregou à ré o valor de € 4.987,98, valor com que esta se enriqueceu. Na posição cedida aos AA engloba-se o direito a esse montante, verificados os pressupostos da restituição ou da devolução. É em relação a esta deslocação patrimonial que se afere o “dano” dos AA, e não pelo (€ 2.494,00 – parte do preço da cessão pago à cedente da posição aos AA) que estes já pagaram pela cessão da posição contratual, de que não resulta propriamente algum enriquecimento à ré/recorrente. Porque nenhum enriquecimento adviria à recorrente do que os AA pagaram pela aquisição da posição contratual, extinta a obrigação de vender, a deslocação patrimonial, por via da remoção do enriquecimento, não pode ter esse pagamento por medida ou justificação.
A remoção do enriquecimento há-de ter em perspectiva a deslocação patrimonial determinada pelas promessas de comprar e vender e obrigações delas emergentes. Assim, na situação de haver lugar à restituição nos termos da citada norma legal, a decisão recorrida – que ordenou o pagamento aos AA da quantia de € 4.987,98 (valor do sinal pago pelo promitente comprador á ré/recorrente)- não afronta a lei, pelo que improcedente é a pretensão da recorrente.

VII - O recurso dos AA - Quanto à primeira questão – invalidade do acordo verbal entre a
ré e o promitente comprador de celebração do contrato prometido – compra e venda – quanto à subordinação da celebração do contrato prometido à autorização judicial.

Como consta da al. 28) da matéria de facto “aquando da assinatura do documento referido em 1), a ré e E.......... acordaram verbalmente que a escritura pública de compra e venda da fracção mencionada em 1 apenas poderia ser celebrada caso fosse concedida à ré a autorização judicial para tal”
Entendem os recorrentes que a omissão dessa cláusula no texto do contrato escrito torna-a inválido, já que condicionava a produção de efeitos da promessa à verificação da condição.
A declaração negocial não está sujeita a forma especial, valendo a regra da liberdade de forma, salvo quando a lei exigir determinada forma para o negócio (arts. 219º e 220º do CC). Nesta situação, a declaração negocial deve respeitar a solenidade prevista. Sempre que o contrato prometido for um negócio formal, também o é o respectivo contrato promessa.
A “promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, autêntico ou particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula” (artigo 410º, nº 2, do CC. Foi celebrado contrato promessa (bilateral) referente à compra e venda de um imóvel, sujeito a escritura pública (artº 875º do CC). Daí que o contrato promessa deveria constar, como consta, de documento assinado pelo ou pelos promitentes. Trata-se de formalidade ad substantiam, essencial à validade da promessa, pelo que a sua inobservância determina a nulidade do contrato, como decorre do art. 220º do CC.
Preceitua o art. 221º, nº 1, deste diploma legal, que “as estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial, ou contemporâneas dele, são nulas, salvo quando a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração”.
O referido acordo condicionante da celebração do contrato prometido constitui uma estipulação verbal acessória contemporânea do documento, das demais declarações nele insertas.
Tratando-se de cláusulas relevantes, sendo anteriores ou contemporâneas, se não incluídas no documento, presumidamente, é porque as partes não as quiseram convencionar. Presume-se que as partes incluíram no acto tudo quanto quiseram regular, para além do que consta do documento nada vale.
Porém, a parte final do nº 1 do artigo 221º do CC, excepciona da invalidade as cláusulas não abrangidas pelas razões determinantes da forma legalmente exigida para o acto, desde que se prove que foram queridas pelas partes.
Elidida essa presunção de exclusão da cláusula do negócio, importa saber se a razão da exigência da forma abrange a estipulação acessória; abrangendo-a, esta é nula por força da lei; de contrário, a cláusula é válida [P. Lima /A. Varela, CC Anotado, I, 3ª ED/211]. A forma legal nem sempre compreende todas as estipulações das partes, desde que se trate de estipulações acessórias.
A validade destas estipulações não incluídas no texto do documento depende das condições: a) tratar-se de cláusulas acessórias, já que as essenciais devem necessariamente constar do documento sob pena de nulidade, b) não serem abrangidas pela razão de ser da exigência do documento e c) corresponder à vontade real das partes [Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª Ed., 431, Vaz Serra, RLJ 113/146].
“A forma prescrita para o negócio jurídico não compreende só as suas cláusulas essenciais, mas também as estipulações acessórias – típicas e atípicas” [Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 143], regra que comporta as restrições previstas na parte final do nº 1 do artigo 221º do CC, que excepciona as cláusulas não abrangidas pelas razões determinantes da forma legalmente exigida para o acto, desde que se prove que foram queridas pelas partes.
Desde que querida pelas partes, determinante para a validade da cláusula verbal acessória é que esteja excluída da exigência da forma do negócio, daí que importa saber quais as razões desse requisito legal. E “tais razões podem ser para precaver os declarantes contra a sua precipitação e ligeireza, dar maior segurança à conclusão do negócio (separando-a das meras negociações pré-negociais ou pós-negociais) e ao conteúdo negocial, facilitar a prova, dificultar o negócio, facilitar o seu controlo por terceiros, dar ás partes a oportunidade de obter o conselho de peritos.
Assim, se as razões da exigência legal de forma forem aplicáveis a certas cláusulas negociais, ainda que não essenciais, essas cláusulas são nulas; caso contraio, são válidas mesmo que não satisfaçam essa forma, desde que se prove terem sido queridas pelos declarantes” [Vaz Serra, RLJ 113/147].
A cláusula em questão não será válida se estiver sujeita à razão da imposição do documento para o negócio. Não se trata de cláusula essencial mas de cláusula adicional que sujeita a condição suspensiva a celebração do contrato prometido. O contrato só produz efeitos um vez verificada a condição, sem o que não ficam os declarantes adstritos à obrigação de contratar.
Ao sujeitar a promessa a documento assinado pelo promitente, a lei quer essencialmente precaver os declarantes contra a sua precipitação e ligeireza; garantir a ponderação das partes antes de se vincularem. “Ao impor a forma escrita para a declaração do promitente vendedor, quer a lei garantir a ponderação dele, evitando que levianamente se obrigue a vender bens imobiliários” [Abel Delgado, Do Contrato Promessa, 3ª Ed., 143/144]. Sendo esta, como é, a razão da exigência da forma, obrigar os declarantes a ponderar, a amadurecer o negócio, a não se precipitarem na vinculação à compra e venda futura de imóveis, não se vê motivo para impor a forma a cláusulas (que correspondam à vontade das partes) que condicionem a celebração do negócio à ocorrência de evento futuro e incerto. As partes estão a precaver-se contra situações que podem inviabilizar o contrato prometido, a prevenir-se – por isso, a agir com ponderação e cautela, conscientes das implicações do negócio que celebram - contra a eventualidade de lhes virem a ser imputada a impossibilidade de cumprimento da promessa. A cláusula que faz depender a obrigação das partes de contratar a compra e venda de um imóvel a determinada condição não está abrangida pela razão de ser da exigência legal de documento assinado pelos promitentes, pois dela não resultam mais obrigações para as partes, por ela não saem mais oneradas que sem a condição. Daí concluirmos que a cláusula em questão não é inválida.
Problema diferente seria a da prova dessa cláusula. Trata-se, porém, de questão que não vem posta em recurso.

Quanto à segunda questão - se a impossibilidade da prestação da ré lhe é imputável e determina a resolução do contrato pelos autores.
O imóvel objecto (mediato) da promessa não pertencia apenas à ré/recorrida, mas também, em “comum e sem determinação de parte ou direito”, a suas filhas menores (al. 11 da matéria de facto).
Ao contrário do contrato prometido que seria nulo, por a promitente vendedora não dispor de legitimidade para o realizar (art. 892º do CC), dados os efeitos translativos da propriedade da coisa que decorrem do contrato de compra e venda, o contrato promessa de venda de bens alheios (ou em parte alheios ou de bens pertencentes a patrimónios indivisos, feita apenas por um dos consorte) é válido, pois que dele emergem apenas efeitos obrigacionais, comporta somente um conteúdo obrigacional de prestação de facto; por ele o promitente apenas se obriga à celebração futura do contrato prometido e para esse efeito pode vir a adquirir a propriedade da coisa prometida vender (ou o consentimento dos titulares da coisa), para poder cumprir a promessa. A sendo válida a promessa, o promitente vendedor assume as obrigações derivadas do contrato, incluindo as decorrentes da falta de cumprimento que lhe seja imputável.
“As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico” (art. 270º do CC); é a condição suspensiva.
O contrato promessa de compra e venda em causa não é negócio incondicionável.
Os promitentes acordaram que a escritura de compra e venda apenas poderia ser celebrada caso fosse concedida à ré a autorização judicial para tal. Subordinaram a produção de efeitos do contrato promessa à autorização judicial da venda (dado o imóvel pertencer também às filhas menores da ré). Condição oponível aos adquirentes da posição contratual do promitente comprador.
Diligenciando a ré pela autorização para a venda foi esta negada pelo tribunal (al. 12 da matéria de facto). Porque não se verificou a condição, tornou-se impossível da prestação da ré.
Aposta ao negócio uma condição suspensiva, a produção dos efeitos do negócio fica paralisada ou suspensa enquanto se não verificar o acontecimento futuro e incerto a que as partes a condicionaram. Enquanto a condição se não verificar não se produzem os efeitos próprios do negócio. Se a condição não se verificar, não se produzem os efeitos definitivos a que tendia o negócio, ficando sem efeito, como se nunca tivesse sido concluído [Ver Manuel de Andrade, ob. cit., 382, Mota Pinto, ob. cit., 569, Vaz Serra, RLJ 112/163] e não contraíssem as obrigações próprias do contrato.
Nesta situação, as partes ficam obrigadas a restituir o que, em função ou na expectativa da produção dos efeitos do contrato, tenham prestado.
Subordinada a produção dos efeitos da promessa à verificação da condição suspensiva, é ineficaz a interpelação dos AA/recorrentes para a ré/recorrida remover os obstáculos à realização do contrato prometido. Não verificada a condição, não tem esta a obrigação de contratar. Não tem essa interpelação efeitos admonitórios e, em função dela, não beneficiam os AA do direito potestativo de resolução do contrato promessa, cuja produção de efeitos estava suspensa e não a ter lugar.
Por outro lado, não verificada a condição, fica sem efeito o contrato e os AA apenas têm direito a reaver da promitente vendedora o que houver sido prestado, no caso, o valor (integral) do sinal, que, na sentença, a título de enriquecimento injustificado, lhes foi atribuído.

Terceira questão – como se verifica, não há fundamento para a resolução do contrato. Não verificada a condição a quês as partes subordinaram a produção dos efeitos típicos deste, fica sem efeito, deixando de produzir os efeitos a que tendia.
Não há incumprimento por acto da ré.
Nem eventual impossibilidade (definitiva) subjectiva da prestação fica a dever-se a facto a esta imputável.
As “sanções” previstas no artigo 442º, nº 2, do CC, têm lugar nas situações de incumprimento definitivo do contrato promessa (por facto imputável a uma ou outra da partes), incumprimento que, na espécie submetida a escrutínio, não acontece.
Não assiste aos recorrentes direito a haver da ré o dobro do sinal.
No caso, verifica-se que, segundo pedido formulado pelos AA, quanto á pretensão pecuniária, e dado que a sentença estaria limitada pelo pedido (artº 661º do CPC), este (pedido) corresponde ao valor do sinal (singelo) prestado pelo promitente comprador (para o efeito é irrelevante o que os AA pagaram pela ou em função da aquisição da posição contratual), precisamente o valor que a douta decisão recorrida condenou a ré a pagar aos autores (além dos valores referentes a despesas de água e electricidade, não questionadas em recurso).
Não merece acolhimento o recurso dos AA.
Ainda que se não considerasse a validade da condição (por não constar do documento), aos recorrentes não assistiria o direito a haver da ré o dobro do sinal (da promessa).
Atentos os factos provados sob as als. 12, 26, 27 e 28, ter-se-ia de concluir que a impossibilidade da prestação não decorreu de facto da ré, que desenvolveu as diligências possíveis à obtenção da autorização e não o conseguiu, sendo que o promitente comprador acordou com a ré que obteria a autorização para a venda do imóvel, e que a escritura seria celebrada se houvesse autorização judicial. E, nesta situação, por a impossibilidade da prestação não ser imputável á ré, obter-se-ia o resultado a que se chegou na sentença recorrida.
Considerando contexto do contrato e os acordos entre as partes, não sendo desconhecida dos AA a situação do imóvel, ao tempo da interpelação, como se depreende do teor da carta mencionada na al. 18 da matéria de facto, ofenderia a boa fé, princípio que domina o direito das obrigações, a satisfação da pretensão dos recorrentes (AA).
Se bem que por razões não inteiramente coincidentes, a douta decisão recorrida deve manter-se.

VIII – Face ao exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedentes as apelações e confirmara a sentença recorrida.
Custas de cada apelação pelos respectivos apelantes.
Porto, 22 de Setembro de 2005
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Raínho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira