CONTRATO DE ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
PENHORA DO IMÓVEL
REGISTO DA PENHORA
VENDA EXECUTIVA
CADUCIDADE DO CONTRATO
Sumário

I - O artigo 819º do C.C., na redação introduzida pelo DL nº 38/2003, de 8 de março, estabelece expressamente que, sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.
II - Com a referência expressa ao arrendamento dos bens penhorados, ao artigo 819º do C.C. não pode ser dada outra interpretação, que não seja a de que os contratos de arrendamento celebrados após a penhora, inoponíveis em relação à execução, caducam com a venda executiva.

Texto Integral

Apelação nº 786/19.9T8OVR.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

AA, BB, R..., Lda., intentaram a presente ação com processo comum de declaração contra G..., S.A., pedindo a condenação desta:
a) A ver reconhecida a caducidade dos contratos de arrendamento celebrados com a anterior proprietária H... referentes às frações identificadas na p.i. e, consequentemente, os contratos de sublocação celebrados pela ré com os autores, com todas as consequências legais e, nomeadamente, a inexistência de qualquer título que a legitime a peticionar rendas pela utilização das frações até à sua entrega à sua atual proprietária, a Banco 1..., declarando nula e sem qualquer efeito a comunicação enviada aos autores por notificação judicial avulsa para resolução dos contratos.
b) A entregar à proprietária Banco 1... as referidas frações.
Caso assim não se entenda
c) A reconhecer que, com a propositura da presente ação e depósito condicional das rendas vencidas e respetiva indemnização – e que deve ser fixada em 20% do valor em mora até ao depósito, e não os 50% peticionados na notificação judicial avulsa – sem prejuízo do depósito das rendas vincendas, à ordem do Tribunal, os autores puseram fim à mora, considerando-se sem qualquer efeito a resolução dos contratos de sublocação, condenando-se a ré na sua manutenção, nos termos contratados, ordenando-se a devolução aos autores do remanescente (30%) da indemnização depositada.

Alegam que celebraram com a ré, cada um deles, um contrato de arrendamento, incidindo cada um desses contratos numa fração autónoma, com vista a nelas exercerem a respetiva atividade profissional.
A ré, por sua vez, em momento anterior, tinha celebrado com a proprietária dessas frações, a 1 de abril de 2015, um contrato de arrendamento, tendo como objeto todas elas.
Na altura da celebração desse contrato de arrendamento, as referidas frações estavam oneradas com hipotecas e penhoras a favor, respetivamente, da Banco 1... e da Autoridade Tributária, sendo que acabaram por ser vendidas, ao Banco 1..., em sede de processo de execução tributária em 13/10/2015, venda registada a 16/12/2015.
Após a aquisição das frações, a Banco 1... tem vindo a solicitar, junto da AT, a entrega efetiva das frações.
Os autores foram já notificados, para entregarem as frações, sendo que anteriormente a essas notificações desconheciam tudo o que vem alegado.
A Banco 1... também já solicitou aos autores a entrega das frações, informando-os que não reconhece os contratos de arrendamento e, consequentemente, de subarrendamento.
Os autores foram informados que o ato de entrega das frações ficou suspenso, porquanto a ré, no final de dezembro de 2018, apresentou, junto do TAF de Aveiro, embargos de terceiro com pedido de suspensão da eficácia do referido ato.
Os autores informaram a ré que, a partir de dezembro de 2018, não mais procederiam ao pagamento das rendas junto daquela.
Por notificações judiciais avulsas efetuadas em abril de 2019, a ré comunicou àqueles a resolução dos contratos de sublocação com fundamento na falta de pagamento de rendas.
Qualquer situação locatícia constituída após o registo de hipoteca, arresto ou penhora é inoponível ao comprador do imóvel, pelo que os contratos de arrendamento celebrados pela anterior proprietária das frações com a ré caducaram com a venda, em sede de execução, à Banco 1... e ocorrida a 13/10/2015.
Como consequência, os contratos de sublocação celebrados entre a ré e os autores, realizados e apoiados naqueles contratos de arrendamento, deixaram de ter suporte legal e subsistência, carecendo a ré de qualquer título para solicitar e receber o pagamento de rendas.
Uma vez que os autores não têm título que legitime a posse e detenção que vêm fazendo das frações, pode o proprietário, e até à sua entrega, exigir os frutos (civis), decorrentes dessa utilização, e correspondente aos valores das respetivas rendas.
Assim, os autores irão proceder ao depósito condicional dos montantes equivalentes aos valores das rendas já vencidas e das que se vencerem no decurso da presente ação.
Os autores requerem a intervenção nos autos como parte principal e sua associada a Banco 1....

A ré contestou, alegando, além do mais, que os contratos de arrendamento e, consequentemente, os contratos de subarrendamento não caducaram com a venda executiva, mantendo-se eficazes.

Foi proferido despacho saneador destinado a conhecer do mérito da causa nos termos do artigo 595, nº 1, alínea b), do C.P.C., no qual a ação foi julgada procedente e, em função disso, condenada a ré:
a) A reconhecer a caducidade dos contratos de arrendamento celebrados com a anterior proprietária H... referentes às frações identificadas na p.i. e, consequentemente, os contratos de sublocação celebrados pela ré com os autores identificados nos pontos 9, 14, 17, 20 e 21, inexistindo, pois, qualquer título que a legitime a peticionar rendas pela utilização das frações até à sua entrega à sua atual proprietária, a Banco 1...,
b) A entregar à Chamada Banco 1... as referidas frações.

Inconformada, a ré recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso de apelação interposto do despacho saneador sentença que decide do mérito da causa, no sentido de julgar procedente a acção movida pelos autores e, nessa senda, condenar a ré a (i) reconhecer a caducidade dos contratos de arrendamento celebrados com a anterior proprietária H... referentes às frações identificadas na p.i. e, consequentemente, os contratos de sublocação celebrados pela ré com os autores identificados nos pontos 9, 14, 17, 20 e 21, inexistindo, pois, qualquer título que a legitime a peticionar rendas pela utilização das frações até à sua entrega à sua atual proprietária, a Banco 1...; e a (ii) entregar à Chamada Banco 1... as referidas fracções.
2. Apesar de entender, bem, que em causa está a interpretação do artigo 842º, nº 2, do C.C., relativo à venda em execução e sua conjugação com o artigo 1057º, a sentença manifesta uma incorreta interpretação das normas legais convocadas para a análise da situação sub judice.
3. Pelo tribunal a quo foi ainda convocado o artigo 819º do C.C. como fundamento para a inoponibilidade dos contratos de arrendamento ao adquirente em venda executiva.
4. Determina, de facto, o artigo 819º do C.C. que, sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.
5. O que se pretende com este preceito é, pois, que a penhora gere apenas a indisponibilidade do bem penhorado relativamente ao processo executivo, ou seja, a única consequência desta inoponibilidade é tão-só a de que o arrendamento em nada pode obstar ou afetar a finalidade da ação executiva.
6. Do referido dispositivo legal não decorre minimamente a extrapolada caducidade dos atos ou contratos eventualmente celebrados.
7. De facto, sendo o contrato de arrendamento válido – validade essa que nunca foi colocada em causa, nem pelos autores, nem pela chamada adquirente, nem pelo órgão periférico da AT encarregado da execução –, tendo sido devidamente anunciado no edital de venda do imóvel e, portanto, do conhecimento da chamada adquirente em momento prévio à aquisição e não tendo obstaculizado minimamente a função do processo executivo – ressarcir o exequente por via do património do executado –, cumprida se encontra a função protectora da ação executiva visada pelo normativo constante do artigo 819º do C.C.
8. Porque, conforme já antecipámos, a interpretação judicial das normas se encontra sujeita a determinadas regras legais, não cabe aos tribunais, ainda que sob a aparência da mera interpretação, o poder de criar norma (como o tribunal a quo volta a tentar, in casu).
9. Compulsado o normativo em causa, constatamos e evidente intenção legislativa de evitar a celebração de arrendamento, entre outros atos de disposição, como forma de obstaculizar os fins da ação executiva, mas já não encontramos sequer o mais pequeno indício de que fosse intenção do legislador promover a caducidade dos atos ali referidos, circunstância que está em linha com o teor do artigo 1057º do C.C., que não menciona, nem sequer implicitamente, qualquer exceção para os contratos celebrados após a penhora ou outra oneração do imóvel.
10. E tanto assim que com a penhora o executado não perde necessariamente os seus poderes diretos sobre o bem, inexistindo qualquer indisponibilidade material e/ou jurídica do executado relativamente aos mesmos, que só se concretiza em caso de venda os bens nessa sede executiva.
11. De tal modo que, no já supra referido aresto do STJ, de 5.7.2021, se faz uniformizar que “a venda, em sede de processo de insolvência, de imóvel hipotecado, com arrendamento celebrado subsequentemente à hipoteca, não faz caducar os direitos do locatário de harmonia com o preceituado no artigo 109º, nº 3, do CIRE, conjugado com o artigo 1057º do C.C., sendo inaplicável o disposto no nº 2 do artigo 824º do C.C.
12. Constituindo a penhora, como a hipoteca, um meio de garantia do credor e aplicando-se o disposto no artigo 1057º do C.C. aos contratos de arrendamento independentemente da concreta forma processual em que é encetada a venda, evidente resulta a analogia da situação em análise no aresto em causa com ados presentes autos, tendo sido inequivocamente expresso pelos senhores Juízes Conselheiros que mesmo que o arrendamento haja sido celebrado subsequentemente ao ato de garantia não faz caducar o contrato de arrendamento, nem os direitos do locatário.
13. Incorreu, pois, em erro a sentença a quo ao interpretar o normativo constante do artigo 819º do C.C., no sentido de que obsta à validade e eficácia do contrato de arrendamento celebrado após o registo do instrumento de garantia, in casu a penhora, e implica a caducidade de tal contrato.
14. Decide ainda o tribunal a quo que não existe qualquer título que legitime a ré a peticionar rendas pela utilização das frações até à sua entrega à sua atual proprietária, juízo que decorre de renovado erro na interpretação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice.
15. A ré peticionou, na sua contestação sob a referência 8859660, a imediata libertação a seu favor dos valores depositados pelos autores, uma vez que tal depósito não se encontra legalmente enquadrado nem fundamentado.
16. E, em 27 de abril de 2021, a ré reiterou o pedido de libertação imediata das rendas depositadas na pendência da ação.
17. O arrendatário pode proceder ao depósito da renda quando ocorram os pressupostos da consignação em depósito, quando lhe seja permitido fazer cessar a mora e ainda quando esteja pendente ação de despejo – cfr. artigo 17º, nº 1, da Lei nº 6/2006.
18. O devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida (a) quando, sem culpa sua, não puder efetuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança; (b) quando o credor estiver em mora – artigo 841º, nº 1, do C.C.
19. Evidente resulta que, in casu, não se encontravam reunidos os pressupostos de que depende o recurso à consignação em depósito, pois não existia dúvida fundada quanto ao titular do direito a receber as rendas, já que a adquirente chamada não se arrogou titular do mesmo, mas especialmente porque não existia qualquer declaração judicial de caducidade dos contratos de arrendamento e subarrendamento, nem existia recusa da ré em recebê-la ou manifesto perigo para os autores no seu pagamento.
20. Assim, o depósito das rendas, tal como operado pelos autores, não tem o mais pequeno cabimento factual e legal e sustentou-se numa interpretação distorcida do disposto pelo nº 1 do artigo 1048º do C.C.
21. Inexistindo declaração de caducidade dos contratos de arrendamento e de subarrendamento, no decurso da ação mantinham-se tais contratos válidos e eficazes, assim se mantendo as obrigações recíprocas das partes, sendo que a ré permitiu aos autores a manutenção da ocupação dos espaços e a estes cabia a manutenção do pagamento da renda.
22. Assim não sucedendo, como não sucedeu, subverteram-se os princípios de acesso à justiça e os efeitos das ações, ao serem unilateralmente impostos por uma das partes à outra, efeitos muito antes de qualquer decisão judicial – o que, ademais, viola grosseiramente a proibição de auto defesa. cfr. artigo 1º do C.P.C.
23. Cabia, pois, ao tribunal a quo decidir a questão suscitada pela ré relativamente às rendas a pagar na pendência da ação, de modo a evitar a desprotecção da posição da ré, face à imposição dos autores, logo que cumprido o contraditório de todas as partes ou, assim não sucedendo, na sentença em análise separada da questão da caducidade dos contratos de arrendamento, analisando, quanto às rendas, a (i) legitimidade da recusa de pagamento dos autores e sua substituição pelo depósito em momento em que os contratos de arrendamento se encontravam ainda válidos e eficazes.
24. Constatamos, porém, que o tribunal a quo se limita a decidir a questão das rendas em associação à apreciação da caducidade dos contratos, ignorando in totum os fundamentos legais suscitados pela recorrente a respeito das mesmas e, assim, omitindo a aplicação dos normativos constantes dos artigos 1042º, nº 2, e 1048º, nº 1, do C.C., além de ser cúmplice da subversão do princípio do acesso ao direito e à justiça e da imposição unilateral de efeitos da acção judicial, numa genuína violação do princípio da autodefesa, afrontando, assim, grosseiramente os artigos 20º, nº 1, da CRP, e 1º do C.P.C.

A interveniente Banco 1... e os autores AA e R..., Lda., apresentaram contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação de facto:
1. Por compra registada em 17.07.2012, a extinta sociedade anónima “H... S.A.”, que detinha o NIPC ... e sede na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Ovar, adquiriu as frações autónomas designadas pelas letras “A”, “H” e “E”, pertencentes ao prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... e Rua ..., freguesia ..., concelho de Ovar, inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº ... (cfr.doc. 1 a 4 juntos com a petição inicial e constantes de fls. 20 a 33 dos autos ).
2. Todas elas correspondentes a armazéns e destinados a atividade industrial e ou armazém. (cfr doc. 1 a doc. 4 juntos com a petição inicial e constantes de fls. 20 a 33 dos autos).
3. Na mesma data do registo da sua aquisição, ou seja 17.07.2012, a identificada H... S.A., constituiu hipotecas sobre essas e outra fração a favor do Banco 1..., para garantia de empréstimos concedidos por essa instituição bancária, e que vieram a ser registadas pela Ap. ... de 17.07.2012 (cfr doc.1 junto com a petição inicial e constante de fls. 21 a 30 ).
4. Posteriormente, e para garantia de dívidas fiscais de uma outra sociedade denominada M... Lda., NIPC ..., e que incorporou, por fusão, a X..., S.A., NIPC ..., a H... constituiu hipotecas voluntárias sobre as mencionadas frações a favor da “AT Autoridade Tributária, e que foram registadas em 11.07.2013 pelas Apresentações ... e .... (cfr doc.1 junto com a petição inicial e constante de fls. 21 a 30).
5. Por incumprimento dessas dívidas fiscais, as identificadas frações vieram a ser penhoradas no âmbito do processo de execução fiscal nº ... e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Castelo de Paiva, e na qual é executada devedora a M..., Lda., e executada garante a “H...” (cfr. doc.1 junto com a petição inicial e constante de fls. 21 a 30).
6. Essa penhora foi efetuada e registada em 20.02.2015 pela apresentação nº ... de 20.02.2015 (cfr doc.1 junto com a petição inicial e constante de fls. 21 a 30).
7. Em sede de venda executiva, as três frações supra mencionadas foram adquiridas e adjudicadas ao Banco 1... em 13/10/2015 (Cf. certidão constante de fls. 314 verso)
8. Essa venda foi registada em 16.12.2015 pelas Apresentações ... (fração A), … (fração H) e … (Fração E) (cfr doc.1 junto com a petição inicial e constante de fls. 21 a 30)
9. Acontece que, por escritos particulares datados de 01 de abril de 2015 a então proprietária, H... S.A., declarou dar de arrendamento à Ré, e esta declarou tomar de arrendamento, com início nessa data, as mencionadas fracções autónomas – (docs. de fls. 170 a 177 juntos pela ré e por acordo).
10. Os três contratos de arrendamento foram celebrados pelo prazo máximo legal, 30 anos e mediante a renda mensal de €150,00 quanto às frações “A” e “E” e €230,00 quanto à fração “H” – (docs. de fls. 170 a 177 juntos pela ré e por acordo - cfr cláusulas 3º e 7º dos contratos).
11. Com períodos de carência de pagamento de rendas durante os primeiros 3 anos, e, após esse prazo, com compensação parcial de obras futuras – docs. de fls. 170 a 177 juntos pela ré e por acordo – (docs. de fls. 170 a 177 juntos pela Ré e por acordo - cfr cláusula 7º dos contratos)
12. As partes clausularam ainda a possibilidade de sublocação, nos termos, preços e condições que a ré, arrendatária, bem entendesse – (docs. de fls. 170 a 177 juntos pela ré e por acordo - cfr cláusula 9º dos contratos).
13. No final de 2016, a sociedade H... foi dissolvida e ordenado o cancelamento da sua matrícula no âmbito do procedimento administrativo de dissolução autuado sob o nº 3154/2016, facto levado a registo em 06.12.2016 pela Ap. ... (cfr doc. 8 e 9 constantes de fls. 42 frente e verso, sendo facto não impugnado).
14. Por escrito particular de 01 de setembro de 2015, e com início nessa mesma data, a Ré sublocou ao Primeiro Autor – AA, a fracção A (documento de fls. 10, junto a fls. 43 e ss, sendo facto não impugnado)
15. Esse contrato foi celebrado na modalidade de prazo certo de 3 anos, renovável, nos termos legais, por períodos sucessivos de um ano (documento de fls. 10, junto a fls. 43 e ss, sendo facto não impugnado).
16. Tendo sido estipulada uma renda anual de €6.000,00, a liquidar, por transferência bancária, em duodécimos mensais de €500,00, no primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito, e sujeita às atualizações legais anuais (documento de fls. 10, junto a fls. 43 e ss, sendo facto não impugnado).
17. Por escrito particular de 04 de abril de 2016, e com início nessa mesma data, a ré sublocou à sociedade comercial por quotas W..., Lda., para o exercício da sua atividade profissional, a fração “H” (documento nº 11, junto a fls. 45 e ss, sendo facto não impugnado).
18. Este contrato foi celebrado na modalidade de prazo certo de 1 ano, renovável, nos termos legais, por períodos sucessivos de um ano (documento nº 11, junto a fls. 45 e ss, sendo facto não impugnado).
19. Tendo sido estipulada uma renda anual de €7.800,00, a liquidar, por transferência bancária, em duodécimos mensais de €650,00, no primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito, e sujeita às atualizações legais anuais (documento n.º 11, junto a fls. 45 e ss, sendo facto não impugnado).
20. Em 31.08.2017, e com início nessa mesma data, a mencionada W..., Lda., com a concordância da ré, cedeu a sua posição contratual de sublocatária ao 2º Autor (BB), com todos os direitos e obrigações inerentes (Cfr doc. 12, junto a fls. 47 verso e seguintes, sendo facto não impugnado).
21. Por escrito particular de 08 de Agosto de 2016, e com início nessa mesma data, a ré sublocou à 3ª autora (R...) a fração “E” (documento nº 13, junto a fls. 49 e ss, sendo facto não impugnado).
22. Este contrato foi celebrado na modalidade de prazo certo de 5 anos, renovável, nos termos legais, por períodos sucessivos de um ano (documento nº 13, junto a fls. 49 e ss, sendo facto não impugnado).
23. Tendo sido estipulada uma renda anual de €5.400, a liquidar, por transferência bancária, em duodécimos mensais de €450,00, no primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito, e sujeita às ctualizações legais anuais (documento nº 13, junto a fls. 49 e ss, sendo facto não impugnado).
24. Desde a celebração dos contratos de sublocação, e até novembro de 2018, os autores sempre procederam ao pagamento das rendas (facto não impugnado).
25. Em data ocorrida no final de agosto/princípio de setembro de 2018, os Autores foram notificados, pelo Serviço de Finanças de Ovar, que estava designado o dia 06.09.2018 pelas 15 horas, para se proceder ao arrombamento e entrega das frações ao Banco 1... (cfr. doc. 14, junto a fls. 51 verso, sendo matéria não impugnada).
26. Os Autores continuaram a gozar as frações objeto dos contratos (facto não impugnado)
27. Em data ocorrida no início de dezembro de 2018, a ré foi notificada de despacho do Serviço de Finanças de Ovar, a ordenar a entrega das frações, no prazo de 10 dias, sob pena de arrombamento (facto não impugnado)
28. Desde dezembro de 2018, a ré continua a solicitar o pagamento das rendas, procedendo à emissão e envio mensal das respetivas faturas (facto não impugnado)
29. Por notificações judiciais avulsas efetuadas em 01.04.2019 quanto ao 1º autor e em 11.04.2019, quanto aos 2º e 3º autores, a ré comunicou àqueles a resolução dos contratos de sublocação, nos termos do disposto nos artigos 1084º e 1083, nº 3, do C.C., ou seja, com fundamento na falta de pagamento de rendas por prazo superior a 3 meses – (docs de fls. 78 a 113, sendo matéria não impugnada).

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se os contratos de arrendamento celebrados entre a primitiva proprietária, H..., e a ré/recorrente, bem como os subsequentes subarrendamentos aos autores/recorridos, cessam com a venda executiva ou, pelo contrário, se transferem para adquirente Banco 1....

I. Da matéria de facto provada, que não foi impugnada, resulta que a anterior proprietária das frações, H..., na mesma data da sua aquisição, em 17.7.2012, constituiu hipoteca voluntária a favor da interveniente Banco 1..., sendo que, nessa mesma data, constituiu segundas hipotecas sobre as mesmas frações a favor da Autoridade Tributária para garantia de uma dívida.
Por falta de pagamento de tal dívida fiscal, as frações foram objeto de penhoras e estas registadas, em 20.2.2015.
Em 1 de abril de 2015, portanto, após a inscrição das hipotecas e do registo da penhora na execução fiscal, a então proprietária H... deu as frações de arrendamento à ora recorrente, pelo prazo máximo de 30 anos, não efetuando o registo desses contratos.
Em sede de venda executiva, as frações foram adquiridas e adjudicadas ao Banco 1..., sendo a venda/aquisição registada, em 16.12.2015.
Cerca de um mês antes da venda executiva, a ré subloca uma das frações ao autor AA, e cerca de 10 meses após a venda executiva e adjudicação das frações ao Banco 1..., subloca uma outra fração à autora R..., Lda.
Dispõe o artigo 824º, nº 2, do C.C., que os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia.
Por sua vez, o artigo 1057º do C.C. estabelece que o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo.
A propósito da interpretação destes normativos, na doutrina e na jurisprudência, debatem-se essencialmente duas correntes: para uns, o locatário exerce sobre a coisa locada um direito real de gozo, com a configuração de um ius in re; outros defendem a tese obrigacionista e, portanto, consideram o direito do locatário como um direito de crédito.
E outros, entre os quais se encontra Henrique Mesquita, prosseguem uma posição intermédia: «O intérprete deve ter sempre presente que o direito do locatário é tratado, para certos efeitos, como direito de soberania e, para outros, como direito meramente creditório, assente numa relação intersubjetiva que liga permanentemente o locador e o locatário. E face a este estatuto dualista, o caminho metodologicamente correto para esclarecer dúvidas interpretativas ou resolver problemas de regulamentação será o do recurso, nuns casos, aos princípios que disciplinam os direitos reais e, noutros, aos princípios que regem as obrigações, consoante os interesses em jogo, apreciados e valorados à luz das soluções ditadas pelo legislador para os problemas de que direta e expressamente se ocupa». Obrigações Reis e Ónus Reais, pág. 183.
Na decisão recorrida, manifestou-se a concordância com a primeira tese, que associa ao locatário o exercício sobre a coisa locada de um verdadeiro direito real de gozo, e, portanto, interpreta o nº 2 do citado artigo 824º do C.C., no sentido de que no mesmo se encontra abrangido também o contrato de arrendamento.
A recorrente, pelo contrário, na tentativa de fundamentar a sua discordância da sentença, extensamente, defende a natureza obrigacional do contrato de arrendamento e da consequente inaplicabilidade a este do disposto no mesmo artigo 824º, nº 2, do C.C.
Mas, na situação concreta dos autos, não tem relevância a discutida questão sobre a natureza do contrato de arrendamento – se tem natureza real ou meramente obrigacional.
Na verdade, como se referiu, os contratos de arrendamento em questão foram celebrados em momento posterior ao do registo das penhoras e, para estes casos, o artigo 819º do C.C., na redação introduzida pelo DL nº 38/2003, de 8 de março, estabelece expressamente que, sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.
Ou seja, com a referência expressa ao arrendamento dos bens penhorados, ao artigo 819º do C.C. não pode ser dada outra interpretação que não seja a de que os contratos de arrendamento celebrados após a penhora, inoponíveis em relação à execução, caducam com a venda executiva.
Daí que se deva considerar acertada a decisão de reconhecer a caducidade dos contratos de arrendamento celebrados com a anterior proprietária, H..., e, consequentemente, os contratos de sublocação celebrados entre a ora recorrente e os autores.
Mas, a recorrente busca o auxílio do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ, nº 2/2021, no qual se decidiu que «a venda, em sede de processo de insolvência, de imóvel hipotecado, com arrendamento celebrado subsequentemente à hipoteca, não faz caducar os direitos do locatário de harmonia com o preceituado no artigo 109º, nº 3, do CIRE, conjugado com o artigo 1057º do C.C., sendo inaplicável o disposto no nº 2 do artigo 824º do C.C.».
No entanto, no processo de insolvência em que o acórdão foi proferido, o contrato de arrendamento foi celebrado após hipoteca da fração urbana, mas antes da penhora da mesma, contrariamente ao que se passou no caso em apreço, já que os contratos de arrendamento foram celebrados pela recorrente com a anterior proprietária, após a constituição das hipotecas e da penhora das frações pela Autoridade Tributária.
Isto significa que esse ato de oneração das frações – o arrendamento – é, nos termos do disposto no citado artigo 819 º do CC, inoponível na execução.
As frações saíram da esfera de disponibilidade da sua então proprietária, executada no processo de execução fiscal, a partir da realização e registo da penhora, em 20.02.2015, data a partir da qual ficou impedida de praticar sobre as mesmas quaisquer atos que colidissem com a situação decorrente daquele registo.
Quanto às rendas, a recorrente vem alegar que o tribunal se limita a decidir a respetiva questão em associação à apreciação da caducidade dos contratos, acusando-o de ser cúmplice da subversão do princípio do acesso ao direito e à justiça e da imposição unilateral de efeitos da ação judicial, numa genuína violação do princípio da autodefesa, afrontando, assim, grosseiramente os artigos 20º, nº 1, da CRP, e 1º do C.P.C.
Os autores, na petição inicial, justificam a razão pela qual iriam proceder ao depósito condicional, na Banco 2..., das quantias correspondentes às rendas que vinham pagando à ré, alegando nos artigos 70º e seguintes daquele articulado, que “os contratos de arrendamento celebrados pela anterior proprietária das frações, H... S.A., com a ré caducaram com a venda, em sede de execução, à Banco 1..., ocorrida em 13.10.2015. Como consequência, os contratos de sublocação celebrados entre a ré e os autores, realizados e apoiados naqueles contratos de arrendamento, deixaram de ter suporte legal e subsistência, carecendo a ré de qualquer título para solicitar e receber o pagamento de rendas ou o que quer que seja dos autores. E carecendo os autores e a ré de qualquer título que legitime a posse e detenção das frações.
Independentemente do entendimento diverso da recorrente, a verdade é que o eventual direito da ré ao recebimento, ou não, das rendas estava dependente da decisão sobre a exceção da caducidade dos contratos de arrendamento e sublocação peticionada pelos autores que viesse a ser proferida em sede de sentença.
Na sentença veio a ser confirmada a tese alegada pelos autores na petição inicial de que os referidos contratos caducaram e, em consequência, a ré carecia de qualquer título para receber as rendas pela utilização das frações até à sua entrega à atual proprietária, o Banco 1....
Mostrou-se, assim, acertada a atitude dos autores de proceder ao depósito condicional, na Banco 2..., das quantias correspondentes às rendas que vinham pagando à ré.
Não se verifica qualquer violação do disposto nos artigos 20º, nº 1, da CRP, e 1º do C.P.C.
Improcede, assim, o recurso da ré G..., S.A.

Dispositivo:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Sumário:
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Porto, 27.6.2022
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida
Carlos Gil