SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO
INCUMPRIMENTO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
Sumário

I - A violação grosseira de que fala o Artº 56º, nº 1, alínea a), do Código Penal, há de ser uma indesculpável atuação em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo ser tolerada, nem desculpada; uma atitude de vigoroso e sólido desvalor face às regras jurídicas, uma desfeita às decisões dos Tribunais.
II - Tal ocorre quando o condenado, de forma deliberada e leviana, se nega a respeitar as injunções impostas, se inibe de procurar viver segundo as regras sociais, se furta às condições que lhe foram impostas, com carácter benigno, pelo Tribunal, único Órgão de Soberania que importa considerar neste âmbito e nesta vertente, se coloca em situação de não cumprir ou revela no processo com os seus requerimentos, tentativa de se esquivar ao seu cumprimento, arranjando sucessivas desculpas, adotando uma postura dilatória, depois do tribunal lhe dar hipóteses para cumprir ao abrigo do art. 55º do C.Penal.

Texto Integral

Processo comum nº 689/11.5TABJA.P1

Acordam na primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

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No processo comum nº 689/11.5TABJA, do 2º Juiz da Instância Central Criminal-Aveiro, comarca de Aveiro, foi o arguido AA condenado (cf. acórdão de 1ª instância de 26/11/2015 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/09/2016, transitado em julgado em 16/03/2017), pela prática de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. pelo artigo 372º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo artigo 256º, nºs 1, al. a), e 4, do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante a condição de, durante o prazo de suspensão, pagar ao Estado Português a quantia de €128.758,20 e à lesada “REFER, EPE”, atualmente designada “Infraestruturas de Portugal, SA”, metade da quantia em que foi condenado a título de indemnização civil (ou seja, €38.833,96).

O tribunal a quo decorrido aquele prazo de suspensão decidiu “Estamos, pois, perante uma situação de incumprimento reiterado, prolongado, culposo e grosseiro por parte do condenado que, desde logo, não aceitou a decisão que lhe impôs o dever de pagamento e, por isso, de forma consciente e voluntária nada fez para a cumprir, ainda que parcialmente, desprezando por completo a reação punitiva do Estado.
Perante tal postura do condenado resta concluir que este não foi sensível à suspensão da execução da pena de prisão, interpretando-a como uma forma de clemência ou, até, de impunidade do seu comportamento delituoso, sem quaisquer repercussões práticas na sua vivência, reservando-se o direito de não cumprir o dever de pagamento que lhe foi imposto por dele discordar.
Afigura-se, pois, indubitável que se frustrou o juízo de prognose que fundamentou a suspensão da execução da pena e as finalidades da punição.
Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do preceituado no art. 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que AA foi condenado nos presentes autos, determinando o seu cumprimento.
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Desta decisão recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões (sic), que balizam e limitam o âmbito do recurso (Ac. do STJ, de 15.04.2010, in http://www.dgsi.pt: “Como decorre do Art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”):
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1. O aqui Recorrente foi condenado, por Acórdão proferido por V. Exas. a 29/09/2016, transitado em julgado em 16/03/2017, numa pena de prisão de três (3) anos e seis (6) meses suspensa na sua execução, por igual período, com o dever de, naquele tempo efetuar o pagamento de Euros. 128.758,20 ao Estado Português e Euros. 38.833,96 à lesada REFER, EPE.

2. O Recorrente não efetuou aquele pagamento, foi ouvido em sede de audiência que precedeu a promoção do Ilustre Procurador da República junto do Tribunal de Aveiro, juntou aos autos comprovativo do seu valor de rendimento anual bruto e líquido, resultante da pensão de reforma, e comprovativo da incapacidade permanente da sua esposa.

3. Nenhuma outra prova foi recolhida neste incidente, tendo sido proferido despacho, que aqui se impugna, que decretou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão ao abrigo do disposto no art. 56.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, e determinou o cumprimento efetivo da pena de prisão.

4. Perfilha, contudo, o Recorrente que, a decisão sub judice assenta em factos julgados provados que são insuficientes para a prolação da mesma, tendo o tribunal a quo extrapolado a realidade factual que julgou demonstrada neste incidente, resultando esta insuficiência do próprio despacho, como seguidamente se demonstrará e impondo-se a revogação do mesmo, ante o vicio que o inquina, nos termos do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP.

5. Ademais, entende o Recorrente que o douto tribunal a quo, violou o que se dispõe no art. 495.º n.º 2 do CPP, o qual vincula o órgão jurisdicional à recolha de prova necessária para apuramento dos factos, porquanto nada foi providenciado a respeito.

6. Por outro lado, mal aplicou, s.m.o e respeitosamente, o douto tribunal a quo, os pressupostos e requisitos que melhor se consignam na al. a) do n.º 1 do art. 56.º do Cód. Penal, porquanto entendeu que o não pagamento, sequer parcial, do arguido das quantias nos quais tinha sido condenado foi revelador da sua não aceitação da pena que lhe foi aplicada, concluindo que, não revogar a suspensão da execução da pena de prisão, resvalaria numa violação do principio da igualdade previsto constitucionalmente e fragilizaria a perspetiva da comunidade sobre a atuação do órgão jurisdicional. Olvidou, contudo, nesta sua apreciação quais os fins da pena que contextualizaram a determinação da suspensão da execução da pena prisão, desconsiderou, o disposto no art. 50.º, n.º 1 do Cód. Penal e erigiu a conduta grosseira e repetida - exigida pela norma em apreço – o mero incumprimento de pagamento do arguido.

Vejamos,

7. O tribunal a quo considerou como demonstrados nos presentes autos que o arguido,“ desde a data da prolação do acórdão condenatório até janeiro de 2019, esteve desempregado, tendo, entretanto, obtido a reforma antecipada, recebendo uma pensão no valor de 1.066,67”, “vive com a esposa, que recebe uma pensão de invalidez no valor mensal de 325,00, em casa dos filhos, não pagando renda de casa”; “suporta despesas fixas mensais, nomeadamente de subsistência, de valor mensal não concretamente apurado”.

8. Sem prejuízo, fundamenta a sua decisão de revogação, da suspensão da execução da pena de prisão, no facto dese e “quando os arguidos tem efetivamente motivos que os levam a incumprir nomeadamente dificuldades económicas ou razões de saúde estando de boa fé, apressam-se a transmitir tal circunstancialismo para que seja tido em consideração e lhe seja relevado tal incumprimento”, sem que sequer tivesse o arguido sido interrogado se as dificuldades económicas lhe advinham apenas da insuficiência dos respetivos rendimentos mensais ou se teria tido outra causa de dispêndio, ao longo dos anos de suspensão.

9. Mais, tendo sido junto documento comprovativo da incapacidade permanente e absoluta da esposa do arguido de 66%, não foi inquirido que despesas extra representa este infortúnio de saúde, para o agregado familiar e se, a pensão que a mesma aufere, dos alegados Euros. 325,00 (ilíquidos, sublinha-se), será suficiente para a sustentar, ouse, grande parte do rendimento do arguido, é destinado à melhor qualidade de vida da sua esposa e aos necessários cuidados médicos de que esta carece.

10. Também nada foi questionado ao arguido a razão para nunca, ao longo do processo – dado que o tribunal elenca tal circunstância como essencial para o seu raciocínio – ter exposto as suas dificuldades económicas ou ainda, porque não terá efetuado pagamentos parciais. De facto, se assim tivesse ocorrido certamente o arguido teria esclarecido que embora tendo refletido sobre essa possibilidade não foi para tal aconselhado, e que o teria efetuado, caso antecipadamente tivesse tido conhecimento de tal ónus e da não hostilização pelo tribunal de semelhante proposta, a qual ainda irá apresentar nos autos de primeira instância, sem prejuízo da interposição do presente recurso. (vide página 8).

11. Nem se obste com a elevada formação académica do arguido, porquanto a mesma não resulta de conhecimentos jurídicos ou legais, não se lhe podendo exigir mais do que o que seria imposto a um bonus pater familiae.

12. Mais, acreditou ainda o arguido, ao longo dos anos de suspensão da pena em que se via impossibilitado de cumprir o pagamento ordenado como dever de conduta, que se elaborasse requerimento ao processo a alegar as suas dificuldades económicas ou eventualmente a requerer pagamentos parciais, poderia tal ser interpretado reversamente ou como conduta hostil, ou seja, ser entendido que o arguido insistia em dificuldades que já haviam, outrora, sido conhecidas aquando da prolação do douto acórdão que determinou a suspensão da execução da pena e ordenou a retribuição ao lesado e ao Estado português.

13. O tribunal a quo assumiu ainda “ser incontroverso que a situação financeira do arguido melhorou no decurso do prazo de suspensão da execução da pena de prisão” sem que tivesse sequer julgado como demonstrado quais as despesas a que o arguido/condenado teve, e tem, que suportar para a sua própria subsistência e da sua esposa, porquanto, para se concluir tão veementemente que a capacidade económica incrementou, não poderia o douto tribunal deixar de apurar, para além das receitas, também as despesas do Recorrente, não tendo sido recolhida qualquer prova a este respeito.

14. Por fim, o douto tribunal parte do facto, não demonstrado, mas pressuposto no despacho que aqui se impugna, que o arguido “discorda da decisão que lhe impôs o dever de pagamento, alegando que data da condenação não tinha condições financeiras para a cumprir” invocando as declarações prestadas em audiência prévia, a esta despacho, e ao requerimento apresentado pelo Defensor Oficioso após promoção do Ilustre Procurador da República.

15. Contudo, aquela conclusão não se extrai das declarações prestadas pelo arguido – tanto que não foi julgado demonstrado qualquer facto a respeito – e o requerimento deduzido pelo Defensor Oficioso encontra-se eivado de questões jurídicas as quais são alheias ao Recorrente e às suas habilitações académicas, não podendo ao mesmo serem assacadas incongruências jurídicas como a inobservância dos efeitos do transito em julgado do acórdão que decretou a suspensão da execução da pena e a determinação do dever de conduta de pagamento aos lesados, mal grado a situação factual e económica julgada demonstrada pelo tribunal de primeira instância.

16. Portanto, do aqui exposto, resulta com saciedade que mal andou o tribunal a quo, s.m.o e respeitosamente, ao considerar factos não demonstrados nem provados, para formular o silogismo jurídico que conduziu à aplicação do disposto no art. 56.º, n.º 1 al. a) do Cód. Penal, inexistindo, para o efeito, qualquer recolha da necessária prova a qual se impunha tal qual o comando constante no art. 495.º, n.º 2 do CPP. Nesta sequência, o despacho recorrido viola aquela citada norma, o que aqui se alega para efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 2 al. a) do CPP.

17. Chegados a este ponto, cremos resultar escorreito do próprio despacho aqui impugnado que, a matéria de facto julgada provada, será insuficiente para a prolação da decisão que qualificou o incumprimento do dever de conduta por parte do arguido como grosseiro e repetido, porquanto, se é certo que o condenado incumpriu com o pagamento no qual foi condenado, também é real que inexistiu qualquer melhoria substancial dos seus rendimentos, nada se atestou quanto às suas despesas e necessidades para sobreviver condignamente com a sua esposa, nem se apuraram quaisquer condutas do arguido atentatórias contra o sistema legal instituído e as prescrições normativas que devem pautar condutas de cidadãos cumpridores. Pelo contrário, está devidamente certificado nos autos que o arguido não perpetrou nem foi condenado em qualquer ilícito penal até esta data e que não alterou substancialmente o seu modo de vida.

18. Será grosseiro o incumprimento censurável, indesculpável e não compreensível, designadamente por práticas do condenado que fragilizaram a sua condição económica ou a capacidade de cumprir. Nada se atestou nestes autos a respeito do Recorrente.
19. Por sua vez, o incumprimento repetido dos deveres de conduta, consubstanciará comportamento leviano com total desprezo pela imposição jurisprudencial, o qual também não se insurge da matéria de facto provado nestes autos.

20. Nesta conformidade, cremos que a decisão a quo, para além da violação normativa já realçada, encontra-se eivada de vicio resultante da insuficiência da matéria de facto que a sustente, nos termos melhor constantes no disposto na al. a) do n.º 2 do art. 410 do CPP, impondo-se, por isso, a sua revogação, o que, pelo presente recurso, se alega e requer, devendo, em consequência, ser julgada extinta a pena de prisão suspensa na sua execução no qual o Recorrente foi condenado.

Ademais,
21. Não vislumbra o aqui Recorrente como possa considerar-se violado o princípio da igualdade, ao considerar-se extinta a pena de prisão decretada, quando o acórdão que determinou a suspensão da execução daquela pena, proferiu decisão quanto ao condenado e outro arguido, retribuída em valores financeiros substancialmente diversos, havendo apenas similitude na importância a desembolsar à lesada REFER.

22. A violação daquele princípio apenas ocorreria se nos encontrássemos perante arguidos punidos por crimes iguais, por penas iguais, e por valor similar quanto ao dever de conduta.
Tal não ocorreu, dado que ainda que na génese se trate do mesmo tipo legal - corrupção, num passivo noutro ativo – os valores de retribuição das penas foram acentuadamente incomparáveis.

23. Por sua vez, uma eventual ofensa de um entendimento comunitário, não pode contender com requisitos e pressupostos legais previstos nas normas em vigor, devendo as condutas serem apreciadas de uma perspetiva objetiva e sem enfases populares, sob pena de a justiça se pautar por critérios não legalmente previstos, num sistema de origem continental como a ordem jurídica portuguesa.

24. Pelo contrário, cremos que, para a devida aplicação do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 56.º do Cód. Penal, teria o douto tribunal a quo que ter ponderado se o fim que subjaz e ve à aplicação de uma suspensão da execução da pena de prisão foi alcançado com o período de tempo determinado para aquele efeito,na esteira aliás do já doutamente julgado por V.Exas. - Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto - em Acórdão de 14/10/2020, Proc, n.º 76/14.3 GCOAZ-A.P1 in www.dgsi.pt: Ora, consideramos que os índices de incumprimento previstos no art.56º nº1 do Cód. Penal estão directamente associados aos fundamentos da suspensão da pena previstos no art.50º nº1 do mesmo diploma. Isto é, para operar a revogação da suspensão prevista no art.56º do CP não basta a violação formal de um dever existente no quadro da suspensão da pena, ainda que essa violação seja ostensiva (a qual é meramente indiciária). (…) exigindo-se que o incumprimento dos deveres evidencie o risco sério da mera ameaça da pena de prisão não surtir o seu efeito e do arguido tornar a delinquir.”

25. Neste sentido, após leitura atenta e pormenorizada do douto acórdão que determinou a suspensão da execução da pena de prisão do aqui Recorrente, alcança-se que o perigo que se pretendia afastar era, sobretudo, a prática de novos crimes similares pelo arguido e manter a adequação social do mesmo na ordem jurídica, ante a estabilização da sua vida pessoal e familiar já constatada à data, vg. “Por outro lado, e sendo certo que existem fortes necessidades de prevenção geral neste tipo de crime, como sublinhou a sentença, também é verdade que a razão de ser da suspensão da execução da pena de prisão radica na reintegração social do agente e, portanto, na possibilidade de ser formulado um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido. Por outro lado, a retribuição da pena não pode fundamentar as finalidades de prevenção geral ou de expectativa de vigência da ordem jurídica, uma vez que esta finalidade (retributiva) não está hoje legalmente prevista. Assim o mais relevante para a aplicação do art. 50, 1 CPP é a possibilidade de se formular um juízo de prognose favorável do futuro comportamento do arguido, tendo em conta as condições expressamente previstas no referido preceito.” (página 88 ex vi página 117).É efetivamente determinante para a suspensão da execução da pena a possibilidade de se formular um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido e, é de crer que, no presente caso, a ameaça da prisão e a solene censura do facto sejam suficientes para afastar o arguido, com um passado criminal irrelevante, da prática de futuros crimes, isto é, de “realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. As razões de prevenção geral são certamente elevadas, mas a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução é uma verdadeira e real pena, mostrando-se, em casos como o presente, em que o agente tem a sua vida estabilizada e está socialmente integrado, um meio de obter a finalidade principal da punição.” (página 117) (sublinhado da responsabilidade da signatária) - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/06/2016 junto aos presentes autos.

26. Adianta-se ainda que, só após a suspensão da execução da pena com aqueles fundamentos é que o Venerando Tribunal Superior entendeu condenar o arguido, a título de dever de conduta, no pagamento de quantias aos lesados vg., Estado Português e REFER EPE e, sem que tivesse condicionado tal suspensão àquele pagamento, por inexistir, na prescrição normativa legal em vigor no Código Penal, a possibilidade daquele condicionamento.

27. Apurado o contexto normativo e decisor em que se fundamentou a retribuição da pena de suspensão e afastado, deste circunspecto, as finalidades gerais associados às sanções penais, poder-se-á concluir que a infração grosseira ou repetida violação dos deveres de conduta apenas podem ser assacadas ao arguido, se, resultar da sua conduta, que ao longo dos três anos e meio de suspensão, o mesmo não se encontra socialmente adaptado nem coerente com um regime legal em vigor, denotando-se uma tendência, ou a criação das perfeitas circunstâncias, para a prática de crimes da mesma natureza pelos quais foi punido, o que in casu, manifestamente, não se verifica.

28. Com efeito, o que se consigna no art. 50.º n.º 1 do Cód. Penal deverá preceder a decisão sobre a revogação da pena, cfr. douto Acórdão de V. Exas. de 12/05/2021, Proc. N.º 130/10.0SJPRT.P1 in www.dgsi.pt, e por isso, teria o tribunal a quo que ter ponderado a personalidade do condenado, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias em que o mesmo foi perpetrado.

29. Ora, ponderados aqueles pressupostos, outra conclusão não poderia adiantar-se que não fosse a de extinguir a pena na qual o Recorrente foi condenado, porquanto, volvidos 21anos da pratica do crime, 6 anos da sentença da primeira instância e 5 anos do transito em julgado do acórdão que determinou a suspensão da execução da pena de prisão, o arguido encontra-se estabilizado no seu seio familiar, composto por si e pela sua esposa, não exerce qualquer atividade profissional, está atualmente aposentado e, portanto, sem atividade que possa fazer perigar qualquer fraqueza no reatar da conduta criminosa pela qual foi punido, e não evidenciam estes autos qualquer conduta que mereça ou tenha merecido, após a prolação daquele acórdão, um desvalor ou sanção penal.

30. Entendemos por isso que, ante os elementos reunidos nestes autos, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tal qual previsto por V. Exas. no momento em que determinaram a suspensão da execução da pena. Neste sentido, doutos Acórdãos de V. Exas. de 12/05/2021, Processo 130/10.0SJPRT.P1 e de 07/07/2021, Processo n.º 13626/13.3TDPRT.P1, ambos in www.dgsi.pt.

31. Igual raciocínio se deduz da impossibilidade de qualificar a conduta do arguido como grosseira ou como reiterada e repetida, não sendo todo e qualquer incumprimento o que se prevê na al. a) do n.º 1 do art. 56.º do Cód. Penal, mas apenas aquele que resulta da falta de cuidado manifesto, indesculpável e leviano e um desprezo pelas normas jurídicas e pela razão de ser da condenação, vide os acórdãos proferidos por V. Exas. aqui citados.

32. E por isso, ainda que se assuma que houve uma melhoria nas condições económicas do Recorrente por força do valor que aufere, desde janeiro de 2019, de pensão de reforma e pelo facto de não pagar renda da casa, não se verifica uma alteração substancial dos rendimentos de tal forma que se encontrava o arguido na condição de efetuar o valor de Euros. 128.758,20 ao Estado Português e Euros. 38.833,96 à lesada REFER, EPE, sobretudo, numa ordem jurídica em que se assume como essencial para uma sobrevivência condigna de cada ser humano um valor de salário mínimo nacional – art. 59.º, n.º 2 al. a) da Constituição da República Portuguesa – o qual rondou nos anos de 2019 (data da aposentação) a 2021 um valor medio mensal de Euros. 650,00, cfr. Decretos-lei n.ºs 117/2018 de 27/12, 167/2019 de 21/11 e DL 109-A/2020 de 31/12.

33. Naquela perspetiva, se considerarmos o agregado familiar do Recorrente, composto por si e pela sua esposa – a qual aufere apenas uma pensão de sobrevivência de Euros 325 – o total dos rendimentos do casal pouco excede o limiar da sobrevivência, constitucionalmente consagrado.

34. Cremos que, o que se visa consagrar na alínea a) do n.º 1 do art. 56.º do Cód. Penal será uma atitude intolerável, que não seja medianamente justificada, em que o arguido se colocou na situação de não poder cumprir o dever de conduta que lhe foi imposto, vide por todos Acórdão de V. Exa. datado de 07/07/2021, Proc. n.º 13626/13.3TDPRT.P1 in www.dgsi.pt.

35. Ora, entendemos que tal tipo de comportamento não poderá ser assacado ao arguido, ante os elementos factuais juntos aos autos.

36. Por conseguinte, ante tudo quanto exposto, cremos que mal andou o douto tribunal a quo na aplicação do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 56.º do Cód. Penal, inexistindo por parte do Recorrente, incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres de conduta nos quais foi condenado, impondo-se, salvo melhor entendimento e respeitosamente, a revogação daquele despacho e a determinação da extinção da pena do arguido nos termos do disposto no art. 57.º, n.º 1 do Cód. Penal.”

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A este recurso respondeu o Ministério Público, defendendo a bondade do despacho recorrido, por entender não existir qualquer vício dos previstos no art. 410º, n º 2 do C.P.P. e que o arguido violado de modo grosseiro os deveres a que estava obrigado, sendo o seu comportamento censurável por alheamento e desconsideração pela condenação, revelando descuido e leviandade; não sendo possível renovar o juízo de prognose favorável, pelo que o recurso deverá ser julgado improcedente.

Já neste Tribunal e no seu parecer, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto acompanhou a resposta do Ministério Público em primeira instância, defendendo também a improcedência do recurso.
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Nos presentes autos, o arguido AA foi condenado (cf. acórdão de 1ª instância de 26/11/2015 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/09/2016, transitado em julgado em 16/03/2017), pela prática de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. pelo artigo 372º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo artigo 256º, nºs 1, al. a), e 4, do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante a condição de, durante o prazo de suspensão, pagar ao Estado Português a quantia de €128.758,20 e à lesada “Infraestruturas de Portugal, SA” metade da quantia em que foi condenado a título de indemnização civil (ou seja, €38.833,96).
Decorreu o aludido período de suspensão até 16/09/2020.
Em 28/09/2020 foi junto aos autos o CRC do arguido, verificando-se que o arguido não foi condenado por qualquer crime cometido no decurso do período de suspensão.
Não foi comunicado aos presentes autos que exista pendente contra o arguido qualquer processo de natureza criminal, nomeadamente por factos cometidos no decurso do período de suspensão – mesmo após solicitada a correspondente informação.
Verificou-se que o arguido não procedeu ao pagamento, ainda que parcial, de qualquer das acima referidas quantias.
O mesmo foi notificado, em 13/05/2021, para vir aos autos comprovar ter procedido ao pagamento, total ou parcial, das quantias impostas como condição de suspensão da pena ou, não o tendo feito, informar a tal respeito o que tivesse por conveniente (refª 116179251).
Não obstante, o arguido nada disse.
No decurso do período de suspensão da pena nada reportou aos autos sobre eventuais dificuldades em proceder ao pagamento.
Em 10/11/2021, procedeu-se à audição do arguido, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 495º, nº 2, do Código de Processo Penal, conforme consta do correspondente auto (auto de audição de arguido de 10/11/2021, de refª 118757860.
No decurso dessa audição, o arguido apresentou aos autos os documentos juntos sob a refª 118773105, referentes aos rendimentos auferidos a título de pensão no ano de 2020 e à incapacidade da mulher do arguido.
O arguido prestou declarações acerca das razões do incumprimento e da sua situação económica, referindo, em suma, que não tem condições financeiras para proceder ao pagamento devido, expondo a sua atual situação socio económica e alegando que apenas quando de tal audição tomou conhecimento de que a suspensão da pena estava subordinada à predita obrigação de pagamento.
Em 14/12/2021, o Ministério Público, promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA, determinando-se o efetivo cumprimento desta.
Cumprido o contraditório, o arguido apresentou aos autos o seu requerimento de 17/01/2022, no qual veio, uma vez mais, invocar a sua incapacidade financeira para proceder ao pagamento, ainda que parcial – alegando, no essencial, os factos atinentes à sua situação socioeconómica já por si referidos quando da sua audição.
Em 02/02/2022, foi proferida a decisão ora recorrida, na qual se consideraram e se expuseram, os factos com relevo para a decisão – nomeadamente, a omissão do pagamento e a situação socioeconómica relatada pelo arguido.
Decidiu-se, a final, revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que AA foi condenado nos presentes autos, determinando o seu cumprimento.
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É este o teor do despacho recorrido:
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Nos presentes autos, foi AA condenado (cf. acórdão de 1ª instância de 26/11/2015 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/09/2016, transitado em julgado em 16/03/2017), pela prática de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. pelo artigo 372º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo artigo 256º, nºs 1, al. a), e 4, do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante a condição de, durante o prazo de suspensão, pagar ao Estado Português a quantia de €128.758,20 e à lesada “REFER, EPE”, atualmente designada “Infraestruturas de Portugal, SA”, metade da quantia em que foi condenado a título de indemnização civil (ou seja, €38.833,96).
Decorreu já o aludido período de suspensão, pelo que se impõe averiguar se tal pena deve ser declarada extinta ou se existe motivo para a revogação da suspensão da mesma, tendo em perspetiva o preceituado nos artigos 56º e 57º do Código Penal.
Não tendo o condenado demonstrado nos autos o cumprimento do aludido dever de pagamento, em 10.11.2021, procedeu-se à sua audição, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal, conforme consta do respetivo auto.
Na promoção de 14.12.2022, a Ex.ma Sra. Procuradora da República emitiu parecer no sentido da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos e pelos fundamentos que aí constam e que aqui damos por reproduzidos.
Cumprido o contraditório, mediante requerimento datado de 17.01.2022, pugnou o condenado em sentido contrário, ou seja, pela decisão de não revogação, nos moldes que aí constam e que aqui damos por reproduzidos.
Vejamos.
Das declarações do arguido e dos documentos juntos aos autos extraem-se os seguintes factos com relevo para a decisão:
- Não consta do certificado de registo criminal qualquer condenação por crime cometido durante o período da suspensão da execução da pena de prisão;
- O condenado não efetuou o pagamento de qualquer quantia monetária ao Estado Português e à lesada “REFER, EPE”, atualmente designada “Infraestruturas de Portugal, SA”, em cumprimento do decidido no acórdão condenatório;
- Desde a data de prolação do acórdão condenatório até janeiro de 2019, o condenado esteve desempregado e a receber o respetivo subsídio de desemprego, tendo, entretanto, obtido a reforma antecipada, recebendo uma pensão no valor de 1.066,67€;
- Vive com a esposa, que recebe uma pensão de invalidez no valor mensal de 325,00€, em casa dos filhos, não pagando renda de casa;
- Suporta despesas fixas mensais, nomeadamente de subsistência, de valor mensal não concretamente apurado.
Dispõe o art. 50º, n.º 1, do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.“
Estatui o art. 56º do Código Penal que “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Por seu turno, estatui o art. 57º, n.º 1, do mesmo diploma que “A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação”.
No caso vertente está em causa a previsão da alínea a) do art. 56º do Código Penal, sendo certo que a verificação de uma ou outra das situações contempladas no aludido preceito legal não determina automaticamente a revogação da suspensão decretada. É necessário concluir, em face das circunstâncias do caso, que a suspensão não logrou alcançar as finalidades visadas.
Concretamente no que à al. a) do art. 56º diz respeito, a lei não define o que deve entender-se por violação grosseira dos deveres, deixando ao critério do julgador a fixação dos seus contornos. Teremos, então, que nos socorrer dos ensinamentos da doutrina, que define a negligência grosseira como “a culpa temerária; o esquecimento dos deveres gerais de observância; a demissão pelo agente dos mais elementares deveres que não escapam ao comum dos cidadãos; uma inobservância absolutamente incomum” – nas palavras de Cuello Callon, “Derecho Penal”, I, págs. 450/1; Jescheck, “Tratado”, II, 783; Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, 457, nota 2.
Como sublinham Vítor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, “grosseira quer dizer grave, rude, ordinária, vil, baixa, reles”. E acrescentam que “a repetição do infringente, persistindo em não cumprir ou em não corresponder vale, só por si, uma forma de grosseria e daí a equivalência analógica que a lei estabelece” (vide “Código Penal- Anotado e Comentado”, Quid Juris – 2008, pág. 189).
Já Paulo Pinto de Albuquerque salienta que “a infração grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social não tem de ser dolosa, sendo bastante a infração que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade”.
E adianta que “a infração repetida dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social é aquela que resulta de uma atitude de descuido ou leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num ato isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória”. Mais sublinha que “o critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado” (cfr. “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora – 2008, páginas 201 e 202).
Ora, no caso em apreço, como ressuma dos autos, o condenado não cumpriu, nem sequer parcialmente, a obrigação de pagamento das quantias monetárias supra discriminadas que lhe foi imposta como condição de suspensão da execução da pena de prisão.
Ouvido em declarações, o condenado justificou a falta de pagamento invocando dificuldades económicas.
Todavia, ao longo do período de suspensão nunca o condenado tomou a iniciativa de transmitir ao Tribunal as alegadas dificuldades económicas ou o agravamento da sua situação económico financeira.
Resulta da experiência comum e funcional que quando os condenados interiorizam o alcance do incumprimento de dever imposto como condição de suspensão da execução da pena de prisão, respeitam as decisões do Tribunal e temem as suas repercussões, se têm efetivamente motivos que os levam a incumprir – nomeadamente dificuldades económicas ou razões de saúde –, estando de boa fé apressam-se a transmitir tal circunstancialismo para que seja tido em consideração e lhes seja relevado tal incumprimento.
Não obstante, no caso em apreço o condenado nada informou ao Tribunal, nomeadamente dificuldades económicas, ou o agravamento da sua situação financeira, sendo que este não podia invocar pois, como o próprio admitiu quando prestou declarações em 10.11.2021, a sua condição financeira melhorou no decurso do período de suspensão.
Essa melhoria da condição financeira não é uma perceção subjetiva do condenado, antes resultando objetivamente comprovada em face da situação retratada no acórdão condenatório.
Relembremos que, quanto à situação profissional e económica, apurou-se e exarou-se o seguinte recorte factual:
“65. Terminado o serviço militar, o arguido trabalhou cerca de ano e meio no sector da construção civil, até que iniciou atividade na então “Caminhos de Ferro de Portugal”, mudando-se o casal de Lisboa para Évora.
66. O arguido manteve-se nessa empresa, posteriormente “REFER, EPE”, até 2002.
67. Posteriormente começou a efetuar trabalho por conta própria, trabalhando ainda para empresa “O... - Tratamento e Limpezas Ambientais” e na “S..., SA”, atividades que desempenhou durante cerca de quatro anos na zona de Ovar.
68. Por extinção do posto de trabalho, saiu com indemnização e passou a beneficiar de subsídio de desemprego durante cerca de dois anos.
69. Atingido o limite legal de atribuição, recorreu ao programa do rendimento social de inserção de que beneficiou durante dois meses, até conseguir integração laboral.
70. Desde então, trabalhou para a “Acústica Médica”, como promotor de vendas, baseando-se a sua atividade na integração em unidade móvel de rastreio auditivo, auferindo €725,08 mensais.
71. Em 31-08-2015 ficou desempregado, por caducidade do contrato de trabalho a termo, beneficiando de um subsídio durante 600 dias, no valor de €17,60 diários nos primeiros 180 dias, passando depois para €10.
72. Presentemente, o casal vive em casa arrendada, pagando €300 mensais, num imóvel de tipologia T1, que reúne condições de habitabilidade.
73. A mulher do arguido é reformada por invalidez há vários anos, devido a doença debilitante (fibromialgia), auferindo uma pensão de €274 mensais”.
É, pois, incontroverso que a situação financeira do arguido melhorou no decurso do prazo de suspensão da execução da pena de prisão, facto que o próprio admite como resulta das suas declarações, gravadas na plataforma digital em uso no Tribunal.
Outrossim, o condenado compreendeu o alcance e significado da suspensão da execução da pena de prisão mediante a condição de efetuar os pagamentos discriminados no acórdão do Tribunal superior, como também admitiu quando ouvido, tanto mais que é pessoa com formação académica superior.
Em face das circunstâncias vindas de analisar, ressalta à vista que o condenado discorda da decisão que lhe impôs o dever de pagamento, alegando que já à data da condenação não tinha condições financeiras para a cumprir – disse-o nas declarações que prestou em 10.11.2021 e reiterou-o no seu requerimento de 17.01.2022.
Ora, tendo sido condenado em primeira instância em pena de prisão efetiva, o arguido recorreu, pugnando pela suspensão da execução da pena.
O Tribunal superior apreciou essa questão sopesando, naturalmente, não só a situação económica do condenado retratada na factualidade provada, mas, também, as quantias monetárias que o arguido, comprovadamente, obteve com a prática dos factos ilícitos pelos
quais foi condenado, no valor global de, pelo menos, 128.758,29€, decidindo que se impunha suspender a execução da pena de prisão de 3 anos e 6 meses “na condição de, nesse período, fazer prova nos autos do pagamento ao Estado Português da quantia de €128.758,20 e, ainda, de metade da quantia em que foi condenado no pedido de indemnização civil”.
A condição de pagamento surge, pois, como estruturante da decisão de suspensão da execução da pena de prisão, como sucede, aliás, em casos similares, de que são exemplo as condenações operadas no processo 362/08.1JAAVR (conhecido por “Face Oculta”), que pende neste juízo, em que o principal arguido é o aqui também coarguido –BB –, estando em causa o mesmo tipo de ilícitos.
Sucede que o condenado pretendia a simples suspensão da execução da pena de prisão, sem condicionamento a dever de pagamento, discordando, por isso, da decisão proferida pelo Tribunal superior.
E por discordar da condição de pagamento que lhe foi imposta, o condenado ignorou por completo a condenação, escudando-se nas suas condições económicas que foram apreciadas pelo Tribunal superior e cuja decisão transitou em julgado.
E, volvidos aproximadamente quatro anos e meio, o condenado pretende voltar a discutir a questão de, na sua perspetiva, já à data do acórdão condenatório, não dispor de condições financeiras para efetuar o pagamento que aquele determinou. Ou seja, pretende obter a reversão da decisão do Tribunal superior, que não conseguiu alcançar pela via de recurso, que se esgotou.
Tal atuação do condenado colide com princípios basilares enformadores do processo penal num estado de direito democrático, com consagração constitucional.
Assim, desde logo, a intangibilidade do caso julgado, resultante da consagração do princípio ne bis in idem (cfr. n.º 5 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa). Este deriva do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, que constitui um elemento integrante do próprio princípio do estado de direito, estruturante do nosso sistema jurídico-político, consagrado no art. 2.º daquela lei fundamental.
O caso julgado material assume dupla dimensão: do ponto de vista objetivo, visa proteger a segurança e a certeza da decisão judicial que, esgotados os meios processuais próprios, se tornou definitiva e com força obrigatória geral, caraterizando-se pela intangibilidade; do ponto de vista subjetivo, tem como desiderato a proteção do condenado, prevenindo a possibilidade de ser julgado mais que uma vez pelo mesmo facto, proibindo, assim, um duplo julgamento e, eventualmente, uma injusta ação punitiva do Estado.
O trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação do Porto decidiu definitivamente a questão da (in)existência, à data, de condições económicas para o cumprimento da condição de pagamento que entendeu impor.
De igual modo, o princípio da igualdade previsto no art. 13º da Constituição da República Portuguesa – segundo o qual todos os cidadãos são iguais perante a lei –, pretendendo o condenado que se adotassem critérios distintos dos que foram usados para a decisão dos moldes da suspensão da execução de penas de prisão, criando situações de desigualdade relativamente a outros condenados em situações similares. Note-se que, como se disse, o Tribunal superior adotou, como não podia deixar de ser, critério unívoco quanto aos moldes da suspensão da execução da pena de prisão relativamente a condenados cuja pena única ou conjunta não excedia os cinco anos noutras situações em que estão em causa crimes da mesma tipologia e envolvendo valores monetários de grandeza aproximada, condicionando-os ao dever de pagamento ao Estado, a instituições ou aos lesados.
Acresce que, para além da ofensa ao valor fundamental da igualdade, a comunidade, particularmente atenta ao desenrolar de processos de criminalidade económico financeira, jamais compreenderia e aceitaria uma decisão que optasse por um critério distinto do adotado anteriormente, interpretando-a, seguramente, como parcial e favorecedora de condenado que, após integrar, de forma ilícita, no seu património quantias monetárias de valor total tão significativo – 128.758,20€ –, escuda-se na falta de condições financeiras para cumprir, pelo menos, a condição de pagamento ao Estado dessa quantia, que se traduz, no fundo, na restituição do indevidamente recebido.
A circunstância de o condenado se encontrar integrado em termos familiares e sociais – neste conspecto, apenas porque não são conhecidos fenómenos de rejeição social no meio de residência, porque é consabido que pessoa que comete crimes como os que estão em causa não está verdadeiramente integrada na sociedade, apenas o aparenta e, diga-se, normalmente até se prevalece dessa aparência para os cometer – também não neutraliza a falta de cumprimento do dever de pagamento imposto como condição de suspensão da execução da pena de prisão.
A ausência da prática de crimes no período de suspensão da execução da pena também não compensa a falta de cumprimento da condição de pagamento uma vez que, por um prisma, aquela é, em essência, a obrigação de qualquer cidadão e, por outro, que o condenado obteve, com a prática dos crimes que determinaram a sua (única) condenação, vantagens económicas que outros condenados não logram obter ao longo de uma longa carreira criminosa.
Entendimento diverso seria interpretado – salvo o devido respeito por opinião contrária – como injustificada complacência com o condenado, inadmissível na arquitetura do sistema judicial vigente.
Em suma, a decisão a tomar não pode repercutir-se na conformação desigual de situações jurídico-subjetivas idênticas sem que para a medida de desigualdade sejam indicadas razões válidas que não colidam com as que anteriormente foram ponderadas e sancionadas pelo Tribunal superior e os mencionados princípios.
Estamos, pois, perante uma situação de incumprimento reiterado, prolongado, culposo e grosseiro por parte do condenado que, desde logo, não aceitou a decisão que lhe impôs o dever de pagamento e, por isso, de forma consciente e voluntária nada fez para a cumprir, ainda que parcialmente, desprezando por completo a reação punitiva do Estado.
Perante tal postura do condenado resta concluir que este não foi sensível à suspensão da execução da pena de prisão, interpretando-a como uma forma de clemência ou, até, de impunidade do seu comportamento delituoso, sem quaisquer repercussões práticas na sua vivência, reservando-se o direito de não cumprir o dever de pagamento que lhe foi imposto por dele discordar.
Afigura-se, pois, indubitável que se frustrou o juízo de prognose que fundamentou a suspensão da execução da pena e as finalidades da punição.
Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do preceituado no art. 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que AA foi condenado nos presentes autos, determinando o seu cumprimento.
Notifique.
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Após trânsito:
a) – Remeta boletim ao Registo Criminal;
b) – Passe mandados de detenção e condução do arguido ao estabelecimento prisional para cumprimento da pena de prisão.
Aveiro, 02.02.2022.”
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Questões a decidir:
Vicio da insuficiência da matéria de facto.
Revogação da suspensão de execução de pena de prisão, por se ter concluído que o condenado – aqui recorrente – violou de forma grosseira as condições que lhe foram impostas em decisão transitada.

Decidindo.
Considera o arguido-recorrente que a decisão recorrida assenta em factos julgados provados que são insuficientes para a prolação da mesma, tendo violado o disposto no artigo 495º, nº 2, do Código de Processo Penal, que impõe ao tribunal a recolha da prova necessária para apuramento dos factos – pelo que, conclui, padece do vício previsto no artigo 410º, nº 2, al. b), do Código de Processo Penal.
Entende que deveria ter sido indagado que despesas acrescidas decorrem para o agregado familiar da incapacidade da sua esposa, bem como as razões que levaram o arguido a não trazer ao conhecimento do tribunal as razões de não poder pagar, ainda que parcialmente.

Nos termos do artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Conforme resulta de tal normativo e vem sendo unanimemente acolhido jurisprudencialmente, tais vícios têm que resultar da própria decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum (não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, mesmo que provenientes do julgamento).

O vício que vem alegado pelo arguido-recorrente com fundamento em tal normativo é um vício relativo à sentença – ou seja, relativo à decisão que conhece a final do objecto do processo (artigo 97º, nº 1, al, a), do Código de Processo Penal).
Conclusão que se alcança por confronto com a norma decorrente do artigo 426º do Código de Processo Penal – da qual resulta que, em caso de verificação de tais vícios, a consequência é a do reenvio para novo julgamento.
Não pode, pois, a alegação de tal vício constituir fundamento de recurso de decisões proferidas após a prolação da decisão final (sentença), como é o caso da decisão ora recorrida, pelo qu nesta parte concorda-se com a argumentação do M.P. a quo.

Mas, ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que o invocado vício não se verifica.

O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que o artigo 410º, nº 2, al. a), do Código de Processo Penal, configura como um dos possíveis fundamentos de recurso.
Como se refere, entre outros, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011 (processo nº 288/09.1GBMTJ.L1-5), o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2, al. a), do Código de Processo Penal), verifica-se quando o tribunal não tiver considerado provado ou não provado um facto alegado pela acusação ou pela defesa ou de que possa e deva conhecer, nos termos do artigo 358º, nº 1, CPP, se esse facto for relevante para a decisão da questão da culpabilidade, ou quando, podendo fazê-lo, não tiver apurado factos que permitam uma fundada determinação da sanção (disponível em www.dgsi.pt).
O que aí está em causa é a omissão, na sentença, de factos necessários à decisão, por o Tribunal não ter indagado e conhecido dos factos como devia e podia, tendo em vista a decisão a proferir, por confronto com o objecto do processo.
Tal omissão há-de traduzir-se na ausência de factos que permitam uma decisão da causa dentro do quadro das várias soluções plausíveis de direito, conduzindo a uma impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito sobre a mesma – seja a proferida efectivamente, seja outra de sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao caso concreto.
Tal vício não se confunde com a errada apreciação e valoração, face às normas jurídicas aplicáveis, dos factos apurados – que é o que afinal pretende o aqui recorrente.
Ora, visto a decisão recorrida não se surpreende no mesmo qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
A Mª Juiz a quo pronunciou-se de forma completa sobre os factos de que dependia a decisão a proferir, dentro do âmbito daqueles que foram trazidos ao seu conhecimento.
Aliás, dando como assentes aqueles relativos à situação sócioeconómica do arguido pelo mesmo referidos quando da sua audição e alegados no seu requerimento de 17/01/2022.
Ademais, não se vislumbra da decisão sob recurso que tenha ficado por indagar ou apreciar qualquer outra factualidade relevante para a decisão a proferir que tivesse sido levada à apreciação do Tribunal a quo.

O arguido-recorrente vem alegar que deveria ter sido indagado que despesas acrescidas decorrem para o agregado familiar da incapacidade da sua esposa, bem como as razões que levaram o arguido a não trazer ao conhecimento do tribunal as razões de não poder pagar, ainda que parcialmente.
Ora, o arguido, quando da sua audição, foi indagado sobre a sua situação económica e teve oportunidade de a expôr, nomeadamente todas as despesas que teria – nada mais adiantando acerca de despesas acima do normal em qualquer agregado familiar, apesar de várias vezes se ter referido à incapacidade da sua esposa.
O mesmo fez no seu requerimento de 17/01/2022, no exercício do contraditório (Trata-se de assegurar o princípio do contraditório e da audição prévia, segundo o qual assiste ao arguido o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração, de modo a que não seja proferida qualquer decisão surpresa contra o arguido, por factos dos quais não teve oportunidade de se defender.
No que respeita ao arguido, estão em causa as «garantias de defesa» a que alude o nº 1 do mesmo art. 32º. Perante os direitos fundamentais, o processo penal mostra-se orientado, neste domínio, para a defesa, não indiferente ou neutral. O contraditório funciona, assim, como instrumento de garantia desses direitos e corrige assimetrias processuais suscetíveis de pôr em causa o estatuto jurídico do arguido moldado pelo sistema garantístico constitucionalmente exigido, como sistematicamente vem afirmando o Tribunal Constitucional), não juntando documentação comprovativa das despesas alegadas.
O tribunal a quo na sua decisão referiu ter tomado conhecimento deste requerimento, plasmando no seu suporte fáctico que o mesmo suportava despesas fixas mensais, nomeadamente de subsistência, de valor mensal não concretamente apurado.
Ademais, o núcleo indispensável à subsistência, com dignidade, da pessoa condenada e do seu agregado, constitui um limite oponível ao cumprimento do dever imposto, mas a satisfação de outras necessidades pessoais e familiares à custa dos rendimentos ou do património do arguido, deixa de pautar-se unicamente por critérios de racionalidade económica, ou de outra natureza, ficando incontornavelmente condicionada pelo dever de o arguido satisfazer a obrigação pecuniária imposta na condenação penal, enquanto condição da suspensão da pena de prisão.
Assim sendo, não se alcança, nesse âmbito, que outras indagações deveria a Mª Juiz a quo ter apreendido, quando foram dadas diversas oportunidades ao arguido para tal.
Quanto às razões alegadas para não ter trazido ao conhecimento do processo as suas alegadas dificuldades, resultam as mesmas das suas declarações – tendo o arguido afirmado que até então nem sequer se tinha apercebido de que a suspensão da pena estava condicionada ao pagamento.
O que o arguido agora alega em sede de recurso – em suma, falta de aconselhamento e possíveis elocubrações sobre como o tribunal teria entendido uma tal exposição – além de irrelevantes para o efeito pretendido pelo recorrente, são circunstâncias sobre as quais não cabe ao decisor cogitar e, muito menos, indagar.
Aliás, mal se compreende uma tal alegação quando o arguido esteve sempre representado nos autos pelo seu defensor e, sobretudo, quando face a uma condenação em pena suspensa aquele dela foi regularmente notificado. O arguido sabia (ou pelo menos não podia ignorar) visto estar assistido por advogado. Portanto, desde pelo menos Março de 2017 que o arguido sabia que tinha de cumprir a condição imposta e, ainda assim, nada fez, antes optando por conduzir a vida "como se nada fosse".

Conclui-se, assim, que a decisão recorrida não padece de qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, nomeadamente o apontado pelo arguido-recorrente.

Assim sendo, nesta parte improcede o recurso.
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Da verificação dos pressupostos de revogação da suspensão da pena decorrentes do artigo 56º, nº 1, al. a), do Código Penal
Pretende o arguido-recorrente, em suma, que as suas circunstâncias pessoais determinam que não se possa considerar a omissão do pagamento imposto como um incumprimento grosseiro, reiterado e/ou repetido, por não ter resultado de falta de cuidado manifesto, indesculpável e leviano, não se podendo qualificar como atitude intolerável ou injustificada.

Visto o acórdão condenatório de 1ª instância proferido nos autos, datado de 26/11/2015, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/09/2016 (transitado em julgado em 16/03/2017), constata-se que o arguido foi condenado pela prática de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. pelo artigo 372º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo artigo 256º, nºs 1, al. a), e 4, do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Tal pena foi-lhe suspensa na sua execução por igual período, mediante a condição de, durante o prazo de suspensão, pagar ao Estado Português a quantia de €128.758,20 e à lesada “Infraestruturas de Portugal, SA” metade da quantia em que foi condenado a título de indemnização civil (ou seja, €38.833,96).
Decorreu o aludido período de suspensão até 16/09/2020 sem que o arguido tenha procedido ao pagamento, ainda que parcial, ou tenha vindo aos autos aduzir qualquer facto relativo a dificuldades no cumprimento.
Ora, tudo depende das particularidades do caso concreto e, a jusante, da prognose sobre a possibilidade de vir a atingir-se ainda as finalidades que estavam na base da suspensão, tendo-se bem presente que após a revisão de 1995 a subordinação da suspensão da pena ao cumprimento de deveres se destina especificamente à reparação do mal do crime, ou seja, à prossecução de finalidades de prevenção geral positiva.
Quanto ao caráter culposo do incumprimento, tem-se entendido que nos casos de violação do dever de pagar quantia determinada, a conduta culposa do condenado traduz-se, essencialmente, numa de duas hipóteses. O arguido deixa de realizar o pagamento apesar de dispor de possibilidades económicas para o efeito ou, verificando-se impossibilidade de cumprir a condição, foi o condenado quem se colocou em posição de não poder fazer o pagamento imposto. Nesta última hipótese, cabem tanto os casos de colocação dolosa do condenado em situação que o impossibilite de fazer o pagamento, como a conduta negligente que leva ao mesmo resultado, pois o artigo 56º não limita, em caso algum, a revogação da suspensão à atuação dolosa do arguido.

Ainda em sede de caraterização da conduta violadora do dever de pagar a indemnização devida ao lesado, resulta da conjugação dos artigos 51º nºs 1 e 2 e 56º, do C. Penal, que a impossibilidade de incumprimento deve ser aferida a partir da situação económica verificada ao tempo da condenação, pois em face do nº2 do artigo 51º do C. Penal, o tribunal apenas deve impor a obrigação de pagar, total ou parcialmente, a indemnização, se esta obrigação for, razoavelmente, de lhe exigir, o que pressupõe a capacidade económica de satisfazer a obrigação nos termos em que esta condiciona a suspensão da pena.
O tribunal da Relação entendeu, à data, que o arguido tinha condições para o fazer, ciente de que estava das condições socioeconómicas do arguido na data de tal decisão, pontos 60 e ss do acórdão da 1ª instância, datado de 26.11.15.

Conforme resulta apurado pela decisão recorrida, por confronto com a situação socioeconómica dada como provada à data da condenação, o arguido acabou por ver melhorada a sua situação financeira.
“- Desde a data de prolação do acórdão condenatório até janeiro de 2019, o condenado esteve desempregado e a receber o respetivo subsídio de desemprego, tendo, entretanto, obtido a reforma antecipada, recebendo uma pensão no valor de 1.066,67€;
- Vive com a esposa, que recebe uma pensão de invalidez no valor mensal de 325,00€, em casa dos filhos, não pagando renda de casa;
- Suporta despesas fixas mensais, nomeadamente de subsistência, de valor mensal não concretamente apurado.”
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Prevê-se no artigo 55º do CP que se, durante o período de suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção social, pode o tribunal: a) fazer uma solene advertência; b) exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção: d) prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n. 5 do artigo 50.º.

Nos termos do artigo 56º, nº 1, do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.
Tal incumprimento deve ademais, revelar que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17/10/2012 (processo nº 91/07.3IDCBR.C1), consultável em ‘http://www.dgsi.pt’, “A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a), do nº 1, do artigo 56º, do Código Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação. Importa no entanto salientar que a infracção grosseira dos deveres que são impostos ao arguido não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade”.
A suspensão da execução da pena, prevista no Art. 50º do Código Penal, é aplicada quando o Tribunal, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias em que este foi cometido, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Como é consabido, as finalidades da punição referem-se à prevenção geral positiva, à prevenção especial e à ressocialização, sendo de esperar que tal ameaça afaste o delinquente da criminalidade, posto que a sua personalidade o permita.
Estes princípios remetem-nos à questão primária da culpa, vista agora numa perspetiva mais teórica (Mezger, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Vol. XXXII, pág. 196):
A essência e a função da culpa jurídico-penal vimo-la, fundamentalmente, numa estreita vinculação do facto penal com a personalidade do seu autor; neste sentido, Loffler, nas suas investigações históricas (Die Schuldformen des Strafrechts, 1895, pág. 5), designa a «culpa» como «o conjunto das relações penalmente relevantes entre o mundo interno de um homem e o resultado socialmente nocivo dos seus actos».
A Frank devemos a importante indicação de que a culpa é «reprobabilidade», com o que temos a afirmação decisiva de que a culpa jurídico-penal não fica esgotada numa referência «psicológica», senso que recebe o seu conteúdo por meio da «reprovação» que leva consigo, isto é, mediante um juízo normativo de valoração. Com isto, as circunstâncias do facto tornam-se relevantes para o juízo da culpa. O juiz atual tem o dever de estabelecer contactos com os métodos e resultados das ciências vizinhas e afins e ditar sentenças sobre esta base (ibidem).
Essa reprovação deverá ser entendida pelo agente do crime como um aviso sério de que deverá emendar o seu comportamento, respeitando a lei e agindo de forma socialmente adequada e ajustada, sem praticar atos desviantes, cumprindo as condições impostas e mantendo o rigor e a validade da regra punitiva, ou seja, reforçando o respeito pela norma.
A suspensão da execução da pena poderá ser revogada, nos termos do Código Penal, quando ocorram os pressupostos previstos no seu Art. 56º.
Dispõe esta norma, sob a epígrafe "Revogação da suspensão":"1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado."
Decorre da alínea a), do nº 1 deste preceito, que é necessária a verificação de um elemento objectivo - a violação de deveres impostos - para que a suspensão da pena possa ser revogada.
Mas é necessária também a concorrência de um elemento subjetivo, que, na versão originária do C. Penal, se traduzia na exigência de culpa (Artº 50º) e que hoje se traduz na infracção grosseira ou repetida dos deveres de conduta ou regras impostas ou do plano individual de readaptação social aprovado: Ac. Rel. Guimarães, de 19.1.2009, https://blook.pt/caselaw/PT/TRG/183014.
Trata-se de saber se o condenado está em condições de ser reinserido na sociedade, sem danos para esta, ou se a prognose não o favorece.
Vejamos o que se pretende com a prognose favorável à reinserção:
No domínio jurídico-penal, a prognose (antecipação do futuro) está presente em cada uma das três etapas da realização da justiça penal.
No momento criador da norma, o legislador tratará de prever quais, de entre as sanções possíveis, serão as que melhor alcançarão os fins visados pelo sistema penal; e ainda, tendo em consideração as características sociológicas do respetivo povo, qual a recetividade deste às medidas a consagrar.
No momento da decisão concreta, o julgador, dentro dos parâmetros fixados pelo legislador e tendo em atenção o delinquente sobre quem há que decidir, deverá prever qual a pena mais eficaz (Bol. Fac. Dir. Coimbra, cit.).
Não nos dando a lei uma definição do que é a violação grosseira dos deveres de conduta, importa determinar o que o legislador pretendeu com este pressuposto.
Desde logo, tal violação grosseira de que fala o Artº 56º, nº 1, alínea a), do Código Penal, há de ser uma indesculpável atuação em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo ser tolerada, nem desculpada; uma atitude de vigoroso e sólido desvalor face às regras jurídicas, uma desfeita às decisões dos Tribunais.
Tal ocorre quando o condenado, de forma deliberada e leviana, se nega a respeitar as injunções impostas, se inibe de procurar viver segundo as regras sociais, se furta às condições que lhe foram impostas, com carácter benigno, pelo Tribunal, único Órgão de Soberania que importa considerar neste âmbito e nesta vertente.

Efetivamente, o arguido deixou decorrer todo o período de suspensão da pena, nada vindo aduzir aos autos sobre eventuais dificuldades de pagamento, nada requerendo com vista a um pagamento ainda que parcial e simbólico ou com vista à substituição de tal condição por outra equivalente (como prestação de serviço socialmente útil).
Quando notificado para esclarecer se tinha procedido ao pagamento ou, a esse respeito, dizer o que tivesse por conveniente, nada disse.
Por fim, quando ouvido, veio alegar – sem merecer credibilidade – que nem sequer tinha compreendido que a suspensão da pena estava condicionada ao aludido pagamento.
Tal comportamento revela-se, assim, descuidado e leviano.

Acresce que se está perante a imposição de um dever de pagamento que decorre de uma necessidade de reforço das finalidades da pena – mormente das finalidades de prevenção geral – ao abrigo do disposto no artigo 50º, nº 2, e 51º, nº 1, als. a) e c), do Código Penal.

Está em causa, além do mais, a condenação por um crime de corrupção passiva para ato ilícito.
Conforme decorre da matéria de facto então dada como provada, o arguido-recorrente, pelo menos desde o ano de 2001 e até ao ano de 2003, como contrapartida das suas condutas ali descritas, recebeu vantagens patrimoniais que ascenderam a pelo menos €128.758,29 – vindo o correspondente valor a ser declarado perdido a favor do Estado (de responsabilidade do recorrente).
Em resultado dessas mesmas condutas, a assistente REFER sofreu um prejuízo patrimonial de €77.667,97 – tendo o arguido-recorrente sido condenado, solidariamente com o coarguido BB, ao pagamento da aludida quantia, a título de indemnização, acrescida de juros de mora.
É cada vez mais premente, face ao sentir comunitário e no caso de crimes de corrupção e afins, a efetiva consolidação e cumprimento da vertente da perda das vantagens patrimoniais obtidas.
Também premente se mostra, face a tais exigências de prevenção geral, a reparação dos danos causados às vítimas e aos lesados pela prática de crimes.
Na verdade, constituindo a imposição do dever de pagar a indemnização arbitrada elemento integrante e particularmente relevante da reação penal contrafáctica ao cometimento do crime pelo qual o arguido foi condenado, não pode deixar de considerar-se que a confiança da generalidade dos cidadãos na tutela penal representada pelo tipo de crime violado não se mostra de modo algum reposta, pois o arguido teve oportunidade de pagar a totalidade ou parte da quantia arbitrada durante os anos entretanto decorridos, particularmente nos três primeiros anos após o trânsito em julgado do condenatório e nada pagou, pelo que pode dizer-se que o arguido não cumpriu ainda qualquer pena pelos ilícitos penais praticados.
Ora, parafraseando Anabela Rodrigues, em trecho relativo ao critério de escolha das penas de substituição, dizemos a propósito do caso presente que “… nenhum ordenamento jurídico suporta pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão” – cfr Critério de escolha das penas de substituição in Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, I, Número especial do BFD, Coimbra1984 p. 40 e 41.

Podemos concluir que, no caso dos autos, face ao incumprimento verificado e ao alheamento mostrado pelo recorrente com tal comportamento, fica posto em causa de forma irremediável o juízo que presidiu à imposição de uma pena suspensa na sua execução e sua subordinação ao predito dever de pagamento?
Juízo esse de prognose favorável, não apenas quanto ao futuro comportamento do arguido, mas igualmente quanto à reposição das expectativas comunitárias quando à efetiva validade e vigência da norma proibitiva subjacente à incriminação?
A consciência comunitária dificilmente compreenderia que, num caso como o dos autos, face às avultadas vantagens patrimoniais auferidas como contrapartida de um crime de corrupção e aos avultados prejuízos causados, não fosse pago um único cêntimo da quantia declarada perdida a favor do Estado, nem da quantia arbitrada à assistente e lesada.
Sobretudo quando tal pagamento foi imposto como condição da oportunidade dada ao arguido e traduzida na suspensão da execução da pena em que foi condenado.

A conduta do arguido acima retratada é reveladora, no mínimo, de uma postura de indiferença face à censura que lhe foi feita com a decisão condenatória e à oportunidade que lhe foi dada com a suspensão da pena.

A decisão recorrida ponderou o comportamento de inadimplência do arguido, sem, contudo, tomar o mesmo como condição automática de revogação.
Nesse âmbito, foi ponderado, desde logo, que a situação socioeconómica do arguido mereceu uma evolução favorável após a condenação – o que lhe permitia ter feito, pelo menos, um pagamento parcial.
Foi igualmente ponderada a inexistência de novos crimes praticados após tal condenação.
Não podia, porém, a decisão recorrida ignorar a vertente da satisfação das finalidades da pena aplicada, mormente as finalidades de prevenção geral que são elevadas em casos como o dos autos.

A suspensão da execução da pena, prevista no Art. 50º do Código Penal, é aplicada quando o Tribunal, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias em que este foi cometido, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Como é consabido, as finalidades da punição referem-se à prevenção geral positiva, à prevenção especial e à ressocialização, sendo de esperar que tal ameaça afaste o delinquente da criminalidade, posto que a sua personalidade o permita.
Estes princípios remetem-nos à questão primária da culpa, vista agora numa perspetiva mais teórica (Mezger, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Vol. XXXII, pág. 196):
A essência e a função da culpa jurídico-penal vimo-la, fundamentalmente, numa estreita vinculação do facto penal com a personalidade do seu autor; neste sentido, Loffler, nas suas investigações históricas (Die Schuldformen des Strafrechts, 1895, pág. 5), designa a «culpa» como «o conjunto das relações penalmente relevantes entre o mundo interno de um homem e o resultado socialmente nocivo dos seus actos».
A Frank devemos a importante indicação de que a culpa é «reprobabilidade», com o que temos a afirmação decisiva de que a culpa jurídico-penal não fica esgotada numa referência «psicológica», senso que recebe o seu conteúdo por meio da «reprovação» que leva consigo, isto é, mediante um juízo normativo de valoração. Com isto, as circunstâncias do facto tornam-se relevantes para o juízo da culpa. O juiz actual tem o dever de estabelecer contactos com os métodos e resultados das ciências vizinhas e afins e ditar sentenças sobre esta base (ibidem).
Essa reprovação deverá ser entendida pelo agente do crime como um aviso sério de que deverá emendar o seu comportamento, respeitando a lei e agindo de forma socialmente adequada e ajustada, sem praticar atos desviantes, cumprindo as condições impostas e mantendo o rigor e a validade da regra punitiva, ou seja, reforçando o respeito pela norma.
A suspensão da execução da pena poderá ser revogada, nos termos do Código Penal, quando ocorram os pressupostos previstos no seu Art. 56º.
Dispõe esta norma, sob a epígrafe "Revogação da suspensão": "1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado."

Sobre a norma do art. 56º nº 1, al. a), do C. Penal, é sabido que a revogação da suspensão da pena por incumprimento do agente das obrigações impostas, só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa grosseira (entre outros, acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/01/2009, processo nº2555/08.1 e de 04/05/2009, processo nº 2625/05.9PBBRG-A.G1 e do Tribunal da Relação do Porto de 09/12/2004, processo nº 0414646) e só terá lugar como “ultima ratio”, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no artigo 55º do Código Penal.
Como referem Leal Henriques e Simas Santos (in Código de Processo Penal Anotado, 2ª edição, 1995, Vol I, pág 478) «O não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional. Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências(…)».
E mais à frente referem estes autores «Mas as causas de revogação não devem ser entendidas como um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena. Aliás, como se viu, o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão».
Também para o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa 06-06-2006 (Processo: 147/2006- Relator: MARGARIDA BLASCO) “O incumprimento culposo determina a aplicação do regime do art. 55º do CP mas só o incumprimento grosseiro ou repetido das condições de suspensão ou a prática de crime pelo qual o condenado venha a ser condenado revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, conduzem à aplicação do art. 56º do CP.
A escolha da mais severa sanção para a revogação da suspensão só deverá adotar-se, sobretudo se se trata de pena de prisão, como ultima ratio, quando se mostrem ineficazes ou esgotadas as restantes medidas e o comportamento do arguido se revele doloso ou gravemente culposo”- carregado nosso.
No mesmo sentido decidiu o Ac. da R. Évora de 18-02-2014 (proc. nº 25/07.5PESTR.E2), com o seguinte sumário: “Só o incumprimento grosseiramente culposo do dever de pagar as quantias arbitradas a título de indemnização implica a revogação da suspensão da execução da pena de prisão”. e, então, em que se traduz a grosseria do comportamento do agente, até porque, como dizem os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa 06-03-2013 (Processo: 876/06.8PLLSB-G.L1-3) ”I- A lei, representada no art.º 56º, nº 1, al. a), do Código Penal, não define o que deve entender-se por “infringir grosseiramente ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos”, deixando ao critério do aplicador da lei a fixação dos seus contornos”
Decorre da alínea a), do nº 1 deste preceito, que é necessária a verificação de um elemento objectivo - a violação de deveres impostos - para que a suspensão da pena possa ser revogada.
Mas é necessária também a concorrência de um elemento subjetivo, que, na versão originária do C. Penal, se traduzia na exigência de culpa (Artº 50º) e que hoje se traduz na infracção grosseira ou repetida dos deveres de conduta ou regras impostas ou do plano individual de readaptação social aprovado: Ac. Rel. Guimarães, de 19.1.2009, https://blook.pt/caselaw/PT/TRG/183014.
Trata-se de saber se o condenado está em condições de ser reinserido na sociedade, sem danos para esta, ou se a prognose não o favorece.
Vejamos o que se pretende com a prognose favorável à reinserção:
No domínio jurídico-penal, a prognose (antecipação do futuro) está presente em cada uma das três etapas da realização da justiça penal.
No momento criador da norma, o legislador tratará de prever quais, de entre as sanções possíveis, serão as que melhor alcançarão os fins visados pelo sistema penal; e ainda, tendo em consideração as características sociológicas do respetivo povo, qual a recetividade deste às medidas a consagrar.
No momento da decisão concreta, o julgador, dentro dos parâmetros fixados pelo legislador e tendo em atenção o delinquente sobre quem há que decidir, deverá prever qual a pena mais eficaz (Bol. Fac. Dir. Coimbra, cit.).
Não nos dando a lei uma definição do que é a violação grosseira dos deveres de conduta, importa determinar o que o legislador pretendeu com este pressuposto.
Desde logo, tal violação grosseira de que fala o Artº 56º, nº 1, alínea a), do Código Penal, há de ser uma indesculpável atuação em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo ser tolerada, nem desculpada; uma atitude de vigoroso e sólido desvalor face às regras jurídicas, uma desfeita às decisões dos Tribunais.
Tal ocorre quando o condenado, de forma deliberada e leviana, se nega a respeitar as injunções impostas, se inibe de procurar viver segundo as regras sociais, se furta às condições que lhe foram impostas, com carácter benigno, pelo Tribunal, único Órgão de Soberania que importa considerar neste âmbito e nesta vertente, se coloca em situação de não cumprir ou revela no processo com os seus requerimentos, tentativa de se esquivar ao seu cumprimento, arranjando sucessivas desculpas, adotando uma postura dilatória, depois do tribunal lhe dar hipóteses para cumprir ao abrigo do art. 55º do C.P..
Ora, é inquestionável que o arguido incumpriu, com expressão, os seus deveres, quando nada mais disse ou fez nos autos ao longo de todo o período da suspensão.
Com efeito, se é verdade que, como tem sido sustentado pela jurisprudência, “a conduta infratora deve ser especialmente qualificada”, contudo, importa substanciar o que é isso de infração especialmente qualificada? Ora, consideramos que os índices de incumprimento previstos no art.56º nº1 do Cód. Penal estão diretamente associados aos fundamentos da suspensão da pena previstos no art.50º nº1 do mesmo diploma. Isto é, para operar a revogação da suspensão prevista no art.56º do CP não basta a violação formal de um dever existente no quadro da suspensão da pena, ainda que essa violação seja ostensiva (a qual é meramente indiciária).
Diversamente, para que a violação do dever ou o crime cometido opere a revogação, necessário se torna a quebra da confiança que fora depositada no arguido, assim como a falência do juízo de prognose que fora inicialmente formulado aquando da outorga da suspensão da pena, exigindo-se que o incumprimento dos deveres evidencie o risco sério da mera ameaça da pena de prisão não surtir o seu efeito e do arguido tornar a delinquir sem esquecer a prevenção geral positiva.
Este Tribunal de recurso, entende que ainda não estarão esgotadas as hipóteses, com recurso ao mecanismo do art. 55º do C. P., de o arguido cumprir a condição que expressamente o tribunal de recurso lhe impôs, ou seja, do pagamento ao Estado Português da quantia de €128.758,20 e do pagamento à demandante REFER EPE, atualmente designada por “ Infraestruturas de Portugal”, S.A (IP, SA) de metade da quantia em que foi condenado no pedido de indemnização civil, isto é, a quantia de €38.833,96 e não tendo ocorrido outro facto como o que se prevê na alínea b) do nº1 do art.56º do CP, a violação dos deveres pelo arguido, não afetaram, por ora, estruturalmente o juízo de prognose inicialmente formulado nos termos do art.50º nº1 do C.P., mas que será afetado se nada for grosseiramente pago, colocando em causa o reforço comunitário da norma violada na vertente da satisfação das finalidades da pena aplicada, mormente as finalidades de prevenção geral positiva -reparar o mal do crime- que são elevadas em casos como o dos autos.
Igualmente, no Ac. de 04.05.2016 (proc. nº 86/07.7GBCLD), disse a R. Coimbra: “Dúvidas não subsistem, portanto, de que o recorrente não cumpriu, totalmente, a condição económica da condição da suspensão. Não é, no entanto, um qualquer incumprimento que releva para este fim. A lei exige que seja grosseiro ou repetido o que significa que a conduta infratora deve ser especialmente qualificada, deve revelar um grau de culpa muito elevado, uma completa indiferença pelo condenado relativamente ao sentido de ressocialização que a condição imposta significava, na medida em que é parte integrante do ‘projeto’ de recuperação social subjacente ao decretamento da pena de substituição. Para as outras condutas infratoras, para aquelas que não densificam um tão elevado grau de indiferença e culpa, permitindo manter-se de pé a projetada realização das finalidades que estiveram na base do decretamento da suspensão, a lei prevê, no art. 55º do C. Penal, a aplicação de outras medidas”.
Em face do exposto, não deverá a suspensão ser revogada nem extinta a pena, o que se determina.
Em consonância com o acima referido, ao abrigo do disposto no art.55º, al. d) do Cód. Penal determina-se a prorrogar o período de suspensão pelo período de um ano com a obrigação de o arguido condenado entregar ao Estado, por conta do valor de €128.758,20, trimestralmente a quantia de €3.500,00, até se perfazer o montante global de €14.000,00.
Tal valor afigura-se-nos razoável e proporcional, justo e equitativo tendo presente: o valor da reforma do recorrente e despesas normais do dia a dia; não ignorando nós, que não paga renda; e também que a sua mulher aufere uma reforma e tem problemas de saúde; o montante que o condenado foi obrigado a restituir ao Estado no valor de €128.758,20; e a pagar à demandante REFER, no montante de €38.833,96.
De facto, o valor a que fica vinculado não representa sequer 1/10 do devido e por restituir, impondo-se ao recorrente que faça este esforço que se considera mínimo para que responda perante a sociedade pelos seus atos, sob pena de ser visto como impune atenta a natureza dos crimes que praticou- crime de corrupção passiva para ato ilícito e crime de falsificação de documento agravado.
Tudo sem prejuízo de recurso aos demais meios legais que se entenda por convenientes para recuperação do devido remanescente.
A propósito ver Acs. desta Relação do Porto de de 14 de Outubro 2020 e de 10/05/2017 in DGSI.

DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso parcialmente provido, determinando-se a revogação do despacho objeto da presente impugnação.

Determina-se prorrogar o período de suspensão aplicada ao recorrente pelo período de um ano com a obrigação de o arguido condenado entregar ao Estado trimestralmente, por conta do valor de €128.758,20, a quantia de €3.500,00, até se perfazer o montante global de €14.000,00.

Sem custas pelo recorrente.

Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 13-07-2022
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
Francisco Marcolino