MARCA NACIONAL
CADUCIDADE
USO SÉRIO
INALTERABILIDADE
Sumário

Caducidade da marca nacional por falta de uso sério – Conceito uniforme de uso sério da marca – Uso comercial – Uso típico – Inalterabilidade da marca – Artigos 16-º e 19º da Directiva (UE) 2015/2436 – Artigos 255.º, 267.º, 268.º e 269.º do Código da Propriedade Industrial

Texto Integral

Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Por despacho de 6.3.2020 o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (doravante também INPI) proferiu despacho a rejeitar a caducidade da marca nacional 137700 Kemphor (elemento nominativo pela qual será aqui designada), da qual é titular a apelante (cf. referência citius 76689 [Doc. 63]).
2. A apelada, requerente do pedido de caducidade, interpôs recurso de impugnação judicial, junto do Tribunal da Propriedade Intelectual (doravante também Tribunal a quo ou Tribunal de primeira instância), do despacho do INPI mencionado no parágrafo anterior, pedindo a revogação desse despacho e a sua substituição por sentença que declare a caducidade da marca (referência citius 76485).  
3. O Tribunal da Propriedade Intelectual, por sentença de 20.1.2022 julgou procedente o recurso, revogando a decisão do INPI e declarando a caducidade do registo da marca nacional 137700 Kemphor da qual é titular a apelante (cf. referência citius 468663).
4. Da sentença referida no parágrafo anterior veio a apelante interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo a sua revogação e substituição por outra que mantenha a decisão do INPI que indeferiu o pedido de declaração de caducidade da marca apelante.
5. A apelante fundamenta o recurso em argumentos que o Tribunal sintetiza como se segue, agrupando-os em três segmentos:
(i) A sentença recorrida é nula porque não leva em conta todos os factos relevantes; nem dá por reproduzidos os documentos quanto ao volume das vendas e à informação constante da página electrónica das farmácias portuguesas, sobre a embalagem usada para venda do produtos assinalados com a marca em crise, nem considera tais factos como não provados; a fundamentação da decisão de facto é ininteligível, deficiente, obscura e contraditória; foram violados os artigos 607.º n.º 4, 615.º n.º 1 – b) do  Código de Processo Civil (CPC); devem ser aplicados os artigos 653.º n.º 2, 659.º e 662.º do CPC;
(ii) A marca em crise tem sido utilizada pela apelante com diferenças, em relação à marca registada, que não infringem o princípio da inalterabilidade da marca;
(iii) Ficou provado o uso sério da marca da apelante, entre 10.1.2013 e 10.1.2018, que é o período de 5 anos que antecedeu o pedido de caducidade, apresentado pela apelada em 10.1.2018, uma vez que se apurou que: entre 2013 e 2016 foram vendidos produtos assinalados com essa marca; a apelante celebrou um contrato de distribuição de tais produtos em 2014; não obstante a declaração de insolvência da apelante (por decisão de 14.7.2016), em 9.3.2018 os produtos assinalados com a marca em crise ainda estavam disponíveis no mercado; pelo que, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 267.º, 268.º e 269.º do Código da Propriedade Industrial (CPI).
6. A apelada, contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, invocando em síntese:
(i) Os factos que o Tribunal a quo não levou em conta são irrelevantes para a decisão;
(ii) A apelante não cumpriu o ónus de provar o uso sério da marca uma vez que a prova produzida foi insuficiente, em particular, os documentos juntos sobre as vendas e a existência de um contrato de distribuição, são insuficientes para a prova cabal do uso sério da marca;
(iii) Existem diferenças entre o sinal registado pela apelante e os sinais registados pela apelada, que levaram a apelante a não se opor ao registo destes últimos.
Âmbito do presente recurso
7. São as seguintes as questões suscitadas pelas partes nas conclusões
A. Nulidade da sentença devido a fundamentação deficiente
B. Caducidade da marca por falta de uso sério e contradição entre a decisão e os seus fundamentos
Factos provados na sentença recorrida
8. Nota preliminar: será a seguir mantida, entre parêntesis, a numeração dos factos provados constantes da sentença recorrida para facilitar a leitura e remissões; nos casos em que existe repetição na numeração, esta será diferenciada com a adição de uma letra; por clareza de raciocínio, este Tribunal menciona entre parêntesis, à frente das palavras recorrente ou recorrida, a denominação social das partes.
9. (1) A recorrida (Massa Insolvente de Salusif – Produtos Farmacêuticos SA) é titular do registo da marca nacional nº 137700, pedido em 22.01.1945 e concedido em 5.11.1946 para assinalar “Pastas dentífricas e outros produtos dentífricos” na classe 3 da Classificação de Nice.



10. (2) A recorrente (Laboratórios Verkos SA) é titular dos seguintes registos de marca, cf. docs. 2 e 3 juntos a fls. 70-72 dos autos, que se dão por reproduzidos:
Marca da União Europeia (UE) nº 14363031 KEMPHOR, solicitada em 14.07.2015 e concedida em 10.11.2015 para assinalar “Pasta de dentes, dentífricos e elixires; Produtos de higiene oral; Elixires para a lavagem da boca; Produtos para refrescar o hálito; Preparações cosméticas para a higiene bucal e dentária; Géis branqueadores para uso dental” na classe 3 da Classificação de Nice;
Marca internacional com designação de Portugal ao abrigo do Protocolo de Madrid nº 694450, registada em 30.03.1998 para assinalar ‘Préparations pour blanchir eta utres substances pour lessiver; préparations pour nettoyer, polir, dégraisser et gratter; savons; parfumerie, huiles essentielles, cosmétiques, lotions capillaires; dentifrices” na classe 3 da Classificação de Nice.


11. (3-A) Em 10.01.2018, a recorrida (Laboratórios Verkos SA) requereu junto do INPI a declaração de caducidade da mencionada marca nacional da recorrente (ponto 1 do presente enunciado de factos), alegando falta de uso sério da mesma nos últimos cinco anos, nos termos constantes de fls. 60-85 dos autos, que se dão por reproduzidos.
12. (3-B) Por decisão do INPI de 31.07.2018, publicada no BPI [Boletim da Propriedade Industrial] de 8.8.2018, foi deferido o mencionado pedido de declaração de caducidade (ponto 3 do presente enunciado de factos) por, alegadamente, “até ao momento não [ter] sido fornecida qualquer prova do uso da marca”, e declarada a caducidade da marca nacional nº 137700

cfr. doc. junto a fls. 86-87 dos autos, que se dá por reproduzido.
13. (4) Em 15.11.2018, foi oficiosamente iniciado no INPI procedimento de modificação oficiosa da referida decisão que declarou a caducidade da marca nacional nº 137700 (ponto 3 do presente enunciado de factos), por ter sido detectada uma resposta ao pedido de declaração de caducidade recebida no INPI em 13.03.2018 e que por descaminho interno não havia sido tida em consideração na aludida decisão, cfr. docs. juntos a fls. 88-92 dos autos, que se dão por reproduzidos.
14. (5) Por decisão de 29.11.2018, o INPI deliberou revogar a aludida decisão que deferiu o pedido de declaração de caducidade da marca nº 137700

(ponto 3 do presente enunciado de factos) e proceder a nova análise do mesmo, bem como notificar as partes intervenientes dessa decisão, nos termos constantes de fls. 168-170 dos autos, que se dão por reproduzidos.
15. (6) Por carta de 10.12.2018, o mandatário da recorrente (Laboratórios Verkos SA) solicitou ao INPI que lhe fosse comunicada cópia da resposta da recorrida (Massa Insolvente de Salusif – Produtos Farmacêuticos SA) ao pedido de declaração de caducidade e, fixação de prazo para poder sobre a mesma pronunciar-se, nos termos constantes do doc. junto a fls. 91 dos autos, que se dá por reproduzido.
16. (7) Em 14.12.2018, foi registada a entrada da resposta da recorrida (Massa Insolvente de Salusif – Produtos Farmacêuticos SA) ao pedido de declaração de caducidade, na qual esta alega ter havido uso sério da marca durante o período em causa, como comprovam os elementos juntos relativos às Autorizações de Introdução no Mercado (AIM) e vendas dos produtos assinalados reportadas pelo Infarmed, nos termos constantes de fls. 27v-79v e 172-191 dos autos, que se dão por reproduzidos.
17. (8) Em 19.12.2018, o INPI informou o mandatário da recorrente (Laboratórios Verkos SA) de que lhe fora enviada notificação com a cópia da resposta da recorrida (Massa Insolvente de Salusif – Produtos Farmacêuticos SA) ao pedido de caducidade, como solicitado (ponto 6 do presente enunciado de factos), nos termos constantes de fls. 193-193v dos autos, que se dão por reproduzidos.
18. (9) Em 17.01.2019, a recorrente (Laboratórios Verkos SA) apresentou junto do INPI exposição suplementar nos termos do artigo 17º, nº 3 do CPI, na qual contesta as provas de uso sério produzidas pela recorrida na sua aludida resposta ao pedido de caducidade da marca nacional nº 137700

(ponto 7 do presente enunciado de factos), nos termos constantes de fls. 194-200 dos autos, que se dão por reproduzidos.
19. (10.) Por decisão de 6.03.2020, publicada no BPI de 20.03.2020, o INPI veio a indeferir, em sede de modificação oficiosa da sua anterior decisão de 31.07.2018 (ponto 3 do presente enunciado de factos), o pedido de declaração de caducidade da marca nacional nº 137700

por considerar designadamente que esta ‘foi objecto de uma utilização séria em relação aos produtos para os quais foi registada, não obstante as modificações operadas no sinal e o facto de ter sido utilizada por um terceiro com o seu consentimento e para efeitos de manutenção do registo’, nos termos constantes de fls. 93-101 dos autos, que se dão por reproduzidos.
20. (11) Por carta de 18.10.2016, o Infarmed informou o Administrador Judicial da recorrida (Massa Insolvente de Salusif – Produtos Farmacêuticos SA) que “relativamente às Autorizações de Introdução no Mercado (AIM) dos medicamentos cujo titular é a empresa insolvente Salusif – Produtos farmacêuticos, S.A., foi apurado o seguinte […] ‘Kemphor, Associação, Solução bucal, AIM autorizada (válida) com processo de renovação submetido; regista vendas’ e que ‘No que diz respeito à distribuição, o INFARMED, I.P. apurou que a empresa Friofarma – Distribuidora Logística de Medicamentos, S.A. operou como distribuidor exclusivo da empresa Salusif – Produtos Farmacêuticos, S.A.. No entanto, a respectiva licença de distribuição foi revogada em 2015-10-20”, nos termos constantes de fls. 175-177 dos autos, que se dão por reproduzidos.
21. (12) O FOLHETO INFORMATIVO KEMPHOR solução bucal com data da última revisão ‘Março de 2005’ refere que o medicamento denominado Kemphor solução bucal foi aprovado em 30-03-2005 pelo INFARMED e que o titular da AIM é ‘SALUSIF, Laboratório de Produtos Químicos e Farmacêuticos, Lda”, nos termos constantes de fls. 177-179 dos autos, que se dão por reproduzidos.
22. (13) Nas impressões do sítio web https://www.farmaciasportuguesas.pt/catalogo/index.php/catalog/ juntas a fls. 179v-180 v dos autos e que se dão por reproduzidas, são anunciadas soluções bucais Kemphor com imagens das respectivas embalagens e descrição do produto.
23. (14). M … e J…, respectivamente Directora de Marketing e Director-Geral da recorrente, declaram que a recorrida não fabrica, não comercializa, não distribui nem promove, directa ou indirectamente, por intermédio de terceiros, quaisquer produtos que possam ser identificados através da marca nacional nº 137700 e que lhes foi impossível entrar em contacto com alguém que representasse a recorrida, nos termos das respectivas declarações juntas a fls. 80-82 e 82v-84v dos autos, que se dão por reproduzidas.
Factos não provados na sentença recorrida
24. Não resultam não provados quaisquer factos com relevância para a decisão de mérito.
Apreciação do recurso
Disposições legais relevantes
25. São as seguintes as principais disposições legais que o Tribunal considera relevantes para a decisão de mérito:
Directiva (EU) 2015/2436, que aproxima as legislações dos Estados Membros em matéria de marcas
Considerando (31)
As marcas só cumprem a sua função de distinguir produtos ou serviços e permitir que os consumidores façam escolhas informadas, se forem efetivamente utilizadas no mercado. O requisito do uso também é necessário para reduzir o número total de marcas registadas e protegidas na União e, consequentemente, o número de conflitos que surgem entre elas. Por conseguinte, é essencial exigir que as marcas registadas sejam efetivamente utilizadas em relação aos produtos ou serviços para os quais foram registadas ou, se não forem utilizadas nesse âmbito no prazo de cinco anos a contar da data de conclusão do processo de registo, que possam ser extintas.
Artigo 16º
Uso da marca
1.   Se, no prazo de cinco anos a contar da data de conclusão do processo de registo, a marca não tiver sido objeto de uso sério pelo seu titular, no Estado-Membro, para os produtos ou serviços para que foi registada, ou se tal uso tiver sido suspensa durante um período ininterrupto de cinco anos, a marca fica sujeita aos limites e às sanções previstos nos artigos 17.º, 19.º, n. º1, 44.º, n.º 1 e 2, e 46.o, n.ºs 3 e 4, salvo justo motivo para a falta de uso.
2.   Se em algum Estado-Membro for possível iniciar processos de oposição após o registo da marca, o prazo de cincos anos referido no n.º 1 é calculado a partir da data em que a marca deixa de poder ser objeto de oposição ou, se já tiver sido apresentada uma oposição, a partir da data em que a decisão que encerra o processo de oposição transitar em julgado ou a oposição for retirada.
3.  Relativamente a marcas registadas ao abrigo de acordos internacionais que produzem efeitos num Estado-Membro, o prazo de cincos anos referido no n.º 1 é calculado a partir da data em que marca deixar de poder ser objeto de recusa ou oposição. Se uma oposição tiver sido apresentada, ou se uma objeção tiver sido notificada por motivos absolutos ou relativos, o prazo é calculado a contar da data em que a decisão que encerra o procedimento de oposição ou se pronuncia sobre os motivos absolutos ou relativos transitar em julgado ou a oposição for retirada.
4.   A data de início do prazo de cinco anos referido nos n.ºs 1 e 2 deve ser inscrita no registo.
5.   São igualmente consideradas como utilização para efeitos do n.º 1:
a) o uso da marca sob uma forma que difira em elementos que não alterem o caráter distintivo da marca na forma sob a qual foi registada, independentemente de a marca, sob a forma utilizada, estar também registada em nome do titular;
b) a aposição da marca em produtos ou na respetiva embalagem no Estado-Membro em questão apenas para efeitos de exportação.
6.   O uso da marca com o consentimento do titular é considerado feito pelo titular.
Artigo 19.º
Ausência de uso sério como motivo de extinção
1.  O titular da marca pode ver extintos os seus direitos se, durante um período ininterrupto de cinco anos, a marca não tiver sido objeto de uso sério no Estado-Membro em causa para os produtos ou serviços para que foi registada e se não existirem motivos que justifiquem a falta de uso.
2.   Ninguém poderá requerer a extinção do registo de uma marca se, durante o intervalo entre o fim do período de cinco anos e a introdução do pedido de extinção, tiver sido iniciada ou reatada um uso sério dessa marca.
3.   O início ou o reatamento do uso nos três meses imediatamente anteriores à introdução do pedido de extinção, contados a partir do fim do período ininterrupto de cinco anos de falta de uso, não são tomados em consideração se as diligências para o início ou reatamento do uso só ocorrerem depois de o titular tomar conhecimento de que pode vir a ser introduzido um pedido de extinção.
Código da Propriedade Industrial ou CPI
Artigo 255.º
Inalterabilidade da marca
1 - A marca deve conservar-se inalterada, ficando qualquer mudança nos seus elementos sujeita a novo registo.
2 - Do disposto no número anterior excetuam-se as simples modificações que não prejudiquem a identidade da marca e só afetem as suas proporções, o material em que tiver sido cunhada, gravada ou reproduzida e a tinta ou a cor, se esta não tiver sido expressamente reivindicada como uma das características da marca.
3 - Também não prejudica a identidade da marca a inclusão ou supressão da indicação expressa do produto ou serviço a que a marca se destina e do ano de produção nem a alteração relativa ao domicílio ou lugar em que o titular está estabelecido.
4 - A marca nominativa só está sujeita às regras da inalterabilidade no que respeita às expressões que a constituem, podendo ser usada com qualquer aspeto figurativo desde que não ofenda direitos de terceiros.
Artigo 267.º
Uso da marca
1 - Considera-se uso sério da marca:
a) O uso da marca tal como está registada ou que dela não difira senão em elementos que não alterem o seu caráter distintivo, de harmonia com o disposto no artigo 255.º, feito pelo titular do registo, ou por seu licenciado, com licença devidamente averbada, independentemente de a marca, sob a forma usada, estar também registada em nome do titular;
b) O uso da marca, tal como definido na alínea anterior, para produtos ou serviços para os quais foi registada, ou nas respetivas embalagens, destinados apenas a exportação;
c) O uso da marca por um terceiro, desde que o seja com o consentimento do titular e para efeitos da manutenção do registo.
2 - Considera-se uso da marca coletiva o que é feito com o consentimento do titular.
3 - Considera-se uso da marca de certificação ou de garantia o que é feito por pessoa habilitada.
4 - O início ou o reatamento do uso sério nos três meses imediatamente anteriores à apresentação de um pedido de declaração de caducidade, contados a partir do fim do período ininterrupto de cinco anos de não uso, não é, contudo, tomado em consideração se as diligências para o início ou reatamento do uso só ocorrerem depois de o titular tomar conhecimento de que pode vir a ser efetuado esse pedido de declaração de caducidade.
Artigo 268.º
Caducidade
1 - Para além do que se dispõe no artigo 36.º, a caducidade do registo deve ser declarada se a marca não tiver sido objeto de uso sério durante cinco anos consecutivos para os produtos ou serviços para que foi registada, salvo justo motivo e sem prejuízo do disposto no n.º 4 e no artigo anterior.
2 - Deve ainda ser declarada a caducidade do registo se, após a data em que o mesmo foi efetuado:
a) A marca se tiver transformado na designação usual no comércio do produto ou serviço para que foi registada, como consequência da atividade, ou inatividade, do titular;
b) A marca se tornar suscetível de induzir o público em erro, nomeadamente acerca da natureza, qualidade e origem geográfica desses produtos ou serviços, no seguimento do uso feito pelo titular da marca, ou por terceiro com o seu consentimento, para os produtos ou serviços para que foi registada.
3 - A caducidade do registo da marca coletiva deve ser declarada:
a) Se deixar de existir a pessoa coletiva a favor da qual foi registada;
b) Se essa pessoa coletiva consentir que a marca seja usada de modo contrário aos seus fins gerais ou às prescrições estatutárias.
4 - O registo não caduca se, antes de requerida a declaração de caducidade, já tiver sido iniciado ou reatado o uso sério da marca, sem prejuízo do que se dispõe no n.º 4 do artigo anterior.
5 - O prazo referido no n.º 1 inicia-se com o registo da marca.
6 - No caso das marcas internacionais, o prazo referido no n.º 1 inicia-se na data em que a marca deixar de poder ser objeto de recusa ou de oposição.
7 - Para os efeitos previstos no número anterior, caso tenha sido apresentada oposição ou notificada uma recusa, o prazo é calculado a contar da data em que é proferida decisão final ou retirada a oposição.
8 - Quando existam motivos para a caducidade do registo de uma marca, apenas no que respeita a alguns dos produtos ou serviços para que este foi efetuado, a caducidade abrange apenas esses produtos ou serviços.
Artigo 269.º
Pedidos de declaração de caducidade
1 - Os pedidos de declaração de caducidade são apresentados no INPI, I. P.
2 - Os pedidos referidos no número anterior podem fundamentar-se em qualquer dos motivos estabelecidos nos n.ºs 1 a 3 do artigo anterior.
3 - O titular do registo é sempre notificado do pedido de declaração de caducidade para responder, querendo, no prazo de um mês.
4 - A requerimento do interessado, apresentado em devido tempo, o prazo a que se refere o número anterior pode ser prorrogado, uma única vez, por mais um mês.
5 - Cumpre ao titular do registo ou a seu licenciado, se o houver, provar o uso da marca, sem o que esta se presume não usada.
6 - Decorrido o prazo de resposta, o INPI, I. P., decide, no prazo de um mês, sobre a declaração de caducidade do registo.
7 - O processo de caducidade extingue-se se, antes da decisão, ocorrer a desistência do respetivo pedido.
8 - A caducidade é declarada em processo que corre os seus termos no INPI, I. P., e produz efeitos a contar da data do pedido de declaração de caducidade, salvo se, a pedido de uma das partes, seja fixada na declaração de caducidade qualquer data anterior em que se tenha verificado um dos motivos de caducidade.
9 - A caducidade é averbada e dela se publicará aviso no Boletim da Propriedade Industrial.             
Questões suscitadas pelo recurso
A. Nulidade da sentença devido a fundamentação deficiente
26. Segundo este Tribunal julga perceber, a apelante defende que a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, prevista no artigo 607.º n.º 4 do CPC, foi incompleta, porque, por um lado, não foram dados por reproduzidos os documentos dos quais resulta o volume e informação sobre as vendas de produtos assinalados com a marca em crise, como pretende a apelante, por outro lado, tais elementos não foram dados como não provados. O que torna a sentença impugnada nula nos termos previstos no artigo 615.º n.º 1 – b) do CPC.  Adicionalmente, a apelante invoca a aplicação do artigo 662.º do CPC.
27. O dever de fundamentação está ligado ao poder de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto previsto no artigo 640.º do CPC, preceito cuja aplicação, porém, a recorrente não invoca expressamente ao interpor o recurso, assim como não procede à indicação inequívoca da decisão que, no seu entender deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como exige artigo 640.º do CPC. A este propósito, importa referir que, ainda que a apelante tivesse interposto recurso sobre a matéria de facto, quod non, a falta de indicação de todos os elementos previstos no artigo 640.º do CPC seria insuprível mediante despacho de aperfeiçoamento (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição, Almedina, página 198).
28. No contexto acabado de mencionar nos dois parágrafos anteriores, a aplicação do artigo 662.º do CPC, ao qual alude a apelante nas conclusões do recurso, é interpretada por este Tribunal como a possibilidade, que não depende sequer da iniciativa da parte, que o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, confere ao Tribunal da Relação, de aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, para integrar, na decisão da primeira instância, factos que resultem de elementos do processo que imponham decisão diversa (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição, Almedina, página 333). Não tendo sido interposto recurso sobre a matéria de facto, é com o sentido acabado de mencionar que será apreciada a questão suscitada, aqui em análise.
29. A esse propósito, ainda que o recurso não incida sobre a matéria de facto, pelos motivos acima expostos, este Tribunal julga que, por força do artigo 663.º n.º 2 do CPC, o Tribunal da Relação deve aplicar, na elaboração do presente acórdão, a regra prevista no artigo 607.º n.º 4 do CPC, invocada pela apelante, que impõe a este Tribunal que tome em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. É também à luz deste quadro legal, aplicável à primeira instância, que será a seguir apreciada a nulidade da sentença recorrida, invocada pela apelante, por violação dos artigos 607.º n.º 4 e 615.º n.º 1 – b) do CPC.
30. Dito isto, importa antes de mais sublinhar que, no que diz respeito à alegada violação, pelo Tribunal a quo,  do dever de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, imposto pelo artigo 607.º n.º 4 do CPC, por falta de indicação, nos factos provados ou não provados, do teor dos documentos sobre o uso da marca invocado pela apelante, tal violação não se verifica uma vez que, em primeiro lugar, a sentença recorrida especificou os factos provados, que enunciou nos pontos 1 a 14 (acima transcritos nos parágrafos 8 a 23 do presente acórdão) e indicou os documentos/meios de prova que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal, que enunciou no final de cada um desses pontos.
31. Em segundo lugar, contrariamente ao que alega a apelante, o Tribunal a quo deu por reproduzidos nos factos provados, os documentos sobre as vendas, a informação fornecida sobre o contrato de distribuição, o folheto informativo e a embalagem, dos produtos assinalados pela marca em crise, nos pontos 11, 12 e 13 da sentença recorrida (cf. parágrafos 20, 21 e 22 supra). Assim, a questão que se coloca no presente recurso, não é a de saber se houve falta de pronúncia sobre tais factos/documentos/páginas electrónicas, uma vez que os mesmos foram dados por reproduzidos na sentença. A questão relativamente à qual a apelante manifesta discordância prende-se com saber se tais factos constituem prova suficiente do uso sério da marca aqui em crise. Porém, tal questão, não importa a modificação da decisão sobre a matéria de facto, mas prende-se, antes, com a relevância jurídico material dos factos provados que será apreciada infra, na questão B.
32. Pelo exposto, não é possível concluir que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista nas disposições conjuntas dos artigos 607.º n.º 4 e 615.º n.º 1 – b) do CPC, devido a insuficiência de indicação dos fundamentos de facto, uma vez que os documentos dos quais resulta a informação sobre o uso da marca invocado pela apelante, foram dados por reproduzidos nos factos provados.
33. Pelos motivos indicados nos parágrafos 30 a 32, afigura-se que o Tribunal a quo julgou provados os factos relevantes para a decisão, alegados pela apelante, sem que mereça censura a decisão recorrida na parte em que julgou não existirem factos não provados a mencionar. Em consequência, não existe obscuridade ou ininteligibilidade da decisão sobre a matéria de facto, sem prejuízo da contradição entre a decisão e os seus fundamentos, que será melhor apreciada a seguir, na questão B.
34. Isto, sem prejuízo de, ao abrigo do disposto no artigo 663.º n.º 2 do CPC, este Tribunal levar em conta, na apreciação do mérito que será feita infra, o teor dos seguintes documentos, cuja força probatória resulta dos artigos 369.º, 370.º e 371.º do CC (Código Civil): carta assinada por oficial público no exercício das suas funções e anexos que aquele juntou a essa carta, conservados no serviço nacional de saúde/Infarmed IP, que contém informação recolhida com base na percepção do oficial/organismo público de que emana, elementos esses dados por reproduzidos nos factos provados mencionados supra no parágrafo 20 (cf. referência citius 76689 [Doc. 55]); a certidão da decisão que declarou a insolvência da apelante, proferida em 14.7.2016, junta aos autos (cf. referência citius 76689 [Doc. 37]); documento que comprova ter sido apreendida, no processo de insolvência, a marca aqui em crise (cf. referência citius 76689 [Doc. 33]). Neste contexto, para compatibilizar os factos provados em primeira instância, nomeadamente os elementos mencionados nos parágrafos 20 e 23, este Tribunal julga que, os depoimentos dados por reproduzidos no parágrafo 23 são instrumentais, mas não são factos em si mesmos. Sendo prova testemunhal, tais depoimentos estão sujeitos ao princípio da livre apreciação previsto no artigo 396.º do CC, regra que, porém, não afasta a força probatória dos documentos mencionados no parágrafo 20, que resulta dos artigos 369.º, 370.º e 371.º do CC.
35. Por último, não se afigura que tenha pertinência para a decisão do presente recurso, a alusão que a apelante faz (cf. conclusão FF do recurso) aos artigos 653.º n.º 2 e 659.º do CPC, uma vez que não se coloca aqui a questão do erro na subida do recurso, nem nada obsta ao julgamento do respectivo objecto.
B. Caducidade da marca por falta de uso sério e contradição entre a decisão e os seus fundamentos
36. A questão essencial suscitada no presente recurso é a de saber se deve ser declarada a caducidade do registo da marca nacional de que é titular a apelante por falta de uso sério, nos termos do artigo 269.º do CPI, em particular, saber se existiu uso comercial da marca em crise e se, a omissão, na marca usada, de certos elementos que constam da marca registada, alterou o caracter distintivo dessa marca.
37. Já que, nos termos do artigo 268.º do CPI, deve ser declarada a caducidade do registo da marca se a mesma não for objecto de uso sério durante cinco anos consecutivos, salvo se existir justo motivo.
38. O conceito de uso sério da marca, encontra-se instituído no direito nacional e no direito da União Europeia, como a seguir será explicado e constitui um conceito autónomo que deve ser interpretado de modo uniforme pelos Tribunais nacionais.
39. Assim, no plano nacional, o conceito de uso sério encontra-se densificado no artigo 267.º do CPI, consistindo no uso da marca tal como está registada ou no uso que não seja diferente da marca registada senão em elementos que não alterem o seu carácter distintivo. Sendo também relevante, para este efeito, o uso por parte de um terceiro com o consentimento do titular do registo.
40. Os artigos 267.º e 268.º do CPI devem ser interpretados em conformidade com a Directiva 2015/2436, que se encontra neles transposta, em particular com o artigo 19.º dessa directiva que prevê que, a ausência de uso sério da marca para assinalar os produtos ou serviços para que foi registada, durante um período ininterrupto de cinco anos, sem que existam motivos que justifiquem a falta de uso, é motivo de extinção da marca.
41. A este propósito, o considerando (31) da Directiva 2015/2436 estabelece que, as marcas só cumprem a sua função de distinguir produtos ou serviços e permitir que os consumidores façam escolhas informadas, se forem efetivamente utilizadas no mercado e, por  conseguinte, é essencial exigir que as marcas registadas sejam efetivamente utilizadas em relação aos produtos ou serviços para os quais foram registadas ou, se não forem utilizadas nesse âmbito, no prazo de cinco anos a contar da data de conclusão do processo de registo, que possam ser extintas.
42. Na verdade, a marca que não é usada constitui um obstáculo à concorrência porque limita a variedade de sinais que podem ser registados e usados como marca, por outros concorrentes que queiram introduzir produtos idênticos ou semelhantes no mercado – cf. acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nos processos C-149/11 e C-714/18. Em particular, no caso em análise, a apreciação do uso sério da marca tem, por pano de fundo, dois interesses em conflito: por um lado, o interesse da apelada, enquanto concorrente, em introduzir no mercado produtos idênticos (produtos dentífricos), assinalados com marcas que reproduzem o elemento Kemphor, que faz parte da marca nacional da apelante (cf. factos provados mencionados supra no parágrafo 10); por outro lado, o interesse da apelante na manutenção do registo da marca, já que, a sua caducidade pode prejudicar os credores da massa insolvente, sendo a marca em crise um activo da empresa com valor patrimonial, apreendido a favor da massa e que pode ser liquidado para pagamento dos credores, ou vir a ser utilizado num plano futuro de viabilização da empresa (cf. certidões juntas com a referência 76689 [Doc 33] e [Doc.37] e factos provados mencionados supra nos parágrafos 9 e 10).
43. Dito isto, o uso sério da marca é um conceito uniforme que pressupõe a verificação de dois requisitos:
1) O uso comercial da marca, que consiste na sua utilização efectiva de modo quantitativamente suficiente;
2) E o uso típico da marca, que consiste em usar a marca de acordo com a sua capacidade distintiva para identificar a origem dos produtos.
44. Importa ainda referir que, à luz da interpretação que o TJUE fez do artigo 19.º da Directiva 2015/2436, no acórdão C-183/21, o ónus da prova do uso sério da marca recai sobre o respectivo titular, solução adoptada pelo artigo 269.º n.º 5 do CPI.  
Uso comercial da marca
45. Assim, este Tribunal começa por apreciar se existiu uso comercial da marca, à luz de uma jurisprudência constante do TJUE sobre a noção de uso sério – cf. processos C-40/01; C-149/11; C-252/15 P; C- 689/15; C-194/17 P e C- 772/18. Nos termos desta jurisprudência, para saber se existe uso sério da marca devem ser levados em conta os seguintes parâmetros:
- O uso da marca deve ter por fim criar ou conservar um mercado para os produtos ou serviços que visa assinalar;
- São de excluir da noção de uso sério os usos de carácter simbólico que tenham como único objectivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca;
- A apreciação do carácter sério do uso deve levar em conta a totalidade dos factos e circunstâncias adequados a provar a exploração comercial da marca, nomeadamente, as características do mercado em causa, a natureza dos produtos ou serviços assinalados, o âmbito territorial e quantitativo da utilização, bem como a sua frequência e a sua regularidade;
- A utilização da marca, ainda que mínima, que corresponda a uma justificação comercial efectiva, pode ser suficiente para comprovar o carácter sério desse uso.
46. Com base nestes parâmetros, para verificar se houve uso comercial da marca, o Tribunal começa por levar em conta o volume de vendas da solução bucal, associação, Kemphor, entre os anos de 2013 e 2016. Dos documentos dados por reproduzidos nos factos provados, mencionados nos parágrafos 20 a 22 deste acórdão (juntos com a referência citius 76689 [Doc 55]), têm relevância, quanto a este aspecto, o teor da carta enviada pelo Infarmed IP ao administrador de insolvência da apelada e os dados apurados relativamente às vendas, que o Infarmed IP conserva e anexou a essa carta, conforme nela mencionado, elementos dos quais resulta que:
- A solução bucal Kemphor, com os CNP (Código Nacional de Produto), respectivamente, de 9907923 (para a solução bucal Kemphor 240 ml) e 9907915, (para a solução bucal 120 ml) registou vendas nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016;
- Os números de embalagens colocadas nas farmácias pelos grossistas foram, consoante o respectivo CNP (Código Nacional de Produto) referido no item anterior: 23 988 e 27 455, em 2013; 10 366 e 5 926, em 2014; 16 121 e 16 382, em 2015; 8 547 e 8640, em 2016;
- A empresa Friofarma – Distribuidora logística de medicamentos SA operou como distribuidor exclusivo da apelante, tendo a respectiva licença de distribuição sido revogada em 20.10.15;
- A solução bucal, associação, Kemphor, beneficiava de autorização de Introdução no Mercado emitida pelo Infarmed IP, ainda válida em 18.10.2016;
- Nos anos de 2013 a 2016 foram registadas, junto do Infarmed IP, taxas de comercialização desse produto junto a grossistas e armazenistas, com base nas declarações dos interessados.
47. Dito isto, à luz da jurisprudência do TJUE mencionada supra no parágrafo 45, aplicada aos factos mencionados no parágrafo 46, afigura-se que a apelante tem razão quando defende existir contradição entre a decisão e os seus fundamentos, pois, contrariamente ao que julgou o Tribunal recorrido na decisão de direito, a quantidade e a frequência da utilização da marca em crise que foram apuradas nos autos, levam a concluir que existe  justificação comercial para o uso da marca uma vez que se provou existirem vendas de produtos dentífricos assinalados pela marca em crise nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016. Apurou-se que tais vendas foram feitas por um terceiro, distribuidor, que usou a marca com o consentimento da apelante, pelo menos até 20.10.2015. Dos factos provados resulta ainda que, o mercado em que ocorreu esse uso foi Portugal, que é o mercado relevante para a marca nacional em crise.  Tais factos, levam este Tribunal a concluir que, contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo, o uso da marca teve uma justificação comercial objectiva e teve por fim conservar um mercado.
48. O âmbito temporal do uso da marca resulta igualmente dos factos que o Tribunal de primeira instância deu como provados e dos documentos que julgou reproduzidos, mencionados no parágrafo 46.
49. A este propósito, convém sublinhar que a caducidade da marca, tal como está prevista no artigo 268.º do CPI, não é automática, não opera ex lege no termo do período de não uso por cinco anos. A mesma tem de ser pedida e declarada como prevê o artigo 269.º do CPI e é sanável se o titular reiniciar o seu uso. Ainda que a marca tenha deixado de ser usada por muito tempo, não é possível declarar a sua caducidade se, no momento em que é intentada a ação de caducidade, a marca estiver a ser usada seriamente: Enfim, no que diz respeito ao seu uso, a situação da marca deve ser analisada no momento em que é intentada a acção de caducidade  (cf. Elena de la Fuente Garcia, Signos distintivos, in Propriedad Industrial: Teoria y Práctica, vários autores, páginas 200 a 227).
50. Neste contexto, há que analisar a situação da marca aqui em crise em 10.1.2018, momento em que foi intentado o pedido de declaração de caducidade (cf. facto provado mencionado no parágrafo 11).
51. Como resulta da análise feita nos parágrafos 46 e 47, a apelante não provou, como lhe cabia (cf. artigo 269.º n.º 5 do CPI) se, após 20.10.2015 as vendas dos produtos assinalados com a marca Kemphor, foram feitas pela apelante ou por outrem com o seu consentimento, pelo que, nessa parte, não merece censura a apreciação feita pelo Tribunal a quo que concluiu não existir prova do uso da marca pela apelante ou por terceiro com o seu consentimento, no que se refere ao período temporal posterior a 20.10.2015. Porém, este Tribunal julga, contrariamente ao que decidiu a sentença recorrida, que os factos provados acima mencionados no parágrafo 46, levam a concluir que existem dados recolhidos pelo Infarmed IP, reproduzidos na matéria de facto provada, dos quais resulta que, pelo menos desde 2013 até 20.10.2015, a apelante fez um uso comercial da marca aqui em crise com intenção de conservar o respectivo mercado nacional, através de um distribuidor/grossista e da colocação em farmácias, dos produtos dentífricos assinalados
52. Ora, entre 20.10.2015 (momento até ao qual se apurou o uso comercial da marca em crise através de um terceiro com o consentimento da apelante) e 10.1.2018 (data em que a apelada intentou o pedido de caducidade), não decorreram cinco anos, pelo que, não se verifica o requisito temporal de falta de uso da marca pelo período de cinco anos consecutivos, exigido pelo artigo 268.º n.º 1 do CPI para que seja declarada a caducidade.
53. Do que vem exposto resulta que, a apelante logrou provar o primeiro requisito do uso sério da marca, a saber, o uso comercial da marca nacional Kemphor, com o âmbito territorial e temporal exigido para impedir a caducidade. Pelo que, a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre este aspecto enferma de contradição entre os fundamentos de facto e a decisão de direito, como defende a apelante nas conclusões do recurso. Esta contradição torna a decisão recorrida nula por força do disposto no artigo 615.º n.º 1 – c), devendo o Tribunal da Relação substituir-se ao Tribunal de primeira instância nos termos previstos no artigo 665.º n.º 1 do CPC.
Uso típico da marca
54. Vejamos agora se se verifica o segundo requisito do uso sério da marca, a saber, o seu uso típico.
55. Para apreciar este segundo requisito, importa levar em conta que, à luz do artigo 16.º n.º 5 – a) da Directiva 2015/ 2436, a noção de uso sério da marca inclui “o uso da marca sob uma forma que difira em elementos que não alterem o caráter distintivo da marca na forma sob a qual foi registada, independentemente de a marca, sob a forma utilizada, estar também registada em nome do titular”.
56. Neste contexto, resulta da jurisprudência do TJUE, mencionada no parágrafo 45, que, a marca deve ser utilizada em conformidade com a sua função distintiva dos produtos ou serviços que visa assinalar, garantindo a identidade e a origem dos mesmos.
57.No plano nacional, o artigo 255.º n.º 1 do CPI consagra o princípio da inalterabilidade da marca. No entanto, este princípio comporta várias excepções, previstas nos números 2 a 4 do artigo 255.º e no artigo 267.º - a) do CPI.
58. No que aos presentes autos diz respeito, coloca-se a questão de saber se o uso da marca aqui apurado se integra na excepção prevista no artigo 267.º n.º 1 – a) do CPC que prevê que, o titular do registo pode usar a marca com ligeiras alterações à respectiva composição originária, desde que essas alterações não sejam substanciais do ponto de vista da identidade e da capacidade distintiva da marca. Foi neste contexto que o Tribunal a quo julgou que tais alterações foram substanciais e que, em nenhum dos sinais usados, apareciam os vocábulos usados no sinal registado. Vejamos se assim é.
59. Para resolver a questão, este Tribunal procederá à apreciação dos seguintes factores:
- Em primeiro lugar, o Tribunal começa por avaliar o sinal registado – que é a marca da apelante mencionada no parágrafo 9 supra – levando em conta os elementos distintivos e visuais dominantes;
- Em seguida, o Tribunal verificará se os elementos distintivos do sinal registado estão presentes no sinal usado – que tem as características constantes dos parágrafos 21 e 22 supra – ou se foram alterados;
- Por último, no caso de haver alterações em certos elementos, importará verificar se estas aumentam ou diminuem o carácter distintivo.
60. Nos presentes autos, apurou-se (cf. parágrafo 9) que a marca da apelada se destina a assinalar pastas dentífricas e outros produtos dentífricos e é uma marca mista ou complexa, composta essencialmente pelos seguintes elementos:
- Nominativos – palavra “Kemphor” escrita na parte anterior da embalagem do produto; palavras “Kemphor específico de las encías”, escritas na parte lateral da embalagem do produto; palavras “Clinical Kemphor Dental”, escritas na parte superior da embalagem do produto; indicações escritas em letras pequenas nas partes laterais da embalagem do produto; palavra “Portugal” que não consta da embalagem do produto;
- Figurativos – três imagens de bocas e respectiva dentição na parte posterior da embalagem do produto; uma imagem de uma fonte na parte anterior da embalagem do produto; o desenho das palavras mencionadas no item anterior; as cores preto e branco;
- Tridimensionais – a embalagem desmontada de uma caixa apta a formar um paralelepípedo.
61. Quanto à marca usada, resulta dos factos constantes dos parágrafos 21 e 22 e dos documentos aí reproduzidos (juntos ao processo electrónico com a referência citius 76689 [Doc. 33]) que, a apelante comercializou duas soluções bucais, uma a 240 ml e outra a 120 ml, usando os seguintes sinais:
- A solução bucal designada por “Kemphor 240 ml solução bucal” com o CNP (Código Nacional de Produto) 9907923, foi assinalada com as palavras “Kemphor”, em letras de tamanho grande e, por baixo, “Solução bucal”, em letras de tamanho mais pequeno; e com outras indicações escritas mais abaixo, em letra de menor tamanho, numa embalagem de forma circular contentora dessa solução bucal;
- A solução bucal designada por “Kemphor 120 ml solução bucal” com o CNP (Código Nacional de Produto) 9907915, assinalada com as palavras “KEMPHOR” escrita em letras maiúsculas, seguida de indicações escritas em baixo, em letra de tamanho mais pequeno, numa embalagem em forma de paralelepípedo contendo elementos figurativos de forma geométrica e numa embalagem de forma circular, contentora da solução bucal, de aspecto e com dizeres idênticos aos mencionados no item anterior.
62. Do confronto entre o sinal registado e os sinais usados, descritos, respectivamente,  nos parágrafos 60 e 61 resulta que, o sinal unitário misto inicialmente registado passou a ser usado mediante a omissão de uma série de elementos que o constituíam. Assim, da marca registada, a apelante manteve o uso da palavra “Kemphor” em ambas as soluções bucais e, numa delas, manteve o uso da caixa em forma de paralelepípedo, com a palavra “Kemphor”.
63. Feito este confronto, importa agora apreciar se os elementos omitidos são distintivos e se, a omissão altera o carácter distintivo da marca aos olhos do consumidor médio para aquele tipo de produtos, ou se, a omissão abarca elementos não distintivos ou de fraco carácter distintivo.
64. Para isso, este Tribunal começa por levar em conta que o consumidor médio deste tipo de produto – solução bucal – é composto pela generalidade das pessoas jovens ou adultas, de ambos os sexos, com hábitos de higiene oral, que usam soluções bucais, seja por razões profiláticas seja por razões terapêuticas. São consumidores não profissionais, medianamente atentos e que, sendo os produtos comercializados em farmácias, beneficiam, em regra, do atendimento especializado dos respectivos funcionários. Em certos casos, o produto será consumido por indicação do dentista, noutros por iniciativa do consumidor.
65. Feita a caracterização do consumidor médio, junto do qual o sinal é usado para distinguir e indicar a origem dos produtos, na análise que se segue, o Tribunal apreciará se as omissões e alterações verificadas alteraram o carácter distintivo do sinal tal como foi registado, ou se, pelo contrário, se manteve o seu uso típico. Para tal, o Tribunal leva em conta os seguintes parâmetros, na medida em que se verifiquem e estejam disponíveis, que resultam da prática judiciária comum nos Estados Membros da União (cf. EUIPN – European Union Intellectual Property Network, Common Communication, Use of a Trade Mark In a Form Differing From the One Registered, October 2020):
- Se a omissão se refere a elementos distintivos;
- Se a omissão se refere a elementos pouco distintivos, mas visualmente dominantes ou que interajam com outros elementos, de modo a produzir uma impressão final diferente no consumidor;
- Se todos os elementos da marca registada têm fraca distintividade, de modo que a omissão de um ou mais elementos pode alterar o carácter distintivo da marca registada;
- Se o carácter distintivo deriva essencialmente do elemento verbal da marca, de modo que o seu uso, ainda que com letra de tamanho ou cor diferente, não altera normalmente o carácter distintivo do sinal aos olhos do público;
- Que as alterações nos elementos figurativos são mais propensas a alterar o carácter distintivo do sinal, a não ser que contribuam pouco para essa distintividade;
- Que a combinação de elementos verbais e figurativos deve ser respeitada quando essa combinação contribuir para o carácter distintivo da marca já que, nesse caso, a alteração dessa combinação, altera o caracter distintivo do sinal;
- Se há omissão de elementos distintivos pouco visíveis devido à sua posição ou tamanho, de tal modo que a mesma pode não ser levada em conta pelo consumidor;
- Que a omissão de um elemento figurativo pouco distintivo, apesar de visualmente dominante, não altera o carácter distintivo do sinal registado a não ser que o resultado final seja alterado devido à sua posição proeminente ou à interacção com outros elementos;
- Se o carácter distintivo resulta da combinação de elementos pouco ou nada distintivos, caso em que, a sua eliminação pode conduzir à alteração do carácter distintivo do sinal, apreendido como um todo.
66. À luz dos parâmetros acima mencionados afigura-se que a distintividade da marca registada em crise deriva da palavra “Kemphor”, escrita em letras pretas, maiores, acentuadas e com relevo nominal e figurativo. Esse é o elemento proeminente da marca registada e o que produz a impressão mais forte, indicativa da origem do produto, no espírito do público. Esse elemento foi mantido, com idêntica proeminência nas marcas usadas, de modo a produzir o mesmo efeito distintivo e indicativo da origem do produto. Os restantes elementos figurativos são pouco distintivos (a figura da fonte) ou nada distintivos para produtos dentífricos (as bocas e respectiva dentição). Os elementos verbais omitidos são meramente descritivos pelo que, não sendo intrinsecamente distintivos e não tendo particular interacção com os restantes elementos, a sua omissão não altera a impressão global causada no público quanto à origem do produto. A embalagem, em forma de paralelepípedo, que foi mantida para um dos produtos mas não foi para o outro, não tem caracter distintivo intrínseco na medida em que essa forma de embalagem é vulgarmente usada para comercializar produtos dentífricos. Pelo que, não só foi mantida num dos casos, como a sua omissão, no outro caso, não afecta a identidade da marca. A introdução de elementos figurativos diferentes numa das embalagens usadas, não altera o caracter distintivo da marca, dada a natureza pouco ou nada distintiva dos elementos figurativos em causa, quer os anteriores, quer os novos e, a circunstância de se manter idêntica proeminência do elemento nominativo e figurativo “Kemphor”.
67. Em consequência, à luz do disposto nos artigos 255.º n.º 2 e 267.º n.º 1 – a) do CPI, interpretados em conformidade com o artigo 16.º n.º 5 – a) da Directiva 2015/ 2436, este Tribunal julga que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, as omissões/alterações nos elementos da marca registada, acima analisados, não prejudicam a sua identidade, por não alterarem o seu carácter distintivo. Assim, independentemente do registo dessas alterações, a apelante logrou provar o uso típico da marca, que é o segundo requisito da noção de uso sério da marca.
68. Por todo o exposto, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julga improcedente a declaração de caducidade do registo da marca da apelada – artigo 665.º n.º 1 do CPC.

Em síntese
69. O Tribunal a quo julgou provados os factos relevantes para a decisão, alegados pela apelante, sem que mereça censura a decisão recorrida na parte em que indicou os factos provados, dando por reproduzidos os documentos relativos ao uso da marca, invocados pela apelante e julgando não existirem factos não provados a mencionar. Isto, sem prejuízo de este Tribunal levar em conta, na apreciação do mérito, os elementos mencionados no artigo 607.º n.º 4, segunda parte, aplicável por força do artigo 663.º n.º 2, do CPC, compatibilizando os factos provados constantes do parágrafo 20 com os depoimentos mencionados no parágrafo 23, à luz das regras vinculativas sobre a respectiva força probatória que constam dos artigos 369º, 370º, 371º e 396.º do CC.
70. Os artigos 267.º a 269.º do CPI devem ser interpretados em conformidade com a Directiva 2015/2436, em particular com o artigo 19.º dessa directiva que prevê que, a ausência de uso sério da marca para assinalar os produtos ou serviços para que foi registada, durante um período ininterrupto de cinco anos, sem que existam motivos que justifiquem a falta de uso, é fundamento de extinção da marca.
71. Quando é intentado um pedido de declaração de caducidade de uma marca nacional registada, impende sobre a apelante, titular do registo, o ónus de provar o uso sério da marca, como prevê o artigo 269.º n.º 5 do CPI.
72. À luz da jurisprudência do TJUE acima mencionada neste acórdão, o uso sério da marca é um conceito uniforme que pressupõe a verificação de dois requisitos: o uso comercial da marca, que consiste na sua utilização efectiva de modo quantitativamente suficiente; e o uso típico da marca, que consiste em usar a marca de acordo com a sua capacidade distintiva, para identificar a origem dos produtos.
73. A apelante logrou provar o uso comercial da marca com o âmbito territorial e temporal exigido para impedir a caducidade. Sobre essa questão, a decisão proferida pelo Tribunal a quo enferma de contradição entre os fundamentos de facto dela constantes e a decisão de direito, como defende a apelante nas conclusões do recurso. Tal contradição torna nula a decisão recorrida por força do disposto no artigo 615.º n.º 1 – c) do CPC, devendo o Tribunal da Relação substituir-se ao Tribunal de primeira instância nos termos previstos no artigo 665.º n.º 1 do CPC.
74. À luz do disposto nos artigos 255.º n.º 2 e 267.º n.º 1 – a), do CPI, interpretados em conformidade com o artigo 16.º n.º 5 – a) da Directiva 2015/ 2436, este Tribunal julga que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, as omissões/alterações nos elementos da marca registada, acima analisados, não prejudicam a sua identidade, por não alterarem o seu carácter distintivo nem a função indicativa da origem dos produtos junto do público/consumidor médio relevante, independentemente do registo dessas alterações.
75. Pelo que, tendo a apelante provado o uso sério da marca, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julga improcedente a declaração de caducidade do registo da marca da apelada, aqui em crise – artigo 665.º n.º 1 do CPC.

Decisão
Acordam as Juízes desta secção em julgar procedente o recurso e, em conformidade:
I. Revogar a sentença recorrida e substituí-la por outra que julga improcedente o pedido de declaração de caducidade do registo da marca nacional 137700
II. Ordenar ao Tribunal de Primeira instância que, após trânsito e baixa dos autos, cumpra o disposto no artigo 34.º n.º 5 aplicável por força do artigo 46.º, do CPI
I. Custas a cargo da apelada – artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC.

Lisboa, 7 de Setembro de 2022
Paula Pott
Eleonora Viegas
Ana Mónica Pavão