ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
MODALIDADES
ASSUNÇÃO LIBERATÓRIA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário

1. A assunção de dívida (quanto aos seus efeitos) pode revestir 2 modalidades: assunção de dívida liberatória – a vinculação do novo devedor (assuntor) importa a exoneração do antigo devedor -, e assunção cumulativa – a vinculação pelo novo devedor não implica a libertação do antigo devedor, passando ambos a responder, indistintamente, pela dívida perante o credor, só sendo liberatória se houver declaração expressa do credor nesse sentido
2. Ao abrigo da liberdade contratual (art. 405º do CC), assunção de dívida pode resultar de um contrato em que tenham intervenção o antigo devedor, o novo devedor e o credor, nomeadamente através de um contrato entre devedores (antigo e novo) com a ratificação do credor e a exoneração expressa do antigo devedor, no mesmo ato.
3. A assunção de dívida pode ser onerosa, ou gratuita, definindo-se as relações entre o antigo e o novo devedor, se o contrato foi celebrado entre eles, pelos termos do mesmo.
4. A conclusão da litigância de má fé é casuística, dependendo das circunstâncias do caso concreto.

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 17.01.2020, Massa Insolvente da A [ …. Clínica, Lda.], intentou contra B [ ….Participações Sociais, SA,] ação declarativa de condenação com processo comum, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de €753.985,44, acrescida de juros à taxa comercial desde a data da interpelação para pagamento (13 de maio de 2019), que até à data perfazem a quantia de €35.571,59.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
A sociedade comercial denominada A foi declarada insolvente por sentença de 2.3.2015.
Até à declaração de insolvência, a insolvente esteve integrada no grupo empresarial sob o domínio e participação da R., o denominado Grupo ..., no qual se incluíam dezenas de empresas, desde laboratórios de análises clínicas, clínicas dentárias a clínicas de radiologia/imagiologia.
No decurso do apenso de qualificação da insolvência apurou-se que a insolvente é credora da R. no montante de €753.985,44, nenhum pagamento tendo feito à A. por conta do contrato de assunção de dívida subjacente à referida dívida.
Através de comunicação enviada pelo mandatário da Massa Insolvente no dia 13 de maio de 2019, foi a R. interpelada para proceder ao pagamento da citada dívida à A., tendo respondido que nada deve.
Citada, a R. contestou, por exceção, invocando a ilegitimidade do AI, e a caducidade do direito de ação, e por impugnação, e terminou pedindo que sejam julgadas procedentes as exceções invocadas, absolvendo-se, em consequência, a R. do pedido; assim não se entendendo, seja a ação julgada improcedente, absolvendo-se a R. dos pedidos.
Convidada a pronunciar-se sobre as exceções invocadas, pronunciou-se a A. no sentido da sua improcedência, pedindo, ainda, a condenação da R. como litigante de má fé.
Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade invocada, tendo as partes acordado a inexistência de factos controvertidos, e alegado de mérito.
Em 4.3.2022, foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente, e, em  consequência, absolveu a R. do pedido contra si formulado pela A.
Inconformada com a decisão, apelou a A., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que absolveu a Ré do pedido.
2. Como se deixou já enunciado, a decisão a quo fez errada interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis aos factos controvertidos, o que resultou, designadamente, em erro de julgamento.
3. Na verdade, não obstante o contrato sub iudice respeitar a uma ASSUNÇÃO DE DÍVIDA, na douta sentença recorrida entendeu-se ter sido celebrado entre A. e R. um contrato de mútuo, o qual, na conceção do decisório, quer por vício de forma quer «porquanto não tendo a Autora entregue o valor acordado à credora, a Ré não está obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade», implica que a Ré nada deve à Autora.
4. Para tanto, louva-se a sentença recorrida na conceção segundo a qual, dos autos «Resulta que entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de mútuo, ou seja, em que uma das partes (Autora) empresta à outra (Ré) dinheiro, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (artigo 1142.º do Código Civil).»
5. Porém, salvo o devido respeito, fá-lo de forma totalmente equivocada.
6. Em primeiro lugar, como resulta dos factos dados como assentes, entre a A. e a R. não foi celebrado qualquer contrato de mútuo, sendo incorreta a ilação vertida no “Enquadramento Jurídico” da sentença recorrida de «que a ora Autora (cessionária e nova devedora) assumiu a dívida da ora Ré (cedente e antiga devedora) com o intuito de lhe adiantar os meios necessários à satisfação do direito do credor, sendo que esta pagaria o valor do crédito àquela, no prazo de oito anos.».
7. Com efeito, nos termos do disposto no art.º 1142.º do Código Civil, «mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.»
8. Ora, da factualidade dada como assente, nada consta quanto aos elementos de facto necessários à subsunção dos mesmos a um contrato configurável como o de mútuo.
9. Efetivamente, a A. não emprestou dinheiro à R., que esta estivesse obrigada a restituir-lho. E jamais poderia ficcionar-se a existência de um contrato de mútuo, até porque o mútuo é um contrato real quod constitutionem, ou seja, para a sua existência torna-se necessário ter havido efetivo empréstimo de dinheiro, o que não sucedeu.
10. Por conseguinte, não ocorreu à sentença em crise que mesmo antes de se ter pronunciado acerca da existência da observância da forma num contrato de mútuo, teria que apurar se existiam condições para que se pudesse falar num contrato de mútuo.
11. Ou seja, o juízo acerca da efetiva tradição de dinheiro da A. para a R. (tendo esta que o restituir àquela), teria que preceder o juízo acerca da validade formal de um tal contrato, que não ocorreu nem foi o que as partes quiseram ou, tampouco, alegaram.
12. É esta a doutrina que, na nossa modesta opinião e quanto ao putativo contrato de mútuo, ressuma do Acórdão do STJ proferido em 13.02.2007 no processo n.º 07AO79, cujo sumário, com a devida vénia, transcrevemos: «Sendo o contrato de mútuo um contrato real quod constitutionem, isto é, um contrato que só se completa com a entrega da coisa, e não tendo havido qualquer entrega, então tal "contrato" é nulo por falta de objeto, nos termos do art.º 280º do CC. Embora nulo, o contrato sempre poderia ser convertido num outro, em homenagem ao princípio do favor negotii, desde que tivesse sido possível apurar a vontade conjetural ou hipotética das partes, como resulta do art.º 293º do Código Civil.*»
13. Aliás, tal como o caso a que se reporta o acórdão anteriormente citado, o que se provou ter existido foi uma obrigação ou reconhecimento de dívida, jamais um mútuo.
14. Por conseguinte, nos termos, e no âmbito, do contrato em causa, a Autora não se obrigou perante a Ré a “adiantar os meios necessários à satisfação do crédito do credor”.
15. Na verdade, o dever de pagamento da devedora inicial/R., e “cedente” no contrato, do valor de €753.985,44 à A., estava apenas dependente da validade da assunção da dívida por esta A., o que não foi questionado em qualquer momento ou instância por quem quer que fosse. Daqui resulta que a A. - “cessionária” - só se obrigou para com a Credora.
16. Por outro lado, a obrigação da R. não é de restituição, mas de cumprimento, para com a A. em virtude da assunção (e como contrapartida) de uma dívida daquela que esta aceitou, em desoneração definitiva da primeira, o que todas, incluindo a Credora, aceitaram como liberatória da recorrida, como se encontra provado nos autos através dos termos do contrato por todas firmado.
17. Assim, o que se provou ter sido pactuado entre as partes outorgantes foi uma assunção onerosa de dívida, em que a assunção foi, efetivamente, liberatória porque nisso acedeu a Credora, e que envolveu o pagamento de um valor à Cessionária por parte da Cedente.
18. Foi este o regime pelo qual as partes signatárias do contrato sub iudice optaram, que mais se compagina com o teor do contrato aceite nos seus precisos termos por recorrente, recorrida e Credora, fruto de negociação e elaboração dentro do que são os limites da liberdade contratual (art.º 405.º do CC),
19. e que, até doutrinalmente, se encontra há muito enquadrada no ensinamento que os Professores Pires de Lima e Antunes Varela enunciam na anotação ao art.º 597.º do Código Civil, cfr. CC Anotado, Vol. I a pág. 614: “À semelhança do que sucede na cessão de créditos (art.º 578.º, n.º 1), também os requisitos e os efeitos da assunção de dívida entres os contraentes hão de ser definidos em função da sua causa, ou seja, do negócio gratuito ou oneroso (doação, compra e venda, etc.) em que a assunção se integra.”.
20. Também se diga que o pedido efetuado nos autos não foi o da restituição de qualquer quantia pela R. para com a A., mas sim o pagamento por aquela da quantia peticionada.
21. Dir-se-á, ainda, que da economia do contrato não resulta também que a obrigação da R. para com a A. ficasse condicionada ao pagamento por esta de qualquer quantia à Credora;
22. Tendo sido imediata a definitiva exoneração da recorrida no que respeita à dívida para com a Credora, jamais a obrigação da recorrida poderia ficar dependente das relações entre a recorrente e a Credora;
23. Pelo que não colhem as conclusões vertidas a este respeito na sentença quando nela se refere que «(…) não tendo a Autora entregue o valor acordado à credora, a Ré não está obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.»
24. Na verdade, semelhante conclusão faz cair a sentença recorrida no vício da contradição e oposição entre os fundamentos e a decisão proferida, prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, o que acarreta inelutavelmente a sua nulidade.
25. De efeito, aquela conclusão é contrária à constatação que a própria sentença confirmou de que «Não há dúvidas e não é questionado pelas partes que se verificou uma assunção de dívida, em que A, ora Autora, assumiu a dívida de B , ora Ré, junto da credora LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS ... & IRMÃO, LDA. e que esta ratificou a assunção de dívida e desonerou a antiga devedora, ora Ré.» (sublinhado nosso)
26. Dir-se-á que a recorrida não tem que se imiscuir nas relações entre a recorrente e a credora, tem apenas que cumprir a sua parte na obrigação assumida, pois que caso assim fosse, estaria eximida de uma obrigação certa, líquida e exigível sem ter que despender rigorosamente nada.
27. Ora, acolher esse entendimento seria manifestamente abusivo, afrontoso do mais básico sentimento jurídico geral da comunidade, e diametralmente oposto ao princípio do dever de boa-fé no cumprimento dos contratos.
28. De forma que, ao ter decidido pela subsunção do contrato em causa ao de mútuo a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento e contradição entre os, tornando-se numa sentença completamente ambígua;
29. Por outro lado, não obstante o Tribunal não estar vinculado quanto à subsunção dos factos ao direito, o certo é que na sentença a quo se constata igualmente ter-se a mesma pronunciado acerca de questões que não lhe competia conhecer;
30. Visto que, em momento algum das peças que constam dos autos a R. alegou a existência de um contrato de mútuo entre a mesma e a A., e a decisão pronuncia-se pela existência de um contrato desse tipo.
31. Incorrendo a decisão impugnanda, portanto, na prática da nulidade prevista nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, dado a sentença recorrida ter conhecido de questões que não deveria ter conhecido, e os fundamentos da mesma estarem em oposição com a decisão, pois não são retiradas as devidas conclusões da evidência da existência de uma assunção liberatória, pela A., da dívida da R. para com a Credora.
32. Na verdade, esta assunção liberatória vem justificar, e encontra-se na base, da obrigação que a R. assumiu para com a A.., ou seja, do crédito desta para com aquela, pois a Credora já não o poderá exigir da Cedente.
33. Nas doutas palavras do Prof. Almeida Costa, cfr. Das obrigações em geral, vol. II, pág. 373, 5.ª Edição, “Ratificado o contrato, cessa o poder de o distratar conferido pelo n.º 1 do art.º 596.º aos contraentes (antigo e novo devedor)”.
34. Sendo certo que, nas palavras deste mesmo Autor, na assunção liberatória sendo a dívida existente e válida, “a mesma só não será liberatória do primitivo devedor se o próprio contrato de transmissão for declarado nulo ou anulado.”
35. Ora, essa questão não se coloca nos presentes autos, e a sentença aceitou que se verificou uma assunção liberatória (para o devedor original) da dívida para com o credor.
36. Estando, inclusive, vedado ao Credor, em virtude desta definitiva liberação, mesmo em caso de insolvência do novo devedor, exercer contra ele o seu direito de crédito (art.º 600.º do CC).
37. Ora, esta consequência torna ainda mais evidente e reforça ainda mais os argumentos em abono da posição da ora recorrente, pois, a vingar a solução da sentença recorrida, poderia dar-se o caso insólito da Ré ficar definitivamente exonerada da dívida para com a credora sem que tivesse que pagar um cêntimo por isso.
38. Daqui se vê a injustiça crassa que resultaria de uma decisão do género da que ora se encontra sob escrutínio, que se afasta claramente da que as partes signatárias quiseram e expressamente pactuaram.
39. O entendimento que professamos, encontra reflexo na doutrina do Acórdão do STJ de 17.02.2011, no Proc. n.º 294/06.8TVPRT.91.S1, que se transcreve: I- A assunção de dívida não é a aceitação (por compra e venda ou outro negócio jurídico causal) de um crédito. É, antes, a aceitação do pagamento de um passivo de um devedor perante o credor deste, com libertação (assunção liberatória) ou não (assunção cumulativa) do primitivo devedor. II- Nesta figura jurídica, o credor continua a ser o titular do mesmo crédito que detinha sobre o primitivo devedor mas que, por força do referido negócio jurídico, muda apenas de sujeito passivo, isto é, do adstrito ao cumprimento da prestação debitória, que assim passa a ser o novo devedor por ter assumido aquela obrigação (assuntor). III- Note-se que o primitivo ou antigo devedor só fica exonerado do seu dever de prestar se o credor tal expressamente declarar ( art.º 595º/2 do C. Civil) – assunção liberatória da dívida – pois, de contrário, mantém-se solidariamente obrigado perante o credor – assunção cumulativa da dívida. O credor só deixará se ser o titular do direito de crédito objeto da assunção, quando a dívida for paga (extinção do crédito por pagamento) ou se o transmitir por cessão ou por outra via a outrem. IV- Por outras palavras, na assunção da dívida, nem há mudança de credor, que continua a ser o originário, nem da obrigação existente, como aconteceria na novação, mas apenas mudança do devedor, que deixa de ser o primitivo, passando a ser o que assumiu a dívida daquele perante o mesmo credor.
40. Se o contrato é válido no que respeita à liberação definitiva da devedora inicial perante a credora, não poderá deixar de ser válida a obrigação que aquele devedor assumiu, no mesmo contrato, para com a devedora atual.
41. E esta obrigação assume-se como essencial àquela declaração/aceitação de liberação pela Credora, pois, de outro modo, ou seja, se não existisse um crédito da Cessionária/Assumptora para com a Cedente da dívida, não estaria garantida a possibilidade da atual devedora solver tal obrigação para com a Credora.
42. Em linha com o que vimos discorrendo, manifestam-se igualmente Pires de Lima e Antunes Varela, quando, na anotação que fazem ao art.º 595.º do Código Civil no seu CC Anotado, Vol. I a pág. 611, proferem: “Os artigos 595.º e seguintes vieram, porém, admitir expressamente aquela transmissão em dois casos: por contrato entre o antigo e o novo devedor ou por contrato entre o novo devedor e o credor.
43. Quanto ao primeiro, houve que assegurar os interesses do credor, visto, pela transmissão passar o cumprimento da obrigação a ser garantido por outro património.” (sublinhado nosso)
44. Noutro passo, a jurisprudência no acórdão bastante elucidativo acerca desta matéria, defendeu-se um juízo idêntico ao que a recorrente professa na sua petição, tendo-se reconhecido a não contaminação I – A assunção da dívida é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efetuar a prestação devida por outrem – art.º 595.º do C.C. II – A assunção de dívida, liberatória do antigo devedor, só tem lugar havendo expressa declaração do credor nesse sentido. III – A assunção cumulativa da dívida, nos termos do art.º 595, nº 2, do C.C., acontece nos casos em que a assunção da dívida coloca o assuntor ao lado do primitivo devedor, mas sem exonerar este, dando assim ao credor, não o direito a uma dupla prestação, mas o direito de obter a prestação devida através de dois vínculos, à semelhança das obrigações com os devedores solidários. IV – Ao contrário do contrato de mútuo, para o qual o art.º 1143.º do C.C. estabeleceu uma forma específica, que é pressuposto da sua validade, a assunção de dívida não se encontra sujeita a forma especial, como decorre do art.º 595.º, n.º 1, do C.C. V - A assunção da dívida é um ato abstrato, subsistindo independentemente da existência ou validade da sua fonte daí que a nulidade do contrato de mútuo não implica a nulidade da assunção de dívida estabelecida pelos restantes requeridos a favor da primeira requerida, podendo como tal serem também arrestados os bens daqueles. (com sublinhado nosso)
45. Assim, a atitude da R., ao contestar a obrigação contratualmente assumida, configura um manifesto o abuso do direito, na modalidade venire contra factum proprium, que é também uma expressão de evidente litigância de má-fé.
46. Sendo certo que, o princípio pacta sunt servanda (cfr. art.º 406.º do CC), entendido no sentido de que os contratos livremente firmados existem para serem cumpridos, obrigando as partes nos precisos limites da lei, impõem-se como um princípio de ordem pública a todos os aplicadores do Direito.
47. Devendo, ainda, a recorrida ser condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização condigna à recorrente,
48. Uma vez que atua em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, pois o comportamento que manifestou numa primeira conduta (que se traduziu numa declaração negocial), foi entendido como uma tomada de posição vinculante em relação ao futuro e, por essa razão, geradora de uma situação objetiva de confiança; a que correspondeu a boa-fé da contraparte, que justificadamente confiou nessa conduta; e uma segunda conduta da recorrida, contraditória com a anterior, que frustra a confiança gerada.
49. De tudo o que antecede, resulta que a sentença a quo violou o disposto no n.º 3 e n.º 4 do art.º 607.º, e da nulidade decorrente da desobservância das alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 615.º, todos do CPC, bem como das regras contidas, nomeadamente, nos artigos, 334.º, 405.º, 406.º, 595º e seguintes e n.º 2 do art.º 762.º, todos do Código Civil, devendo ser substituída por Douto Acórdão que condene a Ré/ recorrida no pedido.
Termina pedindo Justiça.
A R. contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação, e manutenção da sentença recorrida.
O tribunal recorrido proferiu despacho no sentido de improcederem as nulidades da sentença arguidas pela apelante.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são:
a) das nulidades da sentença;
b) assunção de dívida e incumprimento da apelada;
c) litigância de má fé da apelada.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. Por sentença proferida em 2 de março de 2015, pelas 16:15 horas, no processo n.º 200/14.8T8EVR, a correr termos pelo Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, foi a sociedade comercial denominada A. declarada insolvente.
2. A sentença transitou em julgado em 20 de março de 2015, tendo sido nomeado para administrador da insolvência Dr. ANÍBAL ….. .
3. No âmbito do processo n.º 200/14.8T8EVR-E, referente ao Apenso da Qualificação de Insolvência, foi decidido que:
“1. Qualifico como culposa a insolvência de “A” declarando afetado pela mesma Rui ……;
2. Fixo em 8 (oito) anos o período de inibição de Rui …… para administrar património de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
3. Determino a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por Rui ….. e condeno-o na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
4. Condeno Rui ….. a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património.”.
4. Esta sentença transitou em julgado.
5. Por documento escrito datado de 2 de Maio de 2013, denominado INSTRUMENTO PARTICULAR DE ASSUNÇÃO DE DÍVIDA, foi celebrado um acordo entre três partes, por um lado, a B., ora Ré e subscrito por RUI …… enquanto Presidente do Conselho de Administração desta, designada por CEDENTE, por outro a insolvente A. designada por CESSIONÁRIA representada por MARIA ….., na qualidade de legal representante, e, por outro, LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS ... & IRMÃO, LDA., designada por CREDOR, representada por MARIA … e RUI ….., como seus legais representantes.
6. Consta do referido escrito:
“é celebrado o presente instrumento particular de assunção de dívida
Considerandos:
Considerando que a CEDENTE assumiu junto ao CREDOR a dívida no montante de € 753.985,44 (…);
considerando que a CEDENTE pretende liberar-se da DÍVIDA, transferindo-a à CESSIONÁRIA e que esta aceita a transferência da DÍVIDA, nos termos e condições ora pactuados;
pelo presente Instrumento particular, as partes nomeadas no presente contrato, doravante denominadas, respetivamente, CEDENTE e CESSIONÁRIA, acordam celebrar o presente Instrumento Particular de Assunção de Dívida (o “Contrato”) nos termos do artº 595º e seguintes do Código Civil, que se regerá pelas seguintes cláusulas:
1. A CESSIONÁRIA assume a totalidade da Dívida, comprometendo-se a pagá-la na forma originalmente contratada com o CREDOR.
2. Como contraprestação da assunção da dívida ora pactuada, a CEDENTE pagará, no prazo de oito anos, à CESSIONÁRIA, o valor acima declarado, pelo qual a CESSIONÁRIA dará a competente quitação.
3. A CESSIONÁRIA assume, também, todos os encargos provenientes da Dívida, incorridos até integral pagamento da Dívida.
4. A CEDENTE declara que possui todos os documentos comprobatórios da legitimidade da Dívida ora cedida, eximindo, assim, a CESSIONÁRIA, de toda e qualquer responsabilidade quanto à legalidade da operação originária da Dívida e de toda a sua documentação.
5. As partes acordam, ainda, que quaisquer encargos, de qualquer natureza, decorrentes da operação celebrada entre o CREDOR e a CEDENTE serão de exclusiva responsabilidade da CESSIONÁRIA.
6. O CREDOR ratifica a assunção de dívida nos termos da alínea a) do nº1 do artº 595º do Código Civil.
7. O CREDOR reconhece a legalidade do presente Contrato, que é celebrado em caráter irrevogável e irretratável, obrigando as partes, e expressamente desonera o antigo devedor, ora CEDENTE nos termos e para os efeitos previstos no nº 2 do artº 595º do Código Civil.
8. (…).”.
7. O Ilustre Mandatário da Ré remeteu mail ao Ilustre Mandatário da Autora, no dia 6 de Junho de 2019, com o seguinte teor:
“Exmº Senhor
Dr. Renato ….
Distº Advogado
3510-070 Viseu
Meu Exmº Colega.
A B analisou a carta endereçada por V. Exa. datada de 13 Maio último, que agradece.
Quanto à solicitação formulada na carta recebida, a B. informa-o que nada deve, a nenhum título, à insolvente A, pelo que nada tem a propor-lhe.
Aceite os meus cumprimentos O Colega”.
8. A cessionária A não pagou ao credor LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS ... & IRMÃO, LDA., nem à sua massa insolvente, o valor de € 753.985,44.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Depois de ter analisado o instituto de assunção de dívidas, o tribunal recorrido entendeu que “… Não há dúvidas e não é questionado pelas partes que se verificou uma assunção de dívida, em que A, ora Autora, assumiu a dívida de B., ora Ré, junto da credora LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS ... & IRMÃO, LDA. e que esta ratificou a assunção de dívida e desonerou a antiga devedora, ora Ré. Mas a questão que se coloca não é a que se funda diretamente entre devedora (antiga e nova) e a credora, mas entre as devedoras, o que não passa pelo regime da assunção de dívida. Pois, quanto às relações internas entre o antigo devedor e o novo devedor, essas são definidas pelo contrato que serve de base à assunção. Assim, se o assuntor quis fazer uma liberalidade ao devedor, libertando-o da dívida, é aplicável, em princípio, às relações entre eles o regime das doações. Se houve apenas o intuito de lhe adiantar os meios necessários à satisfação do direito do credor, o regime aplicável será, em princípio, o do mútuo (artigos 1142.º e seguintes do Código Civil). Cumpre apreciar o caso concreto. Nos termos do acordo escrito denominado de INSTRUMENTO PARTICULAR DE ASSUNÇÃO DE DÍVIDA referido nos factos em 5. e 6., em que foram intervenientes a antiga devedora e a nova devedora, ora Ré e ora Autora, consta para regular a relação entre ambas que: “2. Como contraprestação da assunção da dívida ora pactuada, a CEDENTE pagará, no prazo de oito anos, à CESSIONÁRIA, o valor acima declarado, pelo qual a CESSIONÁRIA dará a competente quitação.”. Resulta assim, que a ora Autora (cessionária e nova devedora) assumiu a dívida da ora Ré (cedente e antiga devedora) com o intuito de lhe adiantar os meios necessários à satisfação do direito do credor, sendo que esta pagaria o valor do crédito àquela, no prazo de oito anos. Não tendo a Autora (cessionária e nova devedora) pago ao credor LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS ... & IRMÃO, LDA., nem à sua massa insolvente, o valor de € 753.985,44, impunha-se à Ré (cedente e antiga devedora) o pagamento da contraprestação, ou seja, o valor da dívida à ora Autora, no prazo de oito anos? Podemos desde já adiantar que não. Resulta que entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de mútuo, ou seja, em que uma das partes (Autora) empresta à outra (Ré) dinheiro, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (artigo 1142.º do Código Civil). No entanto, tendo em conta que o valor mutuado ascende a € 753.985,44, o contrato de mútuo só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado (artigo 1143.º do Código Civil), o que não foi o caso dos autos. Não tendo sido observada esta forma, o referido contrato enferma de nulidade (artigo 220.º do Código Civil), vício que é de conhecimento oficioso (artigo 286.º do Código Civil), tendo a declaração de nulidade eficácia retroativa, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, em espécie, se tal for possível ou, não o sendo, o valor correspondente (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil). Sendo o dinheiro um bem fungível por excelência, a declaração de nulidade implica que o mutuário deva restituir o capital que recebeu a título de mútuo nulo por vício de forma. Ora, no caso dos autos, a Ré nada tem a restituir porque a Autora nada prestou (facto provado em 8.) e essa solução seria a mesma caso o contrato de mútuo fosse válido, porquanto não tendo a Autora entregue o valor acordado à credora, a Ré não está obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. Pelo exposto, não resta senão concluir pela improcedência da ação e, em consequência, pela absolvição da Ré do pedido formulado pela Autora. …”.               
1.1. A apelante sustenta que a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, als. c) e d), do CPC, “dado a sentença recorrida ter conhecido de questões que não deveria ter conhecido, e os fundamentos da mesma estarem em oposição com a decisão, pois não são retiradas as devidas conclusões da evidência da existência de uma assunção liberatória, pela A., da dívida da R. para com a Credora”.
As nulidades da sentença são vícios formais da mesma que não se confundem com o erro de julgamento.
As causas de nulidade da sentença constantes do art. 615º do CPC são taxativas, e dessa taxatividade resulta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” [1].
Como se escreve no Ac. do STJ de 18.9.2018, P. 108/13.2TBPNH.C1.S1 (José Rainho), em www.dgsi.pt, “…, como tem sido reiteradamente afirmado na doutrina e na jurisprudência, não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento (seja em matéria substantiva, seja em matéria processual). As primeiras (errores in procedendo) são vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afetam a regularidade do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito. As nulidades ditam a anulação da decisão, as ilegalidades ditam a revogação da decisão”.
Dispõe o art. 615º, nº 1, al. c), do CPC que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A nulidade referida na 1ª parte do mencionado preceito legal verifica-se quando as premissas do raciocínio apontarem num sentido e a decisão for noutro.
O juiz analisa a questão que lhe é colocada, equaciona os seus argumentos em determinado sentido, e, a final, conclui/decide, em sentido (lógico) contrário àquele que fundamentou.
Como escrevia o Alberto dos Reis, no CPC Anotado, Vol. V, pág. 141 [2] “no caso considerado no nº 3 do art. 668º [3] a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.
Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, na ob. cit., pág. 690, escreviam que “nos casos abrangidos pelo artigo 668º, 1, c) [4], há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente”.
Ainda no âmbito do anterior CPC, mas com plena pertinência, Manuel Amâncio Ferreira, no Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 54, sublinhava que “a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento”.
A nulidade referida na 2ª parte do referido preceito legal foi introduzida pelo NCPC.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [5], no CPC Anotado, Vol. I, pág. 468, escrevem que “a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes”.
No sentido referido, sumaria-se no Ac. do STJ de 2.6.2016, P. 781/11.6TBMTJ.L1.S1 (Fernanda Isabel Pereira), em www.dgsi.pt, que “… III - O vício a que se refere a primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 615º do NCPC radica na desarmonia lógica entre motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diversa. A obscuridade e a ambiguidade mencionadas na segunda parte desse preceito verificam-se, respetivamente, quando alguma passagem da decisão seja ininteligível ou quando se preste a mais do que um sentido”.
Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente, e verifica-se obscuridade sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável.
Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, impossibilitando que seja apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no CPC Anotado, Vol. 2, 4ª ed., pág. 735, escrevem que “No regime atual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1 CC e 238-1 CC, não possa tirar da decisão um sentido inequívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.
Ora, no caso sub judice os fundamentos de direito elencados pelo tribunal recorrido – de que subjacente à assunção de dívida existe um contrato de mútuo, mas inválido por falta de forma, nada havendo, contudo, a restituir por nada ter sido entregue, à mesma solução se chegando caso o contrato fosse válido -, assentes nos factos dados como provados, levam, logicamente, à decisão proferida de absolvição da R. do pedido (de pagamento da quantia peticionada).
Não existe, pois, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, apenas discordando a apelante da interpretação e integração jurídica dos factos feita pelo tribunal recorrido, o que poderá consubstanciar eventual erro de julgamento que não se confunde com a nulidade invocada.
Por outro lado, a al. d) do nº 1 do referido art. 615º do CPC dispõe que a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
O tribunal não pode conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, exceto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras (art. 608º, nº 2, 2ª parte, do CPC).
As questões a que se reporta este artigo são os pontos de facto ou de direito relevantes respeitantes ao pedido ou à causa de pedir, incluindo as exceções.
Há decisão “ultra petitium” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo Autor – ou pelo demandado se deduziu pedido reconvencional ou se defendeu por exceção – e conheceu, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação.
Terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante.
Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objeto (excesso qualitativo).
A consequência jurídica de conhecer de questões que não possa conhecer é, pois, a nulidade da sentença supra mencionada.
Têm-se suscitado dúvidas sobre o exato conteúdo das questões a resolver pelo juiz na sentença, sendo unânime o entendimento de que não devem confundir-se as “questões” com os argumentos ou razões invocadas por cada uma das partes para sustentar a solução que defende quanto à questão a resolver [6], até porque, como se sabe, o julgador não está sujeito às razões jurídicas invocadas, pois é livre na interpretação e aplicação do direito (art. 5º, nº 3 do CPC).
No caso sub judice, a apelante sustenta que a sentença recorrida padece do referido vício porque o tribunal recorrido entendeu existir um mútuo subjacente à assunção de dívida, quando nenhuma das partes alegou a existência de um contrato de mútuo entre a A. e a R.
A sentença recorrida não padece do vício apontado, porque o que está em causa é a integração e interpretação jurídica dos factos feita pelo tribunal recorrido (não estando este vinculado às razões jurídicas invocadas pelas partes, como já referido), ou seja, o que está em causa é eventual erro de julgamento, que não se confunde com a nulidade invocada.
Em conclusão, a sentença recorrida não padece das nulidades invocadas, nem de qualquer outra, improcedendo a apelação nesta parte.
1.2. Apreciemos, então, do mérito da apelação, sendo certo que o que está em causa é o negócio a que aludem os pontos 5 e 6 da fundamentação de facto.
Por documento escrito datado de 2.5.2013, denominado instrumento particular de assunção de dívida, foi celebrado um acordo entre três partes, por um lado, a ..., ora R. (subscrito por Rui …. enquanto presidente do CA desta), designada por cedente, por outro a insolvente A (representada pela sua legal representante Maria ….), designada por cessionária, e, por outro, Laboratório de Análises Clínicas ... & Irmão, Lda. (representada pelos seus legais representantes Maria … e Rui ….), designada por credor, com o seguinte teor: “é celebrado o presente instrumento particular de assunção de dívida Considerandos: Considerando que a CEDENTE assumiu junto ao CREDOR a dívida no montante de € 753.985,44 (…); considerando que a CEDENTE pretende liberar-se da DÍVIDA, transferindo-a à CESSIONÁRIA e que esta aceita a transferência da DÍVIDA, nos termos e condições ora pactuados; pelo presente Instrumento particular, as partes nomeadas no presente contrato, doravante denominadas, respetivamente, CEDENTE e CESSIONÁRIA, acordam celebrar o presente Instrumento Particular de Assunção de Dívida (o “Contrato”) nos termos do artº 595º e seguintes do Código Civil, que se regerá pelas seguintes cláusulas: 1. A CESSIONÁRIA assume a totalidade da Dívida, comprometendo-se a pagá-la na forma originalmente contratada com o CREDOR. 2. Como contraprestação da assunção da dívida ora pactuada, a CEDENTE pagará, no prazo de oito anos, à CESSIONÁRIA, o valor acima declarado, pelo qual a CESSIONÁRIA dará a competente quitação. 3. A CESSIONÁRIA assume, também, todos os encargos provenientes da Dívida, incorridos até integral pagamento da Dívida. 4. A CEDENTE declara que possui todos os documentos comprobatórios da legitimidade da Dívida ora cedida, eximindo, assim, a CESSIONÁRIA, de toda e qualquer responsabilidade quanto à legalidade da operação originária da Dívida e de toda a sua documentação. 5. As partes acordam, ainda, que quaisquer encargos, de qualquer natureza, decorrentes da operação celebrada entre o CREDOR e a CEDENTE serão de exclusiva responsabilidade da CESSIONÁRIA. 6. O CREDOR ratifica a assunção de dívida nos termos da alínea a) do nº1 do artº 595º do Código Civil. 7. O CREDOR reconhece a legalidade do presente Contrato, que é celebrado em caráter irrevogável e irretratável, obrigando as partes, e expressamente desonera o antigo devedor, ora CEDENTE nos termos e para os efeitos previstos no nº 2 do artº 595º do Código Civil. 8. (…).”.
O art. 595º do CC disciplina o instituto da “assunção de dívida”, dispondo que “1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se: a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor. 2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”.
Como resulta deste preceito, a transmissão singular de dívidas tem sempre fonte contratual, podendo resultar de um contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor, ou de um contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem autorização do antigo devedor.
E, ao abrigo da liberdade contratual (art. 405º do CC), pode resultar, também, de um contrato em que tenham intervenção o antigo devedor, o novo devedor e o credor [7], como sucede no caso dos autos, em que o contrato é feito entre devedores (antigo e novo) com a ratificação do credor e a exoneração expressa do antigo devedor, no mesmo ato [8].
A lei não estabelece forma especial para o contrato em causa (art. 219º do CC).
A assunção de dívida (quanto aos seus efeitos) pode revestir 2 modalidades: assunção de dívida liberatória – a vinculação do novo devedor (assuntor) importa a exoneração do antigo devedor -, e assunção cumulativa – a vinculação pelo novo devedor não implica a libertação do antigo devedor, passando ambos a responder, indistintamente, pela dívida perante o credor.
Como estipula o nº 2 do art. 595º do CC, a assunção de dívida só é liberatória se houver declaração expressa do credor nesse sentido, o que bem se compreende atenta a prevalência do seu interesse [9].
Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, em Direito das Obrigações, Vol. II, 3ª ed., 2005, pág. 54, escreve que “ao verificar-se a transmissão da dívida, o novo devedor pode vir a substituir integralmente o antigo devedor, que fica assim exonerado (assunção liberatória), ou, pelo contrário, ficar vinculado por essa obrigação exatamente nos mesmos termos e em simultâneo com o primitivo devedor, sem que a vinculação deste seja afetada (assunção cumulativa). A diferença entre estas duas situações jurídicas depende apenas da declaração de exoneração do primitivo obrigado, que compete ao credor, e que a lei exige que resulte de declaração expressa, ou seja, declaração feita por palavras ou outro meio de expressão da vontade (artigo 217.º). A exoneração pelo credor é assim essencial para que o antigo devedor fique liberado perante ele. Sem essa declaração, o novo devedor responderá solidariamente para com o antigo obrigado”.
No caso em apreço, no contrato reproduzido em 5 e 6 da fundamentação de facto, a A assumiu a totalidade da dívida no montante de €753.985,44 da R. B para com o Laboratório de Análises Clínicas ... & Irmão, Lda., comprometendo-se a pagá-la na forma originalmente contratada com esta.
E a credora, Laboratório de Análises Clínicas ... & Irmão, Lda., ratificou a assunção de dívida pela A, reconheceu o contrato como válido, com caráter irrevogável e irretratável, obrigando as partes, e expressamente desonerou a antiga devedora, a R. B, “nos termos e para os efeitos previstos no nº 2 do artº 595º do Código Civil”.
Dos termos do contrato resulta inquestionável ser, no caso, a assunção de dívida liberatória, tendo passado a A a ser a única devedora perante a credora, Laboratório de Análises Clínicas ... & Irmão, Lda., mantendo-se a obrigação a mesma [10].
Como escrevia Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, 3ª ed., Vol. II, pág. 325, “Como o próprio nome indica, a assunção de dívida é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efetuar a prestação devida por outrem. A assunção opera uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo nem da identidade da obrigação. … O termo transmissão (transmissão da dívida), que figura na epígrafe da secção em que  novo Código regula a matéria, inculca desde logo a ideia de que a obrigação se transfere, sem perda da sua identidade, do primitivo devedor para o assuntor, ficando aquele exonerado a partir do momento em que este se vincula perante o credor”.
Como refere a sentença recorrida, resulta inquestionável que a credora, Laboratório de Análises Clínicas ... & Irmão, Lda., ratificou a assunção da dívida pela A e exonerou a R. B da mesma.
A validade da assunção de dívida objeto do contrato em apreço não foi posta em causa por qualquer das partes, nem pelos AI da massa falida do Laboratório de Análises Clínicas ... & Irmão, Lda., ou da A, pelo que a R. ficou desonerada da sua obrigação perante a credora, Laboratório de Análises Clínicas ... & Irmão, Lda., como sustenta a apelante.
O que não é posto em causa pela declaração de insolvência da G. Batista Cabral, atento o disposto no art. 600º do CC.
Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, na ob. cit., págs. 539/540, em anotação a este preceito legal, “À exoneração do primitivo devedor, quando tenha lugar nos termos do nº 2 do artigo 595º, deve atribuir-se plena eficácia. Esse devedor deixa, para futuro, de responder pela dívida, e não assume a garantia dela sem ressalva expressa. Não importa que a insolvência do novo devedor seja contemporânea da transmissão ou posterior a ela. A lei não distingue, nem há razão para distinguir. Nem há que reconhecer tão-pouco qualquer desvio da regra como medida de proteção da ignorância do credor. Impõe-se-lhe, no momento da exoneração do antigo devedor, certificar-se, tal como o faz o credor que constitui uma obrigação nova, das possibilidades económicas do segundo obrigado”.
Perante o pedido formulado na presente ação, cumpre, agora, analisar as relações entre a assuntor e a R. resultantes do contrato em causa, sendo certo que a credora é alheia àquelas relações [11].
Antunes Varela, na ob. cit., pág. 343, escreve que “Nas relações entre o antigo e o novo devedor, quando o contrato tenha sido celebrado entre eles, o regime da assunção será definido, tal como sucede na cessão de créditos, em função do tipo de negócio que lhe serve de base. Se o assuntor quis fazer uma liberalidade ao devedor, liberando-o da dívida, será aplicável, em princípio, às relações entre eles o regime das doações. Se houve apenas o intuito de lhe adiantar os meios necessários à satisfação do direito do credor, o regime aplicável será, em princípio, o do mútuo (arts. 1142º e segs.)”.
No caso sub judice nada resultou alegado ou provado sobre o negócio subjacente, apenas tendo sido alegado que a G. Batista Cabral estava integrada no grupo empresarial sob o domínio e participação da R., Grupo ..., no qual se incluíam dezenas de empresas, desde laboratórios de análises clínicas, clínicas dentárias a clínicas de radiologia/imagiologia (art. 3º da PI).
Não obstante a R. tenha impugnado tal factualidade (art. 82º da contestação), vem agora, em sede de contra-alegações, alegar “essa relação de simples participação e de domínio” (arts. 1º a 3º).
Certo é, que os legais representantes das 3 sociedades envolvidas no contrato em causa eram os mesmos.
Isto a significar que, não obstante nada tenha sido alegado sobre o “negócio” subjacente à assunção de dívida pela A, a mesma terá tido a sua justificação nessas relações de “grupo”, e no interesse empresarial comum.
O que se nos afigura, porém, e salvo o devido respeito por opinião contrária, é que da factualidade alegada (e provada) não se pode concluir que a nova devedora (assuntor) assumiu a dívida da R. “com o intuito de lhe adiantar os meios necessários à satisfação do direito do credor”, ou seja, que entre elas foi celebrado um contrato de mútuo, como concluiu o tribunal recorrido.
No contrato reproduzido em 5 e 6 da fundamentação de facto foi acordado que a cessionária (a G. Batista Cabral) assumia a totalidade da dívida (no montante de €753.985,44), comprometendo-se a pagá-la na forma originalmente contratada com a credora [12], assumindo todos os encargos provenientes da dívida, incorridos até integral pagamento da mesma, bem como quaisquer encargos, de qualquer natureza, decorrentes da operação celebrada entre a credora e a antiga devedora (cláusulas 1, 3 e 5).
Mais ficou estipulado que, como contraprestação da assunção da dívida, a R. “pagará, no prazo de 8 anos, à cessionária, o valor acima declarado, pelo qual a cessionária dará a competente quitação”.
Em causa está uma assunção onerosa de dívida, que não se confunde com um contrato de mútuo.
Nos termos do art. 1142º do CC “Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
A cessionária não entregou à R. qualquer quantia em dinheiro, antes se obrigou a pagar a dívida desta para com a credora, na forma originalmente contratada, bem como todos os encargos provenientes da dívida, incorridos até integral pagamento da mesma, bem como quaisquer encargos, de qualquer natureza, decorrentes da operação celebrada entre a credora e a antiga devedora.
E como contrapartida, a cedente (a R.) obrigou-se a pagar à cessionária, apenas, o valor da dívida, em 8 anos.
O contrato celebrado entre cedente e cessionária define as relações entre estas, estipulando a onerosidade da assunção da dívida, e os concretos termos da mesma.
Da análise do contrato, resulta que à assunção da dívida pela A corresponde (foi estipulada) a obrigação da R. B de lhe pagar o valor da dívida, em 8 anos.
Ou seja, no contrato em causa foram estipuladas obrigações recíprocas (sinalagmáticas), ficando a A obrigada a pagar a dívida (da R.) à credora na forma originalmente contratada (bem como os mencionados encargos), e, em contrapartida, a R. ... obrigada a pagar-lhe, no prazo de 8 anos, o valor em dívida.
Não tendo a A pago a dívida à credora, que também não lha exigiu em sede de processo de insolvência, não está a R. B obrigada a cumprir a sua parte do contrato (do sinalagma).
Ou seja, a contraprestação da R. pressupõe o pagamento da A à credora, o que não ocorreu.
Não está em causa ter a R., ou não, a ver com as relações entre a nova devedora e a credora; o que está em causa é a relação obrigacional que se estabeleceu no contrato entre a antiga devedora e a nova devedora, sendo as respetivas obrigações recíprocas, e dependentes uma da outra.
Em conclusão, improcede a apelação, também, nesta parte, devendo manter-se a decisão recorrida, embora com diferentes fundamentos.
1.3. Resta aquilatar se a R. litigou de má fé, como sustenta a apelante, por agir em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprio, ao contestar a obrigação assumida.
A litigância de má fé traduz-se na violação do dever de boa fé que o art. 8º do CPC impõe às partes.
Dispõe este artigo que “as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior”, ou seja “na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litigo” (art. 7º, nº 1 do CPC).
Assim, dispõe o art. 542º, nº 2 do mesmo diploma legal que “diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Ao contrário do que sucedia antes da reforma processual civil introduzida pelo DL. 329-A/95 de 12.12 ao CPC61, passou a ser, e é, atualmente, sancionável, a título de má fé, não apenas a lide dolosa, mas também aquela em que são violadas, com culpa grave ou erro grosseiro, as regras de conduta processual conformes com a boa fé.
Referia-se no relatório do referido DL. 329-A/95 de 12.12 que “como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagra-se expressamente o dever da boa fé, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos ...”.
Menezes Cordeiro, em “Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa In Agendo”, pág. 26, escreve que “no Direito processual – 1995/96 – valem o dolo e a negligência grave: não a comum. A jurisprudência, ainda que sublinhando o alargamento que a relevância agora dada à negligência (grave) significa, restringe esse alargamento às prevaricações substanciais; nas processuais – art. 456º/2,d) – apenas relevaria o dolo.... A própria negligência grave é entendida como “imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesto aos olhos de qualquer um” - referência ao Ac. do STJ de 6.12.01, P. 01A3692, relatado pelo Cons. Afonso de Melo, in www.dgsi.pt.
Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, págs. 62 e 63, escreve que “a infração do dever do honeste procedere pode resultar de uma má fé subjetiva, se ela é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objetiva, se resulta da violação dos padrões de comportamento exigíveis”.
Como se escreveu no Ac. da RP de 6.10.05, P. 0534447 (Fernando Baptista), em www. dgsi.pt, “esta conceção explícita agora de litigância de má fé não se pode confundir com erro grosseiro, com lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução de oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova e de não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento, na eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, ou com discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou até na defesa convicta e séria de uma posição, sem conduto a lograr convencer”.
Vem-se entendendo, na jurisprudência, que a conclusão da litigância de má fé é casuística, dependendo das circunstâncias do caso concreto, devendo o tribunal ser prudente na sua apreciação, só devendo condenar a parte, como litigante de má fé no caso de se estar perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
Ora, não resultam dos autos elementos seguros que permitam a condenação da R. como litigante de má fé, afigurando-se-nos que inexiste comportamento contraditório da R., mas interpretação divergente sobre o contrato celebrado entre as partes, nomeadamente sobre as condições determinantes do seu cumprimento por esta.
Ou seja, não está em causa a negação pura e simples da obrigação, mas a sua não exigência em face das circunstâncias concretas.
Inexiste, pois, fundamento para condenar a R./apelada como litigante de má fé.
Em conclusão, improcede a apelação na totalidade.
As custas do recurso são a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
À ação foi atribuído o valor de €789.557,03.
Por força do valor da ação, ao caso dos autos aplica-se o último escalão de valor das ações (€250.000,00 a €275.000,00), o que significa que no regime da tabela I-B anexa ao RCP, aplica-se uma taxa de justiça de valor fixo (8UC) que progressivamente se agrava, sem qualquer limite máximo, na proporção direta do aumento do valor da ação, em acréscimos de 1,5UC por cada 25.000,00 ou fração, a fixar a final.
As questões suscitadas no recurso (nulidades da sentença recorrida, mérito da ação e litigância de má fé da apelada), não consubstanciam especial complexidade.
Não é de pôr em causa a cooperação das partes no desenrolar do recurso, numa postura processual de acordo com os ditames da lei.
Tudo visto e ponderado, na salvaguarda dos princípios constitucionais do acesso ao direito, da proporcionalidade e da igualdade, afigura-se-nos que deve ser dispensado, na totalidade, o pagamento da taxa de justiça remanescente (art. 6º, nº 8 do RCP).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido, dispensando-se o pagamento da taxa de justiça remanescente.
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Lisboa, 2022.07.14
Cristina Coelho
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
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[1] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, no Manual de Processo Civil, pág. 686.
[2] Com atual pertinência.
[3] Do CPC de 1939, de redação igual à da parte inicial da al. c) do CPC atual.
[4] Correspondente ao atual art. 615º, nº 1, al. c), 1ª parte, do CPC.
[5] Este último assina o presente acórdão como 2º adjunto.
[6] Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Vol. V, pág. 143, a propósito da omissão de pronúncia, que é a hipótese inversa à ora analisada, escreve que “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.
[7] Neste sentido, cfr. Gonçalo Andrade e Castro, no Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCE, pág. 648.
[8] Neste sentido, ver Patrícia Quintas Silva Roque de Oliveira, em A assunção cumulativa de dívida: uma forma velada de garantia?, Universidade Lusíada, pág. 39.
[9] Ver Pires de Lima e Antunes Varela, no CC Anotado, Vol. I, 2ª ed. rev. e atualiz., pág. 534/535.
[10] E a credora só deixará de ser a titular do direito de crédito objeto da assunção, quando a dívida for paga (extinção pelo pagamento), ou se o transmitir por cessão ou por outra via a outrem.
[11] Menezes Cordeiro, em Direito das Obrigações, 1ª ed. (reimpressão), págs. 114/115, escreve que “a existência normal de uma fonte originante da assunção não é necessária para a subsistência desta. Entende o Direito que, uma vez celebrada a transmissão da dívida, não seria justo sujeitar o credor que, fiado nas aparências, deu o seu assentimento, às vicissitudes possíveis na relacionação verificada entre os devedores inicial e posterior”. Ou seja, a assunção da dívida é um ato abstrato, subsistindo independentemente da existência ou validade da sua fonte – cfr. Ac. do STJ de 22.2.05, P. 04A3894 (Pinto Monteiro), www.dgsi.pt. Em sentido divergente, ver Patrícia Quintas Silva Roque de Oliveira, na ob. cit., págs. 51/55.
[12] Que se desconhece qual foi.