DESCONTO
PROIBIÇÃO DO EXERCÍCIO DE PROFISSÃO
MEDIDAS DE COACÇÃO
PENA ACESSÓRIA
Sumário


I – O instituto do desconto assenta na ideia básica segundo a qual privações de liberdade de qualquer tipo que o agente tenha já sofrido em razão do facto ou factos que integram ou deveriam integrar o objecto de um processo penal devem, por imperativos de justiça material, ser imputadas ou descontadas na pena a que, naquele processo, o agente venha a ser condenado.
II – A proibição do exercício de profissão, quer enquanto medida de coacção, quer enquanto pena acessória, não encerra qualquer privação de liberdade.
III – Apenas as privações de liberdade (prisão preventiva, obrigação de permanência na habitação e detenção) impostas antes de uma condenação transitada em julgado estão abrangidas pelo artigo 80.º do Código Penal, justificando-se, quanto a elas, o desconto no cumprimento da pena de prisão aplicada.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1.
No âmbito do processo comum singular 1420/11.0T3AVR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo Local Criminal de Bragança – Juiz 4, foi proferido despacho em 4/02/2022, com o seguinte teor (referência 22996795):
Fls. 893 a 903:

Nada a determinar ou a analisar considerando o já decidido pelo TRG e conforme doutamente promovido, porquanto o artigo 80.º do Código Penal, que prevê o instituto do desconto, apenas respeita a privação da liberdade decorrente da aplicação de penas principais e não acessórias.
Notifique”.

2.
Não se conformando com o decidido, veio o arguido R. P. interpor o presente recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição).

“1.ª Vem o arguido R. P. interpor recurso ao despacho datado de 04.02.2022 que lhe indeferiu o pedido de desconto de todo o tempo de proibição do exercício de profissão e da pena acessória de proibição que foi efectivamente cumprida por si, porque o Tribunal de Bragança comunicou sempre às entidades administrativas tal proibição bem como a pena acessória de proibição tendo-o feito sem que essas decisões tivessem transitado em julgado.
2.ª A parte da decisão de que recorre do despacho de 04.02.2022 incide sobre esta concreta parte: “Nada a determinar ou a analisar considerando o já decidido pelo TRG e conforme doutamente promovido, porquanto o artigo 80.º do Código Penal, que prevê o instituto do desconto, apenas respeita a privação da liberdade decorrente da aplicação de penas principais e não acessórias”.
3.ªEntendemos que o referido despacho de 04.02.2022 padece de nulidade por falta de fundamentação, nulidade essa que expressamente se invoca para todos os devidos efeitos legais, por violação do art.º 97.º n.º 5 do C.P.P., sendo certo que o Tribunal de recurso dispõe de todos os elementos necessários à boa decisão da causa sem haver a necessidade de mandar repetir a elaboração desse mesmo despacho.
4.ª O Tribunal de 1.ª Instância, ao ter comunicado após a leitura do acórdão condenatório de 1.ª Instância o teor dessas condenações e das penas acessórias de proibição às entidades administrativas/laborais dos arguidos precipitou-se, tendo levado a que, na prática, as penas acessórias de proibição tivessem sido cumpridas pelo arguido R. P. até ao trânsito em julgado da decisão, que só ocorreu em 6 de Julho de 2020 porque a entidade para a qual este arguido exercia funções, por força das comunicações efetuadas pelo Tribunal de 1.ª Instância, proibiu-o de exercer a sua profissão de examinador dando cumprimento às decisões judiciais que lhes tinham sido comunicadas.
5.ª Significa isto que, o Tribunal ao ter decretado a proibição do exercício de função por decisão judicial datada de 17.12.2015, e que manteve no dia da leitura do acórdão de condenação de 1.ª Instância, mas agora na vertente de pena acessória de proibição do exercício de profissão, tendo comunicado, de imediato e prematuramente, por oficio, às entidades, originou um cumprimento imediato dessa mesma pena acessória de proibição, uma vez que tal entidade, ao ter sido notificada de tal acórdão, fazendo boa fé no mesmo, continuou a proibir o arguido R. P. de exercer a sua profissão, com todas as demais consequências pessoais, profissionais e financeiras, bem como, e mais importante, acabou por cumprir grande parte daquela pena acessória de proibição, que viria a ser revogada, anos depois, mas essa proibição já estava em grande parte cumprida.
6.ª Verdade é que, o Tribunal da Relação, por acórdão de 30.09.2019 anulou as penas acessórias de proibição, tendo esse acórdão sido mantido pelo novo acórdão de Janeiro de 2020, que viria a transitar em 6 de Julho de 2020 quanto ao aqui recorrente R. P..
7.ª Ora, todo esse tempo de proibição efectivamente cumprido tem que ser descontado na pena de prisão, sob pena de, por culpa do órgão jurisdicional, o Tribunal, que se precipitou a oficiar as entidades administrativas antes do trânsito em julgado, o arguido ter cumprido tais penas acessórias de proibição, e agora ter que cumprir por inteiro a pena aplicada, depois de já ter cumprido todas essas proibições decretadas, além da prisão preventiva que sofreu, sendo que nem esse período de prisão preventiva sofrido o Tribunal sequer se dignou a referir no despacho de 04.02.2022.
8.ª O despacho judicial de 04.02.2022 encontra-se de tal forma incorrecto, naquela concreta parte, e na concreta interpretação que fez do art.º 80.º do Código Penal, nem sequer menciona o tempo de prisão preventiva sofrido pelo arguido R. P..
9.ª Assim, os descontos no tempo de prisão a cumprir também operam por força do estatuído no art.º 80.º n.º 1 do Código Penal, com a seguinte redacção: “a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.”.
10.ªOra, sabendo que o art.º 46.º n.ºs 5 e 6 do Código Penal contempla outro tipo de descontos - pela proibição do exercício de função – não restam dúvidas que o art.º 80.º do Código Penal, por lapso do legislador, não se soube exprimir correctamente ou de forma totalmente completa.
11.ª A própria lei refere a expressão “arguido”, o que transmite a ideia de que foi durante o percurso do processo que sofreu medidas de coacção passíveis de ser descontadas.
12.ªPelo que, perante esta interpretação, nasce, como é óbvio, a inconstitucionalidade do art.º 80.º n.º 1 do Código Penal, que passaremos desde já a invocar para que o Tribunal possa decidir, em conformidade.

INCONSTITUCIONALIDADE
13.ª O artigo 80.º n.º 1 do Código Penal ao não contemplar o desconto por inteiro no cumprimento da pena de prisão todos os períodos de tempo sofridos/cumpridos por proibição/suspensão do exercício de profissão/actividade/função decretada judicialmente e que tenha sido cumprida pelo arguido é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e legalidade criminal, ínsitos nos art.ºs 13.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa.
14.ªOra, encontrando-se previsto que o tempo de proibição do exercício de profissão/função/actividade seja descontado por inteiro no tempo de prisão a cumprir pelo condenado, e a pena lhe seja revogada, por maioria de razão, cabendo desconto daquele tempo a um condenado em pena suspensa, cabe desconto a quem cumpriu proibição/suspensão do mesmo exercício de profissão mesmo condenado a uma pena de prisão efectiva.
15.ªA correcta interpretação do art.º 80.º n.º 1 do Código Penal, com observação do art.º 46.º n.ºs 5 e 6 do Código Penal é no sentido de que, um arguido que tenha cumprido ao longo do processo medidas de proibição do exercício de profissão veja esse período descontado à razão de um dia de proibição por um dia de prisão caso venha a ser condenado em pena de prisão efectiva, porquanto esse mesmo desconto é efectuado a quem tenha sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução e cada dia de proibição cumprido também equivale a um dia de prisão caso aquela suspensão venha a ser revogada.
16.ª De igual forma, os artigos citados na conclusão anterior têm que ser interpretados, de forma isolada ou conjugada no seguinte sentido: se, após a leitura do acórdão de 1ª Instância, o Tribunal comunica precocemente penas acessórias de proibição do exercício de profissão às entidades e o arguido fica, de forma real e efectiva, proibido de exercer a sua profissão, sendo mais tarde tais proibições cumpridas revogadas pelo Tribunal Superior, todos os dias de proibição cumpridos serão descontados na pena de prisão efectiva a cumprir porquanto só se pode concluir que, por precipitação do Tribunal, o arguido acabou por dar início ao cumprimento da pena acessória de proibição.
17.ª Por maioria de razão, o tempo que cumpriu de proibição, tem que ser descontado por inteiro na pena de prisão a cumprir.
18.ª Note-se que, as proibições que o arguido cumpriu foram já depois de ter estado em prisão preventiva. Num primeiro momento processual esteve privado da liberdade, num segundo momento privado de exercer funções e num terceiro momento foi proibido de trabalhar.
19.ª O que nos leva a concluir que, foram violados e/ou mal interpretados os art.ºs 46.º n.ºs 5 e 6, 80.º n.º 1 do Código Penal e 13.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, tendo um arguido cumprido, de forma real e efectiva, períodos de proibição do exercício de profissão, para além de outros períodos de medida de coacção de prisão preventiva que sofreu à ordem dos presentes autos, quer o tempo de prisão preventiva bem como todos os tempos de proibição e pena acessória de proibição que foram cumpridos prematuramente por culpa do próprio Tribunal, que oficiou essas proibições e penas acessórias sem esperar pelas decisões de recurso e pelo trânsito em julgado, têm que ser descontados na pena de prisão a cumprir sob pena de se ter colocado o arguido numa situação de penas acessórias de proibição que até eram ilegais, como foram declaradas.

TERMOS EM QUE, dando-se provimento ao presente recurso, DEVE O DESPACHO JUDICIAL DATADO DE 04.02.2022 SER REVOGADO, sendo substituído por outro que, de acordo com as motivações e conclusões do presente recurso, bem como do teor do requerimento apresentado pelo arguido, entre tudo o mais que favoreça o recorrente, se declare o seguinte:

A) A decisão judicial de 04.02.2022 é nula por falta de fundamentação;
B) A decisão judicial de 04.02.2022 é ilegal porquanto o art.º 80.º do Código penal impõe que seja descontado todo o tempo de prisão preventiva sofrido nos autos;
C) O tempo de proibição do exercício de profissão tem que ser descontado por inteiro – um dia de proibição equivale a um dia de prisão;
D) O tempo de proibição cumprido oriundo da pena acessória que o Tribunal de 1.ª Instância comunicou às entidades administrativas após a leitura do acórdão sem que tal acórdão se encontrasse transitado em julgado tem que ser descontado, por inteiro, na pena de prisão a cumprir ao abrigo do disposto no art.º 80.º do Código Penal, equivalendo cada dia de proibição a um dia de prisão;
E) O tribunal de 1.ª Instância, ao ter comunicado prematuramente e sem se verificar o trânsito em julgado o referido acórdão, às entidades e instituições sabia que estas, fazendo boa-fé na comunicação do órgão de soberania, dariam início ao cumprimento de tal decisão, e com isso colocariam o arguido a cumprir, de forma imediata, a pena acessória de proibição, que mais tarde viria a ser anulada, tendo como consequência, a bem do arguido e do prestígio do sistema de justiça, o desconto desse tempo cumprido na pena de prisão a cumprir, por analogia e observação do art.º 46.º, n.ºs 5 e 6 do Código Penal;
F) Somados todos os tempos efectivamente cumpridos a descontar na pena de prisão, e atingindo essa contagem os cinco sextos da pena, tal deve ser comunicado ao T.E.P. para proceder em conformidade ao abrigo do previsto no art.º 61.º, n.º 4 do Código Penal, tudo com as demais consequências legais e processuais.”

3.
O Exmo. Procurador da República junto da primeira instância respondeu ao recurso concluindo pela sua improcedência.

4.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, defendendo que “apenas as penas de privação da liberdade impostas, antes de uma condenação transitada em julgado, estão abrangidas pelo artigo 80º do CPenal, justificando-se o desconto no cumprimento da pena de prisão aplicada. Não se pode, em nossa opinião, descontar períodos de penas acessórias aplicadas no cumprimento de penas de prisão”.

5.
Cumprido o art. 417º, nº2, do C.P.P., o arguido veio responder a esse parecer, discordando do seu teor, reafirmando o já defendido na motivação do recurso.

6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º, nº3, al. b), do diploma citado.

II. Fundamentação

Sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam, no caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir passam por saber se o despacho recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação e se o tempo cumprido de proibição do exercício de profissão deve ser objeto de desconto na pena de prisão que lhe foi aplicada.
Antes, porém, importa conhecer de uma questão prévia, a qual se prende com a fixação do efeito do presente recurso (devolutivo), porquanto pugna o recorrente no sentido de que ao mesmo devia ter sido atribuído efeito suspensivo.
Vejamos então se assiste razão ao recorrente, sendo certo que de acordo com o artigo 414º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a decisão que fixou o regime de subida imediata do recurso não vincula este tribunal.
Importa ter presente o teor do despacho que admitiu o recurso e fixou o seu efeito e regime de subida, datado de 4/03/2022 - referência 24090459 (transcrição).
“Por ter sido interposto em tempo e o recorrente ter legitimidade para o efeito, admito o recurso interposto pelo arguido R. P., que deverá subir de imediato, sem separado e com efeito devolutivo, de acordo com o disposto nos artigos 399º, 401º,nº1,al.b),406º,nº2,407º,nº2, al.a), e 408º, à contrário, todos do Código de Processo Penal.
Notifique Digno Magistrado do Ministério Público para os efeitos do disposto nos artigos 411º, nº6 e 413º, do Código de Processo Penal”.
Entende o recorrente que o disposto nos arts.408º, nº3 e 407º,nº1 do CPPenal, impõe que ao presente recurso deva ser fixado efeito suspensivo.
Segundo o mesmo, uma vez que “os atos subsequentes do processo são a de saber qual o remanescente de pena de prisão que há a cumprir (se o houver, consoante os casos), o recurso tem o efeito suspensivo que a lei impõe.

No que concerne ao efeito do recurso, estatui o artigo 408º, do Código de Processo Penal:

1 – Têm efeito suspensivo do processo:
a) Os recursos interpostos de decisões finais condenatórias, sem prejuízo do disposto no artigo 214.º;
b) O recurso do despacho de pronúncia, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º
2 – Suspendem os efeitos da decisão recorrida:
a)Os recursos interpostos de decisões que condenarem ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, se o recorrente depositar o seu valor;
b) O recurso do despacho que julgar quebrada a caução.
c) O recurso de despacho que ordene a execução da prisão, em caso de não cumprimento de pena não privativa da liberdade;
d) O recurso de despacho que considere sem efeito, por falta de pagamento de taxa de justiça, o recurso da decisão final condenatória.
3 – Os recursos previstos no n.º 1 do artigo anterior têm efeito suspensivo do processo quando deles depender a validade ou a eficácia dos atos subsequentes, suspendendo a decisão recorrida nos restantes casos.

Os recursos previstos no nº1, do citado artigo 407º, são aqueles cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
Ora, a respeito do efeito dos recursos, o mesmo pode ser suspensivo do processo (nº 1) ou apenas suspensivo da decisão recorrida (nº 2). Sendo suspensivo do processo este pára, não podendo prosseguir. Sendo suspensivo da decisão, o processo não pára; apenas a decisão se torna inexequível.
Nos demais casos terá efeito meramente devolutivo, isto é, não terá nenhum efeito na marcha geral do processo (o caso mais comum, será o dos recursos sobre medidas de coação, máxime, da prisão preventiva).
Por força da remissão do nº 3, os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis (art. 407º-1) têm efeito suspensivo do processo, mas apenas quando da sua procedência resultar a invalidade ou ineficácia dos atos deles dependentes.
No caso vertente, não cabendo o presente recurso em qualquer das alíneas do nº1 ou do nº2 do preceito legal invocado, pretende o recorrente que tal efeito suspensivo lhe seja atribuído por via do nº3, desse mesmo dispositivo legal.
Porém, para tal é necessário, antes de mais, que se esteja perante um recurso previsto no nº1, do artigo 407º - um recurso cuja retenção o tornaria absolutamente inútil.
O que não é o caso.
Tem sido uniformemente entendido na jurisprudência que o recurso só se torna absolutamente inútil, quando, a ser provido, o recorrente não possa aproveitar-se da decisão, produzindo a retenção um resultado irreversivelmente oposto ao que se quis alcançar, sendo que aquela inutilidade respeita ao próprio recurso e não à lide em si.
Como se refere no acórdão da Relação de Évora de 9/10/2012, proferido no âmbito do processo 410/11.8GHSTC, “a inutilidade apenas ocorrerá se o seu reflexo no processo for irrelevante seja qual for a solução que o tribunal superior venha a proferir, ou seja, se não subindo imediatamente, a decisão não tenha qualquer efeito útil no processo e já não quando a consequência da procedência do recurso é, tão só, a anulação dos atos processuais, incluindo até o próprio julgamento.
Não se pode confundir a inutilidade absoluta do recurso com a eventual necessidade de repetição de diligências ou mesmo de anulação do processado, inclusive o próprio julgamento. Ou seja, não se pode confundir a inutilidade do recurso com a inutilidade da lide decorrente da procedência dele.
Dito de outra forma, se a apreciação diferida do recurso e a sua eventual procedência ditar que o efeito pretendido ou o direito que o recorrente pretende ver acautelado irá determinar a anulação de atos processuais, a retenção do recurso torna-o inconveniente em termos de celeridade e economia processual mas não lhe retira, em absoluto, a utilidade, já que a anulação de atos processuais é, tão-só, uma das consequências normais do recurso.
O n.º 1 do artigo 407.º do Código de Processo Penal não abrange os casos em que o provimento do recurso possa conduzir à inutilização ou reformulação de atos processuais entretanto praticados.
Essa é uma realidade que o legislador não desconhecia ao consagrar o regime dos recursos, assumindo o risco inerente à celeridade processual, que é valor consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Na situação dos autos, a não subida imediata do recurso e o eventual resultado favorável ao Recorrente de decisão posterior do mesmo pode ter consequências no processo. O que significa que o recurso não perde eficácia, apesar da subida diferida, pois o Recorrente pode tirar benefícios da sua procedência”.
No caso vertente, não está em causa a irreversível eficácia dos efeitos da decisão impugnada.
Refere Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª Ed. Revista, pág.1254, “Questão que tem afadigado a jurisprudência é a de saber quando é que um acto processual é um «acto absolutamente inútil». Tem-se respondido, em geral, que tal só sucede quando tal acto perca toda a utilidade, mas não assim, quando, embora implicando porventura a anulação do processado, entretanto consumado, a decisão do recurso venha a produzir os efeitos pretendidos pelo recorrente, ou, pelo menos, alguns deles.”
Por tudo o exposto, indefere-se a pretendida fixação do efeito suspensivo ao recurso ora interposto, mantendo-se o seu efeito devolutivo.

Entrando agora na apreciação das questões supra enunciadas, comecemos então por apreciar se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação.
Estabelece o artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal que «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.»
Como se refere no acórdão da Relação do Porto, de 15/02/2019, proferido no processo 108/10.4PEPRT-H.P1, a fundamentação de um ato decisório deve estar devidamente exteriorizada no respetivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido, ainda que não se deva exigir que “no ato decisório fiquem exauridos todos os possíveis posicionamentos que se colocam a quem decide, esgotando todas as questões que lhe foram suscitadas ou que o pudessem ser”, pois “não pode escamotear-se que, a ser assim, ou seja, a exigir-se uma tão exaustiva fundamentação a todos os despachos judiciais como a imposta para as sentenças finais, estar-se-ia a postergar a almejada celeridade processual que, como é consabido, é pedra de toque no nosso processo penal.”
E acrescenta-se “O que importa é que a motivação seja necessariamente objetiva e clara, e suficientemente abrangente em relação às questões aí suscitadas, de modo que se perceba o raciocínio seguido. Motivação da fundamentação e prolixidade não são sinónimos, sendo que esta apenas serve para confundir ou obnubilar a compreensibilidade que deve ser uma característica daquela.”
Lendo-se o despacho recorrido facilmente se constata que o fundamento do indeferimento do requerido pelo arguido assentou na sua falta de fundamento legal, face ao disposto no artigo 80º do C.Penal. Assim, para além de remeter para o teor da promoção do Ministério Público, já nesse sentido, fez-se constar no despacho recorrido que o instituto do desconto não tem aplicação no caso de penas acessórias, respeitando apenas à privação da liberdade decorrente da aplicação de penas principais.
E, de facto, assim foi percebido e compreendido pelo recorrente, como o demonstra o teor do presente recurso, pelo que não lhe assiste razão quanto à falta de fundamentação.
Ainda que não se reveja nessa fundamentação, a mesma foi aduzida no despacho recorrido.
Mesmo que assim não se entendesse, constitui entendimento pacífico o de que a falta de fundamentação das decisões judiciais, situação que se traduz na falta de especificação dos motivos de facto e de direito da decisão (artigos 205.°, n.º 1, da C.R.P. e 97.º, n.º 5, do C.P.P.), constitui mera irregularidade (artigo 118.º, n.ºs 1 e 2), a menos que se verifique na sentença, ato processual que, conhecendo a final do objeto do processo (artigo 97.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.), a lei impõe que obedeça a fundamentação especial, sob pena de nulidade (artigos 379.º, n.º 1, al. a), e 374.º, n.º 2, do mesmo diploma legal), ou que se verifique no despacho que decreta uma medida de coação ou de garantia patrimonial (artigo 194.º, n.º 6, do C.P.P.) ou no de pronúncia (artigos 308.º, n.º 2 e 283.º, n.º 3, do mesmo diploma), em que o legislador igualmente comina a falta de observância do específico dever de fundamentação desses atos com nulidade.
No caso em apreço, o despacho em crise constitui um ato decisório, a exigir fundamentação.
Porém, a falta de fundamentação, com exceção dos casos referidos, não se mostra cominada com a sanção da nulidade, razão pela qual constitui, como já se disse, mera irregularidade, sujeita ao regime do artigo 123.º, n.º1, do Código de Processo Penal.
Por conseguinte, não tendo a eventual falta ou insuficiência de fundamentação da decisão em apreço sido suscitada atempadamente perante o tribunal recorrido, mas apenas agora em sede de recurso, sempre a mesma teria de considerar-se sanada.
Improcede assim, neste segmento, o recurso interposto.

Por fim, vejamos agora se o tempo cumprido de proibição do exercício de profissão (função de examinador) deve ser objeto de desconto na pena de prisão aplicada ao recorrente.
Defende o arguido que tendo estado proibido do exercício da sua profissão desde o dia 18 de dezembro de 2015, por força da decisão de 17/12/2015 - que em face da libertação do arguido aplicou-lhe a medida de coação a que o alude o artigo 199º,nº1, al,a) - e o dia da leitura do acórdão da primeira instância, e depois a partir desta última data, sob a forma de pena acessória de proibição do exercício da profissão, até ao dia 30/9/2019, data da prolação do acórdão do Tribunal da Relação, transitado em julgado em 6/7/2020, nos termos do qual foi revogada a pena acessória de proibição do exercício da profissão, tal período de 6 anos e 3 meses tem que ser descontado por inteiro na pena de prisão que lhe foi aplicada pelo período de 7 anos e 6 meses, equivalendo um dia de proibição a um dia de prisão.
De direito invocou o disposto nos artigos 80º e 46º, nº5 e 6, ambos do C.Penal, defendendo que, prevendo este último o desconto do tempo de proibição do exercício de profissão, não faz sentido que o artigo 80º, não efetue o desconto de todo o tempo de proibição/suspensão do exercício de profissão ou da pena acessória de proibição sofrida pelo arguido.
Tal desconto foi-lhe negado e dai que o recorrente se insurja contra o despacho recorrido.
Adiantando a nossa conclusão, cremos que não assiste razão ao recorrente.
“Dispõe o art. 80º, nº1, do Código Penal que “A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por interior no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.”.
Escreve Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 434, pp. 297-298, que o «O instituto do desconto, regulado nos artigos 80.º a 82.º, assenta na ideia básica segundo a qual privações de liberdade de qualquer tipo que o agente tenha já sofrido em razão do facto ou factos que integram ou deveriam integrar o objecto de um processo penal devem, por imperativos de justiça material, ser imputadas ou descontadas na pena a que, naquele processo, o agente venha a ser condenado.
Esta ideia vale sobremaneira relativamente às frequentes [...] privações de liberdade que têm lugar antes do trânsito em julgado da decisão do processo: prisões preventivas sobretudo (CPP, artigos 202.º e seguintes), mas também meras detenções (CPP, artigos 254.º e seguintes) e obrigações de permanência na habitação (CPP, artigo 201.º). Medidas estas - todas elas - que não são de modo algum 'penas antecipadas', mas intervêm, fundadas embora num princípio processual de necessidade cautelar, num momento em que o arguido se encontra ainda a coberto da presunção de inocência (CRP, artigo 32.º, n.º 2, e Decreto-Lei n.º 265/79, artigo 209.º, n.º 1), integralmente se justificando assim, quanto a elas, o desconto na pena».
No confronto entre as exigências de prevenção especial e as de justiça material, podendo aquelas ser enfraquecidas com o instituto do desconto, o nosso sistema penal dá prevalência ao imperativo de justiça, impondo que se desconte por inteiro na pena a cumprir o tempo de privação de liberdade de «qualquer tipo» (prisão preventiva, obrigação de permanência na habitação e mesmo detenção) que o agente haja sofrido por conta do facto ou factos que integram ou deviam integrar o objeto do processo e mesmo que as medidas hajam sido aplicadas em processo diferente daquele em que foi proferida a condenação, nos termos indicados na parte final do atual n.º 1 do artigo 80.º do CP.
Sublinha-se que na base do instituto do desconto está uma privação de liberdade «de qualquer tipo», sofrida pelo agente por conta de um facto ilícito típico, numa fase do processo em que a prova da sua prática e a responsabilidade do agente, que tem por si o princípio da presunção de inocência, ainda não estão comprovadas judicialmente, com a certeza própria de um julgamento.
Ora, a privação da liberdade não está presente na aplicação da medida de proibição de exercício de profissão, quer enquanto medida de coação, quer enquanto pena acessória.
Na verdade, o artigo 80º do Cód. Penal não prevê, em termos literais, o desconto, no cumprimento da pena de prisão, do período de tempo em que o arguido esteve sujeito à medida de proibição do exercício da profissão.
Por conseguinte, a aplicação do regime ali previsto apenas poderia ocorrer por interpretação extensiva ou integração analógica.
Porém, não cremos que estejamos perante a possibilidade de estender a aplicação do art. 80º, 1 do C. Penal a outras situações ali não previstas, desde logo porque não há razões para crer que o legislador, na letra do artigo, disse menos do que aquilo que, de acordo com os demais elementos da interpretação, queria dizer (interpretação extensiva).
O legislador teve o cuidado de enumerar as medidas processuais relevantes para o desconto - detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação - não sendo visível que tenha querido aí incluir outras.
Quanto à aplicação analógica do referido preceito, não sendo a mesma proibida, desde que a favor do arguido ou condenado, tudo está em saber se existe identidade das medidas previstas no art. 80º do C.P e na medida de proibição do exercício da profissão e se a razão que subjaz ao desconto das medidas processuais previstas no art. 80º é idêntica à da medida não prevista de proibição do exercício da profissão, de forma a verificar se existe uma lacuna a necessitar de preenchimento, para desse modo garantir a unidade e coerência da Ordem Jurídica.
Ora, parece-nos evidente que a razão justificativa do desconto que serviu para unificar as medidas legalmente previstas - privação da liberdade- - não se verifica nem aquando da sujeição à medida de coação a que alude o artigo 199º, nº1,a), do CPP, nem na situação em que o arguido cumpre uma pena acessória de proibição de exercício da profissão, ainda não transitada e que, entretanto, vem a ser revogada.
Não existe, assim, razão para uma eventual aplicação analógica, desde logo porque as situações previstas e não previstas no C.P não são de modo algum análogas.
Por outro lado, não tem sentido a convocação por parte do recorrente do disposto no artigo 46º, do Código Penal para com base no mesmo sustentar o por si requerido.
Tal preceito tem ínsita uma realidade completamente diferente, pois apenas tem aplicação nas situações em que está em causa a aplicação de uma pena de substituição da pena de prisão aplicada a título principal e em que uma vez constatado o incumprimento da pena de substituição, este faz renascer a pena de prisão.
Cremos, aliás, que o regime aí contemplado nos seus nºs 5 e 6, ao estatuir expressamente o desconto do tempo de cumprimento da pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, na duração da prisão, evidencia de forma clara que para o legislador tal possibilidade de desconto não pode ser conseguida através do instituto do desconto previsto no citado artigo 80º.
A questão em apreço já foi apreciada no âmbito do recurso interposto pelo arguido J. B., nestes mesmos autos, o qual pretendendo igualmente que lhe fosse feito o mencionado desconto, reagiu também contra o ora despacho recorrido, tendo este Tribunal da Relação, por decisão sumária proferida em 6 de junho de 2022, pelo Juiz Desembargador Paulo Correia Serafim, concluído pela manifesta improcedência do recurso, mantendo o despacho recorrido.
Concordando-se na íntegra com o aí decidido, no qual nos revemos, passamos a transcrever o que aí se escreveu a tal respeito.
“ Como é sabido, a interpretação da norma legal está sujeita a limites, desde logo por imposição do princípio da legalidade, donde deriva à cabeça a impossibilidade de recurso à analogia proibida.
A interpretação há-de obedecer a um critério teleológico e funcional, mas sempre balizado, condicionado pelo elemento literal da lei, ou seja, pelo sentido comum e possível fornecido pelas palavras utilizadas pelo legislador penal. Assim, vigorando entre nós um Estado de Direito, é de afastar qualquer interpretação que não encontre o mínimo de arrimo no texto legal.

Ora, in casu, cremos ser manifesto que a interpretação operada pelo arguido/recorrente do disposto no art. 80º, nº1, do CP, no sentido de que o desconto ali previsto será igualmente aplicável no caso de o agente condenado em pena de prisão ter cumprido medida de coação de suspensão do exercício de profissão, não tem qualquer sustentação no teor literal da norma, o que desde logo determinaria o insucesso da pretensão recursória.
De todo o modo, sempre se dirá que nem o apelo à ratio legis, isto é, ao sentido e finalidade da lei, permite conferir razão ao recorrente.
Na verdade, basta uma breve análise ao normativo legal para descortinar que o elemento comum ao previsto desconto no cumprimento da pena das medidas processuais de detenção, prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação, é tratarem-se estas de medidas que coartam a liberdade do agente e, como tal, «representam também um sofrimento para o arguido análogo ao da pena em que é condenado e esse sacrifício resulta do mesmo facto ou factos que integram ou deveriam integrar o mesmo processo.» (1)
Aliás, o legislador, através das exposições de motivos do Projeto donde emergiu a Proposta de Lei nº 98/X, de 07.09.2006, geradora da Lei nº 59/2007, de 04.09, justificou a opção assumida nos seguintes termos: «Estatui-se que todas as medidas privativas da liberdade sofridas antes da condenação são descontadas na pena de prisão. Incluem-se neste cômputo a simples detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação. A inovação consiste em prescindir, para efeito do desconto, da exigência de as medidas terem sido aplicadas no mesmo processo, admitindo-se de modo expresso que digam respeito a processo diferente.»
Por conseguinte, o legislador penal quis expressamente limitar o desconto em causa às situações de cumprimento de medidas privativas da liberdade do arguido, por razões de justiça de material; logo, no âmbito de aplicação da norma não cabem medidas processuais/coativas de distinta natureza, como a suspensão do exercício de profissão, prevista no art. 199º do CPP.
Por outro lado, como doutamente observa o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu nos autos [referência 8070475], «[..] para conforto da pretensão não serve a convocatória do disposto no art.º 46.º do Código Penal, que visa uma realidade totalmente diferente em termos de punição, preceito exclusivamente aplicável quando estiver em causa a aplicação de pena de substituição, o que não sucedeu no caso concreto.
Bem pelo contrário.
Se o legislador consagrou, especificamente, nos nºs 5 e 6, do art.º 46.º, do Código Penal, a exigência do desconto do tempo de cumprimento da pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, na duração da prisão, isso só pode significar que, necessariamente conhecedor do teor do art.º 80.º do mesmo diploma, não encontrava aí ─ por opção legislativa ─ o mecanismo geral destinado a conseguir o questionado desconto.
O mesmo sucede na situação prevista no art.º 59.º, n.º 4, do Código Penal.
No caso da pena de substituição, por força da limitação da gravidade do crime, traduzida na amplitude da pena aplicada, intervém necessariamente um juízo de adequação da pena substituta para assegurar as finalidades da punição, o que, perante o surgimento de incidente de cumprimento desta, justifica o desconto, tratando-se, pois, já de um episódio do cumprimento da pena e da exigência de alguma compensação para o condenado, que pôs em causa a validade da pena substituída.
Ora, na situação do acórdão condenatório em apreço, a aludida substituição não era viável, até por razões formais, face à medida da pena, sendo que, para além do mais, a suspensão do exercício de funções constituiu medida de coação, prévia à decisão condenatória, não a tendo o legislador abrangido na paleta dos termos do desconto a que alude o art.º 80.º, do Código Penal, que apenas consagrou: «a detenção», «a prisão preventiva» e «a obrigação de permanência na habitação», não sendo, pois, justificado aduzir que, por não prever outras medidas processuais, deixou patente uma lacuna, isto quando é certo que, nos casos em que quis implementar outros descontos, até da vizinhança da norma em apreço, estabeleceu-os expressa e especialmente.
Por outro lado, a pretensão da convocatória, por analogia, do disposto no art.º 46.º, do Código Penal, sempre enfrentaria a inviabilidade de operacionalização de um desconto que, nesse preceito, lida com a ponderação de cálculos de proporcionalidade, nos termos do seu n.º 6.
Com efeito, o mencionado preceito estabelece, desde logo, a possibilidade de substituição da pena de prisão de medida não superior a 3 anos, por pena de proibição, por um período, agora, de 2 a 8 anos, do exercício de profissão, portanto, por um lado, uma verdadeira pena e não uma medida de coação, e, por outro, uma pena variável entre dois parâmetros.
Para além disso, em conformidade com o disposto no n.º 6 do aludido artigo, o desconto na pena de prisão terá de atender à proporção do tempo de cumprimento da pena de proibição do exercício de profissão, face aos termos da substituição operada.
Não há, por conseguinte, uma correspondência total entre os tempos de cumprimento das penas, o que também sempre deixaria, ao menos parcialmente, inadmissível o que pretende o recorrente.
Mostra-se, assim, totalmente inviável a compatibilização de regimes, isto sem esquecer a diversidade da natureza da proibição do exercício de profissão, enquanto pena de substituição, e a medida de coação de suspensão do exercício de profissão prevista no art.º 199.º do CPP, que o legislador não quis incluir no desconto previsto no art.º 80.º do Código Penal.»
Concordamos integralmente com o expendido por aquele insigne magistrado.

Estatui o art. 46º do Código Penal, sob a epígrafe “Proibição do exercício de profissão, função ou atividade”:

1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos é substituída por pena de proibição, por um período de 2 a 8 anos, do exercício de profissão, função ou atividade, públicas ou privadas, quando o crime tenha sido cometido pelo arguido no respetivo exercício, sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - No caso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 4 a 6 do artigo 66.º e no artigo 68.º
3 - O tribunal revoga a pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:
a) Violar a proibição;
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades da pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade não puderam por meio dela ser alcançadas.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 57.º
5 - Se, nos casos do n.º 3, o condenado tiver de cumprir pena de prisão, mas houver já cumprido tempo de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir o tempo de proibição já cumprido.
6 - Para o efeito do disposto no artigo anterior, cada dia de prisão equivale ao número de dias de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, que lhe corresponder proporcionalmente nos termos da sentença, procedendo-se, sempre que necessário, ao arredondamento por defeito do número de dias por cumprir.”
Ressuma indubitável do predito texto legal que o desconto do tempo de proibição do exercício de profissão, função ou atividade cumprido a efetuar na pena de prisão aplicada ao condenado reporta-se e cinge-se a casos distintos do ajuizado, mais precisamente àqueles em que a proibição de profissão é aplicada como verdadeira pena substitutiva da pena de prisão aplicada a título principal e que, revelado o incumprimento da pena de substituição, faz “renascer” a pena de prisão cominada. Dito de outro modo: o período de proibição do exercício de profissão a descontar no tempo de prisão a cumprir consubstancia já um cumprimento da pena e não, como sucede no caso vertente, o cumprimento de uma medida de coação, determinada por finalidades de índole processual marcadamente distintas das que presidem à aplicação da pena.
Bem se compreende que assim seja, porquanto nos sobreditos casos vislumbra-se a finalidade legislativa de conceder tratamento jurídico coerente relativamente à pena principal e à pena de substituição, tanto mais que a fixação do período concreto de proibição do exercício da profissão, função ou atividade deve ser proporcional à gravidade da pena de prisão.
Ademais, idêntico raciocínio legislativo se surpreende no que concerne à aplicação de outras penas de substituição, como sucede com a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, em caso de incumprimento desta – cf. art. 59º, nº4, do CP.
Destarte, conclui-se que o artigo 80º, nº1, do CP não encerra qualquer lacuna que cumpra suprir por analogia.
(…)».

Por fim, alega o recorrente que a defender-se que o artigo 80º n.º 1 do Código Penal não contempla o desconto por inteiro no cumprimento da pena de prisão de todos os períodos de tempo sofridos/cumpridos por proibição/suspensão do exercício de profissão/atividade/função decretada judicialmente e que tenha sido cumprida pelo arguido, tal interpretação é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e legalidade criminal, ínsitos nos art.ºs 13.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa.
Segundo o arguido, ora recorrente, “a correcta interpretação do art.º 80.º n.º 1 do Código Penal, com observação do art.º 46.º n.ºs 5 e 6 do Código Penal é no sentido de que, um arguido que tenha cumprido ao longo do processo medidas de proibição do exercício de profissão veja esse período descontado à razão de um dia de proibição por um dia de prisão caso venha a ser condenado em pena de prisão efetiva”.
Por tudo o exposto, não se vislumbrando, pelas razões que vimos adiantando, que a decisão recorrida tenha violado qualquer preceito legal ou constitucional dos invocados pelo recorrente, quando entendeu não caber no âmbito do instituto do desconto previsto no artigo 80º, o desconto pretendido pelo arguido, ora recorrente, outra solução não resta que concluir pela improcedência do presente recurso.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido R. P., confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (arts. 513º,nº1 do C.P.P. e 8º,nº9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

(Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários – art.94º, nº2, do C.P.P.)

Guimarães, 13 de julho de 2022

Desembargadora Relatora
Cândida Martinho
Desembargador Adjunto
António Teixeira
Juiz Presidente da Secção
Fernando Chaves


1 - Assim, Germano Marques da Silva, ibidem, 2ª edição, p. 194.