NULIDADES DA DECISÃO
VENDA EM PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
DESISTÊNCIA
Sumário


I. Procedendo-se à venda de um imóvel, em sede de processo de insolvência, por negociação particular, e tendo o proponente-adquirente depositado uma quantia por conta da aceitação da sua proposta de aquisição, a mesma não consubstancia qualquer caução ou sinal, mas sim uma antecipação parcial de cumprimento (art. 440.º, do CC).
II. Sendo uma antecipação parcial de cumprimento, de uma compra e venda futura, ficando esta inicialmente sem efeito e tornando-se supervenientemente impossível (por o bem ter sido, entretanto, vendido a outrem), deverá ser restituída ao proponente-adquirente, sob pena de enriquecimento sem causa da massa insolvente (art. 473.º, n.º 2, in fine, do CC).
III. Pretendendo a massa insolvente ser indemnizada pelos danos sofridos com a actuação incumpridora do proponente adquirente, nomeadamente à luz da responsabilidade pré-contratual, terá de alegar e provar os prejuízos sofridos (art. 227.º, n.º 1, do CC).

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.

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ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada

1.1.1. O Administrador da Insolvência de A. M. e da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de J. C., antes marido daquela, veio requerer que se considerasse perdida a favor da massa insolvente respectiva a quantia de € 49.000,00, a título de perda de caução prestada por proponente adquirente - depois desistente injustificado - de compra de imóvel pertence à mesma.
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido acordada a venda do dito imóvel a J. P. (aqui Proponente Adquirente), pelo valor de € 489.351,50, tendo o mesmo prestado uma caução de € 49.000,00.
Mais alegou que, tendo a escritura pública de compra e venda sido agendada para o dia 03 de Março de 2021, o Proponente Adquirente (J. P.) faltou à mesma, sem qualquer justificação.

1.1.2. J. P., notificado para o efeito, respondeu, pedindo que se procedesse a um novo agendamento da escritura de compra e venda, por continuar a pretender adquirir o imóvel.
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido previamente acordado com o Administrador da Insolvência que, estando em causa um prédio misto, sendo o mesmo casa de morada de família da Insolvente (A. M.), a escritura de compra e venda só seria celebrada quando o imóvel estivesse em condições de lhe ser entregue devoluto de pessoas e bens, o que a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (publicada no contexto da pandemia de Covid-19) impedia temporariamente.
Mais alegou que a realização da escritura de 03 de Março de 2021 foi agendada ao arrepio desta condição, tendo por isso comunicado na véspera ao Administrador da Insolvência que não iria comparecer à mesma, estando porém na disponibilidade de pagar as despesas em que o mesmo tivesse incorrido.

1.1.3. O Administrador da Insolvência, ouvido para o efeito, veio reiterar o seu pedido inicial, de perda de caução a favor da massa insolvente.
Alegou para o efeito, sempre em síntese, que não obstante o acordo referido pelo Proponente Adquirente (J. P.), foi este quem depois expressamente solicitou que a escritura de compra e venda se realizasse mesmo sem a simultânea entrega do imóvel livre de pessoas e bens, por isso a tendo ele próprio agendado para o dia 3 de Março de 2021, o que lhe comunicou e ele aceitou.
Mais alegou que, tendo sido efectivamente contactado por ele no dia 02 de Março de 2021, insistindo pela entrega imediato do imóvel - ou, pelo menos, da sua parte rústica - livre de pessoas e bens, lhe repetiu não o poder fazer, mercê da disposição legal que impedia, temporariamente, a entrega forçada da casa de morada de família da Insolvente (A. M.), e da consideração necessariamente una do prédio em causa.
Por fim, esclareceu ter já aceite nova proposta de compra do dito imóvel, pelo mesmo preço antes oferecido pelo Proponente Adquirente (J. P.), acrescido de € 0,50.

1.1.4. Foi proferido despacho, declarando a perda da quantia de € 49.000,00 a favor da massa insolvente, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Dispõe assim o art. 825.º do Código de Processo Civil (Falta de depósito)
1 - Findo o prazo referido no n.º 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode:
a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
c) Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.
2 - O arresto é levantado logo que o pagamento seja efetuado, com os acréscimos calculados.

Revendo o quadro factual em causa:

1. O credor Sr. J. P. apresentou proposta para adquirir o imóvel apreendido para a massa insolvente sob a verba nº 1 do Auto de arrolamento, pelo preço de Euros 489.351,50, tendo para esse efeito apresentado caução no valor de Euros 49.000,00.
2. No passado mês de Fevereiro, o signatário foi abordado pela ilustre mandatária do credor/proponente, informando que este pretendia outorgar a escritura de compra venda, mesmo com o imóvel sendo ocupado pela insolvente.
3. A outorga da escritura de compra e venda foi agendada para o dia 3 de Março de 2021, pelas 11h30m, no Cartório da notária A. D..
4. Da data e do local da outorga da escritura foi dado conhecimento à ilustre mandatária do credor/proponente, tendo esta feito a respectiva confirmação, conforme cópia de email que se junta no Anexo A do requerimento apresentado pelo Sr AI, em 16-3-21.
5. Na data e local designados para a outorga da escritura de compra e venda, o credor/proponente não compareceu nem deu qualquer justificação para essa falta de comparência.
6. O Sr. AI remeteu carta ao credor/proponente dando conta de que a sua falta de comparência foi tratada como desistência da proposta de aquisição com a consequente perda da caução que apresentou, no valor de Euros 49.000,00, a favor da massa insolvente (no Anexo C junto com o seu requerimento de 16-3-21).
7. Em 22-10-20 foi proferido o seguinte despacho, notificado aos credores:
«(…)
Veio a insolvente herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J. C., representada por A. M., requerer que se ordene a não realização da escritura de venda agendada para o dia 29 de Outubro de 2020, porquanto a mesma incide sobre a casa de morada e de família da insolvente (e de pelo menos um dos seus filhos, que é menor de idade), facto confirmado pelo Sr. AI.
Entende o Sr. AI que que nada obsta a que se realize a outorga da escritura de compra e venda do imóvel, uma vez que tal acto não consubstancia nenhuma das situações previstas no artigo 6º-A da Lei 1-A/2020 de 19 de Março. Porém, defende que deve a diligência de tomada de posse efectiva do imóvel seja suspensa ao abrigo da alínea b) do nº 6 do artigo 6º-A da Lei 1-A/2020 de 19 de Março.
Dispõe o art.º 6-A,1 da Lei 1-A/2020, de 19 de Março que “No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo.” A alínea b) do nº 6 deste preceito estabelece a suspensão dos actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família. Ora, como bem refere o Sr. AI, a realização da escritura não pode considerar-se como fazendo parte do elenco legal, se não houver a entrega efectiva do objecto da mesma. Assim, e por falta de fundamento legal, indefere-se o requerido, devendo os autos prosseguir com a realização da escritura agendada, sem que haja concretização da entrega do bem.
(…)»

O credor apresentou proposta de aquisição, conhecendo o teor do despacho e da situação do bem imóvel que se propôs adquirir – proposta essa aceite pelo AI.
No entanto, não compareceu na data designada para realização da escritura.
Perante esta desistência, e aplicando o art. 825.º do CPC, com as adaptações ditadas pela natureza da venda aqui em apreço, temos que a AI considera perdido o valor pago como caução.
Tem direito a tal valor?
Certamente que sim. Como vamos ver.
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Nos termos do artigo 798.º do CC, O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Como disposto no artigo 562.º do CC – que consagra o princípio geral em matéria de obrigação de indemnização, Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
O artigo 563.º CC – consagra o conceito de Nexo de causalidade – estabelece que A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
O n.º 1 do artigo 564.º CC regula assim o cálculo da indemnização: 1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

Finalmente, o art. 566.º CC dispõe assim:
Artigo 566.º
(Indemnização em dinheiro)
1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Visto o quadro factual acima e as normas legais ora citadas, é certo e seguro que a A. sofreu danos, em consequência do incumprimento da Ré, no valor da caução paga.
Assim, e no seguimento do já decidido, nada existe a alterar na posição sustentada pelo Sr. AI.
Notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos

Inconformado com esta decisão, o Proponente Adquirente (J. P.) (J. P.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1. O presente recurso, vem em reação ao despacho proferido a 12 de janeiro de 2022, que anui com a pretensão do senhor administrador, determinando a perda do valor entregue à massa a título de caução pelo ora recorrente.
2. Despacho esse que desde logo se encontra enfermado, de nulidade, pois as questões sob discussão são contraditórias, resultando dos autos versões diferentes e documentação que suporta a informação prestada pelo recorrente (que o próprio administrador junto aos autos) estando em causa direitos patrimoniais de elevado valor,
3. Sendo a fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo inteligível e contraditória à decisão final proferida, desde logo na medida em que no essencial transcreve disposições legais sem aflorar da sua aplicação em concreto nos presentes autos.
4. Ademais de omitir a pronúncia relativamente a questões determinantes alegadas pelo recorrente, desde logo do acordo, confirmado pelo senhor administrador de que a venda apenas se faria aquando da possibilidade de entrega do imóvel livre de pessoas e bens, pelo que se verifica a sua nulidade, que deverá ser reconhecida, revogando-se o dito despacho e todo o demais processado que dele irradie.
5. De todo o modo, carece de fundamento a pretensão do senhor administrador, que se baseia numa alegada perda de interesse do aqui recorrente na aquisição do imóvel que se se propôs a adquirir à massa insolvente, pois tal falta de interesse não se verificou.
6. Como indica o próprio senhor administrador, no requerimento que apresentou aos autos a 16 de março de 2021 "o proponente pretendia que o imóvel lhe fosse entregue livre de pessoas e bens, o que, face ao disposto no nº 7 do artigo 6º-A da Lei n. º 1- A/2020, de 19 de Março, não era legalmente viável (...) Ficou assim combinado que a escritura de compra e venda seria outorgada quando aquela disposição legal deixasse de estar em vigor".
7. Ou seja, existiu um acordo para que o imóvel apenas fosse vendido aquando da possibilidade da sua entrega livre de pessoas e bens, ficando a proposta salvaguardada e apenas a efetivar quando seria possível rentabilizar o avultado investimento do recorrente.
8. Estando tal condição acordada (e que seria de grande benefício para o aqui recorrente) não teria qualquer interesse o recorrente, em realizar a escritura definitiva previamente à verificação de tal condição, dispondo assim duma soma avultadíssima (quase meio milhão de euros!!!) sem qualquer retorno imediato ou perspetivas de o vir a ter a breve prazo.
9. Tendo sido marcada a 3 de março de 2021 uma nova data, que apenas como um mero lapso se entenderia, e percebendo-se o recorrente de que era ainda impossível entregar o imóvel livre de pessoas e bens, o recorrente tudo fez para indicar ao senhor administrador que o seu interesse no negócio se mantinha, mas sempre em respeito do que havia sido acordado, e que esta marcação, como não poderia deixar de ser, apenas se trataria dum mero e evidente lapso, pois não faria qualquer sentido adquirir o imóvel fora das condições já acordadas e ficar privado, sem saber por quanto tempo, de tão avultado investimento.
10. Com efeito, quer através de contactos com a sua anterior mandatária, como através do aqui signatário o recorrente tudo fez para relembrar o senhor administrador do acordo celebrado e de que não faria sentido nestas condições celebrar a escritura definitiva, situação exposta, quer telefonicamente, quer por email.
11. Nas chamadas tidas com o senhor administrador e email que lhe foi remetido (e que notoriamente lhe era endereçado e assim percecionado por qualquer recetor médio), foram evidenciadas todas estas questões, bem como indicado que o recorrente não iria comparecer à escritura, precisamente por ainda não se ter verificado a condição acordada, mas que até pagaria qualquer custo que a mesma tivesse causado à massa insolvente, manifestando a boa-fé que o seguiu.
12. Assim, é evidente não ter ocorrido a falta de comparência injustificada com que o senhor administrador baseia a sua pretensão de ver o recorrente desposado da caução entregue.
13. Nada demonstra nos presentes autos a perda unilateral e injustificada de interesse na celebração do negócio definitivo, pelo contrário, ponderada toda a documentação junta aos autos, é de concluir que inexiste qualquer fundamento para se entender existir incumprimento definitivo do recorrente e, por maioria de razão, para determinar a perda da caução prestada.
14. De todo o modo, ainda que se entendesse haver-se verificado desistência do negócio por parte do recorrente, o que não se crê, e que tal desistência seria injustificada (situação que jamais se verifica em virtude de não se haver logrado a entrega do imóvel livre de pessoas e bens, como anteriormente acordado), jamais se justificaria a perda da caução.
15. Relembrando as palavras contidas no sumário do Douto Acórdão do Supremo Tribunal, datado de 7 de setembro de 2020:
I - A venda por negociação particular, efectuada no âmbito da fase de liquidação do activo de um processo de insolvência, sendo uma modalidade de venda em processo executivo, é levada a cabo sem a participação do tribunal; é feita "nos termos de uma venda privada".
II - Tendo sido apresentada e aceite proposta de compra de imóveis apreendidos e efectuado o pagamento de importância correspondente a 10% do preço, as partes estavam de acordo sobre todo o conteúdo negocial - acordo de facto (não qualificável, no caso, como contrato-promessa) cuja validade e eficácia estavam dependentes da formalização exigida por lei.
III - Em regra, a entrega de coisa na altura da celebração do contrato não implica a presunção de constituição de sinal; terá antes o significado de antecipar o cumprimento, total ou parcial, salvo se as partes atribuírem à prestação o carácter de sinal (arts. 440º do CC).
IV - Mesmo a admitir-se que a quantia entregue tinha a natureza de sinal, não tendo o contrato sido concluído e formalizado e, por isso, inexistindo ou não se tendo constituído a obrigação cujo cumprimento o "sinal" visava garantir, este não poderia subsistir autonomamente; por não poder ser imputado na prestação que seria devida, teria de ser restituído - art. 442.º, n.º 1, do cc.
V- Tendo a quantia sido entregue pelo proponente a título de antecipação parcial de cumprimento de uma sua obrigação futura (art. 440.º), não tendo sido concluído o contrato e não se tendo constituído essa obrigação, a imputação do pagamento nessa obrigação deixou de ser possível, pelo que deve ser restituída, com base no enriquecimento sem causa - art. 473.º, n, º 2, parte final, do cc.
VI - A recusa posterior, por parte do proponente, em formalizar o contrato, não sendo justificada, poderia ser fonte de responsabilidade civil pré-contratual (art. 227.º do CC); neste caso, porém, os danos indemnizáveis seriam aqueles que se provasse que a parte inocente sofreu com o acto ilícito e culposo da contraparte, não sendo legítimo que, desde logo, se faça corresponder o dano - ainda não identificado ou concretizado - ao montante entregue no momento da proposta de compra.
16 - Nos presentes autos estamos perante uma venda por negociação particular, sendo o negócio em causa dependente, para a sua formalização de celebração de escritura pública de compra e venda (artigo 875º. do Código Civil).
17 - O acerto de vontades que se traduziu na proposta e respetiva aceitação, não se trata dum contrato promessa uma vez que não houve um acordo reduzido a escrito, não sendo possível presumir que a entrega efetuada a título de caução o fosse enquanto sinal, precisamente por falta do acerto de vontade expresso nesse sentido (artigo 410º. nº. 2 do Código Civil), sendo outrossim um cumprimento parcial antecipado de obrigação futura (artigo 440º. do Código Civil) e, nessa medida, não sendo a final celebrado o contrato definitivo entre o recorrente e a massa, deveria ser-lhe restituído tudo quanto fosse entregue a título de caução, visto que a obrigação antecipadamente cumprida se tornou impossível de cumprir.
18 - Restituição que sempre se impõe com base no enriquecimento sem causa - artigo 473º, nº 2, parte final, do Código Civil (Cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 11º ed., 208).
19 - Sendo ademais certo que, conforme também bem entendeu aquele Douto Acórdão "mesmo que a quantia entregue pela autora pudesse ser qualificada como "sinal", o certo é que o contrato acabou por não ser concluído e formalizado, pelo que, inexistindo ou não se tendo constituído a obrigação cujo cumprimento o "sinal" visava garantir, este não poderia subsistir autonomamente".
20 - Quanto muito, entendendo-se haver culpa do aqui recorrente, poder-lhe-iam ser exigidos os prejuízos efetivamente tidos pela massa, os quais não seriam certamente superiores aos custos notariais que o recorrente, em sinal de boa-fé, havia-se já disposto a pagar.
21 - De todo o modo, tais prejuízos sempre teriam de ser reclamados nos termos dos artigos 562º. ss do Código Civil, carecendo de alegação e prova pelo Sr. Administrador, o que não ocorreu designadamente no que respeita aos eventuais custos suportados com a não realização da escritura.
22 - Ademais, em virtude de - mesmo com a presente reclamação por decidir definitivamente - o senhor administrador ter prosseguido com a venda do imóvel e aceite uma posposta de aquisição de quantia correspondente ao inicialmente acordado com o aqui recorrente acrescida de cinquenta cêntimos torna-se é certo e inegável que não ocorrem para a massa insolvente quaisquer prejuízos pela não celebração do negócio com o aqui recorrente.
23 - Pelo contrário, é o recorrente que não havia perdido interesse no negócio e encontra-se desprovido da caução entregue que é verdadeiramente prejudicado e sem qualquer motivo legítimo e justificável.
24 - Finalmente, ainda que se quisesse fazer uma analogia entre a presente situação e aquela que existe quando se verifica uma promessa de compra e venda (que legitima a entrega do sinal do preço), para que exista uma perda de interesse e um incumprimento definitivo de qualquer das partes, que poderá levar a que a parte não faltosa venha a ser beneficiada com o sinal entregue pela parte faltosa, ainda assim sempre teria de existir uma interpelação admonitória pela parte não faltosa à parte faltosa, o que nos presentes autos também não existiu.
25 - E não se diga que a "credora" (no caso seria a massa insolvente) teria perdido o interesse que tinha na prestação do recorrente, pois é evidente que isso não sucedeu, nem sequer foi invocado pelo senhor administrador de insolvência, até porque vendeu o prédio pelo mesmo valor e o que refere é que quem teria perdido interesse seria o recorrente.
26 - Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado, revertendo-se a decisão do senhor administrador quanto à perda da caução entregue pelo recorrente a favor da massa.
27 - A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea b), 613.º, n.º 3 e 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e artigos 440º., 442º., 473º. e 875º. do Código Civil.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas contra-alegações nos autos.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) (1).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) (2), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
2.2.1. Questões incluídas no objecto do recurso

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo Proponente Adquirente (J. P.), duas questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - É a sentença recorrida nula, nomeadamente por não especificar os fundamentos que a justificam (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC), e/ou por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão proferida (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), I parte, do CPC), e/ou por ocorrer ambiguidade ou obscuridade que a torna ininteligível (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), II parte, do CPC), e/ou por ter deixado de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC) ?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, ao considerar perdida a favor da massa insolvente a quantia de € 49.000,00 (nomeadamente, por a ter como caução prestada por proponente adquirente, que depois desistiu injustificadamente da sua proposta de aquisição, não comparecendo à escritura de compra venda agendada para compra do imóvel), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, considerando não haver fundamento legal para a perda daquela caução a favor da massa insolvente), indeferindo-se o pedido do Administrador da Insolvência ?
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2.2.2. Questão excluída do objecto do recurso - Impugnação da matéria de facto
Veio o Proponente Adquirente (J. P.) alegar no seu recurso que «o despacho ora sindicado (…) decide erroneamente dos factos e Direito aplicável», nomeadamente por considerar «um quadro factual que não atendeu às provas existentes nos autos, nem foi precedido (…) de qualquer averiguação probatória, para concluir que “certamente” tem razão o Sr. Administrador Judicial na decisão de considerar perdido o valor pago como caução».
Contudo, lê-se no art. 640.º, n.º 1, do CPC, que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição» «a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso (3), para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, e de indicar para cada um deles a prova que justificaria uma decisão diferente, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada.
Esta exigência, «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor (4) enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não cumpriu o Proponente Adquirente (J. P.) recorrente este ónus de impugnação, já que nada disse, quer nas suas alegações de recurso, quer nas respectivas conclusões, sobre: quais os factos que consideraria incorrectamente julgados (mercê da enunciação que mereceram na decisão recorrida, ou da prévia alegação nos autos, quando omitidos); a prova que justificaria uma decisão diferente quanto a cada um deles; e a decisão que, no seu entender, sobre eles deveria ser proferida (por indicação da concreta redacção proposta).
Esta omissão implica necessariamente a rejeição de um qualquer pretendido recurso com esse objecto.

Logo, mostra-se definitivamente assente a matéria de facto elencada no despacho recorrido.
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2.2.3. Ordem de conhecimento (das questões que constituem o objecto do recurso)
Lê-se no art. 663.º, n.º 2, do CPC, que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art. 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Ora, tendo sido invocada pelo Recorrente (Proponente Adquirente) a nulidade do despacho proferido pelo Tribunal a quo, deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia à restante questão objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento da demais (5).
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III - QUESTÃO PRÉVIA

3.1. Vícios da decisão de mérito
3.1.1. Nulidades da sentença versus Erro de julgamento

As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º, do CPC (6).
Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo).
Precisando uma vez mais, e para este efeito, entende-se por: deficiência, o não ter sido dada resposta a todos os pontos de facto controvertidos ou à totalidade de um facto controvertido; obscuridade, o haver respostas ambíguas ou pouco claras, permitindo várias interpretações; contradição, o colidirem entre si as respostas dadas a certos pontos de facto, ou colidirem essas respostas com factos antes dados como assentes, sendo entre si inconciliáveis; e falta de fundamentação, o não ter o Tribunal fundamentado, ou fundamentado devidamente, as respostas ou alguma delas (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 664).
Ora, não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar (7), desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133).
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3.1.2. Nulidades da sentença
3.1.2.1. Omissão de fundamentação
3.1.2.1.1. Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que «é nula a sentença quando»:

. omissão de fundamentação - «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

Enunciando as regras próprias de elaboração da sentença, lê-se no art. 607.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC, que a «sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, e enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer», seguindo-se «os fundamentos de facto», onde o juiz deve «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final».
Mais se lê, no n.º 4 do mesmo art. 608.º citado, que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção»; e «tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência».
Por fim, lê-se no n.º 5 do mesmo art. 607º, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», não abrangendo, porém, aquela livre apreciação «os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão da partes».
Reafirma-se, assim, em sede de sentença cível, a obrigação imposta pelo art. 154.º, do CPC, e pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2, do art. 154.º citado).
Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art. 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação (8).
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado: a «motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso» (Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1) (9).
Logo, e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que, na sentença, em parte própria, discrimine os factos tidos por si como provados e como não provados (por reporte aos factos oportunamente alegados pelas partes, ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza).
Impõe-se-lhe ainda que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim) (10).
Este esforço, exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida, «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
De seguida, e do mesmo modo, o art. 607.º, n.º 3, do CPC, impõe ao juiz que proceda à indicação dos fundamentos de direito em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, concluindo com a subsunção do caso concreto aos mesmos.
Dir-se-á mesmo que «é na segunda parte da sentença, através da determinação, interpretação e aplicação das normas aos factos apurados, que reside a verdadeira motivação (fundamentação) da sentença. A importância capital desta parte da sentença reflecte-se claramente no facto de o art. 668º (1, b) [hoje, art. 615.º, n.º 1, l b)] incluir entre as causas de nulidade da sentença a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 666).
Enfatiza-se, porém, que saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, correctamente realizada, ou se a norma seleccionada é a aplicável, e foi correctamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (11).
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Precisa-se, porém, que vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação (12).
Com efeito, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade»; e, por «falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (José Alberto dos Réis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 140).
A concreta «medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto» (Ac. do STJ, de 11.12.2008, citado pelo Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBVNO-A.C1).
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Todo o exposto é extensível aos próprios despachos, com as necessárias adaptações, conforme decorre do art. 613.º, n.º 3, do CPC.
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3.1.2.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, veio o Proponente Adquirente (J. P.) arguir a nulidade do despacho proferido pelo Tribunal a quo, por alegadamente «o Tribunal a quo, através do despacho ora recorrido, não teve a necessária preocupação de aquilatar as questões de facto necessárias determinantes para uma boa decisão, furtando-se a qualquer diligência probatória», pelo que «a decisão proferida não se encontra verdadeiramente fundamentada».
Contudo, compulsada a decisão recorrida, verifica-se que a mesma se encontra fundamentada de facto (com a discriminação do seu elenco, apurado mercê do teor dos próprios autos) e de direito (com indicação das normas legais consideradas, cujo texto inclusivamente se reproduziu).
Dir-se-á ainda que, podendo a dita fundamentação ser considerada singela, permitiu ao Proponente Adquirente (J. P.) a compreensão do juízo nela implícito (e, por isso, o tendo procurado rebater profundamente, nas alegações de recurso que apresentou). Ora, sendo a decisão recorrida inteligível (nomeadamente, ao nível da sua fundamentação de direito), não se pode afirmar que careça em absoluto de falta de fundamentação (13).
Por fim, dir-se-á que a alegada insuficiência de factos provados para fundamentarem o juízo decisório do Tribunal a quo poderá permitir a revogação da sua decisão, por errado julgamento efectuado, mas não comina de nula a mesma.

Improcede, assim, o primeiro fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria o despacho recorrido (por falta de fundamentação).
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3.1.2.2. Contradição
3.1.2.2.1. Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. c), I parte, do CPC, que «é nula a sentença quando»:

. contradição - «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)».

Esta nulidade está relacionada, não só com a obrigação do juiz fundamentar as suas decisões (imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC, e pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP), como com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal [premissa maior] com os factos [premissa menor].
Reconhece-se, deste modo, que é precisamente a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado.
Por outras palavras, «os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário». Logo, «constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada» (Ac. da RG, de 14.05.2015, Manuel Bargado, Processo n.º 414/13.6TBVVD.G1) (14).
Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta: quando - embora mal - o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos (Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, 2000, pág. 298).
Precisando, o erro de julgamento gerador da violação de lei substantiva decompõe-se numa das seguintes vertentes: erro de determinação da norma aplicável; erro de interpretação; ou erro de aplicação do direito, isto é, erro de subsunção dos factos e do direito, ou estender-se à sua própria qualificação (15).
Reitera-se: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (16).
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3.1.2.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, veio o Proponente Adquirente (J. P.) arguir a nulidade do despacho proferido pelo Tribunal a quo, por alegadamente «a decisão proferida (…) está em contradição com a (…) fundamentação empregue», «desde logo na medida em que no essencial transcreve disposições legais sem aflorar da sua aplicação em concreto nos presente autos».

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, existe uma perfeita sintonia entre os fundamentos fácticos (desistência injustificada da proposta de aquisição de imóvel antes apresentada, por falta de comparência à escritura de compra e venda agendada) e de direito (obrigação de indemnizar, pelos prejuízos causados) considerados no despacho recorrido, e a decisão final proferida (perda da quantia entregue inicialmente, por conta da aquisição pretendida), podendo antes existir um erro de julgamento, a apreciar de seguida.
Repete-se, poderá, e muito legitimamente, o Proponente Adquirente (J. P.) discordar do entendimento exposto (nomeadamente, do apuramento feito dos factos, onde verdadeiramente residiria a contradição por ele arguida); mas a eventual razão que lhe pudesse assistir não comina de nulidade a sentença proferida (nomeadamente, por contradição entre os seus fundamentos e a posterior decisão), justificando antes um pedido de reponderação do assim ajuizado (se o mesmo tivesse cumprido devidamente o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art. 640.º, do CPC).

Improcede, assim, o segundo fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria o despacho recorrido (por contradição entre os seus fundamentos e a decisão respectiva).
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3.1.2.3. Ininteligibilidade
3.1.2.3.1. Mais se lê, no art. 615.º, n.º 1, al. c), agora na sua II parte, do CPC, que «é nula a sentença quando»:

. ininteligibilidade - «(…) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
A redacção em causa surge pela primeira vez com o novo CPC, face ao fim do anterior pedido de aclaração da sentença (uma vez que, se a sentença é ininteligível, passa agora a ser nula).
Precisando, a «sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, Limitada, pg. 151, com bold apócrifo).
Por outras palavras, «a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos», e «a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença» (Remédio Marques, Ação Declarativa À Luz Do Código Revisto, 3.ª edição, p. 667, com bold apócrifo) (17).
Ocorrerá, então, a dita ininteligibilidade da decisão quando não se consiga perceber o que se decidiu; ou quando o que se escreveu é passível de mais do que uma interpretação, ou de um sentido diverso e, porventura, oposto.
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3.1.2.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, veio o Proponente Adquirente (J. P.) arguir a nulidade do despacho proferido pelo Tribunal a quo, por alegadamente ser «a decisão proferida (…), pelo menos, (…) ambígua», já que «a fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo» seria «ininteligível».
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, verifica-se que o despacho recorrido não padece de qualquer ambiguidade ou obscuridade que o torne ininteligível, nomeadamente ao nível da decisão de facto, conforme a pretendida (mas não devida e eficaz) sindicância de que foi alvo no recurso de apelação apresentado pelo Proponente Adquirente (J. P.).
Por outras palavras, resulta claramente do despacho recorrido quais os factos que o Tribunal a quo considerou provados para alicerçar a sua decisão, e ter-se baseado para o efeito na prova documental junta aos autos, de natureza autêntica, ou de natureza particular mas aqui não impugnada.
Conforme já referido, poderá muito legitimamente o Proponente Adquirente (J. P.) discordar do entendimento exposto pelo Tribunal a quo (por alegada falta de fundamentação, ou errada fundamentação); mas a eventual razão que lhe possa assistir não comina de nulidade a sentença proferida, justificando antes um pedido de reponderação do assim ajuizado.
Improcede, assim e igualmente, o terceiro fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria o despacho recorrido (por ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível).
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3.1.2.4. Omissão de pronúncia
3.1.2.4.1. Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC, e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:
. omissão de pronúncia - «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».
Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art. 608.º, n.º 2, do CPC, que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
«Questões», para este efeito, são «todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes» (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112); e não podem confundir-se «as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143) (18).
Há, pois, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, pág.143, com bold apócrifo).
Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, «as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões» (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Por outras palavras, as «partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a «questão» da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido dependa da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense» (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, Almedina, Lisboa, pág. 228, com bold apócrifo).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (19).
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo).
Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo n.º 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277).
Igualmente «não se verifica a nulidade de uma decisão judicial - que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) - quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou» (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1).
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3.1.2.4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, veio o Proponente Adquirente (J. P.) arguir a nulidade do despacho proferido pelo Tribunal a quo, por alegadamente «omitir a pronúncia relativamente a questões determinantes alegadas pelo recorrente, desde logo do acordo, confirmado pelo senhor administrador de que a venda apenas se faria aquando da possibilidade de entrega do imóvel livre de pessoas e bens».
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, pronunciou-se o Tribunal a quo sobra a única questão que estava submetida à sua apreciação, isto é, se existia, ou não, fundamento (de facto e legal) para que considerasse perdida a favor da massa insolvente a quantia de € 49.000,00, inicialmente depositava nos autos pelo Proponente Adquirente (J. P.).
Questão distinta é saber se considerou para o efeito todos os factos relevantes alegados nos autos para o efeito, sendo que a resposta negativa a esta questão denunciaria um erro de julgamento seu, mas não a nulidade (por omissão de pronúncia) aqui arguida.
Improcede, assim, o quarto e último fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria o despacho recorrido (por omissão de pronúncia).
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Improcede, deste modo, na sua totalidade a arguição de nulidades feita pelo Proponente Adquirente (J. P.), quanto ao despacho recorrido.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Considerado o teor dos autos (a sua própria tramitação, e a prova documental - autêntica, ou particular não impugnada - neles inserta), o Tribunal de 1.ª Instância considerou provados os seguintes factos (aqui apenas reordenados - lógica e cronologicamente - e renumerados):

1 - Em 22 de Outubro de 2020, nos autos de insolvência pertinentes a A. M. e a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de J. C. (antes marido daquela), foi proferido o seguinte despacho, notificado aos credores:
«(…)
Veio a insolvente herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J. C., representada por A. M., requerer que se ordene a não realização da escritura de venda agendada para o dia 29 de Outubro de 2020, porquanto a mesma incide sobre a casa de morada e de família da insolvente (e de pelo menos um dos seus filhos, que é menor de idade), facto confirmado pelo Sr. AI.
Entende o Sr. AI que que nada obsta a que se realize a outorga da escritura de compra e venda do imóvel, uma vez que tal acto não consubstancia nenhuma das situações previstas no artigo 6º-A da Lei 1-A/2020 de 19 de Março. Porém, defende que deve a diligência de tomada de posse efectiva do imóvel seja suspensa ao abrigo da alínea b) do nº 6 do artigo 6º-A da Lei 1-A/2020 de 19 de Março.
Dispõe o art.º 6-A,1 da Lei 1-A/2020, de 19 de Março que “No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo.” A alínea b) do nº 6 deste preceito estabelece a suspensão dos actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família. Ora, como bem refere o Sr. AI, a realização da escritura não pode considerar-se como fazendo parte do elenco legal, se não houver a entrega efectiva do objecto da mesma. Assim, e por falta de fundamento legal, indefere-se o requerido, devendo os autos prosseguir com a realização da escritura agendada, sem que haja concretização da entrega do bem.
(…)»
2 - J. P., credor da insolvência, conhecedor do teor do despacho reproduzido antes e da situação do bem imóvel, apresentou proposta para adquirir o apreendido para a massa insolvente sob a verba n.º 1 do Auto de Arrolamento, pelo preço de € 489.351,50, tendo para esse efeito depositado o valor de € 49.000,00.
3 - A proposta de aquisição apresentada por J. P. foi aceite pelo Administrador da Insolvência.
4 - Em Fevereiro de 2021, o Administrador da Insolvência foi abordado pela Mandatária de J. P. (credor/proponente), informando-o de que o mesmo pretendia outorgar a escritura de compra venda, mesmo com o imóvel sendo ocupado pela Insolvente (A. M.).
5 - A outorga da escritura de compra e venda foi agendada para o dia 3 de Março de 2021, pelas 11h30m, no Cartório da notária A. D..
6 - Foi dado conhecimento à Mandatária de J. P. (credor/proponente) da data e do local da outorga da escritura, tendo esta feito a respectiva confirmação (conforme cópia de e-mail que se junta como Anexo A, do requerimento apresentado pelo Administrador da Insolvência, em 16 de Março de 2021, que aqui se dá por integramente reproduzido).
7 - Na data e local designados para a outorga da escritura de compra e venda, J. P. (credor/proponente) não compareceu, nem deu qualquer justificação para essa falta de comparência.
8 - O Administrador da Insolvência remeteu carta a J. P. (credor/proponente), dando conta de que a sua falta de comparência foi tratada como desistência da proposta de aquisição, com a consequente perda da caução que apresentou, no valor de € 49.000,00, a favor da massa insolvente (conforme cópia de carta referida que se junta como Anexo C, do requerimento apresentado pelo Administrador da Insolvência, em 16 de Março de 2021, que aqui se dá por integramente reproduzida).
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Venda em processo de insolvência
5.1.1. Previsão e disciplina (em geral)

Lê-se no art. 164.º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e de Insolvência (20), que o «administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente».
Logo, sendo o leilão electrónico (21) a forma preferencial de venda em processo de insolvência, não é «tendencialmente obrigatória» (22).
Mais se lê, no art. 837.º, do CPC, que, excepto «nos casos referidos nos artigos 830º e 831º, a venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é feita preferencialmente em leilão electrónico, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça» (n.º 1).
Logo, também no regime regra da venda executiva a lei optou, claramente, pela venda (por regra) mediante leilão electrónico, só em casos excepcionais (devidamente discriminados nos seus pressupostos), admitindo a venda mediante outras modalidades.
Contudo, Rui Pinto, não deixa de precisar que, «se por um lado» a venda em leilão eletrónico, «passa a modalidade-regra da venda executiva, todavia, deixa-se ainda espaço decisório ao agente de execução, através do advérbio “preferencialmente”. Claramente, o agente apenas deixará de realizar esta venda quando fundamentadamente declare que as demais modalidades de venda aplicáveis, permitem a satisfação do interesse do credor mais rapidamente ou por outra razão atendível em face dos princípios que norteiam a penhora e a venda» (A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, Junho de 2018, pág. 871).
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5.1.2. Venda por proposta em carta fechada
Lê-se no art. 816.º, n.º 1, do CPC, que, quando «a penhora recaia sobre bens imóveis que não hajam de ser vendidos de outra forma, são os bens penhorados vendidos mediante propostas em carta fechada».

Mais se lê, no art. 817.º, n.º 1, do CPC, que, determinada «a venda mediante propostas em carta fechada, o juiz designa o dia e a hora para a abertura das propostas, devendo aquela ser publicitada, pelo agente de execução, com a antecipação de 10 dias».
Na data designada, são as propostas apresentadas «abertas na presença do juiz» e «apreciadas pelo executado, exequente e credores que hajam comparecido»; «se nenhum estiver presente, considera-se aceite a proposta de maior preço», e se «os interessados não estiverem de acordo, prevalece o voto dos credores que, entre os presentes, tenham maioria de créditos sobre os bens a que a proposta se refere» (arts. 820.º e 821.º, ambos do CPC).
Lê-se ainda, no art. 824.º, do CPC, que os «proponentes devem juntar obrigatoriamente com a sua proposta, como caução, um cheque visado, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, no montante correspondente a 5 % do valor anunciado ou garantia bancária no mesmo valor» (n.º 1); e, aceite «alguma proposta, o proponente ou preferente é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta» (n.º 2).
Por fim, lê-se no art. 825.º, n.º 1, do CPC, que, findo «o prazo referido no n.º 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode: a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou c) Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos».
Logo, e neste último caso, o critério de determinação da medida da responsabilidade devida é-nos desde logo fornecido pela lei, quando refere «o valor em falta», isto é, o preço antes oferecido pela compra e depois não depositado, acrescido das custas e despesas, no caso, de maiores encargos suportados, nomeadamente com uma segunda venda.
Contudo, e vindo a mesma a ser realizada, necessariamente que se terá que subtrair ao montante do preço não depositado pelo proponente relapso o depois naquela obtido, por ser essa a medida do prejuízo efectivamente causado com aquela conduta.
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5.1.3. Venda por negociação particular
Lê-se no art. 832.º, do CPC, que a «venda é feita por negociação particular»: a) Quando o exequente propõe um comprador ou um preço, que é aceite pelo executado e demais credores; b) Quando o executado propõe um comprador ou um preço, que é aceite pelo exequente e demais credores; c) Quando haja urgência na realização da venda, reconhecida pelo juiz; d) Quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes, não aceitação das propostas ou falta de depósito do preço pelo proponente aceite; e) Quando se frustre a venda em depósito público ou equiparado, por falta de proponentes ou não aceitação das propostas e, atenta a natureza dos bens, tal seja aconselhável; f) Quando se frustre a venda em leilão eletrónico por falta de proponentes; g) Quando o bem em causa tenha um valor inferior a 4 UC».
Mais se lê, no art. 833.º, do CPC, que, ao «determinar-se a venda por negociação particular, designa-se a pessoa que fica incumbida, como mandatário, de a efetuar» (n.º 1); e o «preço é depositado diretamente pelo comprador numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução sejam realizadas por oficial de justiça, da secretaria, antes de lavrado o instrumento da venda» (n.º 4).
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5.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
5.2.1. Venda por negociação particular - Desistência injustificada

Concretizando, verifica-se que, tendo sido determinada nos autos a venda por negociação particular de um prédio misto (rústico e urbano) apreendido no âmbito da insolvência, o credor J. P. propôs-se comprá-lo pelo preço de € 489.351,50, o que foi aceite pelo Administrador da Insolvência, entregando desde logo aquele a este, para o efeito, a quantia de € 49.000,00; e acordando ambos que o remanescente seria pago na data da outorga da escritura de compra e venda.
Mais se verifica que, agendada a mesma, de comum acordo, veio o Proponente Adquirente (J. P.) a faltar a ela, sem qualquer justificação.
Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, face à assertividade da definitiva matéria de facto assente nos autos, considera-se que podia o Administrador da Insolvência considerar que aquele desistira da proposta de aquisição que apresentara, ao não comparecer ao acto que ele próprio pedira que fosse agendado, cujo conhecimento e futura comparência ao mesmo confirmara, e sem apresentar para aquela omissão qualquer justificação.
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5.2.2. Consequências
Concretizando novamente, verifica-se que, mercê do exposto, o Administrador da Insolvência, primeiro, e o Tribunal a quo, depois, entenderam que deveria ser declarada perdida a favor da massa insolvente a quantia de € 49.000,00, entregue inicialmente pelo Proponente Adquirente (J. P.), considerando-a como uma caução da sua intenção de aquisição, e aplicando aqui o regime do art. 825.º, do CPC.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não lhes assiste razão.
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Com efeito, não se estava nos autos perante uma venda mediante propostas em carta fechada, mas sim perante uma venda por negociação particular.
Logo, a quantia adiantada pelo Proponente Adquirente (J. P.), por conta do preço, não podia considerar-se uma caução, mas sim uma antecipação parcial de cumprimento, uma vez que não foi alegado e demonstrado nos autos que as partes tivessem tido a vontade de lhe atribuir a natureza de sinal (art. 440.º, do CC).
Sendo uma antecipação parcial de cumprimento, de uma compra e venda futura, ficando esta inicialmente sem efeito e tornando-se supervenientemente impossível (por o bem ter sido entretanto vendido a outrem), assiste razão ao Proponente Adquirente (J. P.), quando afirma que lhe deveria ser restituída, sob pena de enriquecimento sem causa da massa insolvente (art. 473.º, n.º 2, in fine, do CC) (23).
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Dir-se-á ainda que poderia muito legitimamente a massa insolvente pretender ser indemnizada pelos prejuízos sofridos com a actuação incumpridora do Proponente Adquirente (J. P.), eventualmente à luz do art. 798.º, do CC (citado para o efeito pelo Tribunal a quo), relativo ao incumprimento da obrigação, ou talvez mais adequadamente à luz do art. 227.º, n.º 1, do CC, relativo à culpa na formação dos contratos.
Precisa-se, a propósito desta responsabilidade pré-contratual, que a indemnização que origina não tem necessariamente que se limitar ao interesse contratual negativo (aos danos que a parte sofreu por ter confiado na futura celebração de um contrato, que afinal não chegou a celebrar-se): pelo menos quando as negociações tenham atingido um elevado grau de desenvolvimento, com acordo sobre todas as questões relevantes, justificando assim confiança na celebração do negócio, já que nada obsta à sua formalização, quando esta afinal não venha a ocorrer, a indemnização deve corresponder ao interesse contratual positivo ou de cumprimento (falando-se aqui na violação de um dever de conclusão de contrato) (24).
Contudo, não foi alegado nos autos, nem deles resulta, que a massa insolvente tenha sofrido quaisquer prejuízos com a actuação do Proponente Adquirente (J. P.), tanto mais que logo após procedeu à venda do imóvel em causa pelo mesmo preço antes acordado com ele, acrescido de € 0,50.
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Importa, pois, decidir pela procedência do recurso de apelação do Proponente Adquirente (J. P.).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto por J. P., e, em consequência, em
· Revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra, a indeferir a perda da quantia de € 49.000,00 (quarenta e nove mil euros, e zero cêntimos) - entregue por J. P. -, a favor da massa insolvente.
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Custas da apelação pelo Recorrente, que dela tirou proveito, sem dedução de qualquer oposição na mesma (art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 13 de Julho de 2022.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.



1. «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 – in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
2. Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos se destinam à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
3. Com efeito, e ao contrário do que sucede com o recurso relativo à decisão sobre a matéria de direito (previsto no art. 639.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC), no recurso relativo à matéria de facto (previsto no art. 640.º, do CPC) não se admite despacho de aperfeiçoamento. «Esta solução é inteiramente compreensível e tem a sustentá-la a enorme pressão (geradora da correspondente responsabilidade) que durante décadas foi feita para que se modificasse o regime de impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliassem os poderes da Relação a esse respeito, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitiria corrigir. Além disso, pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção de prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. Enfim, a comparação com o disposto no art. 639º não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria de direito» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 128). Aliás, o entendimento da não admissibilidade de despacho de aperfeiçoamento face ao incumprimento, ou ao cumprimento deficiente, do ónus de impugnação da matéria de facto, já era generalizadamente aceite no âmbito do similar art. 690.º-A do anterior CPC, de 1961 (conforme Carlos Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Almedina, pág. 203).
4. A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art. 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
5. Neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
6. Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14.
7. «Porventura esta tendência encontrará a sua raiz num modelo processual em que o decurso do prazo para a interposição de recurso apenas se iniciava depois de serem apreciadas pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas», sendo certo, porém, que «há muito que foi ultrapassado esse quadro normativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 737).
8. Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex Edições Jurídicas, 1997, pág. 348.
9. No mesmo sentido, Ac. da RG, de 12.01.2010, António da Costa Fernandes, Processo n.º 809/1996.G1, onde se lê que o «dever de fundamentar as sentenças visa tornar possível um duplo controlo. Em primeiro lugar, um controlo intraprocessual, permitindo às partes o fácil exercício dos meios de impugnação, através do conhecimento dos motivos da decisão, e em facilitar o trabalho das instâncias superiores de recurso. Em segundo lugar, um controlo extraprocessual. Este último traduz-se na possibilidade de a comunidade jurídica e a opinião pública controlarem o modo como os órgãos jurisdicionais exercem o poder que lhes está atribuído. Trata-se, neste caso, de um “controlo democrático difuso que deve poder ser exercido por aquele mesmo povo em nome do qual a sentença é proferida” - cfr. o art. 202º, 1, da CRP».
10. A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer (art. 607.º, n.º 4, do CPC): obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento. Com efeito, «livre apreciação da prova» (art. 607.º, n.º 5, do CPC) não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655). «É assim que o juiz [de 1.ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325). «Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2.ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 591, com bold apócrifo).
11. Neste sentido, Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277.
12. No mesmo sentido, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, pág. 141. Por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 332. Contudo, e para este autor e para Isabel Alexandre, face à solução consagrada no CPC de 2013 (de integrar na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto, como a fundamentação respectiva), só a falta da primeira integra a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, e não também a falta da segunda (v.g. genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito), a que será aplicável o regime previsto no art. 662.º, n.º 2, al. d) e n.º 3, als. b) e d), do CPC (conforme Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 736, com indicação de jurisprudência conforme).
13. Neste sentido, Ac. da RL, de 17.11.2009, Pires Robalo, Processo n.º 468/06, onde se lê que só existe falta de fundamentação de direito quando «na sentença não se revela qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão». Ainda Ac. da RP, de 05.03.2015, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 1644/11, onde se lê que «só gera a nulidade da sentença a absoluta falta de fundamentação de direito, isto é, quando a sentença não contém o mínimo de fundamentação de direito, o que não se confunde com a exposição pelo juiz de uma fundamentação errada, nem com a exposição de uma fundamentação espartana, pobre ou mesmo medíocre, sendo certo que, embora seja conveniente fazê-lo, a decisão não tem que indicar os preceitos legais de que faz aplicação, bastando para o efeito que se perceba da fundamentação quais as regras ou princípios jurídicos em que se apoia».
14. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 11.01.1994, Cardoso Albuquerque, BMJ, n.º 433, pág. 633, onde se lê que «entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição». Ainda, Ac. do STJ, de 13.02.1997, Nascimento Costa, BMJ, n.º 464, pág. 524; ou Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 160.
15. Neste sentido, com maiores desenvolvimentos, Ac. do STJ, de 02.07.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 5024/12.2TTLSB.L1-S1.
16. Neste sentido, o já citado Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos Processo n.º 00A3277.
17. No mesmo sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 693, quando se lê que «o pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)»).
18. No mesmo sentido, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, 3.ª edição, Almedina, Lisboa 2001, pág. 180, onde se lê que «devem arredar-se os “argumentos” ou “raciocínios” expostos na defesa da tese de cada uma das partes, que podendo constituir “questões”, em sentido lógico ou científico, não integram matéria decisória para o juiz».
19. Neste sentido, Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ, n.º 439, pág. 526, Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 161, Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, pág. 105, e Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira.
20. O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e de Insolvência - doravante CIRE - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março.
21. Define-se no art. 20.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto (que regulamenta vários aspectos das acções executivas cíveis) «leilão eletrónico» como a «modalidade de venda de bens penhorados, que se processa em plataforma eletrónica acessível na Internet, concebida especificamente para permitir a licitação dos bens a vender em processo de execução, nos termos definidos na presente portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça». Mais se lê, no art. 17.º, n.º 1, al. c), do Despacho n.° 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça (que definiu como entidade gestora da plataforma de leilão eletrónico a Câmara dos Solicitadores e homologou as regras do sistema aprovadas por ela), que a «plataforma www.e-leiloes.pt pode ainda ser utilizada em processos distintos dos previstos no n.º 2 do artigo 1.º ou noutros âmbitos em que se justifique a utilização de uma plataforma de leilões eletrónicos, designadamente» processos «de insolvência». Logo, a venda por leilão electrónico tem a sua disciplina jurídica repartida pelo art. 837.º, do CPC (incluindo a remissão que faz para o regime da venda em estabelecimento de leilão, no seu n.º 3), pela Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, e pelo Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça; e aplicam-se, em primeiro lugar, as regras estabelecidas na Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto, e no Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça, e só em tudo o que não estiver especialmente aí regulado se aplicando as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão.
22. Neste sentido: Ac. da RL, de 28.01.2020, Vera Antunes, Processo n.º 7688/16.9T8SNT-I.L1-1; ou Ac. da RG, de 23.09.2021, António Barroca Penha, Processo n.º 1218/12.9TJVNF-AJ.G1.
23. Neste sentido, Ac. do STJ, de 07.09.2020, Pinto de Almeida, Processo n.º 285/04.3TBVLN-T.G1.S1 .
24. Neste sentido: Ac. do STJ, de 28.04.2009, Azevedo Ramos, Processo n.º 09A0457 (com indicação de doutrina e jurisprudência conformes); ou Ac. da RG, de 27.05.2015, Jaime Carlos Ferreira, Processo n.º 512/13.6TBCBR.C1.