INIBIÇÃO DO PODER PATERNAL
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Sumário

1 – A inibição do exercício das responsabilidades parentais em relação ao filho menor é uma medida de último ratio: só em situações em que os progenitores se comportem de forma grave e irreversível, colocando em risco, de forma grave, os interesses do menor podem ser inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente a esse filho.
2 – A inibição de pleno direito das responsabilidades parentais está provisionada nos artigos 1913.º e 1915.º do Código Civil e é aplicável como sanção acessória nos casos de violência doméstica ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 152.º do Código Penal.
3 – Sempre que ocorra um cenário de aplicação de sanção acessória de inibição das responsabilidades parentais mantém-se o regime ajustado suspenso até ao termo da medida aplicada pela jurisdição penal, salvo no que respeita a alimentos e em tudo o que bom senso e o superior interesse do menor assim o exija ou quando essa decisão condenatória fixa restritivamente os limites da inibição de forma distinta.
4 – É certo que a inibição total do poder paternal não obsta a que possa ser estabelecido durante o período da aplicação da medida um regime de visitas a favor do pai, mas sempre com o pano de fundo da protecção dos superiores interesses do menor.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 545/19.9T8STC-D.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Família e Menores de Santiago do Cacém – J1
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Nos presentes autos de alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais relativos ao menor (…), em que é requerente (…) e requerido (…), a progenitora interpôs recurso da decisão que determinou o regresso imediato do menor a território nacional.
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O menor (…) nasceu a 02/03/2016 e é filho de (…) e de (…).
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Em 16/06/2021, nos autos principais, por acordo provisório sobre o exercício das responsabilidades parentais foi fixado o seguinte regime:
«1 – Fixam a residência da criança (…) junto da mãe que exercerá em exclusividade as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança.
(…)
13 – Cada um dos progenitores não poderá sair do país sem autorização escrita do outro e sem prejuízo do acordado na cláusula cinco[1]».
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Os autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais (apenso A) tiveram início em Junho de 2020 por iniciativa de (…) em que esta manifestava a intenção de ir viver para o Luxemburgo na companhia do filho.
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Em 27/09/2020, através de petição que deu origem ao apenso B, o progenitor peticionou que a residência da criança fosse fixada junto de si.
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O apenso B foi incorporado no apenso A.
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Por requerimento apresentado no dia 19/05/2022 (apenso A) veio a progenitora informar que se encontra a residir com o filho no Luxemburgo.
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Em 20/05/2022, no mesmo apenso, o progenitor deu nota que a requerente tomou a decisão de forma unilateral, nada lhe comunicando e solicita assim o regresso imediato do menor a território nacional.
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Em 23/05/2022, a progenitora refere que quer ela quer o (…) têm a qualidade de residentes no Luxemburgo e que o filho se encontra inscrito em estabelecimento pré-escolar cuja frequência se iniciaria em Junho.
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No mesmo dia o progenitor deu entrada a um pedido de alteração das responsabilidades parentais (apenso C) em que solicita o regresso imediato do (…) a Portugal.
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Na parte que releva para o presente recurso a decisão impugnada tem o seguinte conteúdo: «(…), sendo o objecto dos autos do apenso A, a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais requerida pela progenitora tendo como objectivo a fixação da residência do (…) junto de si no Luxemburgo, que se encontra em vigor o regime provisório acima referido, e bem assim que se encontra marcado julgamento para dia 05.07.2022 (tendo a progenitora sido convocada), antes de mais, notifique a progenitora para diligenciar pelo regresso imediato de (…) a Portugal, devendo a mesma informar, no prazo de 5 dias, a data de regresso do mesmo a território nacional.
Adverte-se, desde já, a Progenitora de que, não regressando a criança a Portugal, poderão ser accionados os mecanismos internacionais para assegurar o seu imediato retorno».
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No âmbito do processo comum registado com o n.º 225/19.5T9GDL, do Juízo Criminal de Grândola, com a intervenção do Tribunal Singular, por sentença da Primeira Instância, (…) foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 14.º, 26.º e 152.º, nºs 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período de tempo, o qual foi cometido na pessoa de (…).
Foi ainda determinado que a suspensão da execução da pena fosse acompanhada de regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar após o trânsito da sentença e impondo-se as seguintes regras de conduta que devem constar do sobredito plano:
a) não contactar, por qualquer meio, com a vítima, no que se inclui o afastamento da residência e do local de trabalho desta, nos termos do artigo 34.º-B da Lei n.º 112/2009, de 16/09.
b) frequentar programas específicos da prevenção da violência doméstica sob o apoio e fiscalização dos serviços de reinserção social, nos termos do n.º 3 do artigo 52.º do Código Penal.
O arguido foi ainda condenado nas seguintes penas acessórias:
i) não contactar, por qualquer meio, com a vítima (…), no que se inclui o afastamento da residência e do local de trabalho desta pelo período de 3 (três) anos e determinou-se que o cumprimento fosse efectuado por meios técnicos de controlo à distância, independentemente do consentimento do arguido e da vítima, por tal se afigurar necessário à protecção dos direitos da vítima.
ii) frequentar programas específicos da prevenção da violência doméstica, concretamente dos programas que forem estabelecidos no plano de reinserção social para cumprimento da regra de conduta referida em b).
iii) proibição de uso e porte de armas, pelo período de 3 (três) anos.
iv) inibição do poder paternal relativamente ao seu filho menor (…) pelo período de 3 (três anos) anos.
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Interposto recurso, por acórdão datado de 25/01/2022, transitado em julgado em 02/03/2022, o Tribunal da Relação de Évora manteve a sentença recorrida com excepção da sanção acessória de inibição do poder paternal, a qual foi reduzida para o período de 1 (um) ano.
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De acordo com os factos provados no processo crime a recorrente viveu no Luxemburgo até aos 15 anos, tem apoio familiar no mencionado país e tem facilidade de ingressar no mercado de trabalho enquanto em Portugal tinha trabalhos ocasionais e precários e passava muitas temporadas no desemprego.
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A recorrente e o recorrido viveram no Luxemburgo de Julho de 2014 até Abril de 2015.
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O (…) mantém laços de grande afectividade com a mãe.
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Inconformado com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação e as alegações continham as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso visa a apreciação da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
2. Considera ilícita a deslocação da progenitora, ora recorrente, acompanhada do filho menor, para o Luxemburgo, por não ter a autorização do progenitor.
3. O Tribunal a quo ignorou, por completo e incompreensivelmente, a existência e fundamentação do Acórdão proferido pela 1ª subsecção do Tribunal da Relação de Évora no âmbito do processo n.º 225/19.5T9GDL.E2.
4. Acórdão que, transitado em julgado, inibe o arguido, progenitor e requerido nos autos do apenso A do processo n.º 545/19.9T8STC, do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho menor (…).
5. Ignorando, ainda e nomeadamente, o previsto no artigo 1903.º, n.º 1 e no n.º 3 do artigo 1913.º, ambos do Código Civil.
6. Logo, a ação da mãe do menor (…) nada tem de ilícito, pois é ela a exclusiva detentora do exercício dessas responsabilidades parentais.
7. Não tendo, por isso, que pedir autorização ao progenitor nem para viajar para o estrangeiro, nem para aí fixar a residência do seu filho, junto dela, mãe.
8. A existência de um acordo provisório sobre o exercício das responsabilidades parentais ainda em vigor (quando, salvo melhor opinião, já não deveria estar...) em nada obsta a que a mãe tome decisões sem autorização do pai do seu filho, dado que o mesmo se encontra inibido do exercício daquelas responsabilidades.
9. A progenitora informou os autos de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais acerca da sua deslocação, morada e contactos, assim como da obtenção, relativamente a ela e ao filho, da qualidade de residentes no Luxemburgo e da inscrição do menor em estabelecimento escolar.
10. O menor mantém contacto com o seu progenitor através de vídeo chamadas.
11. A progenitora, ora recorrente, não deu conhecimento antecipadamente ao progenitor do seu filho, por medo!!!
12. Medo que tem todo o fundamento, considerando a violência física e psicológica exercida pelo progenitor na pessoa dela própria, sua ex-companheira!
13. O que não podia, de forma alguma, ter sido ignorado pelo Tribunal a quo!
14. A fundamentação da decisão do Tribunal a quo não pode relevar, pois atenta contra todos os princípios que devem reger os processos de jurisdição voluntária e a defesa dos interesses dos menores.
15. Impõe-se, portanto, a revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo que viola nomeadamente o artigo 1903.º, n.º 1 e o n.º 3 do artigo 1913.º, ambos do Código Civil.
16. Deverá atribuir-se efeito suspensivo ao presente recurso, evitando-se, assim, a imediata exequibilidade da decisão recorrida.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, fixar-se o efeito suspensivo ao recurso e revogar-se a sentença recorrida, ordenando-se a sua substituição por outra que considere os motivos os motivos expostos».
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Houve lugar a contra-alegações do recorrido que sustenta o mérito da decisão recorrida e pede o regresso imediato do menor a Portugal.
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O Ministério Público defendeu a manutenção da decisão recorrida.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência de erro na apreciação do direito em virtude de ter sido determinado o regresso imediato do menor a território nacional.
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III – Dos factos apurados:
Os factos com interesse para a justa resolução da causa são aqueles que constam do relatório inicial.
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IV – Fundamentação:
A compreensão da criança, suas necessidades e expressão, neste primeiro quartel do século XXI, reflecte um conjunto de valores e princípios éticos da sociedade que nos rodeia. Vivemos hoje uma realidade que se enquadra num modelo de intervenção institucional e não institucional de protecção da criança, enquanto sujeito frágil e portador de fortes necessidades passíveis de protecção. O modelo de protecção, que caracteriza as actuais sociedades, pode ser visto e definido como o sistema de intervenção estadual segundo o qual todo o menor «é uma pessoa carecida de protecção e assistência»[2].
Esta preocupação com a criança, com as suas necessidades e interesses despertou também a atenção do legislador, que lhe dedicou especial cuidado e atenção e aqui cumpre realçar os critérios enformadores que são fornecidos pela Constituição da República Portuguesa[3] e pelo Código Civil, com a consagração do direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (artigo 69.º, n.º 1, da Constituição), a atribuição aos pais do poder-dever de educação dos filhos (artigo 36.º, n.º 5, da lei fundamental), o dever dos pais de promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos (artigo 1885.º, n.º 1, do Código Civil) e de não pôr em perigo a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor (artigo 1918.º, n.º 1, do Código Civil).
Esta legislação é fortemente influenciada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, Declaração Universal dos Direitos da Criança, Convenção Sobre os Direitos da Criança[4][5] e outros instrumentos internacionais de protecção[6] [7] que tornaram sagrada a criança como fonte autónoma de direitos e impuseram a natureza universal e vinculativa do seu quadro normativo para todos os Estados outorgantes.
A Convenção Sobre os Direitos da Criança encerra ainda uma especial preocupação pela articulação dos diferentes direitos da criança, como forma de alcançar a harmonia e a felicidade, o desenvolvimento integral e a salvaguarda da personalidade, não ignorando o papel directivo que cabe aos pais – ou a outras pessoas que a tem seu cargo – na realização destes objectivos.
O n.º 1 do artigo 3.º da Convenção Sobre os Direitos da Criança consagra a vinculação que «todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança»[8].
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Temos, assim, que o nosso legislador optou pela utilização de um conceito indeterminado como forma de dar resposta ao critério a utilizar pelo julgador na aplicação de matérias atinentes ao direito da família.
Assim, tratando-se de «um conceito jurídico indeterminado, isto é de conceito carecido de preenchimento valorativo»[9] e sendo «o mundo das relações familiares de um género insusceptível de ser medido com o metro da regra jurídica»[10] é necessário averiguar, casuisticamente, em que é o mesmo se traduz, tendo como referência «o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade»[11].
No critério de Melo Alexandrino[12] é «uma norma de competência (norma que estabelece uma habilitação para criar normas ou decisões), ora a favor do Legislador (na configuração a dar ao ordenamento), ora a favor do juiz e da administração tutelar (na construção de normas de decisão de casos concretos); em segundo lugar é uma norma impositiva, que ordena ao juiz e à administração que, na tomada de uma decisão que respeite ao menor, não deixem nunca de recorrer (mas sempre dentro dos limites do direito aplicável e circunstâncias do caso) à ponderação dos interesses superiores do menor, ou seja, dos interesses conexos com os bens prioritários da criança (a vida, a integridade, a liberdade, no contexto dos bens e interesses relevantes no caso).
É afirmado que se reconhece o interesse do menor como «a força motriz que há-de impulsionar toda a problemática dos seus direitos. Tal princípio radica na própria especificidade da sua situação perante os adultos, no reconhecimento de que o menor é um ser humano em formação, que importa orientar e preparar para a vida, mediante um processo harmonioso de desenvolvimento, nos planos físico, intelectual, moral e social. O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolva os seus legítimos anseios, realizações e necessidades nos mais variados aspectos»[13].
Na doutrina, foram ainda ensaiadas diversas definições do conceito. Rui Epifânio e António Farinha que procuram explicar o interesse do menor como sendo «uma noção cultural, intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar material e moral»[14].
Celso Manata aponta que só «pode ser encontrado em função de um caso concreto, situado no tempo e no espaço, através de uma perspectiva sistémica e disciplinar (…) já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias»[15].
Fazendo uso das palavras de Maria Clara Sottomayor[16] «podemos apontar ao interesse da criança, enquanto critério jurídico indeterminado, duas funções: critério de controlo e critério de decisão». Na primeira das funções apresentadas, o interesse da criança tem «a função de estabelecer um controlo mínimo do Estado em relação à família, o qual opera, de acordo com a legislação de cada ordem jurídica, só em casos de grave perigo para a saúde psíquica ou física da criança». Quanto à função de critério de decisão, assume essencial relevância quando o julgador é chamado a intervir numa situação jurídica conflitual. Esta vertente exige do julgador uma valoração casuística, uma análise da situação concreta em que se encontra a criança e a sua família, sem nunca esquecer os preceitos legais impostos pelo ordenamento jurídico em que se move.
O superior interesse da criança surge, assim, como um objectivo a prosseguir por todos quantos possam contribuir para o seu desenvolvimento harmonioso da criança e a ele se mostram adstritos com particular acuidade os pais e o Estado, os primeiros no desenvolvimento do seu papel liderante na condução e educação dos menores e o segundo que deve contribuir para a efectivação concreta dos seus direitos.
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Antes de mais, é o momento de atender ao conteúdo das responsabilidades parentais, fixado no artigo 1878.º do Código Civil. Nos termos deste dispositivo compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
A função motriz das responsabilidades parentais assenta actualmente na ideia do cuidado paternal[17] e este conceito de responsabilidades parentais é fortemente inspirado no conceito resultante da Recomendação n.º R (84) sobre as Responsabilidades Parentais, aprovada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de Setembro de 1984, que se apoia em estudos elaborados sobre a evolução da realidade social e jurídica dos diferentes Estados Europeus. Nesta recomendação emitida a propósito das responsabilidades parentais, estas emergem como «o conjunto dos poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar moral e material do filho, designadamente tomando conta da sua pessoa, mantendo relações pessoais com ele, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens»[18].
As responsabilidades parentais surgem-nos como uma situação jurídica complexa, onde avultam poderes e deveres de natureza funcional e daí resulta que as mesmas não sejam entendidas como «um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e exercício livre, mas de faculdades de conteúdo altruísta, que devem ser exercidas primariamente no interesse do menor (e não dos pais), de exercício vinculado»[19].
Na leitura de Armando Leandro estamos perante não um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral[20].
É neste contexto que o interesse do menor nos surge actualmente como o critério fundamental e decisivo a ter em conta em qualquer decisão que lhe diga respeito, conceito esse que evidencia a própria evolução das relações sociais no domínio familiar e maximiza a ideia da criança enquanto titular de direitos individuais e de interveniente activo da definição de poderes/deveres no núcleo familiar.
Este conjunto de vinculações referem-se quer à pessoa, quer aos bens dos filhos. O objectivo do processo de regulação das responsabilidades parentais é a fixação do regime de exercício das funções parentais por ambos os progenitores, em resultado da dissolução da estrutura familiar. Usualmente este processo abrange três questões fundamentais que se prendem com a guarda dos filhos, o direito de visita e a obrigação de alimentos, sendo certo que, no presente caso, a questão está centrada na decisão provisória sobre a guarda do menor.
Em caso de ruptura de vida em comum dos progenitores, a prossecução do interesse do menor tem sido entendida em estrita conexão com a garantia das condições materiais, sociais, psicológicas e morais que possibilitem o seu desenvolvimento saudável, equilibrado e estável do menor, o qual deve ser colocado à margem da conflituosidade que ocorra no relacionamento entre os pais.
Como primeira síntese intercalar, cumpre sublinhar que, em qualquer providência tutelar cível, o superior interesse dos menores e as responsabilidades parentais devem ser encaradas como um conjunto de poderes-deveres de direcção, cuidado, educação e segurança dos filhos.
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Para a prolação de uma decisão neste tipo de conflitos deve-se ter presente que não há direitos absolutos a observar e que se os interesses subjectivos dos pais não coincidirem com o interesse superior do menor, não há outro remédio senão seguir este último interesse.
O recurso sub judice visa apurar se existiu uma situação de incumprimento culposo e censurável de obrigações decorrentes de regime parental provisório estabelecido por parte da recorrente. E, em caso afirmativo, se a ordem de regresso do menor a território nacional se deve manter.
É indiscutível que os termos da regulação do exercício das responsabilidades parentais têm de ser cumpridos nos precisos termos acordados e homologados. E, assim, na aparência, verifica-se um incumprimento da recorrente quando passou em residir no estrangeiro com o filho sem obter autorização do outro progenitor.
No entanto, tal verifica-se apenas na aparência, dado que existe uma determinação judicial que aplicou ao recorrido a sanção acessória de inibição das responsabilidades parentais pelo período de um ano com início no dia seguinte ao do trânsito em julgado da sentença condenatória (ocorrido em 02/03/2022).
A inibição de pleno direito das responsabilidades parentais está provisionada nos artigos 1913.º[21] e 1915.º[22] do Código Civil e foi aqui aplicada como sanção acessória por via da prática de um crime de violência doméstica ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 152.º[23] do Código Penal.
O n.º 2 do artigo 1915.º do Código Civil prevê que a inibição possa ser total ou parcial, isto é, limitar-se apenas ao poder de representação e administração dos bens do filho. Como sublinha Tomé Ramião no caso da inibição total ou parcial do exercício das responsabilidades parentais que atinja apenas um dos progenitores, terá de entender-se que não haverá lugar à instituição da tutela ou administração de bens, respectivamente, porquanto a plenitude do exercício do poder paternal continuará a ser exercida pelo outro progenitor, como decorre do artigo 1903.º[24] do Código Civil[25]
A inibição do exercício das responsabilidades parentais em relação ao filho menor é uma medida de última ratio: só em situações em que os progenitores se comportem de forma grave e irreversível, colocando em risco, de forma grave, os interesses do menor podem ser inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente a esse filho[26] [27].
Para Armando Leandro a inibição tem lugar nos casos mais graves de desrespeito pelo cumprimento dos aludidos deveres[28] e pode ser decretada por Tribunal em processo tutelar cível ou em processo criminal, em consequência da condenação por certos crimes.
Carvalho Fernandes defende que a aplicação da inibição do artigo 1915.º está reservada para casos de relevante gravidade, devendo aplicar-se o citado artigo 1918.º como medida de limitação do exercício das responsabilidades parentais para defesa dos filhos nas situações aí previstas[29].
Pais do Amaral advoga que a inibição é subsidiária em relação à limitação das responsabilidades parentais, estando aquela reservada para casos de maior gravidade[30].
No entanto, ao contrário do que resulta das contra-alegações, a inibição foi aplicada e não se está perante um cenário de emprego do disposto no artigo 1918.º[31] do Código Civil (repare-se na alocução: «e não seja caso de inibição do exercício das responsabilidades parentais») e a que é aplicável a disciplina precipitada no artigo 1919.º[32] do mesmo diploma (atente-se no segmento normativo: «quando tiver sido decretada alguma das providências referidas no artigo anterior…»). Estamos num quadro de inibição das responsabilidades parentais e sobre a distinção pode ser consultado Antunes Varela[33].
Existe assim uma situação de impedimento decretada pelo Tribunal relativamente a um dos pais e esse exercício exclusivo caberá ao outro progenitor nos termos dos citados artigos 1903.º e 1913.º do Código Civil. Na verdade, resulta claramente que a inibição é total e não está restrita à questão do poder de representação e de administração dos bens do filho e não foi editado qualquer regime parcial pelo Tribunal que decretou a sanção acessória.
Não se comunga assim da posição expressa pelo Ministério Pública na resposta ao recurso interposto quando assume que «a referida sentença criminal definiu apenas o período de inibição, mas não delimitou se tal inibição era total ou parcial, nem proíbe, nem limita os contactos/visitas entre pai e filho».
A prevalecer este entendimento o acórdão condenatório do Tribunal da Relação de Évora era completamente destituído de utilidade e representaria um simples vazio decisório. Na realidade, de acordo com esta visão, a inibição ao exercício das responsabilidades parentais seria meramente simbólica e um mero postal ilustrado para efeitos de inscrição no certificado de registo criminal e, assim sendo, destituída de qualquer carga punitiva para o verdadeiro infractor.
Sem margem para qualquer dúvida que os factos contidos na sentença são graves e o menor é igualmente vítima dos comportamentos descritos na sentença de harmonia com a definição contida no ponto iii da alínea c) do n.º 1 do artigo 67.º-A[34] do Código de Processo Penal.
É certo que a inibição total do poder paternal não obsta a que possa ser estabelecido durante o período da aplicação da medida um regime de visitas a favor do pai prevaricador. Porém, estando o recorrido inibido de forma total do exercício das responsabilidades parentais como decorrência lógica a obrigação contida na cláusula 13 do regime provisório não se encontrava em vigor, mantendo-se esse regime suspenso até ao termo da medida aplicada pela jurisdição penal, salvo no que respeita a alimentos[35] e em tudo o que bom senso e o superior interesse do menor assim o exija ou quando essa decisão condenatória fixa restritivamente os limites da inibição de forma distinta.
Neste enquadramento, a recorrente podia ausentar-se para o estrangeiro sem o consentimento e autorização formal do requerido. Assim, não sendo previsível que a mudança de residência tenha qualquer impacto negativo para o menor em termos de equilíbrio emocional, psíquico e afectivo, não se deve determinar o regresso imediato a Portugal nos termos em que ele foi definido pelo Tribunal a quo.
De acordo com o acórdão condenatório do Tribunal da Relação de Évora estamos perante um caso em que a má conduta do progenitor condenado pôs igualmente em perigo a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do filho do extinto casal e é inquestionável que as linhas directoras do acordo de regulação das responsabilidades parentais que atribuam um feixe de direitos não essenciais ao recorrido se encontram suspensas.
Não há que atender à decisão que transitou em primeiro lugar, ao contrário do que afirma o Ministério Público[36]. Efectivamente, para além de ser meramente provisória e de se situar no domínio da jurisdição voluntária e, como tal, susceptível de ser alterada, a mesma foi editada num quadro fáctico que não pressupunha a existência de comportamentos graves e criminalmente puníveis que justificaram a aplicação de medida de inibição das responsabilidades paternais.
As excepções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado (artigo 580.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (artigo 580.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (artigo 581.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (artigo 581.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (artigo 581.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). E aqui essa identidade não se verifica aqui quanto ao pedido e causa de pedir (num caso a regulação das responsabilidades parentais e noutro a inibição do seu exercício).
Nesta situação, sem entrar na apreciação do mérito da guarda e da própria alteração do regime provisório, que está deferida em primeira linha ao Tribunal de Primeira Instância, ainda que, sem conceder, tivesse ocorrido uma violação de obrigações por parte da mãe, o superior interesse do menor só fica assegurado se mantiver a ligação física e emocional com a progenitora e esta poderá permanecer no Luxemburgo com o filho pelo menos enquanto durar o período de inibição do exercício das responsabilidades parentais.
A progenitora não só não deslocou ilicitamente o filho para o Luxemburgo, como de forma não inteiramente justificada à luz do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva[37] a criança esteve cerca de dois anos a aguardar uma resposta jurisdicional (positiva ou negativa) sobre o pedido maternal para se deslocar para o estrangeiro.
Sendo levantada a inibição do exercício das responsabilidades parentais, caso a situação não fique acautelada no processo principal, sempre no interesse superior da criança, poderá ser desenhado um novo regime que estabeleça a questão da guarda, das visitas e demais matérias que o caso exija, mas, neste momento, reafirma-se que não se justifica o reingresso do menor em território nacional para acomodar os interesses do pai.
Como decorrência lógica e jurídica, julga-se procedente o recurso interposto e revoga-se a decisão recorrida.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrido, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 13/07/2022
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
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[1] Cláusula quinta: «Considerando que a última festividade do Natal foi inteiramente passada com o pai, a próxima deverá ser inteiramente passada com a mãe, com autorização para viajar para o estrangeiro, devendo regressar até ao dia 26 de Dezembro a Portugal (…)».
[2] Manuel Gonçalves, Os modelos de intervenção institucional e não institucional no âmbito dos menores e jovens adultos. Breve enquadramento jurídico internacional. Infância e Juventude. Revista do Instituto de Reinserção Social, 99.1.
[3] A Constituição da República Portuguesa consagra – nos artigos 13.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, 36.º, n.ºs 5 e 6, 68.º, n.º 2, 69.º e 70.º –, os princípios jurídico-constitucionais estruturantes da Família e dos Menores protegendo os direitos fundamentais da Criança e estabelecendo que a restrição de tais direitos, se ocorrer, para além de fundamentada, deve obediência às exigências de proporcionalidade e da adequação.
[4] Assinada por Portugal a 26 de Janeiro de 1990 e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de Setembro. Ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, da mesma data. Ambos os documentos se encontram publicados no Diário da República, I Série A, n.º 211/90. O instrumento de ratificação foi depositado junto do Secretário-Geral das Nações Unidas a 21 de Setembro de 1990.
[5] O diploma em causa enunciou os direitos essenciais dos menores de dezoito anos no capítulo social, económico, civil e cultural, bem como as intervenções que são exigidas aos diferentes Estados para protecção e garantia desses mesmos direitos.
[6] A necessidade de garantir uma protecção especial à criança está ainda enunciada na Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança, na Declaração dos Direitos da Criança adoptada pelas Nações Unidas em 1959, no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (nomeadamente nos artigos 23.º e 24.º) e no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (nomeadamente o artigo 10.º).
[7] A título meramente exemplificativo, com relevância existem ainda disposições na Declaração sobre os Princípios Sociais e Jurídicos Aplicáveis à Protecção e Bem-Estar das Crianças, com Especial Referência à Adopção e Colocação Familiar nos Planos Nacional e Internacional (Resolução n.º 41/85, da Assembleia Geral, de 3 de Dezembro de 1986), no Conjunto de Regras Mínimas das Nações Unidas relativas à Administração da Justiça para Menores («Regras de Beijing») (Resolução n.º 40/33, da Assembleia Geral, de 29 de Novembro de 1985) e na Declaração sobre Protecção de Mulheres e Crianças em Situação de Emergência ou de Conflito Armado (Resolução n.º 3318 (XXIX) da Assembleia Geral, de 14 de Dezembro de 1974).
[8] Estabelece o artigo 9.º desta mesma Convenção, que:
«1. Os Estados partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo (…) no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada”.
(…)
3. Os Estados partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança».
[9] Karl Engish, Introdução ao Pensamento Jurídico, Fundação Calouste Gulbenkian, 6ª edição, págs. 205-256.
[10] Nicolo Lupari e Pedro de Albuquerque, Autonomia da Vontade e Negócio Jurídico em Direito da Família, pág. 160.
[11] Almiro Rodrigues, Interesse do Menor – Contributo para uma Definição, Revista Infância e Juventude, n.º 1, 1985, 18-19. Nesta tentativa de definição do conceito este autor propõe que «o interesse superior da criança deve ser entendido como o direito deste ao seu desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, [seja] definido através de uma perspectiva sistémica e interdisciplinar que não esqueça e não deixe de ponderar o grau de desenvolvimento sócio-psicológico da criança».
[12] O Discurso dos Direitos, Coimbra Editora, pág. 140.
[13] Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 8/91 disponível em www.dre.pt
[14] Rui Epifânio e António Farinha, Organização Tutelar de Menores – Contributo para uma visão interdisciplinar do Direito de Menores e de Família, Almedina, Coimbra 1997, pág. 376.
[15] Celso Manata, Superior Interesse da Criança in http://www.cnpcjr.pt/preview_pag.asp?r=2259.
[16] Exercício do Poder Paternal, Publicações da Universidade Católica, Porto 2003, pág. 69.
[17] Diogo Leite de Campos, Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 1997, págs. 370; António H. L. Farinha e Conceição Lavadinho, Mediação Familiar e Responsabilidades Parentais, Coimbra, Almedina, pág. 47, António H.L. Farinha, Relação entre os Processos Judiciais, Infância e Juventude, n.º 2/99, Abril - Junho, 1999, pág. 69, e Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Parental nos Casos de Divórcio, 4ª edição, revista, aumentada e actualizada, Coimbra, Almedina, 2002, pág. 15.
[18] O Princípio 2 do Anexo à Recomendação n.º R (84) 4 estabelece que «qualquer decisão da autoridade competente relativa à atribuição das responsabilidades parentais ou ao modo como essas responsabilidades são exercidas, deve basear-se, antes de mais, no interesse dos filhos».
[19] Castro Mendes, Direito da Família, AAFDL, 1978-1979, pág. 243.
[20] Poder Paternal: Natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária, pág. 119.
[21] Artigo 1913.º (Inibição de pleno direito):
1. Consideram-se de pleno direito inibidos do exercício das responsabilidades parentais:
a) Os condenados definitivamente por crime a que a lei atribua esse efeito;
b) Os maiores acompanhados, apenas nos casos em que a sentença de acompanhamento assim o declare;
c) Os ausentes, desde a nomeação do curador provisório.
2 - Os menores não emancipados consideram-se de pleno direito inibidos de representar o filho e administrar os seus bens.
3. As decisões judiciais que importem inibição do exercício das responsabilidades parentais são comunicadas, logo que transitem em julgado, ao tribunal competente, a fim de serem tomadas as providências que no caso couberem.
[22] Artigo 1915.º (Inibição do exercício das responsabilidades parentais):
1. A requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, pode o tribunal decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, se não mostre em condições de cumprir aqueles deveres.
2. A inibição pode ser total ou limitar-se à representação e administração dos bens dos filhos; pode abranger ambos os progenitores ou apenas um deles e referir-se a todos os filhos ou apenas a algum ou alguns.
3. Salvo decisão em contrário, os efeitos da inibição que abranja todos os filhos estendem-se aos que nascerem depois de decretada.
[23] Artigo 152.º (Violência doméstica)
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos.
[24] Artigo 1903.º (Impedimento de um ou de ambos os pais):
1 - Quando um dos pais não puder exercer as responsabilidades parentais por ausência, incapacidade ou outro impedimento decretado pelo tribunal, caberá esse exercício ao outro progenitor ou, no impedimento deste, por decisão judicial, à seguinte ordem preferencial de pessoas:
a) Ao cônjuge ou unido de facto de qualquer dos pais;
b) A alguém da família de qualquer dos pais.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, no caso de a filiação se encontrar estabelecida apenas quanto a um dos pais.
[25] Tomé d´Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Civil – Anotado e Comentado – Jurisprudência e Legislação Conexa, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 206.
[26] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/09/2020, disponibilizado em www.dgsi.pt.
[27] No mesmo sentido, pode ser consultado o acórdão da Relação do Porto de 17/05/2016, divulgado em www.dgsi.pt.
[28] Armando Leandro, Poder Paternal: Natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária, Temas de Direito da Família (Ciclo de conferências do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados), Almedina, Coimbra, 1986, pág. 134.
[29] Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 2ª edição, págs. 243-244.
[30] Pais do Amaral, Direito da Família, 2ª edição, 2015, págs. 242-243.
[31] Artigo 1918.º (Perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação do filho):
Quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontre em perigo e não seja caso de inibição do exercício das responsabilidades parentais das responsabilidades parentais, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer das pessoas indicadas no n.º 1 do artigo 1915.º, decretar as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência.
[32] Artigo 1919.º (Exercício das responsabilidades parentais enquanto se mantiver a providência):
1. Quando tiver sido decretada alguma das providências referidas no artigo anterior, os pais conservam o exercício das responsabilidades parentais em tudo o que com ela se não mostre inconciliável.
2. Se o menor tiver sido confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência, será estabelecido um regime de visitas aos pais, a menos que, excepcionalmente, o interesse do filho o desaconselhe.
[33] Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. V, 2ª edição., nota 2 ao indicado artigo 1918.º, pág. 426, que afirma que «a faixa das deficiências contempladas no artigo 1918.º abrange especialmente os casos em que a má conduta dos pais põe em perigo a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação dos filhos, mas não justifica ainda a inibição».
[34] Artigo 67.º-A (Vítima)
1 - Considera-se:
a) 'Vítima':
i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime;
ii) Os familiares de uma pessoa cuja morte tenha sido diretamente causada por um crime e que tenham sofrido um dano em consequência dessa morte;
iii) A criança ou jovem até aos 18 anos que sofreu um dano causado por ação ou omissão no âmbito da prática de um crime, incluindo os que sofreram maus tratos relacionados com a exposição a contextos de violência doméstica;
b) 'Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;
c) 'Familiares', o cônjuge da vítima ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, os seus parentes em linha reta, os irmãos e as pessoas economicamente dependentes da vítima;
d) 'Criança ou jovem', uma pessoa singular com idade inferior a 18 anos.
2 - Para os efeitos previstos na subalínea ii) da alínea a) do n.º 1 integram o conceito de vítima, pela ordem e prevalência seguinte, o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens, ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e os ascendentes, na medida estrita em que tenham sofrido um dano com a morte, com exceção do autor dos factos que provocaram a morte.
3 - As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.
4 - Assistem à vítima os direitos de informação, de assistência, de proteção e de participação ativa no processo penal, previstos neste Código e no Estatuto da Vítima.
5 - A vítima tem direito a colaborar com as autoridades policiais ou judiciárias competentes, prestando informações e facultando provas que se revelem necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
[35] Artigo 1917.º (Alimentos):
A inibição do exercício das responsabilidades parentais em nenhum caso isenta os pais do dever de alimentarem o filho.
[36] Artigo 625.º (Casos julgados contraditórios):
1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.
[37] Artigo 20.º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva):
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.