PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
DANO APRECIÁVEL
DELIBERAÇÃO SOCIAL QUE NÃO PODE AINDA SER EXECUTADA
Sumário

I - O dano apreciável previsto no art. 380º, do CPC é um dano futuro que, em concreto, deve afectar de forma relevante e considerável o direito que o requerente do procedimento cautelar visa exercer na acção principal.
II - Não assumem essa natureza deliberações que podem afectar a posição jurídica do apelante, mas não podem ainda ser executadas.
III - Bem como aquelas que ainda não vinculam perante terceiros o condomínio como um pedido de orçamentos.

Texto Integral

Processo: 2242/22.9T8PRT.P1

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Sumário:
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I - RELATÓRIO
AA, intentou, como preliminar de futura acção judicial de declaração de invalidade de nulidade ou anulação de deliberações de assembleia de condóminos, o presente procedimento cautelar comum contra: - Condomínio do Prédio Urbano Constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua ..., ..., Porto, NIPC ..., na pessoa do seu administrador, 3º requerido, BB, com domicílio profissional na Rua ..., ..., Porto; - Z..., Lda., sociedade comercial com sede na Rua ..., ..., NIPC ..., na qualidade de proprietária da fracção “B” do prédio sito na Rua ..., Porto, igualmente representada pelo 3º requerido, única interveniente nas pretensas deliberações pretendidas anular; - BB, NIF ..., com domicílio profissional na Rua ..., ... Porto, na qualidade de “administrador” do “Condomínio” do prédio urbano sito na Rua ..., ..., Porto.
Pediu que: “A) Deve a presente providência, face ao exposto, ser deferida e, por via disso suspenderem-se as “deliberações” da pretensa “Assembleia” do Condomínio do prédio sito na Rua ..., Porto, melhor identificadas, com todas as consequências legais.
B) Para tanto deve ordenar-se a citação do alegado “Condomínio” na pessoa do seu alegado administrador, Sr. BB, e dos 2ª e 3º requeridos, atrás identificados, para contestarem, querendo, a presente providência, porém com a advertência de que, a partir da citação e enquanto não for julgado em 1ª Instância o presente pedido de suspensão, não é licito aos requeridos executarem as pretensas “deliberações” tomadas, seguindo-se o que mais for de direito, com as legais consequências.”.
Alegou, em síntese útil, que os Requeridos persistem em agendar “assembleias sobre assembleias” e em deliberar a constituição de despesas e encargos abusivos em prejuízo da Requerente, tendo, após as pretensas deliberações da designada “assembleia” de condomínio de 7.09.2021, quer da designada assembleia de condomínio de 20.10.2021 [deliberações cuja suspensão a Requerente de igual modo peticionou no âmbito dos procedimentos cautelares que anteriormente moveu às Requeridas e que correm termos no Juízo Local Cível do Porto sob os nºs 18126/21.5T8PRT-A e nº 17683/21.0T8PRT], convocado nova “assembleia” para o dia 10 de Janeiro de 2022, no âmbito da qual ratificaram as “deliberações” tomadas nas anteriores “assembleias” – aquelas atrás designadas -, não obstante sabendo da existência daqueles procedimentos cautelares visto que para eles já foram citados e tiveram neles já intervenção.
Os requeridos foram citados e deduziram oposição.
Pugnaram pela improcedência da providência, alegando, em suma, a falta de fundamento legal da presente providência e que a Requerente não corre qualquer risco que mereça a tutela legal. Mais alegaram que, ainda que a Requerente viesse a lograr provar integralmente os factos que alega, nem assim se verificariam os pressupostos necessários ao deferimento da providência requerida, muito especificamente o dano apreciável que a execução de tais deliberações pudesse implicar dado que as mesmas não são susceptíveis de serem materializadas em actos com repercussão na esfera patrimonial da requerente, seja pela execução material do deliberado, seja pela execução judicial de quaisquer obrigações
Foi proferida decisão que julgou improcedente a providência.
Inconformado veio a requerente recorrer, recurso esse que foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.

2.1. A apelante apresentou as seguintes conclusões:
I. A presente providência reproduz de alguma forma o já invocado pela Requerente com vista à suspensão de diversas “deliberações” tomadas nas pretensas “assembleias” do mesmo “condomínio”, providências essas que correm termos respetivamente no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto, Juiz 9, sob o nº 18126/21.5T8PRT-A (anterior processo: 5606/21.6T8PRT) e nº 17683/21.0T8PRT do Juízo local Cível do Porto, Juiz 3.
II. Simplesmente, os Requeridos persistem em agendar “assembleias sobre assembleias” e em deliberar a constituição de despesas e encargos “estapafúrdios” e verdadeiramente abusivos em prejuízo da Requerente.
III. E, assim, não obstante as pretensas deliberações da designada “assembleia” de condomínio de 7.09.2021, quer da designada assembleia de condomínio de 20.10.2021, terem sido sujeitas oportunamente a pedido de suspensão e, depois, de anulação de deliberações (processos que correm termos respetivamente no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto, Juiz 9, sob o nº 18126/21.5T8PRT e nº 20811/21.2T8PRT do Juízo Local Cível do Porto, Juiz 9), a verdade é que os requeridos vieram convocar nova “assembleia” para o dia 10 de Janeiro de 2022, pelas 16 horas, tendo fundamentalmente como objeto a ratificação das pretensas “deliberações” tomadas nas anteriores “assembleias” – aquelas atrás designadas -, não obstante sabendo da existência daqueles procedimentos visto que para eles já foram citados e tiveram neles já intervenção.
IV. A presente providência não surge, pois, como um ato isolado de reação da Requerente contra apenas uma deliberação isolada do “condomínio”, mas sim integrada numa verdadeira série sucessiva de deliberações cujo fito final é o de ver “aprovados” um conjunto muito significativo e oneroso de obras no prédio em que se integra a fração propriedade da Recorrente.
V. O Tribunal a quo julgou improcedente a presente providência
VI. Decisão com a qual não pode, data vénia, pela sucessiva ordem de razões que, de seguida, se expenderá.
B- Do preenchimento dos requisitos de que depende o decretamento da presente providência – do dano apreciável
VII. São requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos: (i) a invalidade da deliberação; (ii) a qualidade de condómino; (iii) a probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida.
VIII. Ressalvado o devido respeito, a Recorrente alegou um conjunto de factos suficientes e bastantes passíveis de conduzir ao decretamento da presente providência e, por maioria de razão, passíveis de demonstrar a existência de dano apreciável resultante da execução da deliberação sub judice.
IX. A Autora na presente providência invocou, além do mais, a inexistência jurídica das deliberações objeto da presente ação, tendo o Tribunal a quo deixado de se pronunciar sobre esta questão – o que configura até nulidade para efeitos do disposto no artigo 615 do CPC.
X. Ora, a concluir-se que as deliberações aqui em causa, de facto, como invocado pela Recorrente, inexistem juridicamente, nos termos do supra citado acórdão do STJ estaria – está – mesmo a Recorrente dispensada de demonstrar o dano apreciável para o decretamento da providência.
XI. Pelo que a decisão recorrida deve ser superiormente revogada, antes de mais, baixando os autos para que, com produção de prova, o Tribunal se pronuncie sobre a invocada inexistência jurídica das deliberações assim em causa, dispensando-se, neste caso, a demonstração do dano apreciável a que alude o artigo 380º do CPC.
XII. O certo é que, em qualquer caso, verifica-se, no caso dos autos, dano apreciável para a Recorrente, estando preenchidos todos os requisitos de que a lei faz depender o decretamento de providência especificada com a natureza da presente.
XIII. A expressão dano apreciável, que integra o terceiro requisito de procedência de providências cautelares com a natureza da presente, traduz-se num conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e comprovação de factos de onde possa extrair-se a conclusão de que a execução da deliberação acarretará um prejuízo para a requerente (que, ao contrário do que sucede na providência cautelar comum não terá que ser um dano irreparável ou de muito difícil reparação).
XIV. Isto é, a consagração deste requisito de procedência da providência especificada aqui em causa constitui um minus em relação ao regime regra que impõe um dano irreparável ou de difícil reparação – é um regime legal menos exigente, nesta particular, do que o comum.
XV. A lesividade que o Tribunal deve buscar nas deliberações sob suspensão não é aquela que resulte diretamente da sua execução mas sim aquela que resulte, em primeira linha, na demora na anulação da mesma deliberação, podendo estar em causa danos diretos, laterais, secundários ou reflexos.
XVI. O Tribunal a quo afirma não descortinar da factologia invocada no Requerimento Inicial de onde possa resultar dano apreciável para a Recorrente: porque da mesma não resultam (afirma o Tribunal aquo) decisões suscetíveis de execução decorrente da deliberação em si, estando pendentes, designadamente, da aprovação de orçamento para a realização das obras aprovadas;
XVII. Isto é, o Tribunal a quo atem-se unicamente aos efeito imediatos e diretos que pudessem decorrer para a Recorrente unicamente das deliberações especificamente impugnadas.
XVIII. Esquece não obstante que, como se disse, a Recorrente está envolvida num verdadeiro carrocel de deliberações em que o condomínio com uma regularidade mensal vem convocando assembleias com os mais diversos pretextos.
XIX. Sendo que se a Autora não tivesse a iniciativa de promover a suspensão de cada uma das deliberações (sucessivas) do condomínio e não sendo estas de facto suspensas e posteriormente anuladas, mergulhará a Recorrente num inferno até à sua asfixia financeira.
XX. É inequívoco que os Requeridos pretendem pressionar a Autora a aceitar (e a pagar) tudo o que entendam da sua conveniência (deles Requeridos) através de sucessivas marcações, de “assembleias”, de que resultam sucessivas “deliberações maioritárias”.
XXI. O comportamento dos Requeridos vem criando e tudo indica continuará a criar severo dano à Recorrente, sendo que a demora na anulação de todas estas deliberações causa, necessariamente, gravoso prejuízo também.
XXII. É que enquanto de facto o Tribunal não ordenar a suspensão das deliberações em causa nestes autos e nos demais já pendentes, e enquanto não forem analisadas e, espera-se, anuladas estas deliberações, a Recorrente não poderá viver sequer em sua casa!
XXIII. A Recorrente tem que quase mensalmente impugnar e pedir a suspensão de uma “nova” deliberação, continua sem água quente em sua casa e continua a ser vítima de verdadeiro assédio por parte da Requerida Z..., Lda (e do terceiro Requerido).
XXIV. Encontra-se neste momento com 6 processos judiciais em curso (ações principais e providências) tentando fazer cessar o ímpeto sucessivo dos Réus em sujeita-la à vontade do Terceiro Réu (que conforma por sua vez a vontade da Segunda Ré Condómina).
XXV. A Recorrente que nunca se viu envolvida em litígios judiciais, com 70 anos de idade, vê-se agora impossibilitada de residir em sua casa (onde não tem água quente), tem contactos semanais com o advogado, é parte em diversos processos (e a tendência é aumentar dado que todos os meses os Requeridos convocam uma nova “assembleia”).
XXVI. Vê a sua vida escrutinada reiteradamente – os Requeridos dão-se ao requinte de, designadamente nas suas oposições, virem suscitar a vida pessoal da Recorrente, a sua situação financeira, as propriedades que tem e não tem, os respetivos rendimentos, enfim,
XXVII. A Recorrente sofre diariamente angústia, preocupação e padece de grande ansiedade – desde logo a cada nova comunicação que recebe do dito “condomínio” (seja convocando novas assembleias, imputando-lhe custos, pretendendo “cobrar” despesas, etc…).
XXVIII. Toda esta situação deve ser vista no seu conjunto pelo Tribunal tendo em atenção que todas as deliberações já impugnadas são sucessivas (umas decorrentes das outras) e, por requintes muito especiais, a cada nova deliberação os Requeridos fazem questão de “ratificar/confirmar” a deliberação anterior o que reforça a necessidade da Recorrente voltar a impugnar cada “nova” deliberação.
XXIX. No caso dos autos: - As deliberações ora sob apreciação são nada mais do que um novo passo dos Réus no sentido de afundarem a Autora em encargos, incómodos e burocracias absolutamente desproporcionadas à dimensão e natureza do imóvel aqui em causa; - Não poderia a Autora deixar de as impugnar pois que são “nova” manifestação do reiterado e persistente abuso dos Réus contra a posição da Autora na administração do referido imóvel (no qual detém uma fração). - As pretensas deliberações, vistas isoladamente e em conjunto com aquelas resultantes das demais deliberação já oportunamente impugnadas pela Recorrente (isto é, já sob sindicância judicial), surgem genericamente ilegais, por contrariarem normas expressas e a própria constituição da PH. - Mas todo o histórico da situação dos autos em concreto – e das deliberações em si - com o que foi sempre a realidade e pratica do uso de cada fração e das zonas comuns do prédio não pode deixar de representar verdadeira violação do princípio de confiança, verdadeiro abuso de direito - Trata-se de impor à Autora trabalhos, encargos, despesas, obras desnecessárias ou não essenciais, de valor muito elevado, desajustado à realidade do imóvel, que além do mais os Réus podem manipular com grande liberdade. - Trata-se de impor à Autora a utilização da sua fração ao arrepio do que sempre aconteceu há mais de 40 anos e sem qualquer justificação razoável, ainda por cima face ao histórico do procedimento que levou a tais pretensas deliberações, como forma de pressão para que ela
aceite a alteração da estrutura do imóvel a favor dos Réus. - Trata-se também de deixar a Autora, há mais de meio ano, sem água quente em sua casa.
XXX. A presente providência deveria, pois, ter sido decretada, visto o conjunto dos atos sucessivamente praticados pelos Requeridos e tendo em atenção que a demora no congelamento das deliberações que têm vindo a ser sucessivamente impugnadas pela Recorrente leva a que – como vem sucedendo – os Requeridos continuem a marcar assembleias, deliberar a seu bel prazer tudo e mais alguma coisa e pretender impor a sua vontade à Recorrente (e em especial impor-lhe severos custos associados ao “condomínio”, seu “orçamento” e “obras” a nele realizar.
XXXI. Cada mês que passa nesta situação tem equivalido a mais uma deliberação (têm sido mensais desde Setembro), a mais uma providência cautelar e a mais uma ação de anulação!
XXXII. Estes danos, além de evidentes (na perspetiva da Recorrente) são também significativos, muito relevantes, mais do que apreciáveis!
XXXIII. De resto o argumento segundo o qual as obras a realizar no prédio serão apenas cobradas para futuro, não sendo esta deliberação exequível em si mesma é mesmo errado, pois que a decisão – deliberação – verdadeiramente ilegal quanto a esta matéria é aquela da qual resulta a extensão das obras a fazer (respetivo caderno de encargos) e não aquela em que, com base no já aprovado, se contrata o respetivo preço.
XXXIV. Tanto quanto o preço pelo qual tais obras venham a ser realizadas, é a extensão destas obras que é verdadeiramente abusiva e excessiva – verdadeiramente sumptuário – e é daqui que resulta, também, a ilicitude desta deliberação que, servindo-se de uma pretensa maioria, pretende impor à Recorrente a realização de obras com as quais a Recorrente não concorda e que a lei não prevê.
XXXV. Impõe-se pois ao Tribunal que aprecie a questão colocada a juízo sob uma perspetiva integrada – cada deliberação impugnada pela Recorrente precede a anterior e visa a consolidação de certo efeitos dos quais as deliberações seguintes estão dependentes.
XXXVI. Do que é exemplo claro a deliberação quanto à realização de obras: primeiro a Recorrida deliberou a realização de um relatório de patologias; seguidamente um mapa de quantidades e caderno de encargos; seguidamente a apresentação de orçamentos tendo por pressupostos o caderno de encargos decorrente do relatório e o passo seguinte será a sua adjudicação e realização – sempre contra a vontade da recorrente e em prejuízo desta.
XXXVII. Tanto mais que as obras que a Recorrida pretende realizar são muitas delas absolutamente desnecessárias e visam apenas consolidar uma visão da Recorrida sobre as características que o prédio aqui em causa deve ter por forma a ser mais rentável a venda da fração de que é titular!
XXXVIII. Não pode, pois o tribunal, data vénia, olhar para cada deliberação como se se tratassem de deliberações estanque e sem consequências para futuro – só se discutirá a adequação do preço pelo qual as pretendidas obras se realizarão se se tiver em consideração que previamente foi deliberado um conjunto de obras – excessivo – para suprir um conjunto de pretensas patologias muitas delas inexistentes!
XXXIX. E que, no final, caso não sejam desde já suspensos os efeitos de todas estas deliberações, a Recorrente será confrontada com superlativos encargos que se destinam, no fundo, a pôr o prédio aqui em causa bonito (na perspetiva dos Recorridos) de acordo com um determinado padrão que torne a fração da Recorrida sociedade mais (e melhor!) vendável!
XL. Nada do que os Recorridos têm vindo a deliberar visa o melhoramento do prédio e suas condições, nada é deliberado também no interesse da Recorrente – o que os Recorridos visam é que a Recorrente pague (fruto de uma pretensa minoria de 1% na distribuição da permilagem por ambas as frações) para que os Recorridos possam vender melhor a sua fração após a realização de obras de que o prédio aqui em causa não carece!
XLI. Não obstante, caso o Tribunal a quo tivesse dúvidas ou considerasse não estar suficiente e adequadamente densificada a invocação do requisito do dano apreciável deveria, sim, ter convidado a Recorrente a aperfeiçoar o seu Requerimento Inicial.
XLII. Era isto que lhe era imposto por lei, posto que o tribunal existe para administração da Justiça – artigo 152 do CPC – e a nossa ordem processual civil é cada vez menos um campo minado de preclusões – visando aquela que é a finalidade última do processo – a justa composição do litígio, pela prolação de decisão de mérito.
XLIII. Devendo sempre ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos para realização de audiência de discussão e julgamento, ainda que mediante, se assim se entender, prévio convite ao aperfeiçoamento, na medida do que se considere necessário.
XLIV. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou, além do mais, o disposto nos artigos 1436 e 1437 do Código Civil, 6, 7, 12, 152, 380, 590 do CPC e 20 da CRP.

2.2. A parte contrária não contra-alegou.
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3. Questões a decidir
1.Apurar se a decisão padece de omissão de pronuncia
2. Depois, se existe o pressuposto para a procedência da providência.
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4. Da nulidade processual
Pretende a apelante que a decisão não se pronunciou sobre a eventual inexistência da deliberação.
Ora, da decisão consta que “Ora, no caso em apreço, e ressalvado o devido respeito por entendimento diferente, as várias ratificações que aludem na acta referente à assembleia realizada no dia 10 (…) não permitem antever que as deliberações pretendidas suspender, nas condições em que foram aprovadas, isto é, com as condições de preço e execução ainda por definir (desde logo porque ainda pendente do resultado da aludida tentativa futura de negociação daqueles aspectos – valor global e calendário da obra), consubstanciem deliberações que, ainda que possam ser contrárias à lei, aos estatutos ou ao pacto social, não podem, no entanto, concluir-se como imediatamente passíveis de execução no património e/ou na esfera jurídica da Requerente”.
Ou seja, a decisão (mal ou bem) analisou a questão e concluiu pela improcedência. Acresce que a omissão de pronúncia terá de ser absoluta e não meramente deficiente.
Logo, improcede a questão prévia.

5. Motivação de facto
1. O prédio urbano situado na Rua ..., ... foi constituído em propriedade horizontal em 14/5/1981, pela primitiva proprietária, sendo composto por: “Fracção A (…)que corresponde a 49% da totalidade do prédio. Fracção B (…) que corresponde a 51% da totalidade do prédio. Zonas Comuns: São zonas comuns às 2 fracções as paredes exteriores, muros de vedação e respectivos alicerces, a cobertura do prédio, a rede geral de abastecimento de águas, a rede de esgotos de águas pluviais, incluindo caleiras e condutas, a rede geral de saneamento e ainda as condutas ou cabos condutores de energia elétrica, até aos respetivos contadores. São ainda comuns às 2 frações, o portão de entrada para o prédio, a que compete o n.º ... da Rua ..., a faixa de terreno com pequeno lanço de escadas que dá acesso à porta de entrada para o prédio, com a área de 11,5m2, a laje de cobertura desta faixa de terreno, o átrio de entrada, também com um pequeno lanço de escadas, com a área de 15,3m2 e a caixa de escadas de acesso ao 1.º andar, com a área de 13,2m2 para eventual acesso do utente da fração A, correspondente ao rés do chão, ao vão do telhado”.
2. Por escritura de compra e venda outorgada em 13/2/1985 a Requerente adquiriu o imóvel correspondente à fração A descrita em 1.
3. A fracção autónoma designada pela letra B mostra-se inscrita a favor da sociedade Requerida mediante a AP. ... de 2021/05/12.
4. Mediante carta datada de 17/5/2021, a sociedade requerida convocou a requerente para uma assembleia geral de condóminos a realizar no dia 8/6/2021 com a seguinte ordem de trabalhos:
“1 – Aprovação da formalização da constituição do condomínio no Instituto de Registos e Notariado (IRN);
2 – Eleição da administração de condomínio para o período de Julho de 2021 a Junho de 2022;
3 – Apresentação, análise e aprovação do orçamento de condomínio para o período de Julho de 2021 a Junho de 2022;
4 – Apresentação, análise e aprovação da repartição do orçamento de condomínio com base nas permilagens do prédio, para o período de Julho de 2021 a Junho de 2022;
5 – Apresentação, análise e aprovação do regulamento de condomínio;
6 – Apresentação, análise e aprovação de abertura de conta bancária em nome do condomínio;
7 – Apresentação, análise e aprovação de um seguro multirriscos para as zonas comuns;
8 – Apresentação, analise e aprovação de proposta de orçamento para elaboração de:
8.1 – Relatório com registo fotográfico do levantamento de todas as patologias e defeitos existentes, com vista à remodelação do prédio, nomeadamente da cobertura, fachadas e todas as zonas comuns;
8.2 – Caderno de encargos;
8.3 – Mapa de trabalhos e quantidades:
9 – Análise e aprovação para mudança da titularidade dos contadores de água e luz, para nome do condomínio;
10 – Análise e aprovação para mudança do anexo que armazena as botijas de gás;
11 – Outros assuntos de interesse geral ao condomínio.
5. No dia 21/6/2021 foi realizada uma assembleia de condomínios com a ordem de trabalhos referida em 4., onde os pontos 1 e 2 foram aprovados com o voto a favor da fração B, sendo que a fração A se absteve; os pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 9 e 11 foram, por unanimidade, adiados para a assembleia de condóminos seguinte.
6. Mediante carta datada de 30/7/2021, o legal representante da sociedade Requerida, na qualidade de administrador do condomínio, convocou a requerente para uma assembleia geral de condóminos a realizar no dia 7/9/2021 com a seguinte ordem de trabalhos:
“1 – Apresentação, análise e aprovação da ata nº 2 referente á assembleia extraordinária de condóminos realizada em 28 de Julho de 2021;
2 – Apresentação, análise e aprovação do orçamento de condomínio para o período de Julho de 2021 a Junho de 2022;
3 – Apresentação, análise e aprovação da repartição do orçamento de condomínio com base nas permilagens do prédio, para o período de julho de 2021 a Junho de 2022;
4 – Apresentação, análise e aprovação do regulamento de condomínio;
5 – Apresentação, análise e aprovação de abertura de conta bancária em nome do condomínio;
6 – Apresentação, analise e aprovação de proposta de orçamento para elaboração de: 6.1 – Relatório com registo fotográfico do levantamento de todas as patologias e defeitos existentes, com vista à remodelação do prédio, nomeadamente da cobertura, fachadas e todas as zonas comuns; 6.2 – Caderno de encargos; 6.3 – Mapa de trabalhos e quantidades:
7 – Análise e aprovação para mudança da titularidade dos contadores de água e luz, para nome do condomínio;
8 – Análise e aprovação para a retirada do estendal exterior existente na varanda sul da fracção “A” sobre o jardim da fracção “B”;
9 – Análise e aprovação para retirada da marquise ilegal existente na varanda sul da fracção “A”;
10 – Análise e aprovação para retirada da escada exterior ilegal existente na varanda a nascente da fracção “A”;
11 – Outros assuntos de interesse geral ao condomínio.
7. Mediante carta datada de 30/7/2021, a sociedade Requerida comunicou à Requerente que “(…) até à data limite de 31.08.2021, deverá retirar as garrafas de gás armazenadas indevidamente no jardim da nossa fracção. Caso não o faça até data limite indicada, procederemos à sua retirada não nos responsabilizando pelo eventual corte de fornecimento de abastecimento de gás à fracção de V.Exª que tal possa provocar….”.
8. Mediante carta datada de 30/7/2021, o legal representante da sociedade Requerida, na qualidade de administrador do condomínio, comunicou à Requerente que “(…) tendo em conta que V.Exª não contestou nem apresentou qualquer proposta de alteração à proposta de redacção da acta nº ... que lhe foi enviada por email em 28.06.2021, vem pelo presente meio comunicar que a referida acta nº ... é tida por aprovada, tendo já sido devidamente assinada pelo proprietário da fracção “B” e encontrando-se à disposição de V.Exª para que a assine quando entender conveniente….”.
9 e 10 (dão-se por reproduzidos).
10.No dia 7/9/2021 foi realizada uma assembleia de condóminos.
12. Como a Requerente não esteve presente foi-lhe remetida uma cópia da acta, por carta datada de 15/9/2021, constando da mesma:
“1 – Apresentação, análise e aprovação da acta nº ... referente á assembleia extraordinária de condóminos realizada em 28 de Julho de 2021 (Anexo I): aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
2 – Apresentação, análise e aprovação do orçamento de condomínio para o período de Julho de 2021 a Junho de 2022 (Anexo II): aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
3 – Apresentação, análise e aprovação da repartição do orçamento de condomínio com base nas permilagens do prédio, para o período de Julho de 2021 a Junho de 2022 (Anexo III): aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
4 – Apresentação, análise e aprovação do regulamento de condomínio (Anexo IV): aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
5 – Apresentação, análise e aprovação de abertura de conta bancária em nome do condomínio: proposto abrir conta no Banco 1... - aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%) ;
6 – Apresentação, analise e aprovação de proposta de orçamento para elaboração de:
6.1 – Relatório com registo fotográfico do levantamento de todas as patologias e defeitos existentes, com vista à remodelação do prédio, nomeadamente da cobertura, fachadas e todas as zonas comuns;
6.2 – Caderno de encargos;
6.3 – Mapa de trabalhos e quantidades;
- Proposto adjudicar orçamento do Eng. CC: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
7 – Análise e aprovação para mudança da titularidade dos contadores de água e luz, para nome do condomínio: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
8 – Análise e aprovação para a retirada do estendal exterior existente na varanda sul da fracção “A” sobre o jardim da fracção “B”: O Administrador de Condomínio propôs que a proprietária da fracção “A” retire o estendal no prazo de 30 dias, e fique notificada através do envio da presente acta. Caso não o faça neste prazo, ou noutro que venha a solicitar, será o condomínio a fazê-lo, imputando os respectivos custos à proprietária da fracção - aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
9 – Análise e aprovação para retirada da marquise ilegal existente na varanda sul da fracção “A”: o Administrador de Condomínio propôs que a proprietária da fracção “A” solicite a legalização ou reposição da legalidade da referida marquise, no prazo de 60 dias, e fique notificada através do envio da presente acta. Caso não o faça neste prazo, ou noutro prazo que venha a solicitar, o condomínio deverá fazer uma denúncia junto do Departamento de Urbanismo e Fiscalização da Câmara Municipal ... - aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
10 – Análise e aprovação para retirada da escada exterior ilegal existente na varanda a nascente da fracção “A”: o Administrador de Condomínio propôs que a proprietária da fracção “A” solicite a legalização ou reposição da legalidade, no prazo de 60 dias, e fique notificada através do envio da presente acta. Caso não o faça neste prazo, ou noutro prazo que venha a solicitar, o condomínio deverá fazer uma denúncia junto do Departamento de Urbanismo e Fiscalização da Camara Municipal do Porto -aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
11 – Outros assuntos de interesse geral ao condomínio.
11.1 – Durante a realização da presente Assembleia Extraordinária de Condóminos, ocorreu um acidente que resultou na queda de um dos vidros da clarabóia, com origem na corrente de ar que se verificada, uma vez que tínhamos a porta de entrada aberta. Procedeu-se à remoção dos vidros que se espalharam pelas zonas comuns, e o Condomínio vai proceder à remoção dos outros vidros da clarabóia, por motivos de segurança dos utilizadores do prédio, tendo em conta o perigo eminente de queda….”
13. Por carta datada de 14/9/2021, a administração do condomínio solicitou à Requerente que se disponibilizasse “para permitir o acesso à sua fracção por parte do Eng. CC, a quem foi adjudicada a realização de um relatório pericial do prédio, de modo a que realize uma vistoria e faça o registo de eventuais patologias construtivas (…)”.
14. Por carta datada de 15/9/2021, a sociedade Requerida comunicou à Requerente que “os assuntos abordados na carta referida (carta da requerente de 3/9) já estão devidamente esclarecidos na acta n.º ... (…)”.
15. Por carta datada de 15/9/2021 a administração do condomínio convocou a requerente para uma assembleia de condóminos a realizar no dia 20/10/2021 com a seguinte ordem de trabalhos:
“1. Apresentação, análise, aprovação da acta n.º ... referente à assembleia extraordinária de condóminos realizada em 7 de Setembro de 2021;
2. Apresentação e análise do relatório pericial com registo fotográfico do levantamento de todas as patologias e defeitos existentes, com vista à remodelação do prédio, nomeadamente da cobertura, fachadas e todas as zonas comuns, votação e aprovação dos trabalhos a realizar.
3. Outros assuntos de interesse geral ao condomínio.”
16. No dia 20/10/2021 foi realizada uma assembleia de condóminos, tendo a Requerente nela estado presente.
17.Correm termos procedimentos cautelares de suspensão de deliberações de condóminos requeridos pela aqui Requerente contra os Requeridos, nos quais a primeira peticiona a suspensão das deliberações aprovadas nas assembleias realizadas nos dias 7 de Setembro de 2021 e 20 de Outubro de 2021.
18. No dia 10/01/2022 foi realizada uma assembleia de condóminos.
19. Após ser convocada para a mesma, por carta de 29/12/2021, a Requerente anunciou que não iria estar presente na mesma.
20.Como a Requerente não esteve presente foi-lhe remetida uma cópia da acta da assembleia realizada no dia 10 de Janeiro de 2022, na consta o seguinte:
“… 1 – Ratificação da deliberação de aprovação da formalização da constituição do condomínio no Instituto de Registos e Notariado (IRN): aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
2 – Ratificação da deliberação de eleição da administração de condomínio para o período de Julho de 2021 a Junho de 2022: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
3 – Ratificação da deliberação de apresentação, análise e aprovação do orçamento de condomínio para o período de Julho de 2021 a Junho de 2022: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
4 – Ratificação da deliberação de apresentação, analise e aprovação de repartição do orçamento de condomínio com base nas permilagens do prédio, para o período de Julho de 2021 a Junho de 2022: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
5 – Ratificação da deliberação de apresentação, análise e aprovação do regulamento de condomínio: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
6 – Ratificação da deliberação de apresentação, análise e aprovação de abertura de conta bancária em nome do condomínio: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
7 – Ratificação da deliberação de apresentação, análise e aprovação de proposta de orçamento para elaboração de:
7.1 – Relatório com registo fotográfico do levantamento de todas as patologias e defeitos existentes, com vista à remodelação do prédio, nomeadamente da cobertura, fachadas e todas as zonas comuns: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
7.2 – Caderno de encargos: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
7.3 – Mapa de trabalhos e quantidades: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
8 – Ratificação da deliberação de analise e aprovação para mudança da titularidade do contador de luz para nome do condomínio: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
9 – Ratificação da deliberação de analise e aprovação para mudança do anexo que armazena as botijas de gás: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
10 – Ratificação da deliberação de análise e aprovação para a retirada do estendas exterior existente na varanda a sul da fracção “A” sobre o jardim da fracção “B”: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
11 – Ratificação da deliberação de análise e aprovação para retirada da marquise ilegal existente na varanda a sul da fracção “A”: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
12 – Ratificação da deliberação de análise e aprovação para retirada da escada exterior ilegal existente na varanda a nascente da fracção “A”: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
13 – Ratificação da deliberação de apresentação e análise do relatório parcial com registo fotográfico do levantamento de todas as patologias e defeitos existentes, com vista à remodelação do prédio, nomeadamente da cobertura, fachadas e todas as zonas comuns, votação e aprovação dos trabalhos a realizar: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
14 – Apresentação e análise dos orçamentos obtidos pelos condóminos, para realização das obras aprovadas na assembleia extraordinária realizada em 20 de Outubro de 2021, e ratificadas na presente assembleia, com base no relatório pericial, no caderno de encargos e no mapa de trabalhos e quantidades, com vista à remodelação das zonas comuns do prédio: após analise do orçamento da empresa R..., com a referencia PP_048/21 (ANEXO I), no valor de 57.547,30€, enviado pela proprietária da fracção “A”, e do orçamento da empresa F..., com a referencia “...” (ANEXO II), no valor de 56.379,36€, enviado pelo proprietário da fracção “B”, tendo em conta a proprietária da fracção “A” não esteve presente nesta reunião, nem deu qualquer referência da empresa R..., foi proposto adjudicar o orçamento da empresa F... pelo facto de ser mais barato, oferecendo garantias de uma boa execução da obra a realizar: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
“15 - Outros assuntos de interesse geral do condomínio: no âmbito da adjudicação, aprovada no ponto anterior, o Administrador de Condomínio vai contactar a empresa F..., de modo a:
15.1 – tentar negociar o valor global da empreitada;
15.2 – Definir um calendário de obra;
15.3 – Definir penalizações por algum eventual incumprimento;
15.4 – Solicitar a redacção de um contrato de empreitada para a sua formalização;
15.5 – Solicitar a tramitação junto da Câmara Municipal ..., nomeadamente para a comunicação do início de trabalhos….”.
*
6. Motivação jurídica
Está em causa a aplicação do art. 380º, do CPC que dispõe:
1 — Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.
Os pressupostos para a procedência do procedimento são:
a) a qualidade de condómino
b) a ilegalidade da deliberação
e c) existência de dano apreciável.[1]
Esta norma é semelhante à do anterior art. 396º, do CPC.
In casu, neste recurso, está em causa a discussão do terceiro requisito.
A nossa doutrina e jurisprudência são consensuais quando definem o dano apreciável como:
1. Um conceito indeterminado a fixar com base nos factos provados ou inferir da globalidade dos mesmos[2];
2. um dano futuro, como tal incerto mas que terá de ser previsível;
3. de dimensão apreciável e assinalável, não normal ou irrisória.[3]

Nesta medida Abrantes Geraldes[4] esclarece que essa expressão: “integra um conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e prova de factos dos quais possa extrair-se que a execução do deliberado no seio da pessoa colectiva acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe dos danos irrisórios ou insignificantes, embora sem se confundir com as situações de irrecuperabilidade ou de grave danosidade”.
Nos mesmos termos Lobo Xavier[5] afirmou “não é toda e qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas comportem, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela acção proferida”.
Coutinho de Abreu[6] considera que: “O dano patrimonial ou não, de sócio(s) e/ou da sociedade, é apreciável quando significativo (não insignificante). Não tem de ser julgado irreparável para que a suspensão seja decretada. Mas, porque o dano apreciável aqui relevante é o que pode resultar da demora do processo principal, há-de ser dificilmente reparável sem a suspensão. Se a tutela conferida pela acção principal (procedente) é suficiente para a reparação dos danos, não há razões para decretar a suspensão de deliberação”.
Mais, recentemente, Rui Pinto Duarte[7] defende que o dano deve ser aferido através da comparação de duas realidades: o resultante da execução e o resultante da suspensão.
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Ora, no presente caso estão em causa 15 deliberações, dos quais:
a) os pontos 1 a 13 são ratificações de deliberações anteriores que a apelante já impugnou e que dizem respeito:
I. formalização da constituição do condomínio no Instituto de Registos e Notariado (IRN):
II. eleição da administração de condomínio para o período de Julho de 2021 a Junho de 2022:
III. apresentação, análise e aprovação do orçamento de condomínio para o período de Julho de 2021 a Junho de 2022
IV. apresentação, analise e aprovação de repartição do orçamento de condomínio com base nas permilagens do prédio, para o período de Julho de 2021 a Junho de 2022
V. Apresentação, análise e aprovação do regulamento de condomínio: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
VI. Apresentação, análise e aprovação de abertura de conta bancária em nome do condomínio: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
VII. Apresentação, análise e aprovação de proposta de orçamento (…)
VIII. Análise e aprovação para mudança da titularidade do contador de luz para nome do condomínio: aprovado por maioria com voto a favor da fracção “B” (51%);
IX. Análise e aprovação para mudança do anexo que armazena as botijas de gás
X. Análise e aprovação para a retirada do estendas exterior
XI. Análise e aprovação para retirada da marquise ilegal existente na varanda a sul da fracção “A”: Análise e aprovação para retirada da escada exterior ilegal existente na varanda;
XII. Apresentação e análise do relatório parcial com registo fotográfico do levantamento de todas as patologias e defeitos existentes, com vista à remodelação do prédio
Ora, nenhuma destas deliberações possui em si mesmas, como salienta o despacho recorrido, dimensão executiva, mas meramente deliberativa a qual, por isso, não implica qualquer tipo de urgência que imponha a sua suspensão imediata, tanto mais que as acções de anulação das mesmas já foram intentadas e o ano a que refere o orçamento já terminou (junho de 2022).
Depois, as restantes deliberações:
Ponto 14: “Apresentação e análise dos orçamentos obtidos pelos condóminos, para realização das obras aprovadas na assembleia extraordinária realizada em 20 de Outubro de 2021;
Ponto 15 - Outros assuntos de interesse geral do condomínio: no âmbito da adjudicação, aprovada no ponto anterior (…).
Dizem respeito a obra futuras que ainda não foram adjudicadas e que por isso não vinculam ainda o condomínio caso a sua realização venha a ser considerada ilegal.
Acresce que os danos invocados são em primeira linha materiais e só depois, por causa disso, os imateriais relativos ao bem estar e tranquilidade da apelante.
Ora, nessa dimensão teremos sempre de ponderar que a não realização de algumas dessas deliberações pode também causar danos materiais aos condóminos e terceiros já que dizem respeito a manutenção de espaços comuns, gestão do condomínio e reparação de espaços comuns.
Logo, estamos perante prejuízos análogos e da mesma natureza às dos alegados (ambas as prestações pecuniárias podem vir a lesar dimensões corporais de condóminos ou terceiros)[8], sendo que as desvantagens da execução da deliberação são menores do que a da sua não execução.[9]
Acresce que, na maior parte dos casos não se vislumbra a existência de qualquer dano efectivo (ex. nomeação de administração e inscrição do condomínio no INR).
Na maior parte dos casos estamos perante deliberações sem conteúdo patrimonial direto (pontos 6 e 12).
Noutros perante deliberações que decorrem da necessidade de gestão corrente do condomínio (3, 4, 7, etc).
E, nos restantes perante decisões perante as quais a apelante poderá reagir de forma devida e atempada no decurso da acção, pois, a aprovação (sem mais) de um regulamento e a recção contra alegadas marquises ilegais em nada afectam, por ora, os direitos da apelante.
Ou seja, a apelante não alegou e por isso não pode vir a demonstrar que face ao teor das deliberações, exista a efectiva impossibilidade da realização de um seu direito num momento futuro[10] .
Podemos, por isso, concluir que de facto a deliberação em causa não causa um dano significativo ou relevante à apelante, pelo que não pode ser procedente.
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6.2. Da deliberação inexistente
A questão da apelante de que estaríamos perante este tipo de deliberação é manifestamente improcedente.
Em primeiro lugar, não estamos perante qualquer tipo de deliberação inexistente.
Estas são aquelas onde existe a falta absoluta dos “seus elementos essenciais específicos”[11].
Note-se por exemplo que a falta de acta não configura esse vício (art. 63 do CSC).
E que, no Ac. STJ de 4/12/96(25), nº JSTJ00031315 (Martins Costa) decidiu-se que a “deliberação inexistente é o acto a que falte o mínimo dos requisitos essenciais para que possa ter a eficácia jurídica própria de uma deliberação ou que não seja adequado, nem sequer na sua aparência material, a vincular a sociedade.”
Ora, nada disso foi sequer alegado pela apelante, mas apenas vícios que podem configurar a nulidade e anulabilidade[12].
Improcede, pois, esta alegação.
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* *
7. Deliberação
Pelo exposto, este tribunal decide, julgar a presente apelação improcedente por não indiciada e, por via disso, confirma a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo da apelante porque decaiu inteiramente (artºs 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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Porto em 13.7.2022
Paulo Duarte Teixeira
Ana Vieira
Deolinda Varão
_________________
[1] Ac da RP de 12/05/2009 (Canelas Brás): “o prejuízo sério para este efeito caracteriza-se como menos que irreparável, considerável e mais que de pequena monta.
[2] A da RC de RC 2/4/2019, nº 8510/18.7T8CBR.C1 (e anotação do mesmo in blog IPCC 4.10.19), no mesmo local anotação de 29.1.2021 ao Ac da RL de 14.7.2020.
[3] Cfr. por mais recente Ac da RL de 8.3.22, nº 8933/21.4T8SNT-A.L1-1 (Fátima Silva), Ac da RP de 7.10.21, nº 517/21.3T8AMT.P1 (Aristides Almeida); Ac da RP de 22.3.21, nº 2662/20.3T8AVR.P1 (Abílio Costa).
[4] in Temas Da Reforma Do Processo Civil, IV Volume, Almedina, 2001, a pág. 88. E Nos mesmos termos in “CPC anotado”, Vol. I (A. Geraldes, Luís P. Sousa, Paulo Pimenta), págs. 450.
[5] in O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais, RDES, ano XXII, pág. 215. Nos mesmos termos Pinto Furtado, in Deliberações dos Sócios, Almedina, pág.467.
[6] In “Cód. Sociedades Comerciais em comentário”, Vol. I, págs. 698 e 699.
[7] O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (…), Direito das Sociedades em revista, Setembro 2013, nº 5.
[8] Como resulta aliás dos factos provados, onde está em causa a colocação de botijas de gás.
[9] Isto porque, se estão em causa obrigações pecuniárias os juros civis restituem o valor de qualquer quantia despendida pela apelante, sendo que, pelo contrário o vazio de gestão do condomínio pode afetar o estado das partes comuns.
[10] Marco Gonçalves, Providências Cautelares, 3ª edição, Almedina 2017, pg. 272.
[11] Raúl Ventura, Sociedades por quotas, II, Almedina, Coimbra, 1996, p. 247.
[12] VASCO LOBO XAVIER, Anulação de deliberação social e deliberações conexas, p. 196, afirma que “Deliberação inexistente seria desde logo aquela em que não-sócios deliberam sobre assuntos da sociedade. (…) Outros casos seriam mais duvidosos”.